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A inovação pode ser inimiga da produtividade?

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Charlie Chaplin em cena do filme “Tempos Modernos” (1936) que contrapõe uma caricata inovação à eficiência - Foto: divulgação

Charlie Chaplin em cena do filme “Tempos Modernos” (1936) que contrapõe uma caricata inovação à eficiência

Já é senso comum que precisamos inovar para nos mantermos no mercado, seja lá o que façamos. Há cada vez menos espaço para fórmulas cristalizadas. Apesar disso, no frigir dos ovos, são poucas as empresas que realmente inovam em seus processos e modelos de negócios, preferindo manter tudo como está, mesmo com o risco de serem passadas para trás. O motivo: inovar nos tira de nossa zona de conforto e embute riscos no negócio. A qual grupo de profissionais você pertence: os inovadores ou os conservadores?

Isso gera um tremendo dilema: como pensar em modelos disruptivos se isso pode, pelo menos em um primeiro momento, atrapalhar algo que esteja funcionando bem há anos? Isso fica ainda mais dramático em um cenário econômico como o que vivemos, com uma crise profunda que resiste há anos.


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Essa questão me foi apresentada na semana passada, durante o Red Hat Summit, que aconteceu em San Francisco (EUA). Ela surgiu na conversa que pode ser vista no vídeo acima, que tive com Jim Whitehurst, CEO da Red Hat, a maior empresa de software open source do mundo.

Para ele, ainda estamos nos dias inicias em que a inovação mudará os modelos de negócios das organizações. “A maneira como a maioria das empresas é tocada e como os modelos de negócios foram construídos no passado é focada em eficiência”, afirmou. “Como consigo mais escala, como consigo ser mais eficiente?” Considerando que a maioria dos gestores detesta riscos, a inovação acaba encontrando profundas barreiras internas, pois as mudanças que ela inevitavelmente traz batem de frente com esse conceito.

Mas, afinal, por que é tão imperioso inovar?

 

A morte da vaca leiteira

Como jornalista, pertenço a uma indústria que está em crise. A grande maioria das empresas de comunicação tradicionais está com seríssimos problemas. Seus faturamentos estão em queda livre há anos, há uma gigantesca fuga de público e sangria de publicidade, veículos tradicionais são descontinuados e várias empresas já fecharam as portas. Muitas outras, verdadeiros colossos empresariais até bem pouco tempo atrás, definham melancolicamente.

Diante desse cenário aterrorizante, seus gestores jogam a culpa nos meios digitais e no próprio consumidor. Alguns dizem até que o jornalismo está morrendo! Nenhum olha para o espelho e assume a sua inoperância como o verdadeiro problema.

Isso não passa de chororô de quem não faz a sua lição de casa e se recusa a inovar!

Acontece que essas empresas foram inovadoras há algumas décadas, criando produtos que lhes garantiram enorme prestígio financeiro e político. Criaram um negócio muito bem azeitado. Agora insistem em continuar vivendo dessa glória do passado.

Entretanto, essas “vacas leiteiras”, que alimentaram a organização por décadas, morreram ou estão moribundas. Em outras palavras, se transformaram em “abacaxis”, ou seja, esses produtos não apenas deixaram de ser fontes consistentes de recursos sustentáveis para se transformar em preocupações que drenam energia e dinheiro das organizações.

Até uns 15 anos atrás, se quiséssemos nos manter bem informados, tínhamos que forçosamente assinar um jornal, uma revista semanal e uma ou outra revista segmentada. E era assim porque não tínhamos alternativas! Apenas as grandes empresas de comunicação produziam conteúdo de qualidade.

O cenário mudou completamente. Os meios digitais baratearam imensamente a produção de novos veículos de comunicação. E, com isso, esse mercado foi inundado por novas empresas, muito mais ágeis, com produtos adequados aos novos anseios do público, com uma nova linguagem, modelos de negócios inovadores e bom uso dos recursos digitais.

O público –que não é trouxa– percebeu que tinha mais poder de escolha, e migrou para os novos produtos, que lhe ofereciam muito mais vantagem. O consumidor, portanto, mudou –e para algo melhor!

Os meios digitais não estão matando aquelas empresas tradicionais. Quem está fazendo isso é a sua própria incompetência em inovar para se manterem competitivas.

E não se engane: isso acontece da mesma forma com qualquer negócio.

 

O infame departamento de inovação

A inovação deve ser um processo de liberdade e amplo. Uma empresa só é verdadeiramente inovadora quando oferece, a todos os seus funcionários, a possibilidade de correr riscos e criar coisas novas.

Muitas companhias, quando decidem “inovar”, criam “departamentos de inovação”. Ou seja, elegem algumas mentes e os colocam em uma salinha, onde serão responsáveis por tirar a organização da mesmice.

Nada mais equivocado!

Quando os gestores fazem isso, passam uma mensagem ao resto da companhia de que a inovação é exclusividade daquela turma. A todos os outros, cabe manter a máquina girando, executando os processos já consagrados.

Mas a inovação pode vir de todo lugar, mesmo do funcionário mais insuspeito! E pode acontecer até mesmo em pequenas mudanças no cotidiano da produção, que podem ter impactos significativos no negócio.

De volta ao Red Hat Forum, Whitehurst construiu sua fala na abertura do segundo dia do evento em cima do conceito de “configurar, habilitar, engajar”. Em outras palavras, as empresas precisam criar e oferecer recursos para que seus públicos internos e externos se envolvam com o negócio.

A inovação vem, portanto, com mudanças culturais.

 

O caminho para a inovação

Uma mudança cultural de uma organização pode ser um processo doloroso, pois ela implica em mudanças essenciais na maneira como a liderança é exercida. Envolve os valores da companhia, seus processos, seus sistemas, sua gestão.

Portanto, a mudança tem que inevitavelmente envolver a liderança. Pode até começar em níveis inferiores, mas precisa forçosamente ser conduzida pela chefia. E isso não quer dizer que “o pessoal do andar de cima” de repente ficará “bonzinho” ou se preocupará menos com os lucros.

A mudança verdadeira acontece quando a liderança permite que qualquer um possa contribuir com ideias. Mais que isso, quando cria mecanismos para que as equipes implantem protótipos de novos modelos e produtos, mesmo que a maioria acabe sendo rejeitada depois, sem medo de serem punidos por isso. E isso deve acontecer de maneira recorrente e rápida!

Mesmo que, de cada dez ideias apresentadas, nove sejam abandonadas, a que “vingou” pode ser aquela que levará a empresa a um novo patamar de crescimento. E, no caso de ciclos recorrentes de inovação, o aprendizado dos anteriores, inclusive com as ideias desprezadas, faz com o processo se torne cada vez mais eficiente.

Em outras palavras, quando a empresa inclui a inovação em seu DNA, esse processo se torna tão natural, que não impacta a eficiência e a produtividade. Pode-se criar o novo sem impactar o que já está funcionando.

O guru da administração Tom Peters costuma dizer que “o fracasso é uma medalha de honra”, pois ele demonstra que se buscou o novo. E conclui: a única maneira de não fracassar em algo é não tentar. Mas essa também é a garantia de que jamais se atingirá o sucesso!

E então: vai continuar parado aí?


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Prepare-se para ficar sem seu número de telefone

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Foto: Visualhunt / Creative Commons

Responda rapidamente: você se lembra do número de telefone de todos os seus familiares e amigos mais próximos? Provavelmente não! Algo que era corriqueiro até bem pouco tempo atrás parece estar sendo varrido da nossa memória, e nem percebemos como isso está acontecendo. Mais que uma simples curiosidade, isso está associado a mudanças em nossos cérebros que estão transformando nossa maneira de trabalhar, estudar e até nos divertir.

A causa é muito simples: não precisamos mais do número de telefone para falar com alguém. Como essa informação não é mais relevante, nosso cérebro “libera espaço” para outras coisas mais importantes. E o principal agente dessa mudança é a tecnologia digital, particularmente os celulares e as redes sociais.


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Pouca gente sabe, mas os números foram criados para viabilizar o crescimento da rede telefônica. Antes deles, todas as ligações eram completadas manualmente: a pessoa tirava o telefone do gancho e aguardava o telefonista atender (não existia disco ou botões para chamar alguém). Quando a ligação era atendida, era necessário dizer o nome da pessoa com quem se desejava falar. O telefonista então literalmente conectava os interlocutores, ligando um fio ao terminal de cada um em um grande painel, como pode ser visto na imagem abaixo.

Antiga telefonista, ainda usando seu painel para conectar pessoas - Foto: Visualhunt / Creative Commons

Desnecessário dizer que esse sistema estava condenado. Com o aumento da quantidade de linhas instaladas, os painéis cresceram cada vez mais, até chegar ao ponto de ser inviável a sua operação pelo “operador” (como são chamados os telefonistas em inglês). Os painéis foram então substituídos por centrais telefônicas eletromecânicas, que faziam basicamente a mesma coisa, porém de uma maneira automatizada e para uma quantidade muito maior de linhas.

Como a figura do telefonista também ficou obsoleta com esse sistema, era necessário criar um código para que as pessoas pudessem comandar à distância as enormes centrais. Esse comando era o número, na verdade uma sequência de pulsos elétricos gerados pelo aparelho e entendida pela central. Quando se precisava de mais linhas, bastava acrescentar mais dígitos ao número: hoje, no Brasil, são 11 (dois do código de área, cinco do prefixo e quatro do sufixo), garantindo 100 bilhões de combinações (na prática, muito menos), com ligações feitas de maneira rápida e praticamente sem erros.

Mas se o sistema funciona tão bem, por que então ele está sendo substituído?

Resposta: porque ele não é natural para o ser humano.

 

Somos pessoas, não máquinas

Lá atrás, quando tudo começou e as pessoas precisavam do telefonista para completar suas chamadas, elas não informavam um número para conversar com alguém: elas diziam o nome do interlocutor. É óbvio! Não queriam falar com o “número 137”; queriam falar com o “João da Silva”! Cabia ao operador saber em qual buraco do seu painel espetar o fio.

Com a chegada das centrais automáticas e os números de telefone, fomos obrigados a nos adaptar a um procedimento muito mais difícil e pouco natural. Claro que recebemos um grande benefício em troca desse esforço: a quase universalização do telefone, conectando pessoas, empresas e instituições.

Ótimo para a indústria de agendas de telefone! Acabávamos decorando algumas dezenas de números, aqueles para quem ligávamos com mais frequência. Para todos os demais, recorríamos ao caderninho: procurávamos pelo nome, mas ainda terminávamos no número.

Tanto que, quando os primeiros telefones celulares surgiram, um dos recursos mais usados era justamente a lista de contatos. Muito útil, mas ainda era uma lista de códigos para comandarmos a centrais.

Então veio o Facebook. E essa história de cem anos começou a mudar.

 

Mudanças na nossa cabeça e na telefonia

Sim, foi a Apple que redefiniu o que é telefone e mostrou o caminho para termos um supercomputador permanentemente conectado em nossos bolsos. Mas foi a turma do Mark Zuckerberg que resgatou o prazer de pensarmos nas pessoas –e nada mais– quando queremos conversar com elas.

Não foram eles que criaram o conceito de comunicador instantâneo, título pertencente ao ICQ, lançado em 1996. Mas certamente foram o Facebook Messenger e o WhatsApp (depois comprado por Zuckerberg) que trouxeram para as massas a possibilidade de conversar por voz com qualquer pessoa do mundo sem pagar nada, apenas clicando sobre seu nome.

Número? O que é isso?

Se os comunicadores instantâneos da geração anterior já tinham decretado a morte do SMS, uma das principais fontes de receita das operadoras de telefonia, os atuais estão enterrando de vez as ligações por voz, especialmente as lucrativas chamadas interurbanas e internacionais. E as teles, do alto do seu comodismo e lerdeza, veem sua atuação cada vez mais reduzida a provedores de conexões de Internet. Não me espanta que, diante da sua tradicional incompetência de se adaptar às mudanças do consumidor, agora estejam querendo estrangular seus clientes, aplicando restrições justamente a esse serviço.

Elas podem espernear o quanto quiserem, mas esse é um caminho sem volta. A obsolescência dos números de telefone é apenas o sintoma mais recente de mudanças que a tecnologia digital vem promovendo em nossas mentes. Nossa plasticidade neurológica faz com que o cérebro se reorganize constantemente para privilegiar processos e informações mais importantes para nossas vidas, enquanto aquilo que usamos pouco acaba ficando “no fundo do baú”.

O Google é outro protagonista nesse processo. Graças a sua busca incansável e declarada de organizar toda a informação do mundo, inadvertidamente o transformamos em um grande “secretário” do nosso cérebro. Informações muito relevantes para cada um de nós, que antes decorávamos pela própria importância ou pelo uso contínuo, agora são recuperadas não de nossos neurônios, mas da memória digital infinita do buscador.

O curioso é que não estamos perdendo a capacidade de memorizar as coisas. Em paralelo, estamos desenvolvendo outra habilidade muito interessante: a capacidade de encontrarmos o que buscamos de maneira mais eficiente, com os recursos que tivermos disponíveis. E, como estamos o tempo todo com nossos smartphones, isso significa ter o Google permanentemente à disposição. Esse processo chegou a ser documentado em um estudo da pesquisadora Betsy Sparrow, da Universidade Columbia (EUA), ainda em 2011.

O resultado são importantes mudanças comportamentais. Dá para afirmar, por exemplo, que todas as profissões vêm sofrendo evoluções dramáticas desde que a Internet comercial foi liberada, no meio dos anos 1990. Ganhamos a capacidade de realizarmos mais tarefas, mas rápida e eficientemente. E os grandes responsáveis são o acesso rápido à informação de todo tipo, e a melhoria na maneira de nos comunicarmos com quem precisamos.

Isso também pode ser sentido em outros aspectos de nossas vidas, como na maneira como nos divertimos e até nos relacionamos. A aprendizagem também foi impactada decisivamente: com o acesso irrestrito à informação, as salas de aula estão deixando de ser espaços para transmissão de dados, para se tornarem locais de troca de conhecimento, algo mais eficiente e importante. E o professor adquire um papel muito mais nobre, como maestro desse processo.

Portanto, não estou nem um pouco preocupado por não lembrar mais do número de telefone de todos os meus amigos e familiares. A importância deles para mim não diminuiu em nada! Mas agora eu posso me concentrar no que eles representam e no que eu quero lhes dizer, sem ter que me preocupar com etapas intermediárias e dispensáveis para isso.