FCC

Cuidado: querem acabar com a sua Internet!

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Foto: Creative Commons

É como diz o ditado: “quando os EUA espirram, o Brasil fica gripado”. Nesse caso, pode ser uma pneumonia! Acontece que o governo de lá acabou com a chamada “neutralidade da rede” no país. Apesar de ser um tema que a maioria das pessoas nunca ouviu falar e de ser uma decisão local, ela pode ter um impacto devastador na Internet brasileira, seja para indivíduos, seja para empresas.

A tal “neutralidade da rede” é um dos pilares sobre os quais a própria Internet foi construída. Ele impede que os fornecedores de acesso -por aqui, basicamente Vivo, Net/Claro, TIM e Oi- façam qualquer distinção sobre o serviço online que o consumidor estiver usando. Em outras palavras, se você estiver assistindo a um vídeo no Netflix, jogando online com seus amigos, baixando um arquivo, trocando mensagens pelo WhatsApp, navegando pelo Facebook ou pela Web ou lendo seus e-mails, a velocidade e o custo sempre devem ser os mesmos. As operadoras não podem dificultar ou privilegiar nada na Internet, para ninguém: todos são iguais.


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Com o fim da “neutralidade”, essas empresas poderão fazer o que bem entenderem nesse sentido. Por exemplo, se você tiver um plano de 100 Mbps, ao assistir à Netflix, sua velocidade poderia ser derrubada para 10 Mbps, piorando a Netflix para você. Pior: a operadora poderia até mesmo bloquear o acesso ao serviço. O objetivo: vender a você um pacote mais caro que lhe daria direito a ter Netflix a uma velocidade decente. Diga-se de passagem, a mesma pela qual você já pagaria para outros serviços autorizados.

Acha exagero? Pois saiba que em países em que não há leis favoráveis à “neutralidade da rede”, como Portugal, é exatamente isso que acontece. Lá, as operadoras fatiaram a Internet, transformando-a em uma “quasenet”.

Essa vontade das teles de passar a mão na Internet não vem de hoje, como pode ser visto no vídeo acima, que gravei em abril do ano passado! Na época, as operadoras brasileiras queriam acabar com a Internet fixa ilimitada, criando “franquias” (limites) de dados. Isso transformaria esse serviço em algo semelhante ao que essas mesmas empresas oferecem nos celulares, aqueles pacotes que acabam logo depois que você começa a usar.

Só que a Internet fixa é aquela que faz tudo na nossa casa ou empresa ficar online, incluindo aí o WiFi que alimenta os smartphones de todos. Limitar esse serviço, que se tornou absolutamente essencial, seria como dizer que só se pode usar a energia elétrica e a água encanada das 7h às 10h da manhã.

O argumento usado na época é basicamente o mesmo apresentado agora para acabar com a “neutralidade da rede”: seria melhor para o usuário, pois se pagaria apenas pelo que usa.

Essa é uma mentira descarada!

Com o uso crescente da Internet para viabilizar serviços dos mais distintos, pessoas e empresas consomem cada vez mais dados e necessitam de velocidades mais altas. Limitar a Internet, portanto, à “franquia de dados” ou acabar com a “neutralidade da rede” imediatamente criaria “cidadãos de segunda categoria”, incapazes de ter um acesso decente à rede, por não conseguirem pagar mais por isso.

Então por que os EUA estão fazendo isso?

 

Operadoras versus usuários

A “neutralidade da rede” sempre foi um tema controverso nos EUA. Até 2015, ela não existia formalmente no país. Diante de abusos de algumas operadoras, como os descritos anteriormente, a administração Obama a instituiu em 2015, afirmando que a Internet se tratava de um bem essencial, e não podia sofrer distinções econômicas.

A administração Trump pensa diferente. Por isso, na quinta passada, a FCC, agência reguladora de telecomunicações dos Estados Unidos, derrubou a “neutralidade”, argumentando justamente que o modelo anterior impedia o acesso à rede pelos mais pobres e reduzia demasiadamente o lucro das operadoras, que, por isso, estavam investimentos menos em infraestrutura.

O fim da “neutralidade” foi conduzido por Ajit Pai, nomeado presidente da FCC em janeiro pelo presidente Donald Trump. Ex-executivo da operadora Verizon, o advogado é próximo das empresas de telefonia e sempre combateu abertamente a “neutralidade da rede”.

A população dos EUA não comprou esses argumentos. Pesquisa realizada pela Universidade de Maryland no início do mês demonstrou que acachapantes 82,9% dos americanos são contrários ao fim da “neutralidade da rede”. Mesmo entre eleitores do Partido Republicano, do presidente Trump, três a cada quatro condenam a mudança.

O que se espera agora é uma verdadeira guerra jurídica, com órgãos de defesa do consumidor e empresas de diferentes segmentos tentando restaurar a “neutralidade da rede” por lá.

Mas, afinal, o que isso tem a ver com o Brasil?

 

Não fica dando ideia…

Em tese, o fim da “neutralidade da rede” nos EUA em nada impactaria o Brasil. Mesmo porque, por aqui, ela é garantida pelo artigo 9º do Marco Civil da Internet.

Essa lei brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo no quesito de regulamento da Internet com vistas a defender os interesses da sociedade. Ela foi criada, entre outras motivações, para impedir que as operadoras impedissem a oferta de serviços de VOIP (voice over IP), que permitem, por exemplo, que ligações telefônicas locais, intermunicipais e até internacionais sejam substituídas por aplicativos como WhatsApp ou Skype.

Na época, as operadoras se opunham fortemente a isso, pois sabiam que isso provocaria uma devastadora perda de receita na telefonia. Mas, graças a “neutralidade da rede”, hoje podemos falar gratuitamente por esses serviços. O telefone fixo ruma à extinção e os planos de telefonia celular cada vez mais oferecem ligações ilimitadas. E não poderia ser diferente: o consumidor não é trouxa.

Mas então, por aqui, tudo é alegria, certo?

Infelizmente não…

As operadoras já encontraram uma maneira de burlar a “neutralildade”. Chamado de “zero rating”, a prática aumenta o preço de todos os pacotes, para “dar de graça” alguns serviços. Um exemplo é a oferta de WhatsApp ilimitado sem que isso consuma a ‘franquia de dados” do plano de Internet móvel.

Isso traz dois problemas. O primeiro é que não existe almoço grátis: para que ofertas como essa sejam possíveis, as operadoras estão repassando o custo para todos os planos, mesmo que você não seja beneficiado por esse “bônus”. A outra coisa é que isso justamente fere o princípio essencial da “neutralidade”: se uma startup resolvesse criar um concorrente do WhatsApp, ela concorreria em condições desiguais, pois seu produto consumiria os dados do usuário, que são “dados de graça” para o WhatsApp.

Como se pode ver, apesar do Marco Civil da Internet, as operadoras já encontram brechas para burlar suas definições. Além disso, seu poderosíssimo lobby pode usar a decisão dos EUA para tentar convencer o governo brasileiro a fazer o mesmo por aqui, promovendo mudanças na nossa legislação. E infelizmente temos visto mostras diárias de que nossos governantes são bastante “suscetíveis” a “bons argumentos”. A própria Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações, que deveria defender os interesses da população, costuma fechar com as operadoras em questões assim.

Só nos resta botar a boca no trombone e apoiar órgãos de defesa do consumidor e o Comitê Gestor da Internet nessa batalha. Pois a Internet é, sem dúvida, um bem essencial para pessoas e empresas, e não pode ser limitada de forma alguma. Caso contrário, a sociedade perde a capacidade de se desenvolver em todos os aspectos.


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