arbitrariedade

O absurdo de se bloquear o WhatsApp – de novo!

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Montagem sobre foto do Mídia NINJA/Creative Commons

O Brasil ficou sem WhatsApp a partir das 14h desta segunda (2/5). De novo! Mais que uma batalha entre uma megacorporação e a Justiça, esse caso demonstra como muitos magistrados brasileiros ainda têm um longo caminho a percorrer no entendimento das ferramentas digitais na vida das pessoas e das empresas.

Assim como aconteceu no dia 17 de dezembro passado, quando a juíza Sandra Regina Nostre Marques, de São Bernardo do Campo (SP), determinou que as operadoras de telefonia cortassem o acesso aos servidores do WhatsApp por 48 horas, o motivo agora é o descumprimento do Facebook, dono do comunicador, da ordem judicial para entregar dados e conversas de usuários que são investigados pela Justiça.


Vídeo sobre o bloqueio de 17 de dezembro:


Vale lembrar que, desde o mês passado, todas as conversas no WhatsApp são criptografadas de ponta a ponta, o que, em tese, impede que até a própria empresa consiga ler seu conteúdo.

O responsável pelo novo bloqueio é o juiz Marcel Montalvão, da cidade de Lagarto (SE). Ele é o mesmo que, em março, mandou prender preventivamente o vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, alegando descumprimento de determinação de quebra do sigilo de mensagens no aplicativo.

Mas eu tenho uma pergunta: o que eu, você e os outros 100 milhões de usuários no WhatsApp no Brasil têm a ver com isso?

Pois o real efeito da decisão do senhor Montalvão é eliminar uma ferramenta que, pela sua penetração, se tornou extremamente importante na vida das pessoas, que usam esse messenger para se divertir, se relacionar e trabalhar.

Com uma canetada, o juiz de Lagarto amordaçou metade da população brasileira.

 

Dá para atender aos pedidos?

Juristas criticaram a decisão do juiz Montalvão, classificando-a de “arbitrária” e “violadora de direitos individuais”. Em resumo, não se pode penalizar toda uma população para fazer valer uma decisão judicial, por mais que ela seja legítima.

Fazendo uma analogia, é como se, digamos, a Telefonica resolvesse descumprir uma decisão judicial e, por isso, algum juiz determinasse que os telefones ficassem mudos, impedindo a comunicação de todos os seus milhões de assinantes. Acho que nem a juíza Marques, nem o juiz Montalvão pensariam em um descalabro desses.

Então por que eles acham legítimo tirar do ar o WhatsApp? Pois, para muita gente (provavelmente para a maioria dos seus usuários), ele chega a ser mais importante que o próprio telefone como ferramenta de comunicação.

Por fim, muitos podem argumentar que é muito barulho por nada, que se trata de apenas um comunicador entre tantos outros, inclusive o Messenger, do próprio Facebook. Mas a situação é, sim, tão grave quanto se está vendendo, pois esse tipo de software tem uma característica interessante: só faz sentido usá-lo se “todo mundo” fizer o mesmo. Por isso, migrar para outros produtos é um processo que levaria semanas, sendo muito mais social que tecnológico.

Assim, fica valendo a mordaça do Montalvão. A expectativa é ficar sem o aplicativo por 72 horas. Vamos ver quanto dura. Em dezembro, a determinação foi derrubada depois de apenas 12 horas.

O que parece não cair nunca é essa teimosia combinada com incompetência e inconsequência da Justiça de meter os pés pelas mãos quando o assunto é o trato da tecnologia na vida dos cidadãos e das empresas. Até quando?


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Quem vigia os vigilantes (ou os políticos)?

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Foto: Chuck Patch (Creative Commons)

A Câmara dos Deputados está gestando três projetos de lei que, na prática, criam mecanismos de censura da Internet e ferem liberdades do indivíduo. O principal deles tem, como objetivo, a punição de quem publicar conteúdo ofensivo a parlamentares. O segundo oferece a qualquer “autoridade competente” o poder de exigir que serviços online forneçam os dados de seus usuários sem ordem judicial. E o pacotão de arbitrariedades é concluído com outro projeto que determina que qualquer um que poste conteúdos na Internet seja identificado por nome completo e CPF.

Os três projetos se completam e criam uma sensação de que o cidadão está indefeso diante daqueles que o deveriam defender, e que legislam sem controle ou limites, um caso clássico de “quis custodiet ipsos custodes?” A frase em latim, atribuída a Juvenal, poeta romano do início da era cristã, é normalmente traduzida como “quem vigia os vigilantes:” e se refere à dificuldade de controle das ações de quem está no poder.

Os projetos batem de frente com o Marco Civil da Internet, propondo sua alteração em uma de suas maiores conquistas: a garantia do sigilo dos dados dos usuários, que só pode ser violado por força de uma ordem judicial. Mas o primeiro dos três projetos, de autoria do procurador parlamentar, deputado Cláudio Cajado (DEM-BA), abre portas para que qualquer parlamentar cale a boca de qualquer um que, mesmo dentro do jogo da democracia, diga algo que o incomode.

Isso piora ainda mais a já desgastada imagem do Legislativo junto aos brasileiros. Em todas as esferas e em todos os rincões desse país, vemos parlamentares tentando silenciar aqueles que, mesmo munidos de provas irrefutáveis, dizem coisas contrárias a eles. As vítimas desse abuso de poder vão desde pequenos blogueiros até grandes veículos de comunicação. Para os pequenos, as coações são mais brutais; para os grandes, recorre-se a uma espécie de “censura de toga”.

Um exemplo foi a proibição, por ordem judicial, de o Estadão de falar mal da família Sarney na “Operação Boi Barrica” da Polícia Federal. Até mesmo sites de humor são vítimas da intolerância parlamentar: no mês passado, o deputado Marco Feliciano tentou calar e pedir indenização ao Sensacionalista, por ser alvo de piadas do site humorístico. A Justiça, dessa vez, não acatou as alegações do deputado.

A proposta de Cajado está em fase final de elaboração e deve ser apresentada em setembro, com o apoio do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Se virar lei, esse tipo de pressão tende a aumentar exponencialmente, pois o parlamentar se sentirá amparado em uma lei que lhe dá poder de punir os autores daquilo que não gosta, como também os serviços que hospedarem esses conteúdos.

 

Rito sumário e ignorância técnica

Mas a situação fica ainda pior quando o projeto de Cajado se combina com os outros dois, esses já apresentados.

O projeto de lei da deputada Soraya Santos (PMDB-RJ) abre um perigosíssimo precedente quando, no artigo 7º, diz que qualquer “autoridade competente” pode exigir (e receber) informações pessoais dos usuários de um serviço online. Mas o que é uma “autoridade competente”? O texto não especifica isso e, portanto, amparado pela lei, um soldado da PM ou delegado poderiam exigir informações confidenciais em nome daquele que estiver “representando”. Não se enganem: isso tipo de abuso já existe hoje, mesmo sem amparo legal. Novamente, se o projeto se transformar em lei, a tendência é que assistamos impotentes ao enorme crescimento dessa prática abjeta.

O terceiro dos projetos, de autoria do deputado Silvio Costa (PSC-PE), é uma pérola de desconhecimento básico da Internet. Ele propõe que “o provedor de aplicações de internet, sempre que permitir a postagem de informações públicas por terceiros, na forma de comentários em blogs, postagens em fóruns, atualizações de status em redes sociais ou qualquer outra forma de inserção de informações na internet, deverá manter, adicionalmente, registro de dados desses usuários que contenha, no mínimo, seu nome completo e seu número de Cadastro de Pessoa Física (CPF).”

Ou seja, segundo o deputado, para um simples “curtir” no Facebook, o usuário deverá informar nome e CPF ao serviço, que será obrigado a repassar essa identificação “às autoridades competentes” para a supostamente devida punição, antes de qualquer julgamento, sem ordem judicial. O objetivo está bem claro na justificação do projeto: “essa simples exigência irá, por certo, coibir bastante as atitudes daqueles que, covardemente, se escondem atrás do anonimato para disseminarem mensagens criminosas na rede.” Ou seja, contrariando a Constituição, todo mundo é, por definição, culpado, até que se prove o contrário.

Mas de “simples”, a exigência não tem nada. Dentro do território nacional, existem pessoas que podem legalmente usar redes sociais, mas não têm CPF. Que dizer então de pessoas que vivem em outros países, particularmente estrangeiros? Eles não têm, nem nunca terão CPF, independentemente do que o Congresso Nacional Brasileiro determinar. Mesmo assim, o que postarem nas redes sociais eventualmente chegará aos usuários brasileiros. Parte desse conteúdo pode estar em português e, seja verdade ou mentira, poderá incomodar alguém por aqui. Como resolver isso e atender o que propõe o projeto de lei? Mais que uma impossibilidade técnica, a proposta é inócua porque trata a Internet e todos os seus usuários no mundo como se estivessem sujeitos à legislação brasileira.

Os três projetos são, portanto, indefensáveis do ponto de vista técnico e da democracia. Qual seria o próximo passo? Talvez os deputados peçam que a Internet seja simplesmente “fechada” ou, quem sabe, absurdamente restringida no país. Estaríamos, assim, bem próximos a “nações progressistas”, como a Coreia do Norte.