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Cena de “O Exterminador do Futuro” (1984), em que máquinas inteligentes querem exterminar a humanidade - Foto: reprodução

Qual será a próxima vítima da inteligência artificial?

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No dia 13, o sindicato dos atores de Hollywood se juntou à greve do sindicato dos roteiristas dos EUA, que acontece desde maio. É a primeira vez em 63 anos que as duas organizações cruzam os braços ao mesmo tempo, o que já impacta a produção de filmes e séries. Entre reivindicações mais convencionais, como melhores condições de trabalho e salários, os dois grupos preocupam-se com o impacto que a inteligência artificial terá em suas profissões.

Já debati longamente, nesse mesmo espaço, sobre a substituição de profissionais por essa tecnologia. Mas esse caso é emblemático porque são as primeiras grandes entidades trabalhistas que colocam isso na pauta de reivindicações para seus patrões.

É curioso porque, no atual estágio de desenvolvimento da inteligência artificial, não se vislumbra que ela substitua consistentemente atores ou roteiristas em grandes produções, como filmes ou séries. Isso não quer dizer que, com o avanço galopante de sua evolução, não possa acontecer em algum momento. Portanto, a reivindicação dos sindicatos visa uma proteção futura, contra um concorrente digital implacável que ainda está por vir.

O que me preocupa, no presente, são empresas de todos os setores que possam estar se preparando para usar a IA, do jeito que está, para substituir trabalhadores de “níveis mais baixos da cadeia alimentar”, mesmo quando isso resulte em produtos ou atendimentos piores para os consumidores. Aqueles dispostos a cortar custos de forma dramática, irresponsável e impensada representam um perigo muito maior que a tecnologia em si.

Como dizem por aí, “isso é tão Black Mirror!”


Veja esse artigo em vídeo:


Não me interpretem mal! Sou um entusiasta da inteligência artificial bem usada, e entendo que esse movimento não tem volta. E nem deveria ter: quando aplicada de forma consciente e responsável, a IA traz inegáveis benefícios a empresas e a indivíduos. Nós mesmos já somos muito beneficiados em nosso cotidiano, em incontáveis aplicativos em nosso celular, que só existem graças a ela.

Mas a inteligência artificial não é uma panaceia. E isso fica claro com o popularíssimo ChatGPT, lançado em novembro e que provocou uma explosão de discussões e de uso da IA, além de uma corrida para empresas demonstrarem que estão nesse barco. Depois do frisson criado pela sua capacidade de manter conversas consistentes sobre qualquer assunto, as pessoas começaram a perceber que muito do que ele fala são verdadeiras bobagens. A despeito dos melhores esforços de seus desenvolvedores, ainda é uma ferramenta sem compromisso com a verdade.

Mas isso não impede que pessoas e empresas usem a plataforma como um oráculo. Gestores vêm confiando em respostas da plataforma para oferecer serviços. Alguns chegam a alimentar o sistema com dados sigilosos de seus clientes, uma calamidade se considerarmos que a ferramenta não promete nenhuma segurança nisso.

Da mesma forma, algumas pessoas têm usado o ChatGPT para funções para as quais não foi desenvolvido, como “fazer terapia” com um sistema incapaz de desenvolver empatia ou que sequer sabe realmente o que está falando: todas essas plataformas simplesmente encadeiam palavras seguindo análises estatísticas a partir de uma gigantesca base de informações com a qual foram “treinadas”.

O problema não é, portanto, usar a tecnologia, e sim usar mal uma coisa boa! Se o objetivo for somente economizar custos, essa é uma “economia porca” que resulta em uma queda dramática na entrega ao público.

 

Exterminador do Futuro

No dia 18, James Cameron, diretor e roteirista de sucessos como “Avatar” (2009) e “Titanic” (1997), deu uma entrevista à rede de TV canadense CTV News, afirmando que a inteligência artificial não é capaz de produzir roteiros. “Não acredito que uma mente desencarnada, que apenas regurgita o que outras mentes vivas disseram sobre a vida que tiveram, sobre amor, sobre mentira, sobre medo, sobre mortalidade, tenha algo que vá comover o público”, disse.

Há um ponto essencial na fala de Cameron, que também foi diretor e roteirista de “O Exterminador do Futuro” (1984), em que máquinas inteligentes tentam eliminar a humanidade: precisamos entender que a inteligência artificial não é realmente criativa!

Ela apenas agrupa padrões e estilos para suas criações, mas não tem algo essencial a qualquer artista: a subjetividade. A nossa história de vida faz com que os padrões que aprendemos sejam inspiração para nossa criatividade, e não uma limitação. A máquina, por outro lado, fica restrita a eles, sendo incapaz de alterá-los.

Mas eu não me iludo: o que puder ser automatizado será. Funções cujos trabalhadores atuam de forma previsível, seguindo regras muito estritas, já estão sendo substituídas por robôs. Em situações como essas, a máquina desempenha as tarefas de maneira mais rápida, eficiente e barata. A qualidade das entregas ao cliente pode até melhorar!

Nos demais casos, a inteligência artificial não deveria ser usada como uma ferramenta para substituir profissionais, e sim para torná-los mais eficientes em suas atividades, oferecendo-lhes sugestões e informações que jamais conseguiriam ter sozinhos, pelas suas limitações humanas.

Em outra frente, o Google está testando, com alguns jornais, um sistema baseado em inteligência artificial capaz de escrever textos a partir de informações que lhe forem apresentadas. Em um comunicado, a empresa disse que “essa ferramenta não pretende e não pode substituir o papel essencial que os jornalistas têm em reportar, criar e verificar os fatos”, devendo ser usado como um apoio a esses profissionais, liberando seu tempo para tarefas mais nobres. Resta saber se, uma vez lançado, o produto não será usado por editores para enxugar mais as já minguadas redações, mesmo que isso resulte em publicações suscetíveis a erros e menos criativas.

Na mesma entrevista, Cameron explicou que, sobre os roteiros, “nunca é uma questão de quem os escreveu, mas de serem boas histórias”. Só faltou definir, de maneira inequívoca, o que é “boa”. Alguns filmes têm roteiros escritos por humanos que são muito ruins. Para escrever aquilo, talvez a inteligência artificial bastasse.

Isso vale para roteiristas, atores, jornalistas e qualquer profissional que se sinta ameaçado pela tecnologia. A melhor proteção que podem ter contra os robôs é fazer melhor que o que eles são capazes de entregar.

Nós, como clientes de todos esses serviços, também temos um papel importante: não podemos aceitar que produtos ruins nos sejam empurrados. Muitos gestores tentarão usar esses recursos assim! Com isso, perderemos nós e os profissionais, todos vítimas dessa “tecnoganância”. Isso não pode passar e muito menos se normalizar.

 

Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura e jornalista, que chamou o jornalismo “o melhor ofício do mundo” - Foto: reprodução

Por que a imprensa e a sua liberdade deveriam interessar a você

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Na quarta (7), comemora-se o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. O tema está “na boca do povo”, junto com a afamada liberdade de expressão. Ainda assim, pouca gente sabe o que é de fato ou para que serve, especialmente porque, de uns anos para cá, parte da população perdeu sua fé no jornalismo. Isso traz um enorme risco à sociedade! Por isso, aproveito a data para tentar explicar por que um bom relacionamento entre a imprensa e seu público é essencial para todos.

Em primeiro lugar, é preciso definir para quem o jornalista trabalha. Não é para nenhum governo, nem empresas, nem mesmo anunciantes: é para seu público! Ficar sem anunciantes pode quebrar um veículo, especialmente quem ainda adota um modelo de negócios “mais tradicional”. Entretanto, ficar sem público é a sentença de morte para qualquer veículo. Ele é a sua razão de existência!

Como pretendo demonstrar, uma imprensa livre, vigorosa e comprometida é condição para uma sociedade vibrante e próspera. Aí mora nosso problema! Parte dessa desconexão atual se deve a alguns profissionais e veículos de comunicação esquecerem para quem trabalham.

Isso me leva a outro tema que se popularizou recentemente em meio a muita desinformação: a busca pela objetividade. Diante da confusão que muitos colegas fazem em torno dela, seus detratores aproveitam para exigir algo que, se fosse possível alcançar daquela forma, seria um grande desserviço à população.


Veja esse artigo em vídeo:


De uns anos para cá, muitos colegas abraçaram a ideia de que, pela sua própria humanidade, é impossível ser totalmente isento e objetivo. Isso é verdade: todas a pessoas são movidas por paixões e, portanto, sempre teremos nossas preferências em qualquer tema. Mas, no jornalismo, isso não pode servir para afrouxar a busca da verdade incluindo pontos de vista conflitantes com os seus. Ao fazer isso, muitos jornalistas caem em uma militância, seja real ou apenas aparente.

Isso dá munição àqueles que se beneficiam com o enfraquecimento da imprensa, pois vivem da mentira e da desinformação. Eles propagam a ideia de que o jornalismo deveria se limitar a “contar os fatos”, deixando que as pessoas tirassem suas conclusões. Na verdade, só querem a liberdade para distorcer esses fatos brutos para criarem narrativas que lhes sejam favoráveis.

É nessa hora que o bom jornalismo brilha e protege a sociedade! Ele não pode se limitar a “contar os fatos”: ele precisa explicá-los, contextualizá-los, sempre norteado pelo interesse do público e pela “verdade possível”. A combalida objetividade é sua ferramenta! Não aquela utópica, que só existiria em uma máquina, mas a melhor imparcialidade dentro das limitações humanas e de esforços sinceros.

Isso cria uma armadilha. Na ânsia de apresentar todos os lados de um tema com igual peso, jornalistas podem ironicamente criar visões distorcidas da realidade, colocando, lado a lado, completos absurdos e fatos comprovados. A imprensa pode mencionar as bobagens se também explicar, de maneira equilibrada, porque aquilo não deve ser considerado. Não podem cair na arapuca da falsa equivalência!

Quando falha nessa tarefa, permite o florescimento de teorias da conspiração, que podem ser catastróficas para a humanidade. Um exemplo é a de que vacinas seriam ineficazes e até perigosas, que recebeu um espaço muito maior que o devido na imprensa em nome de “ouvir o outro lado”. Por isso, muita gente acredita nessa aberração, e alguns grupos políticos até se beneficiaram disso.

A pandemia de Covid-19 foi uma dolorosa lição. Um enorme contingente desinformado deixou de se vacinar e, por conta disso, morreu. A situação só não foi mais dramática porque, diante da tragédia em curso, a maioria dos jornalistas e veículos assumiu seu papel e informou corretamente a população para que se vacinasse.

 

Fazendo as perguntas certas

Podemos, nesse ponto, aprender algo com o afamado ChatGPT. Afinal, obtemos boas respostas dele se fizermos boas perguntas, e vice-versa.

Bons jornalistas são justamente treinados para fazer as perguntas certas. Por isso, o valor da reportagem precisa ser resgatado. Uma boa entrevista é uma ótima conversa; uma ótima entrevista é uma sedução em busca da verdade. Deve existir uma ânsia genuína de querer aprender algo, com a mente aberta.

Jornalistas são contadores de histórias da vida real. Isso não quer dizer que têm que agradar alguém, pois o mundo nem sempre é bonito. Mas uma verdade feia é melhor que uma mentira agradável! Costumo dizer que, se fossem contos de fadas, jornalistas os contariam como os Irmãos Grimm, e não como as adaptações fáceis da Disney.

Vivemos em um mundo de obviedades e mesmice. Elas nos embrutecem, eliminam nossas individualidades e nos transformam em massa de manobra. O jornalismo protege a sociedade ao romper esse ciclo, contando as “histórias por trás das histórias”. Como escreveu em 1851 o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), “importante não é ver o que ninguém nunca viu, mas sim pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê.”

Ao contrário do que muitos imaginam, não é um trabalho fácil de um bando “apenas contando o que viu e dando sua opinião”. Em 1996, o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), Nobel de Literatura e também jornalista, disse, sobre o jornalismo, que chamou de “o melhor ofício do mundo”, que “ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver apenas para isso poderia persistir em uma profissão tão incompreensível e voraz, cujo trabalho se encerra a cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede um momento de paz até recomeçar com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”

Por isso, a liberdade de imprensa é um mecanismo celebrado em todas as democracias. Os jornalistas não são perfeitos (como ninguém é), mas são a última frente de resistência da sociedade contra os diferentes abusos de poder e, por isso, precisam ser protegidos.

Na verdade, precisamos ir além. Mais que “contar fatos”, esse trabalho deve ser encharcado de inteligência e de boa vontade, vibrando com as pessoas que formam o público. Elas, por sua vez, devem apoiar esses profissionais, em uma bem-vinda simbiose.

Fora disso, não há jornalismo: resta apenas a barbárie das redes sociais. E aí salve-se quem puder!

 

Se a imprensa é crítica para a sociedade, por que tanta gente mete o pau?

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Foto: reprodução

Há alguns dias, vi uma reportagem que me deixou apreensivo. Tratava de um grupo conservador nos EUA cujo objetivo é criar armadilhas para jornalistas, para que sejam gravados dando depoimentos que possam lhes causar transtornos, desqualificando o profissional e seu veículo. Porém o mais perturbador é saber que essa não é uma atitude contra a imprensa isolada, nem a mais pesada, e que observo tal coisa também no Brasil. Isso me leva à pergunta do título desse artigo. Aliás, cá entre nós, o que você acha da imprensa, especialmente da “grande imprensa”?

Apesar de o Projeto Veritas, retratado na reportagem acima, afirmar que não faz política, claramente é o contrário disso, pois todas as vítimas são veículos que fazem oposição à administração Trump. Não foi esse governo que inventou essa metodologia de desacreditar os veículos contrários a ele. Na verdade, quanto mais autoritário é um governo, mais a imprensa é apresentada como uma inimiga a ser combatida, e mais as pessoas que apoiam o regime se engajam nessa cruzada contra ela. Entretanto, não se engane: no final, invariavelmente quem perde é a sociedade.


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Isso sempre foi assim, e provavelmente sempre será. Mas quem elevou esse processo a um novo patamar de eficiência foi Hugo Chávez, quando assumiu o poder em 1999. O finado ditador venezuelano difundiu o conceito de que a imprensa contrária a ele era, no final, contrária ao “povo venezuelano”, legitimando assim todo tipo de censura e perseguição. Essa ideia nefasta se espalhou pela América Latina, chegando agora aos EUA, com Trump.

Já viajei por vários países e pude comprovar inequivocamente como o desenvolvimento de uma sociedade está sempre relacionado de perto à qualidade de sua imprensa. Isso acontece porque uma boa mídia possui não apenas o papel de informar, mas também o de formar o cidadão. E os veículos de comunicação têm o dever de continuamente investigar o governo, para que as falcatruas não prosperem, qualquer que seja o alinhamento político da situação.

Então por que cresce esse fenômeno de agressão moral e até física contra jornalistas?

 

Polarização e “fake news”

Vivemos uma polarização política sem precedentes no cidadão comum. Em grande parte, isso se deve aos algoritmos de relevância das redes sociais, que insistem em nos mostrar apenas aquilo que gostamos, com que concordamos, que nos mantém em nossa zona de conforto. Pode parece muito bacana a princípio -afinal, dessa maneira, usamos cada vez mais a rede social. Só que isso pode ter um resultado perverso: como não somos expostos a posições contrárias, a tendência é que nossos preconceitos sejam cada vez mais reforçados.

Daí para a intolerância política é um pulo! Mesmo que tenhamos uma pequena inclinação para certa ideologia, podemos, em pouco tempo, nos pegar gritando palavras de ordem, insultando opositores e bloqueando antigos amigos que pensem de maneira diferente.

Nesse cenário, não há imprensa boa! Pois a função de um veículo de comunicação não é agradar ninguém. Muito pelo contrário: ele incomoda muita gente! Ou não seria jornalismo: seria relações públicas!

O mais inusitado dessa história é que vejo empresas de comunicação cada vez mais sendo atacadas por conservadores e liberais ao mesmo tempo. E o argumento é sempre que os veículos estão “vendidos” ao outro lado. Até a Rede Globo, tradicionalmente associada a alas mais conservadoras, vem sendo acusada de “ficar vermelha”.

Esse mundo está ficando muito louco!

 

Afinal, os veículos se vendem?

Nessa hora, é preciso diferenciar entre ter opinião e ser vendido.

Pela nossa natureza humana, não podemos ser totalmente isentos. O que não quer dizer que não possamos ou não devamos ser profissionais. E isso vale para jornalistas e veículos de comunicação. Não há nenhum problema se qualquer um deles escolher um lado, inclusive político. Na verdade, deveriam escolher e divulgar ao público sua decisão!

Entretanto adotar um lado não significa ignorar o outro. E definitivamente não significa calar ou maquiar o noticiário para que o seu lado sempre pareça melhor e o outro pior. Ter um lado significa que se torce por ele, mas que o jornalista continuará realizando seu trabalho seguindo os preceitos éticos, que incluem ouvir sempre o outro lado, e noticiar sua opinião adequadamente, por mais que a odeie.

Infelizmente temos visto muito exemplos na imprensa que parecem ter esquecido os pilares do bom jornalismo. Peguemos os exemplos abaixo, da Veja e da Carta Capital. São dois lados extremos da mesma moeda. Comparar o conteúdo de uma com o da outra dá a impressão que estão noticiando a mesma coisa em realidades alternativas.

Mas não, não estão. Estão no mesmo país, na mesma época. E nenhuma delas fala totalmente a verdade, nem totalmente a mentira. Mas, ao carregar nas tintas tão pesadamente, o público não consegue mais sequer formar uma opinião bem embasada.

Esse tipo de obra de ficção serve muito bem para alimentar os ânimos irracionais e aos interesses de grupos políticos, econômicos e ideológicos. Plantam essas informações enviesadas, que depois alimentarão a sede dos que querem fazer valer suas teses a qualquer custo em todo lugar, de redes sociais a mesas de bar. De quebra, favorecem o surgimento de grupos patéticos como o Projeto Veritas, que, para atingir seus objetivos, chegam a usar métodos que dizem combater, como notícias falsas, distorções de fatos e falsidade deliberada.

Esse constante chute na boca da verdade abriu caminho para uma das maiores pragas modernas: o “fake news”, “notícias falsas” ou “desinformação”. Não o “fake news” que Trump vive trombeteando, que são notícias verdadeiras que o desagradam. Eu me refiro a um material cuidadosamente produzido para parecer jornalístico e verídico, mas que enviesa os fatos (ou deliberadamente traz mentiras deslavadas) para fazer com que as pessoas comprem uma ideia. E -pior que isso- que a distribuam.

Como diz o ditado: se contarmos uma mentira mil vezes, ela pode virar uma verdade.

 

Dá um tiro na cabeça, que dói menos

O “fake news” é um perigosíssimo risco à democracia. Pois ele põe a própria imprensa em risco! Diante de tanta mentira em todas as mídias e em todas as redes sociais, as pessoas estão começando em perder a fé no noticiário. E quem pode culpá-las? Ou o conteúdo que lhes é oferecido é mentiroso mesmo, ou é verdadeiro, mas, de tão enviesado, acaba passando uma mensagem falsa.

Resultado: as pessoas estão abandonando os veículos tradicionais! E, sem público, não há anúncios. Como essas empresas também têm uma dificuldade crônica em aceitar que seu modelo de negócios histórico baseado em assinatura e publicidade não tem mais lugar no mundo, não é de se estranhar que vemos título após título morrendo! Ficam então naquele chororô ridículo, tentando jogar sua culpa em outra coisa, como o meio digital.

Ah, mas que preguiça dessa gente! Os veículos tradicionais estão com sua reputação completamente carcomida -e, por consequência, também suas finanças- porque as pessoas não são trouxas! Querem se salvar? Melhorem seu produto! E isso significa parar de praticar esse antijornalismo, mudar seu modelo de negócios e reformatar seu produto para atender às novas exigências do consumidor. Isso significar mudar basicamente tudo? Sim! Mas, já que não fizeram isso aos poucos, ao longo dos últimos 20 anos, terão que fazer agora de uma vez.

Caso contrário, veremos cada vez mais surgir esses movimentos radicais (conservadores e liberais!) apontando o dedo para a imprensa, acusando-a pelos males do país. Quando, na realidade, é a mesma imprensa que cuida (ou deveria cuidar) para que os verdadeiros males e malfeitores não prosperem na sociedade.

Sem uma imprensa livre e forte, nunca sairemos desse buraco. Mas ela tem que fazer a sua parte.


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Por que os taxistas nunca vencerão o Uber (e o que você pode tirar disso)

By | Jornalismo, Tecnologia | 5 Comments
Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo

No dia 11, o prefeito Fernando Haddad regulamentou os aplicativos de transporte, como o Uber, em São Paulo. Isso desencadeou uma nova onda de protestos violentos dos taxistas, que acusam a empresa de concorrência desleal. Mas é uma luta que eles jamais vencerão, pois o Uber redefiniu o transporte de pessoas, “commoditizando” o serviço dos taxistas. E esse é um fenômeno social e econômico que pode atingir qualquer negócio ou categoria profissional.

Mas o que é essa “commoditização” de produtos e serviços? Isso acontece quando novas empresas, novas tecnologias ou novos modelos de negócios começam a oferecer a mesma coisa de maneira inovadora, acrescentando uma camada inédita de valor sobre algo que já existe. Nesse processo, o produto ou o serviço original continua lá e até pode ser essencial no novo formato, mas o público deixa de ver valor naquilo, passando a pagar apenas pela novidade.


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É o que o Uber fez com os táxis. Trocando em miúdos, os passageiros passaram a querer mais que o simples transporte em quaisquer condições, oferecido pelos taxistas. Para esses consumidores, o verdadeiro valor é ter esse serviço em um carro novo, limpo e confortável, com um motorista educado, treinado e bem vestido, com serviço de bordo. É por tudo isso que cada vez mais pessoas estão dispostas a pagar. E é isso que o Uber oferece, e os taxistas não conseguem –ou não querem– entender e fazer.

É claro que o que os taxistas e o Uber vendem é transporte de passageiros. Mas o Uber tirou o valor disso, que virou apenas o básico, aquilo que o público nem vê, por mais que seja a essência do serviço: foi “commoditizado”. O valor foi transferido para a camada de serviços extra.

O que os taxistas oferecem não vale mais. É por isso que não vencerão o Uber.

 

“Commoditizando” tudo

Mas isso pode afetar qualquer um, inclusive você, seja lá o que você faça. Isso porque, quando menos se espera, alguém pode chegar oferecendo a mesma coisa, só que de uma maneira que faça mais sentido para o seu público.

Qualquer jornalista já sentiu isso na pele. Com a popularização das redes sociais e a explosão de oferta de conteúdo de qualquer tipo, muitos colegas chegam a achar que a profissão encontrou o seu fim, com uma massa enorme e crescente de desempregados. Eles não estão sozinhos: veículos de comunicação tradicionais quebram um após o outro no mundo todo, incapazes de fazer frente à fuga de público e de anunciantes.

Assim como os taxistas, esses profissionais e essas empresas ficam em um “mimimi” eterno, reclamando que são eles que sabem fazer esse trabalho direito, que são eles que produzem o conteúdo de qualidade, e que isso custa muito caro! E que não é justo que novos veículos digitais cheguem e acabem com o seu monopólio da notícia, que durava mais de um século.

Oras, mas esses novos veículos, como a Vice, vão muito bem, e o que eles oferecem, na base, é conteúdo jornalístico. Mas eles tiveram sucesso em criar aquela “camada de valor extra”. Ou seja, o conteúdo jornalístico está mesmo “commoditizado”, mas ele serve para viabilizar esses novos títulos e profissionais.

Outro exemplo que gosto muito de citar é o da indústria fonográfica. Há uns 20 anos, ela era bilionária, com lucros calcados principalmente sobre a venda de CDs. Surgiram então os serviços de compartilhamento de MP3, como o Napster, que mostraram ao público que aquele modelo da indústria já havia caducado. Eventualmente isso acabou perdendo força, com as gravadoras processando os serviços e até seus clientes (o que demonstra como estavam dissociadas desse novo mundo).

Mas então a Apple lançou o iTunes, oferecendo a possibilidade de compra digital de cada faixa por uma fração do valor do álbum, e jogou a pá de cal no modelo de negócios de CDs. Só que esse modelo também já está perdendo força, sendo substituído pelo do Spotify, onde se paga um valor fixo por mês e se consome à vontade do seu gigantesco acervo de músicas online.

A música foi “commoditizada”: sorte do Spotify! Azar dos vendedores de CDs…

Agora pense com carinho: o seu produto ou serviço já está sendo “commoditizado” por alguém ou isso ainda vai acontecer?

 

Como escapar da “commoditização”

A Apple também poderia ficar rangendo os dentes, como as gravadoras, os jornais, revistas ou os taxistas. Mas, ao invés disso, ela reinventou seu serviço! O iTunes ainda existe, mas a empresa já lançou a Apple Music, exatamente nos mesmos moldes do Spotify. Porque, como diz o filósofo, “quem fica parado é poste!”

Esse deveria ser o mantra de todos os gestores, de qualquer negócio. Mais cedo ou mais tarde, isso que eles fazem tão bem e que parece essencial à sociedade perderá o valor. Se continuarem insistindo, serão substituídos por alguém com uma visão mais moderna dos negócios e do mundo.

Então voltemos ao caso dos taxistas, para entender como sobreviver à “commoditização”.

Não é o Uber que ameaça os taxistas, e por vários motivos. Primeiramente porque existe espaço para todos. Como a Prefeitura de São Paulo não emite novos alvarás para táxis comuns desde 1996, há um déficit estimado de 20 mil carros para transporte particular na cidade. O Uber pode triplicar a sua frota atual em São Paulo, que isso mal fará cócegas nessa demanda reprimida.

No final das contas, a verdadeira ameaça aos taxistas são o seu sindicato, a máfia dos alvarás e os próprios taxistas! O primeiro porque promove o ódio entre os motoristas e incentiva essa baderna que temos visto nas cidades. O resultado disso é um sentimento de rejeição ao serviço de táxi como um todo entre a população, seja pelos recorrentes transtornos causados por aquela parcela dos motoristas, seja pela repulsa à violência injustificável que alguns criminosos praticam contra motoristas e até passageiros do Uber.

Sobre a máfia dos alvarás (que chega a cobrar R$ 150 mil por algo que é uma concessão municipal), ela é uma facção do crime organizado que lesa a população e o poder público por manipular essas autorizações para obter lucros milionários. Os próprios taxistas são os principais prejudicados por esses bandidos, pois, para que consigam trabalhar, precisam comprar ou alugar essa licença, pagando valores astronômicos.

Portanto, se os taxistas realmente quiserem sobreviver à “commoditização”, não deveriam se organizar contra Uber, muito menos do jeito que estão fazendo. A solução dos seus problemas passa por ficar livres justamente desse sindicato, que os manipula, e dessa máfia, que os explora ao extremo. Os dois são dignos representantes do pior que existe na sociedade brasileira. Além disso, os taxistas precisam repensar o seu serviço: se o que eles oferecem não é mais o que as pessoas estão dispostas a pagar, é hora de se reinventar. E o Uber, ao invés de algoz, pode ser o modelo a ser seguido.

Não há como resistir à evolução do mercado. Ranger os dentes, distribuir pancada ou desqualificar novos concorrentes não resolverá o problema de nenhum negócio. A única solução é melhorar: ficar parado é o mesmo que piorar.


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Robôs podem ajudar no combate à “coisificação” dos empregos

By | Educação, Jornalismo, Tecnologia | One Comment
Cena do filme “A Invenção de Hugo Cabret” – Foto: divulgação

Cena do filme “A Invenção de Hugo Cabret”

Pouca gente sabe, mas já há algum tempo robôs escrevem parte do noticiário que consumimos. Mas longe de ser uma ameaça aos jornalistas, esse fenômeno pode ajudar a combater o desemprego, trazendo alguma luz sobre o processo de “coisificação” dos trabalhos de qualquer categoria profissional.

Esses jornalistas-robôs não são máquinas humanoides, e sim programas de computador conectados a bancos de dados de diferentes tipos. Eles procuram permanentemente por determinadas informações e, quando as encontram, produzem textos em uma fração de segundo, com uma qualidade que virtualmente impossibilita diferenciar um texto de um desses robôs de um escrito por uma pessoa.


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Mas os robôs não são capazes de escrever qualquer texto (pelo menos ainda não). Eles são muito eficientes na produção de material fortemente baseado em números, como resultados financeiros ou placares esportivos. Os programas não têm inteligência artificial para artigos que exijam abstração, mesmo a partir daqueles mesmo dados. Não conseguem, por exemplo, escrever um texto como este que você está lendo agora.

Robôs não ameaçam, portanto, os empregos dos jornalistas. Na verdade, eles podem lhes tirar o fardo de matérias enfadonhas, para que possam produzir reportagens e artigos de alto valor intelectual.

Infelizmente, quem ameaça esses empregos são os próprios jornalistas e as empresas de comunicação.

Neste momento de crise aguda da imprensa tradicional, os jornalistas mais experientes (e caros) são demitidos por economia. Sobram os novatos, que, além de não ter os necessários calos da profissão, acabam sobrecarregados de tarefas, e topando tudo para não perder o emprego.

O resultado previsível são textos com pouquíssimo esforço de reportagem e quase nenhum requinte intelectual. Esses profissionais ficam esmagados entre denuncismo e jornalismo palaciano de um lado e números do outro, e pressionados pelo volume de produção pelos veículos. Ou seja, os textos que produzem ficam tão limitados quanto os dos robôs, e talvez menos precisos.

Então não precisamos mais de jornalistas?

 

O valor do conhecimento

Jornalistas não estão sozinhos diante desse drama: profissionais de muitas áreas começam a sofrer concorrência de sistemas automatizados. Mas novamente aqui eles não são as reais ameaças aos seus empregos. O verdadeiro risco está na “coisificação” de seus trabalhos.

Assim como na imprensa, empresas de todos os setores passam por momentos dramáticos por conta da crise que assola nosso país. Nessas horas, demitem os funcionários mais caros, extinguem funções e cortam investimentos. Sobram os peões e a mão de obra absolutamente essencial. O objetivo: manter a fornalha acesa com o mínimo de carvão, na esperança de que o fogo não se apague até que dias melhores cheguem.

Em outras palavras, elimina-se a inovação, a iniciativa e o desejo de correr riscos. Fica-se quietinho para que ninguém perceba sua presença, torcendo para que as coisas se acertem por si só. É o típico manual do empresário amedrontado pela crise.

Esse é, entretanto, o melhor caminho para se dar mal. O guru da administração Tom Peters costuma dizer que “o fracasso é uma medalha de honra”, pois ele demonstra que se tentou. E conclui: a única maneira de não fracassar em algo é não tentar. Mas essa também é a garantia de que não se atingirá o sucesso em nada.

Quase posso ouvir agora alguns rindo nervosamente, enquanto leem esse texto e pensam: “falar é fácil”. Pois eu digo que fácil é se acomodar na toca, torcendo para que a tempestade passe logo. Se tiverem a sorte de estarem vivos quando isso acontecer, sairão dela enfraquecidos diante daqueles que aproveitaram a tormenta para reforçar criativamente suas estruturas.

Ao invés de se acovardar em seus buracos, empresas, profissionais, associações devem se unir para justamente encontrar fórmulas para fomentar a inovação e a iniciativa. Não estou dizendo para apostarem todas as fichas em uma única ideia, especialmente se não houver muitas sobre a mesa. Mas, mesmo em tempos bicudos, deve-se correr riscos por aquilo que vale a pena. E isso funciona para profissionais e para empresas.

Precisamos, portanto, de jornalista e de profissionais de todas as áreas. Especialmente dos bons e experientes o suficiente para ter sucesso correndo riscos! A alternativa é ficar lá na toca, com os dedos cruzados e produzindo coisas medíocres. Mas nesse caso, quando a crise passar, talvez encontrem mais robôs que profissionais trabalhando.


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