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A alegria do seu sucesso pode virar seu pior pesadelo, e de graça!

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Vídeo em que Nilson Izaías “Papinho” consegue fazer sua “slime”, que o transformou em uma estrela instantânea – Foto: reprodução

Vídeo em que Nilson Izaías “Papinho” consegue fazer sua “slime”, que o transformou em uma estrela instantânea

Imagine a cena: você está tocando sua vida normalmente, quando tem a felicidade de fazer algo inesperadamente incrível, que lhe garante uma grande fama instantânea! Subitamente você é catapultado de uma vida convencional para o estrelato, com milhões de pessoas acompanhando seus passos. A repentina exposição lhe garante muitos novos amigos, negócios e dinheiro. Grande alegria! Mas de repente, quando tudo parecia estar maravilhosamente bem, você se vê envolvido em uma lista de denúncias infundadas, que destroem a sua reputação. E aí toda aquela euforia legítima dá lugar a medo e depressão.

Está achando que isso é roteiro de filme B? Pois saiba que pode acontecer de verdade! E, em tempos de redes sociais, onde tudo é mais rápido e mais intenso, qualquer um pode ser uma vítima desse pesadelo, inclusive você, sua carreira, seu negócio. De uma hora para a outra, toda aquela euforia se transforma em um transtorno que pode ter sequelas graves.

Como isso é possível? Dá para se proteger?

Há poucos dias, um caso desses se tornou emblemático. Aconteceu com Nilson Izaías “Papinho”, que vive em Juquiá, município de menos de 20 mil habitantes a 170 km de São Paulo. O pacato aposentado de 72 anos criou, há 11 meses, um canal no YouTube, onde publica singelos vídeos domésticos de seu cotidiano, como o que come no café da manhã ou as frutas de seu quintal.

Há um mês, “Papinho” encarou um desafio: fazer, na frente da câmera, uma “slime” caseira, que são aquelas massas gelatinosas que fazem sucesso entre as crianças. Depois de quatro tentativas frustradas, no dia 22 de janeiro, ele publicou um vídeo de seu sucesso na empreitada. Tudo muito singelo e despretensioso. O vídeo, que pode ser visto abaixo (10’57’’) “viralizou” e já passou de dez milhões de visualizações! Antes dele, o canal tinha pouco mais de mil inscritos; hoje já são cerca de 4,4 milhões, que vieram no espaço de apenas duas semanas!


Vídeo relacionado:


Trata-se provavelmente do crescimento mais rápido do YouTube no Brasil! O “vovô da slime”, que até então tinha feito apenas 18 vídeos praticamente sem audiência, se tornou um fenômeno literalmente do dia para noite.

E aí começaram os seus problemas.

 

Por que isso acontece?

“Papinho” não tinha nenhuma pretensão de atingir fama ou ganhar dinheiro. Segundo ele, gravava seus vídeos para fazer novos amigos, e ficaria satisfeito se atingisse mil inscritos no canal.

Mas a grande fama veio. E, com ela, a grande infâmia!

“Papinho” começou a ser acusado de vários comportamentos inadequados e até de pedofilia, além de ter sua imagem violentada em “memes”. Subitamente, várias pessoas e perfis falsos apareceram nas redes sociais, com grandes teorias e histórias sobre o aposentado que, até havia alguns dias, só familiares e amigos conheciam. Pior que isso: “Papinho” viu seu nome e sua imagem usados em uma briga suja entre grupos políticos conservadores e liberais. Felizmente, ele recebeu o apoio de várias pessoas, que o ajudaram a passar por isso.

Por que alguém faria isso com um pacato aposentado, que ficou famoso ao fazer “slime” caseira?

Os primeiros nisso são os “trolls”, pessoas que se divertem criando e espalhando esse tipo de confusão. Motivados por inveja, discordância ou simplesmente falta do que fazer, não pensam duas vezes antes de destruir a imagem de alguém que nunca lhes fez nada. Há também um grupo ainda mais odioso, que são aqueles que usurpam a imagem de famosos para atingir seus próprios objetivos, não se preocupando se isso lhes causará problemas.

“Papinho” foi vítima de ambos.

 

Pode acontecer com todo mundo?

Claro que sim!

Convenhamos, se um singelo senhor que ficou famoso fazendo “slimes” foi vítima, qualquer um pode ser. E, quanto maior a sua influência, pior pode ser o estrago.

Sem desmerecer as qualidades humanas e a capacidade de gerar engajamento de “Papinho”, é pouco provável que o mau uso de sua imagem provoque grandes crises políticas ou econômicas. Mas, se a vítima for um grande empresário, por exemplo, muita gente pode embarcar nas “fake news” e tomar decisões muito ruins e equivocadas.

Mas uma coisa é comum a todos: seja “Papinho”, seja um grande empresário, esse tipo de atentado à reputação é sempre desagradável e um desrespeito inaceitável ao indivíduo, que se vê envolvido gratuitamente em uma trama com a qual não tem nada a ver.

E ainda tem que limpar a lama que lhe foi jogada de graça.

 

Como se proteger?

Não há proteção absoluta contra esse tipo de maldade. Mas podemos fazer coisas que podem ajudar bastante caso o abuso aconteça.

A primeira delas é não tocar tambor para maluco dançar! Em muitos casos, o ataque acontece apenas para desestabilizar a vítima, esperando que ela revide na mesma moeda. Jamais faça isso! Caso contrário, o agressor terá atingido seu objetivo de arranhar (às vezes profundamente) sua reputação. Fique no campo das ideias e do respeito.

Outra coisa que ajuda muito é construir previamente uma boa reputação. Partindo do princípio constitucional de que todos são inocentes até que se prove o contrário, ter uma boa imagem construída junto a seu público é um importante aliado contra esses ataques, pois as pessoas tendem a acreditar menos no agressor a até mesmo defender a vítima.

Por fim, cultive sempre bons relacionamentos na rede: converse com as pessoas, ajude-as no que puder, compartilhe conhecimento. Mas faça isso genuinamente! Essa doação é percebida por quem se beneficia dela. E acredite: amor com amor se paga!

Mas isso tudo tem que ser feito antes do problema acontecer. Dessa forma, eventuais ataques terão um impacto muito menor. Não passarão de “slime”, que não gruda e é descartável.


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Reflexão: que seu legado inspire o bom jornalismo

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Estou profundamente entristecido com a morte do jornalista Ricardo Boechat, vítima de um acidente de helicóptero nesta segunda, por volta da hora do almoço.

Mais que um colega de profissão, Boechat era um dos melhores jornalistas do país, alguém que realizava “o melhor ofício do mundo” com ética e responsabilidade.

Em um tempo em que grupos políticos de diferentes vertentes se esforçam para desacreditar o jornalismo e seus profissionais, para que possam praticar seus desmandos sem oposição qualificada, espero que o legado de Boechat inspire novos e velhos jornalistas. Que realizem seu trabalho com a mesma seriedade dele, resistindo a essas pressões nefastas, defendendo a verdadeira democracia e buscando sempre a verdade, independentemente de viés político, ideológico ou econômico.

Você sabe proteger seus filhos da publicidade?

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Foto: Michael Christian Parker/Creative Commons

Crianças não têm poder de compra. Entretanto, elas têm grande influência nos gastos de uma família. Mas quem as influencia naquilo que elas desejam comprar? Apesar de a publicidade infantil estar virtualmente banida no Brasil desde 2014, não se engane: ela continua existindo, porém travestida de formatos novos e muito mais eficientes. Diante disso, você sabe como proteger as suas crianças dessa nova publicidade?

Estudos indicam que crianças até os seis anos não seriam capazes de diferenciar um conteúdo editorial, como um programa de televisão, de uma propaganda. Além disso, só após os 12 anos seriam capazes de compreender o caráter persuasivo da publicidade. Em outras palavras, crianças seriam vítimas indefesas de campanhas que diriam o que comer, com o que brincar, o que vestir e muito mais. Essa é uma das bases para as legislações contrárias à publicidade infantil.

O debate se aprofunda por todos os lados. Já participei inclusive do Jornal da Cultura Debate, em um programa destinado ao tema. A íntegra em vídeo pode ser vista abaixo (27 minutos):


Vídeo relacionado:


Defensores da publicidade infantil argumentam que ela é essencial para que empresas de produtos direcionados a crianças se mantenham, como qualquer outro negócio. Além disso, o fim da publicidade infantil também estaria eliminando programas de TV, revistas e outros conteúdos infantis, que não teriam como se viabilizar sem o dinheiro da publicidade. Por fim, os defensores argumentam que o papel de dizer “não” a um eventual consumo desenfreado dos filhos caberia aos pais, e que, com o fim da publicidade infantil, eles ficariam livres dessa obrigação.

É aí que a porca torce o rabo.

 

Pais despreparados

O argumento de que os pais têm a responsabilidade para educar seus filhos até mesmo no que diz respeito ao consumo é válido, mas ele esconde alguns problemas.

O primeiro deles é que os pais não estão preparados para isso. Ou -o que é pior- em muitos casos, não quere fazer isso! O outro é que as crianças são mesmo indefesas e elas podem encontrar maneiras de consumir determinado produto, de um jeito ou de outro.

No primeiro caso, muitos pais, devido à vida moderna, andam bastante permissivos. Portanto, não dão à paternidade a devida atenção. Como a atenção aos filhos é reduzida, têm dificuldade de dizer “não”.  Ou nem mesmo sabem como fazer isso: acham que amar os filhos significa evitar-lhes frustrações.

Portanto, sim, em um mundo ideal, os pais seriam os educadores que ensinariam a seus filhos até onde o consumo deve ir. Mas isso não acontece hoje em muitos -talvez na maioria- dos casos. Mas isso não os desobriga de aprender a fazer isso! Esse é o motivo por que esse assunto precisa ser debatido de novo e de novo e de novo em todos os fóruns possíveis. Até que o conceito finalmente seja compreendido por todos, por mais que demore.

Sobre o segundo caso, do ponto de vista cognitivo, as crianças são mesmo presas fáceis da propaganda. E, por mais que os pais tenham uma boa atuação doméstica, elas ganham relativa autonomia cada vez mais cedo, até mesmo para adquirir produtos. Logo, elas poderão comprar o que viram na propaganda por conta própria, quando não estiverem com os pais, como na cantina da escola.

E o poder de convencimento tem sido intenso!

 

Criança influencia criança

De qualquer forma, com a legislação vigente, se a publicidade não está terminantemente proibida, ela desapareceu por uma regulação do mercado.

Ou havia desaparecido.

De uns anos para cá, como aliás, pode ser visto no vídeo acima, a publicidade infantil invadiu o YouTube. E não da forma como existia antes. Agora temos os “youtubers mirins”, crianças que às vezes mal sabem falar, gravando vídeos recheados com todo tipo de produto (especialmente brinquedos) que são apresentados como uma criança mostrando a outra algo que acabou de ganhar. E isso seria algo legítimo: afinal, todo criança gosta de mostrar aos amigos seus brinquedos novos.

Mas, nesse caso, os “amigos” são legiões de seguidores no YouTube, que chegam a ser contadas aos milhões! E essas crianças ganham muitos, às vezes dezenas de brinquedos toda semana, que mostram alegremente em seus vídeos, em um fenômeno chamado de “unboxing” (tirar da caixa). Em alguns casos, isso é feito com a ajuda dos pais, pois as crianças são tão pequenas, que não conseguem abrir as caixas ou “perdem o foco”: resolvem brincar com um brinquedo mostrado, ao invés de continuar abrindo mais e mais caixas.

Os pais desses pequenos, aliás, estão no centro desse fenômeno, pois costumam atuar como equipe técnica e empresários dos filhos, junto às empresas, que descobriram uma maneira de burlar as restrições e ainda passar uma mensagem extremamente convincente a seu público. Afinal, uma criança brincando ou comendo algo “por si só” convence outra criança a fazer o mesmo de maneira melhor que o mais brilhante comercial de TV.

Alguns desses vídeos informam que foram criados por patrocínio de empresas, o que não resolve em nada o problema. Outros têm a desfaçatez de afirmar categoricamente que não são publicidade, o que chega a ser um escárnio ao bom senso em alguns casos. Tanto que o Google, dono do YouTube, foi acionado por uma ação civil pública do Ministério Público de São Paulo na virada do ano. A ação, movida pelo Instituto Alana, ONG que cuida do desenvolvimento de crianças, pede, entre outras ações, a retirada de 105 vídeos de sete youtubers mirins, que somam 13 milhões de inscritos em seus canais.

 

O que você pode fazer

Legislações e iniciativas com a acima são bem-vindas para melhorar essa situação. Mas vocês, como pais, avós, tutores ou educadores, têm um papel essencial nesse processo. E os ganhos são múltiplos: não apenas ajudarão suas crianças a lidar com essa situação, como melhorará -e muito- seu relacionamento com eles.

A primeira coisa a fazer é não proibir. Isso não funciona! Como diz o ditado, “tudo que é proibido é mais gostoso”! Então, diante disso, a criança encontrará meios de burlar a proibição, e o tiro sairá pela culatra.

Em segundo lugar, estabeleça, desde bem cedo um canal de diálogo franco com os pequenos. Mas, para que isso funcione, deve ser bilateral: as crianças devem ter abertura total para que confiem nos pais, mas os pais também precisam confiar nas crianças. E isso deve ser em tudo! Se for exigida confiança de apenas um dos lados, não funcionará.

Por fim, desenvolva o gosto de fazer junto com as crianças as coisas que elas gostam de fazer: brincar, contar histórias, ler livros, ver filmes e desenhos, participar de jogos e games e -claro- assistir a vídeos no YouTube (que não tem nada de errado por si só).

São três pilares simples de entender, mas admito que não tão simples de realizar, ainda mais para pais que trabalham fora. Mas, oras, a paternidade é isso! E essas tarefas não precisam consumir muitas horas do dia. Se bem feito, alguns minutos podem fazer a diferença entre crianças saudáveis, independentes, conscientes e felizes e pequenos tiranos, que crescerão como adultos irresponsáveis, sem limites, incapazes de ter uma vida saudável e construtiva na sociedade.

E qual dos futuros vale a pena investir seu tempo?

 

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A inteligência artificial pode ser a máquina perfeita de sedução

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O personagem Theodore, do filme “Ela”, e sua amada Samantha: o sistema do celular que carrega em seu bolso - Foto: divulgação

O personagem Theodore, do filme “Ela”, e sua amada Samantha: o sistema do celular que carrega em seu bolso

Você se apaixonaria por uma máquina? É uma pergunta séria! Portanto, antes de mandar um sonoro “não” como resposta, deixe-me fazer outras indagações: o que é necessário para se apaixonar por alguém (ou por algo), e quanto a inteligência artificial já pode influenciar nisso?

Acha tudo isso maluquice? Pois saiba que estamos bem próximos de isso se tornar realidade! E pode ter impactos incríveis em sua vida pessoal e profissional.

O tema já foi amplamente explorado pela ficção, em filmes e livros. Um dos melhores exemplos é o filme “Ela” (“Her”, 2013), em que o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) se apaixona pelo sistema operacional inteligente de seu computador e de seu celular (chamado de Samantha), personificado pela voz de Scarlett Johansson.


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O filme é construído com grande sensibilidade por Spike Jonze. Mas, apesar de Theodore estar passando por uma fase depressiva, o que o faz se apaixonar por Samantha não é sua carência. O que o conquista é o fato de que o sistema sabe tudo sobre ele, pois tem acesso a todo tipo de banco de dados sobre o sujeito. Mais que isso: os dois sempre conversan, e Samantha aprende continuamente do que ele gosta. Resultado: ela sempre oferece o que ele precisa, mesmo coisas inesperadas.

Trazendo para nossa realidade, qual foi a última vez que você foi seduzido por um sistema?

 

O vendedor perfeito

Não, não me refiro no sentido romântico ou sexual, mas, por exemplo, para comprar algo. Afinal, uma boa venda também é uma forma de sedução. E, se até então isso era privilégio dos bons vendedores, cada vez mais a tecnologia ocupa esse espaço, seja por sistemas de autoatendimento no e-commerce, seja como suporte para vendedores humanos.

Quem trabalha com CRM, sabe que os quatro pilares para conseguir uma boa venda combinam a oferta certa, para o cliente certo, no momento certo e no canal certo. Se qualquer um deles não for atendido, a venda ainda pode acontecer, mas será mais difícil. Por outro lado, se os quatro estiverem presentes, é quase certo que o consumidor fará a compra.

Os departamentos de marketing e comerciais sempre trabalharam duro para isso. Mas essa tarefa está cada vez mais complexa, porque nós, os consumidores, também estamos sendo modificados pela tecnologia, que nos dá um incrível poder de escolha e acesso ubíquo a informações e serviços. Em um fenômeno que está sendo chamado de “pós-consumidor”, queremos tudo do nosso jeito, na nossa hora, de um jeito fácil e, ainda por cima, barato.

A melhor (e possivelmente em um futuro próximo, será a única) maneira de se manter nesse jogo é usando a tecnologia para compreender esse consumidor. A exemplo do que Samantha fez com Theodore, tecnologias como machine learning, Internet das Coisas, big data, análises preditivas e linguagem natural já permitem que empresas conheçam, de maneira cada vez mais profunda, seus consumidores, para atender, com incrível precisão, os pilares do CRM acima.

Esse, aliás, foi o tema da minha apresentação no “Colóquio de Inteligência Artificial e Redes Sociais”, realizado no dia 13 de dezembro pelo grupo de pesquisa Sociotramas, do qual faço parte na PUC-SP. Se quiser assistir à minha fala de 15 minutos, ela está no ponto no vídeo abaixo (aproveite para ver também toda a íntegra do evento: discussões de alto nível).


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Discutimos, inclusive, alguns exemplos, como as “vitrines inteligentes” da SAP. Com esse sistema, câmeras captam a imagem de uma pessoa que estiver diante da vitrine de uma loja, tentando identificar algumas informações suas essenciais para a venda, como sexo, faixa etária, como se veste e até mesmo o humor do indivíduo. Toda essa informação é cruzada com diversas bases de informações, sejam estatísticas, vindas de big data, ou do próprio indivíduo, para sugerir a melhor oferta para ele.

Falei também da tecnologia de “remessa antecipada” da Amazon, em que a gigante do varejo tenta “adivinhar” o que um consumidor quer. O objetivo é ter o item no centro de distribuição mais próximo dele antes mesmo de o pedido ser feito, para que possa ganhar da concorrência no prazo de entrega.

Se a coisa for bem-feita, é um cenário em que todos ganham. Afinal, o consumidor receberá uma boa oferta de algo que quer, na hora que busca aquilo. Portanto, suas necessidades estarão sendo bem atendidas. Do lado do varejo, ao prestar esse ótimo atendimento, suas vendas tendem a crescer. Mais que isso: há uma boa chance de aquele consumidor ser ainda fidelizado.

Mas fica sempre a dúvida: as empresas não podem passar dos limites e invadir a nossa privacidade além do razoável –e permitido? Na verdade, no colóquio acima, foi perguntado para mim quem nos protege disso.

Quais são os riscos a que estamos expostos nessa história?

A privacidade morreu?

É claro que existem limites éticos e morais nisso tudo. Aliás, nesse ano foi sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados , que trata do assunto.

Mas precisamos ter clara uma coisa: a privacidade como conhecíamos até havia bem pouco tempo, já não existe mais. Como disse no colóquio a minha orientadora Lúcia Santaella, a partir do momento em que tornamos públicas (e, na maioria das vezes, de maneira irrestrita) nossas informações pessoais, fica difícil querer exigir garantias de privacidade.

O que existem são boas práticas, tanto para empresas quanto para nós, consumidores. Para elas, a primeira recomendação é usar os dados das pessoas apenas para os fins concedidos. Ou seja, se o usuário lhe entregou dados para ganhar descontos nas farmácias, isso não deve ser usado para definir o preço de planos de saúde (ou ainda vender um carro!). Da mesma forma, esses dados não devem ser compartilhados com terceiros. Por fim, as empresas não devem enganar o usuário para coletar dados, como acontece muito nesses infames joguinhos no Facebook, que roubam um monte de nossas informações para, por exemplo, dizer apenas com qual celebridade nos parecemos.

Quanto a nós, o que precisamos fazer é aceitar que esse é o jogo atual. Somos continuamente rastreados, das mais diferentes formas, e não há como escapar disso. Mas precisamos ter, pelo menos, consciência de que isso está acontecendo, para não entregarmos alegremente tudo o que somos a qualquer um. Da mesma forma, considerando que estamos nessa “para valer”, aprendamos a aproveitar todos esses recursos para conseguirmos o que buscamos, com as melhores vantagens disponíveis.

Não vamos nos apaixonar pelo e-commerce, mas, se todos fizerem bem a sua parte, realmente é um cenário em que todos podem ganhar. No final, nossa vida fica melhor.

Só não estamos ainda na pele de Theodore.

Ainda.


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Videodebate: o que você causa nas pessoas

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Você tem UM GRANDE PODER nas mãos, mas talvez não saiba: o poder de influenciar as pessoas que estão a sua volta.
Com as redes sociais, ele ficou muito maior. E, junto com ele, você ganhou também uma grande responsabilidade!
Sim! Pois muita gente acredita no que publicamos nas redes, desde uma singela foto, até um artigo bastante analítico. E graças aos algoritmos de relevância das redes sociais, nosso conteúdo ganha públicos cada vez maiores.
Desnecessário dizer que, se dermos uma mancada, nossa reputação pode ir por água abaixo. Isso inclui escorregadas éticas, um caminho perigoso que muitos trilham, por parecer mais fácil para atingir seus objetivos.
Não caia nessa armadilha! Veja no meu vídeo abaixo como usar essa poderosa ferramenta para melhorar sua imagem, conseguir mais clientes ou aquele emprego tão sonhado!
Use esse poder para melhorar a sociedade ao seu redor. Que exemplos (bons e ruins) você tem para compartilhar conosco aqui nos comentários?



 

Temos que falar mais sobre como somos dominados alegremente pelo marketing digital

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O personagem Neo, do filme Matrix, acorda da ilusão criada pelas máquinas para roubar sua energia sem que perceba - Foto: reprodução

O personagem Neo, do filme Matrix, acorda da ilusão criada pelas máquinas para roubar sua energia sem que perceba

Já virou lugar-comum dizer que o consumidor hoje tem muita escolha. Graças aos meios digitais, podemos encontrar quem nos forneça o que precisamos de uma maneira cada vez mais alinhada aos nossos gostos. Parte disso acontece graças ao facílimo acesso que temos a todo tipo de informação e ao contato com pessoas com gostos semelhantes aos nossos. Essa liberdade de escolha transformou a maneira de como consumimos todo tipo de produto ou serviço, e tem feito as empresas se reinventarem, sob o risco de serem substituídas por concorrentes que conhecem e, por isso, atendem melhor seu público.

Mas será que nossas escolhas são mesmo livres? Ou vivemos dentro de uma bem arquitetada fantasia de que temos o controle de nossas vidas, quando, na prática, somos cada vez mais manipulados para o benefício de poderosos?

Nesse caso, qualquer semelhança com a trama do filme Matrix (1999), em que humanos eram mantidos em uma ilusão enquanto alimentavam uma monstruosa máquina com a energia de seus corpos, não seria mera coincidência.

Não estou pintando um cenário apocalíptico, de máquinas versus humanos ou de empresas subjugando seus consumidores. Quem me acompanha, aqui na rede ou fora dela, sabe que sou um grande entusiasta do uso da tecnologia digital para ampliar as capacidades humanas. Entretanto, para conseguirmos isso, temos que ter consciência do que está acontecendo a nossa volta, para que nos apropriemos desses recursos, ao invés de sermos controlados por eles.


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Esse assunto está tão pulverizado em nossas vidas, que foi tema da redação do ENEM desse ano, realizado há alguns dias: os alunos deveriam dissertar sobre “manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”.

Como sugeriam os textos no enunciado da redação, esse controle passaria pelos infames “algoritmos de relevância”. Tratam-se de sistemas que rastreiam continuamente tudo que é publicado na rede e também tudo o que fazemos nela. O objetivo é bastante simples: esses programas são responsáveis por nos mostrar, nos serviços digitais que usamos, conteúdos que sejam interessantes para nós. E isso não vale só para redes sociais: eles “filtram” aquilo que consumimos no noticiário, as respostas dos buscadores, serviços de música, fotos que apreciamos, produtos que compramos e até as pessoas com quem nos relacionamos!

Decidir o que é o mais relevante para cada um entre bilhões de usuários, por outro lado, é uma tarefa extremamente complexa, que envolve o cruzamento de uma infinidade de variáveis e um monitoramento contínuo e cada vez mais amplo e profundo de tudo que fazemos, de uma maneira que chega a ser assustadora. Dessa forma, muitas das empresas que prestam esse serviço, como Facebook, Google, Apple e Amazon conhecem nossos gostos com um detalhamento que, se duvidar, nem nós mesmos temos! Por isso, em muitos casos, são até mesmo capazes de antecipar nossos desejos.

É aí que a coisa começa a ficar complicada.

 

“Me engana, que eu gosto!”

Os algoritmos não entram no mérito se o que nos empurram é bom ou ruim. Eles nos apresentam apenas aquilo que consideram “relevante” (daí seu nome), ou seja, aquilo sobre o que as pessoas ou as marcas com quem nos relacionamos estão falando, usando, comprando. Enfim, aquilo que está gerando “movimento nas redes”. Logo, quanto mais somos parecidos a um grupo (segundo o sistema) e quanto mais um determinado tema está sendo debatido por ele, maior a chance de aquilo nos interessar também.

Essas regras estão entre os segredos mais bem guardados dessas empresas, pois o sucesso do seu negócio passa por seus usuários concordarem que aquilo que lhes é oferecido é realmente interessante. O incrível é que, de maneira geral, o que nos mandam parece mesmo bacana! E assim conhecemos e gostamos do que o Facebook e outros nos empurram!

Aí é que começa a manipulação, ainda que não seja esse o objetivo desses sistemas, a princípio. O grande efeito colateral disso tudo é a criação das “bolhas”: a partir do momento em que somos continuamente apresentados apenas àquilo que gostamos e a pessoas que pensam como nós, qualquer coisa pode se tornar uma “verdade”, mesmo que seja a mais incrível porcaria! Quando vivemos em um ambiente de “pensamento único”, nossos preconceitos acabam sendo reforçados.

Isso, por si só, já seria bastante ruim. Mas há ainda algo mais perverso nessa história: e se pessoas, empresas e as próprias plataformas conseguissem controlar os algoritmos para que víssemos o que é interessante a elas, e não a nós mesmos?

Teoria da conspiração? Antes fosse! As plataformas, especialmente o Facebook, dão contínuas provas de que isso acontece. Em março, isso foi escancarado pelo escândalo envolvendo a próprio Facebook e a empresa Cambridge Analytica: a última usou recursos da plataforma para roubar dados de 87 milhões de seus usuários para disseminar eficientemente “fake news”, que ajudaram na eleição de Donald Trump para presidente dos EUA.

O mais preocupante disso tudo é que o sistema é tão eficiente em nos exibir aquilo que combina conosco, que baixamos nossas defesas e abraçamos causas que não são nossas e que podem até mesmo nos prejudicar. Basta olhar para nossa última eleição presidencial: sem entrar no mérito de ser bom ou truim, venceu justamente quem soube usar os meios digitais de maneira mais eficiente, como eu já havia adiantado em um artigo escrito em maio.

Quer dizer então que somos seres indefesos, à mercê de sistemas malignos? Claro que não!

 

Aprenda a usar isso a seu favor

Apesar de todo o exposto acima, sou a última pessoa que diria que as redes sociais são ruins ou que estamos condenados a ser vítimas incapazes dos algoritmos. Na verdade, esses sistemas podem nos ser bastante úteis.

A primeira coisa é aceitar e entender que somos continuamente monitorados, e que não há como “enganar o Facebook” (como já ouvi muita gente afirmando fazer). Ao invés disso, devemos começar a desenvolver uma visão crítica do que nos é apresentado nas diferentes redes sociais.

Costumo brincar que “cada um tem o Facebook que merece”. Se você está vendo algo ali, não se engane: de alguma forma, deu pistas ao infame algoritmo para que ele imaginasse que aquilo seria de seu interesse. E isso vale também para LinkedIn, Instagram e qualquer outra plataforma. Portanto, não adianta ficar esbravejando com o que lhe jogam na cara. Faça uma autoanálise: quanto daquilo é resultado de suas inúmeras pegadas digitais (que todos nós deixamos)?

E aí vai a dica de ouro: não acredite em tudo que lhe contam, principalmente quando aquilo parece ser uma unanimidade a sua volta. Disse certa vez o grande Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”.

Dessa forma, a coisa pode ficar interessante para nós também!

As marcas, pelo menos as mais inteligentes, usam toda essa informação para nos conhecer melhor e, assim, oferecer produtos que atendam nossas expectativas com grande eficiência. E não fazem isso porque são “boazinhas”: fazem isso porque, com essa atitude, aumentam incrivelmente a chance de nos vender seja lá o que for!

Claro! Se alguém nos oferece algo que está totalmente alinhado com o que queremos, por um bom preço, na hora que estamos buscando, as chances de fecharmos negócio são imensas! Com um bom uso dessa tecnologia, os quatro pilares da gestão de relacionamento com o cliente –o cliente certo, a oferta certa, o momento certo, o canal certo– podem atingir um novo e poderosíssimo patamar!

As companhias devem apenas tomar cuidado para não escorregar na ética. Diante de uma infinidade de informações dos consumidores, até onde podem ir? De uma maneira geral, há uma pergunta que deve ser sempre respondida afirmativamente para seguir adiante: “estou usando uma informação que foi obtida de maneira legítima e que me foi entregue conscientemente para essa finalidade?”

Portanto, não precisamos ter medo ou tentar “enganar” as diferentes plataformas digitais, especialmente porque isso está cada vez mais impossível. Devemos, isso sim, usar a inevitabilidade de que somos rastreados e muito conhecidos, para que, cada vez mais, tenhamos ofertas que atendam nossas demandas.

Se tivermos essa consciência e essa visão crítica do que nos for apresentado, poderemos desfrutar de uma sociedade tecnologicamente desenvolvida, em que todos podem ganhar. Caso contrário, se terceirizarmos nossa capacidade de decisão aos algoritmos, aí sim seremos apenas massa de manobra.

Como você se encaixa nisso?


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Você força a barra pelos seus interesses comerciais?

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Comercial do KFC satiriza Neymar, um movimento muito visto na mídia internacional - Foto: reprodução

Comercial do KFC satiriza Neymar, um movimento muito visto na mídia internacional

A pergunta desse título não é uma provocação barata. Quem nunca passou dos limites, ficou com vontade de passar dos limites ou pelo menos viu alguém passando dos limites para atingir um objetivo comercial? Em um país assolado pela corrupção e com a moral destruída pelo nefasto “jeitinho brasileiro”, provavelmente todos já se enquadraram em pelo menos um desses casos. Isso é terrível para a evolução de toda a sociedade e, ao fazer isso, pode-se ter uma vantagem comercial imediata, mas, a longo prazo, todos –todos mesmo– saem perdendo. Mas, se está tão arraigado em nossa cultura, como escapar disso?

Uma coisa que venho discutindo nos últimos dias em casa, com os amigos, com os alunos, com colegas, com clientes (é, o assunto esteve em toda parte mesmo!) representa bem isso: as encenações de Neymar nos jogos da Copa do Mundo, especialmente nos dois primeiros. A competição está chegando ao fim, o Brasil já voltou para casa, mas o assunto continua rendendo.

Que fique claro: esse não é um artigo sobre futebol, nem sobre o Neymar, apesar de eu achar que a “catimba” é um jeito (bem) velho e abominável de se “jogar” futebol (afinal, isso não passa de “jeitinho sobre o gramado”). Mas o caso é perfeito para discutirmos a questão do título usando o comportamento da mídia sobre o tema como exemplo.


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Enquanto o mundo criticava pesadamente o comportamento da estrela máxima da Seleção Brasileira (com direito a ser satirizado em comerciais, como o visto acima, da cadeia de fast food KFC), parte da mídia brasileira, especialmente alguns canais de TV detentores dos direitos de transmissão “blindavam” o jogador. Se, para o resto do mundo, os adjetivos associados a ele giravam em torno de “grotesco”, “infantil” e “vergonhoso”, por aqui esses veículos o classificavam como “caçado”, “dedicado” e “brilhante”.

Oras, não se trata de uma diferença sutil de percepção: é diametralmente oposta! Como justificar isso?

É aí que a porca torce o rabo!

 

Garantindo o investimento

No Brasil, Globo (TV aberta), SporTV e Fox Sports (TV por assinatura) pagaram pelo direito de transmitir a Copa da Rússia. A Globo também assegurou direito de transmitir pela Internet (exclusiva) e pelo rádio. Ou seja, a Vênus Platinada estava com a Copa em todos os meios. Não foi divulgado quanto pagou à FIFA por isso, mas as seis cotas de patrocínio da Globo giraram em torno de R$ 180 milhões.

Não precisa ser gênio para entender que era fundamental para a empresa que a Copa fosse um sucesso de público e de crítica. Sim, as cotas já estavam vendidas, mas, como os direitos da próxima já estão assegurados, eles precisarão vender novamente daqui a quatro anos. E, se a principal estrela do time não brilhasse, isso seria ruim para os negócios. Pior ainda se fosse visto como um mau exemplo, pois levantaria críticas ao time, diminuindo o interesse pelo evento como um todo.

Era preciso, portanto, transformar tudo aquilo em um espetáculo ainda maior! O resultado disso foi ver toda a equipe de entretenimento e de jornalismo se contorcendo para tentar defender o indefensável.

Pode-se argumentar que futebol é espetáculo mesmo, e que, portanto, não precisa ter compromisso com a verdade.

Permita-me discordar.

 

“Fake entertainment”

Para o bem e para o mal, poucas coisas movimentam o brasileiro tanto quanto o futebol. E em tempos de Copa do Mundo, em que tudo parece estar (às vezes literalmente) vestido de verde e amarelo, se os principais veículos de comunicação (ou pelo menos os mais massificados) vão juntos para um único lado, as versões acabam se tornando “verdades”.

Portanto, distorções como essas são equiparáveis às infames “fake news”, as notícias falsas que tanto combato aqui, em minhas palestras e em minhas aulas. Senão vejamos: criaram mentiras usando elementos reais para manipular a opinião pública, com objetivos econômicos (ou políticos ou ideológicos).

Oras, essa é a definição de “fake news”.

Se os jornalistas e a turma do entretenimento da Globo falassem as coisas como são, qual seria o impacto para os negócios?

Provavelmente a audiência cairia, o que desagradaria os anunciantes, diminuindo a sua disposição para futuros investimentos. Isso se sustenta pelo fato de que o interesse do brasileiro pela Copa na Rússia foi o mais baixo já registrado em qualquer Copa. Para piorar, isso é ainda mais verdadeiro nas regiões mais ricas do país, exatamente onde os anunciantes mais querem aparecer bem.

Então dá-lhe mais brilho ainda no Canarinho Pistola!

 

Sociedade contaminada

Como disse acima, a mídia na Copa é só um exemplo bem vivo na cabeça de todos.  Mas infelizmente esse “vale tudo” nos negócios está bastante disseminado no nosso jeito de fazer negócios.

Lembro-me de certa empresa gigantesca em que trabalhei, onde todos os profissionais eram obrigados a passar por um treinamento de “compliance” em todos os semestres. E o treinamento era sempre o mesmo, com as mesmas regras, normas, diretrizes de como o negócio deveria ser conduzido. Em determinado momento, comecei a achar aquela repetição estranha e um tanto exagerada. Até que ouvi de outros colegas, durante o próprio treinamento, a seguinte frase: “se eu seguir isso, a concorrência me come!”

Em outras palavras, aqueles profissionais deliberadamente não seguiriam as regras, pois sabiam que a concorrência não faria isso. Então partia-se para o “vale-tudo’: às favas com os limites morais e legais.  O fim justificava os meios!

Apesar de chocante, aquilo não me surpreendeu. Pois vejo esse tipo de coisa todos os dias, desde os desvios bilionários noticiados em horário nobre, até pequenas corrupções, como furar uma fila ou “molhar a mão do guarda”;

Sim, pois “jeitinho” e corrupção são dois nomes para o mesmo desvio ético.

Ele infesta a nossa sociedade devido a nossa falência educacional e a cinco séculos de “querer se dar bem em cima do outro”, desde a troca de toras de pau-brasil por espelhinhos. Nossa história criou uma sociedade em que, para se ter muito, vale ferir todos os limites morais e legais, desde que não seja descoberto.

É uma pena, pois o resultado disso é um círculo vicioso em que se continua errando para continuar nos negócios. Pior: quem deseja fazer a coisa certa, sofre grandes dificuldades (isso quando não é simplesmente taxado de “otário”). Com consequência maior, temos uma sociedade que não consegue progredir, cujos valores são cada vez piores. Que acha lindo como “as coisas funcionam no Primeiro Mundo”, mas que não percebe que isso é tão mais verdade, quanto menos corrupto é a população do país.

Para escaparmos disso, todos temos que nos envolver. Não há ética pela metade!

Calculo que o tempo para revertermos essa situação é de uma geração inteiro, se o trabalho for muito bem feito desde o começo. No mínimo! E os dois principais instrumentos são a mídia (jornalismo e entretenimento) e a educação (no sentido amplo da palavra).

A primeira porque tem o papel de informar e de formar o cidadão. Qualquer jornalista estuda (ou deveria estudar) isso no primeiro ano da faculdade. Ela é o farol da sociedade, ajudando a moldar nossos valores. Por isso, é muito fácil comprovar que as sociedades mais desenvolvidas têm mídias mais desenvolvidas.

A educação, por sua vez, é o que nos dará instrumentos para sermos cidadãos mais críticos, mais completos e mais íntegros. Precisamos de uma educação de alta qualidade e para todos (todos mesmo, sem demagogia), um sistema que ensine bem os conteúdos acadêmicos necessários, mas que também seja inclusivo, igualitário, democrático. E desgraçadamente estamos bem longe disso tudo.

É possível construirmos tanto uma quanto outra ferramenta. Basta querermos. E começar combatendo as malandragens cotidianas.

Quando conseguirmos atingir esse objetivo, não precisaremos de “catimba” para ganharmos o jogo. Nem no futebol, nem nos negócios, nem na nossa vida em sociedade.


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Nesse ano, elegeremos o presidente em um videogame

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Mario Bros para presidente do Brasil? Muita calma nessa hora! Imagem: composição com imagens de divulgação

Mario Bros para presidente do Brasil? Muita calma nessa hora!

Esse será o ano da eleição-videogame! Ganhará o pleito o candidato que souber as regras de jogo e como usar os recursos digitais das diferentes plataformas para “coletar moedas”, “vencer os chefes” e “passar as fases”. Não estou brincando, não! Os votos serão conquistados principalmente no meio digital, usando conceitos de jogabilidade. A parte chata é que nós teremos a ilusão de ter algum controle dessa narrativa, mas é grande a chance de acabarmos apenas como personagens secundários desse enredo. Como não sermos então manipulados nesse game?

Não se engane: a campanha já começou para valer, e há bastante tempo! Pré-candidatos de todo o espectro político já estão nas redes sociais coletando os nossos dados, analisando comportamentos de grupos, categorizando os eleitores e fazendo movimentos muito bem calculados, plantando informações de seu interesse nos lugares certos para mover as peças desse tabuleiro.

O mais incrível é que as pessoas não percebem isso, e participam alegremente do jogo. Em grande parte, isso acontece pela disseminação dos smartphones e pelo nosso uso permanente das redes sociais. A combinação desses fatores cria o ambiente perfeito para essa eleição feita de bits em três frentes principais.

A primeira é que o conceito de jogabilidade já foi totalmente assimilado por grande parte da população, mesmo entre pessoas que nunca ouviram esse termo. Graças aos joguinhos casuais nos smartphones e principalmente nas redes sociais –com destaque especial aos infames “brinquedinhos” do tipo “com qual celebridade você se parece” que inundam o Facebook– as pessoas já se acostumaram a ter algum benefício imediato se conseguirem cumprir alguma tarefa proposta pelo sistema. E as tarefas mais comuns consistem em prosaicamente entregar seus dados pessoais e depois compartilhar o resultado do jogo nas redes sociais.

Além disso, por carregarmos os smartphones conosco o tempo todo e aos aplicativos das redes sociais, nós estamos constantemente online. Não saímos nunca da Internet (ou é a Internet que não sai de nós?).

O que nos leva à terceira frente: somos permanentemente rastreados, seja o lugar onde estamos nas 24 horas do dia (e com quem estamos), nossos interesses em todos os campos, nossas ações e qualquer outra coisa que as marcas vejam valor. E muitas dessas informações são coletadas sem que tenhamos que tomar qualquer ação: o sistema se encarrega de tudo, muitas vezes (muitas mesmo!) sem que sequer tenhamos consciência disso.

O “Big Brother”, aquele Grande Irmão do livro “1984”, de George Orwell, era um amador com seu tosco controle da sociedade a partir de câmeras.

 

Criando cabos eleitorais superengajados

Você também sente que, nos últimos anos, as discussões políticas ficaram muito polarizadas e até mesmo radicais? É um tal de “se não estiver comigo, está contra mim”, amizades de muitos anos sendo desfeitas.

Isso é reflexo do game!

Os candidatos mais espertos já perceberam como ajustar o seu discurso para atender aos formadores de opinião nas redes. Transformam-se em personagens que vão de encontro aos anseios desses grupos e, dessa forma, cooptam esses usuários para espalhar suas mensagens, às vezes com grande virulência, radicalização e até agressividade. Graças às dinâmicas das redes sociais, esse comportamento agrupa uma grande quantidade de pessoas que pensam no mesmo, e o sistema vai se retroalimentando. Com isso, a visão do candidato sobre qualquer assunto rapidamente ganha ares de verdade incontestável, mesmo que seja a mais rotunda porcaria.

Uma versão mais sofisticada disso usa sistemas e algoritmos para coletar dados dos incautos usuários para classificá-los em grupos seguindo preferências nos mais diferentes campos. Com isso, a tarefa acima fica ainda mais eficiente!

É exatamente o que a empresa Cambridge Analytica fez para ajudar na eleição de Donald Trump, no escândalo que foi exposto em março. Em primeiro lugar, criou o “joguinho” “This Is Your Digital Life”, que foi baixado por cerca de 270 mil usuários, que compartilharam alegremente, via Facebook, não apenas os seus dados, mas também os de seus amigos. Como resultado, a Cambridge Analytica colocou as mãos em informações pessoais de 87 milhões de pessoas, que foram usadas para conhecer profundamente alguns desejos dessas pessoas. A partir disso, a campanha de Trump conseguiu ajustar seu discurso para se tornar mais convincente, fazendo uso até mesmo de “fake news”, habilmente plantadas seguindo as conclusões do sistema.

Pode-se argumentar que a política sempre foi um jogo, e sempre ganhou quem conseguiu construir uma mensagem mais adequada aos anseios do eleitorado. Mas nunca os candidatos tiveram recursos nem de longe tão poderosos para isso. O ganho de escala, de inteligência e de capacidade de processamento nos últimos anos são quase inacreditáveis!

E tem ainda quem distribua “santinhos”. Coitados!

 

“Política não se discute”

Lembra daquele velho ditado: “política, futebol e religião não se discute”? A sabedoria dos “antigos” estava certa: são temas que naturalmente causam polêmica.

Mas sempre discutimos tudo isso nas mesas de bar, em casa, no trabalho. E, por mais que um fosse Corinthians e o outro fosse Palmeiras, por mais que piadinhas infames fossem comuns, as pessoas não deixavam de ser amigas umas das outras por terem opiniões diferentes. Pelo contrário: as divergências eram construtivas, até aprendíamos com o pensamento do outro, por mais que continuássemos discordando dele.

Entretanto, graças aos algoritmos das redes sociais, às “fake news”, aos “candidatos player 1”, a radicalização está matando essa convivência pacífica. E, com isso, levando embora, a inestimável habilidade de aprender com o outro.

Portanto, deixo aqui um apelo: todos têm o direito de ter sua opinião, sua ideologia, seu alinhamento político, seu candidato preferido. Mas não se radicalize! Além disso, por mais que o seu candidato lhe pareça perfeito (e isso não existe em lugar nenhum), não acredite piamente em tudo que ele disser. Busque informações em diferentes fontes, especialmente em fontes com opiniões divergentes.

Em 11 de novembro de 1947, Winston Churchill, ex-primeiro-ministro do Reino Unido e considerado um dos maiores estadistas da história, proferiu uma de suas célebres frases: “Ninguém espera que a democracia seja perfeita ou infalível. Na verdade, tem sido dito que a democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as demais formas.”

Entre muitas outras coisas sobre a democracia, Churchill sabia que ela só funciona bem pela contraposição de ideias. Pois não existe verdade absoluta. O que mais se aproxima disso está no meio das opiniões divergentes.  Quanto mais nos afastarmos do diálogo pluralista, mais nos enfiaremos na escuridão.

Portanto, nesse ano de eleição-videogame, agarre o joystick e seja o “jogador 1” da sua vida. Não se deixe enganar pelo canto da sereia nem dos candidatos, nem dos algoritmos. É o futuro de todos que está em jogo.


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O que acontece quando as marcas nos transformam em máquinas de propaganda

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Foto: Marco Del Torchio/Creative Commons

Quem nunca ganhou alguma coisa e ficou tão feliz que quis compartilhar a alegria com quem estivesse a sua volta? Isso é perfeitamente saudável e faz pare da nossa natureza humana. Entretanto, se antes fazíamos isso apenas com nosso círculo próximo de amigos e familiares, agora, com as redes sociais, podemos contar nossa experiência ao mundo todo! Algumas marcas perceberam que isso embutia um incrível potencial para promover seus produtos e criaram um inteligente mecanismo para estimular as pessoas a fazer exatamente isso.  Fica a questão: estamos nos transformando em eficientes máquinas de propaganda?

Essa discussão veio à tona na aula do meu curso de extensão Comunicação Digital: Muito Além do Óbvio ontem. Debatíamos se quando um comunicador fala bem de um produto que ele tenha recebido, precisa informar que se trata de publicidade, nem que seja usando a hashtag #publi.

A primeira questão que surge disso é: se você fala bem de um produto, isso é necessariamente publicidade? Se você é um profissional de comunicação, como um jornalista, e uma marca lhe envia um produto com essa expectativa, a princípio a resposta seria “sim”, e seria de bom grado informar isso a seu público. Entretanto, essa é uma simplificação causada pelo momento em que vivemos, em que muitos jornalistas e influenciadores automaticamente promovem qualquer coisa que lhe enviam (o que me dá uma vergonha enorme).

E quem não é um profissional da área e resolve falar bem de algo que ganhou? Tem que informar a seu público que é uma propaganda?

É aí que o bicho pega.

 

O direito de gostar e de falar mal

Sou jornalista desde 1993. Comecei a minha carreira na Folha e passei por outras grandes empresas de comunicação, como Abril e Estadão. Se agora enfrentamos essa discussão ética, lá atrás esses veículos já tinham a coisa muito bem resolvida. A regra era simples: recebíamos produtos de todo tipo e valor para análise, mas não tínhamos nenhuma obrigação de falar bem daquilo. Aliás, tínhamos toda liberdade de falar mal do que não gostássemos. E, em muitos casos, nem sequer mencionávamos o produto. Se viajávamos a convite de uma empresa, informávamos isso, e passava a valer a regra acima.

Afinal a marca mandou o produto ou fez o convite porque quis, e sabia como a coisa funcionava. Ok, algumas não sabiam “brincar” e reclamavam se a coisa não saía exatamente como elas queriam, mas aí azar o delas.

Eventualmente gostávamos de verdade de algo que recebíamos, e aí a análise era francamente favorável. E isso não acontecia por qualquer tipo de favorecimento, e sim porque o produto era bom mesmo. E isso NÃO É propaganda, e sim uma análise isenta que chegou a essa conclusão. Logo, não precisa –e nem deve– ser indicada como publicidade.

De maneira geral, jornalistas, veículos, marcas e o público estavam alinhados com isso. Ninguém estava enganando ninguém. A coisa começou a azedar quando veículos e principalmente alguns influenciadores (especialmente na área de moda e maquiagem) começaram a se “vender” escandalosamente. De repente, tinha youtuber rasgando elogios por uma marca qualquer, só porque tinha recebido uma caixa de maquiagem.

Péssimo para elas mesmas, pois as pessoas não são trouxas, e isso acaba sendo um tiro na sua credibilidade. A porcaria é que isso criou uma nuvem negra sobre quaisquer promoções legítimas e isentas, e agora tudo é visto como propaganda.

Não é! Propaganda é quando se recebe para forçosamente falar bem. Se existe a possibilidade de falar mal ou simplesmente não falar do produto, isso é uma análise isenta.

 

Somos todos veículos

Esclarecido o lado dos profissionais de comunicação, vem a questão mais delicada: as redes sociais transformaram cada um de nós em pequenos veículos. Qualquer coisa que publicamos em qualquer rede tem potencial para atingir centenas, talvez milhares de pessoas! Então, se falarmos bem de um produto nas redes, isso é publicidade? E mais: temos que avisar nosso “público” que aquilo é propaganda?

Em um primeiro momento, a resposta é não! Quem não é comunicador não está sujeito aos códigos de ética dessas profissões. Se o indivíduo quiser falar bem (ou mal) de um produto, ele está dentro de seu direito de se expressar livremente. E fazer isso porque foi “estimulado” por um presente não muda nada.

Apesar disso, algumas coisas precisam ser avaliadas. Se o nosso direito de nos expressarmos livremente é inalienável, isso não pode comprometer outras coisas.

Em primeiro lugar, a primeira vítima pode ser a nossa própria reputação. Falar bem de algo não é um problema. Mas ficarmos “forçando a amizade” e fazer isso o tempo todo, especialmente se ficar evidente que estamos sendo estimulados de alguma forma, não dá.

É exatamente o que aconteceu com as youtubers de maquiagem citadas acima: elas haviam criado uma boa reputação pelas suas habilidades técnicas e de comunicação. Mas, no momento em que começaram a “carregar nas tintas” em favor de algumas marcas, tudo o que tinham construído foi por água abaixo.

Esse processo de desconstrução pode acontecer com qualquer um. Portanto, temos total liberdade de falarmos o que quisermos, inclusive falar bem de marcas. Mas devemos cuidar de nossa imagem para não cair no velho ditado “quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza”.

Somos responsáveis pelas mensagens que publicamos, inclusive pelo que isso pode causar nos outros e a nós mesmos,

 

Abuso infantil

Mas há um ponto que é particularmente grave: o uso de crianças para promover produtos a outras crianças.

Assim como acontece com adultos, algumas crianças se tornam pequenas celebridades, especialmente no YouTube. Do alto de sua Primeira Infância, angariam centenas de milhares de seguidores, de maneira geral crianças como elas.

Muitas desses mini-influenciadores se tornaram vítimas de marcas, que lhes entregam semanalmente uma grande quantidade de brinquedos. A ideia é que esses pequenos gravem vídeos mostrando e comentando todos esses “presentes”. Por mais inocentes que sejam em suas ações, essa promoção é extremamente eficiente, pois se trata de uma criança mostrando brinquedos a outras crianças.


Vídeo relacionado (minha participação no JC Debate, sobre uso de YouTube por crianças, em 21 de outubro de 2016):


Algo que toda criança faz naturalmente a seus amiguinhos no pátio da escola ou em casa. Mas agora elas podem fazer isso em escala global!

Vale dizer que isso fere o Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe publicidade infantil. As marcas perceberam a possibilidade de burlar essa restrição justamente usando esses youtubers mirins. Mas essas empresas não são as únicas responsáveis por isso: talvez ainda mais complicada seja a situação dos pais dessas crianças, que não apenas permitem que seus filhos se prestem a isso, como ainda os “agenciam”, como uma excelente fonte de renda.

 

O papel de cada um

No final das contas, o poder está nas mãos de cada um de nós.

Esse é um terreno ainda pantanoso, com muitos pontos ainda obscuros e abertos ao debate. Como se pode ver, existem itens conflitantes, envolvendo até mesmo liberdade e ética. E isso não se aplica de maneira uniforme a todos.

O que é importante é que nos apropriemos do que essas plataformas nos oferecem, seja como produtores de conteúdo, seja como consumidores, papeis que todos nós temos atualmente. E principalmente temos que ter consciência para que não sejamos feitos de bobos por ninguém.

Em outras palavras, liberdade com ética e sem bobeira!


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Por que (e COMO) temos que aparecer bem nas redes sociais

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Obama brinca com seu cachorro Bo, quando ainda era presidente dos EUA: trabalho nas redes para se aproximar do cidadão comum - Foto: divulgação

Obama brinca com seu cachorro Bo, quando ainda era presidente dos EUA: trabalho nas redes para se aproximar do cidadão comum

Você já ouviu o ditado que afirma que “quem não é visto não é lembrado”? Em tempos em que nunca nos desconectamos totalmente das redes sociais, essa afirmação ganhou uma nova dimensão de verdade. Qualquer que seja a sua profissão, qualquer que seja o seu negócio, aparecermos bem no LinkedIn, no Facebook, no Instagram e afins pode ser determinante para o nosso sucesso. É uma enorme obviedade dizer isso a essa altura do campeonato, mas o fato é que pouca gente verdadeiramente ganha com essa exposição. Por que uns têm sucesso e outros não? Existem limites para isso?

Claro que sim! E nada é por acaso: colher frutos da presença nas redes sociais exige técnica e autoconhecimento.

Nessa semana, estava com uma mentoranda minha e ela me contou que suas clientes estão lhe parabenizando pela grande quantidade de trabalhos que está realizando. Que ótimo! Mas ela me confidenciou que continua fazendo exatamente o mesmo trabalho, da mesma forma e na mesma quantidade que já faz há bastante tempo.

A diferença é que agora ela está contando isso nas redes sociais.

É importante dizer que ela não está exagerando na sua promoção, não está “carregando nas tintas” e definitivamente não está mentindo. Ela está apenas contando eficientemente a seu público o bom trabalho que já vinha realizando. Mas isso foi suficiente para alterar a percepção que suas clientes têm do que ela faz. E isso lhe rende dividendos.

O interessante é que isso vale tanto para um pequeno negócio, como o dela, quanto para megacorporações e profissionais de grande destaque. Um bom exemplo é o atual morador da avenida Pennsylvania, 1.600, em Washington DC: Donald Trump, o homem mais poderoso do mundo, usa fortemente o Twitter para se posicionar publicamente. É verdade que, graças a seu caráter intempestivo, muitos de seus tweets deixam seus assessores de cabelo em pé. Mesmo assim, gostemos dele ou não, é inegável que ele sabe se apropriar do meio digital para deixar claro o que pensa.

Seu antecessor no cargo não usava essas plataformas tão intensamente, mas trabalhava muito bem sua imagem nas redes sociais. Barack Obama usava habilmente esses recursos para se aproximar do cidadão comum, quase como se fosse um deles. Eram recorrentes fotos em que aparecia fazendo atividades de uma “pessoa normal”, como brincar com o cachorro (como a que esse vê acima) ou fazer um churrasco. Sua esposa, Michelle, também se envolvia bastante na empreitada.

Obama é um cidadão comum? Claro que não! Nem mesmo agora, que já deixou o cargo. Mas até ele precisa cuidar de sua imagem para seus objetivos profissionais, e essa presença na rede é fundamental para isso. Vale lembrar que uma grande quantidade de fundos para suas duas campanhas presidenciais vitoriosas veio justamente do uso hábil das redes sociais.

Cabe aí uma pergunta: a exposição nas redes sociais pode distorcer a realidade?

 

As duas taças de vinho do solitário

 

Na aula da professora Pollyana Ferrari, no mestrado do programa de Tecnologia da Inteligência e Design Digital, na PUC-SP, aparece recorrentemente uma imagem que todo mundo aqui já deve ter visto em alguma das suas incontáveis versões: uma foto de duas taças de vinho diante de um lindo cenário.

Love is in the air!” A ironia é que, apesar da cena romântica divulgada, em muitas vezes quem publicou a foto é uma pessoa sozinha. Mas o fato de a foto estar ali debaixo do seu nome pode fazer muita gente acreditar que está no auge de um belo relacionamento.

Sem entrar no mérito de por que alguém faz uma coisa dessas, o fato é que, sim, a realidade pode ser literalmente distorcida nos meios digitais, para todo tipo de ganho. E tem muita gente fazendo isso agora mesmo, inclusive pessoas com quem você pode se relacionar aqui.

Não faça isso!

Valendo-me de outro ditado, “a mentira tem pernas curtas”. Mesmo enganadores habilidosos acabam escorregando em algum momento. E aí, toda aquela reputação que vinha sendo criada e garantindo contratos vai por água abaixo. Pior: em alguns casos, as vítimas podem até mesmo exigir seus direitos na Justiça.

Há ainda um agravante: as redes sociais são um incrível amplificador, para o bem ou para o mal. Um uso consciente e ético pode alavancar qualquer carreira ou negócio, mas uma fraude pode transformar uma estrela em poeira. No meio online, tudo acontece em escala superlativa e em tempos minúsculos.

Portanto, só publique sua foto com duas taças de vinho se alguém estiver com você.

 

“Tá se achando?”

Em palestras, aulas e mentorias, vira e mexe uma pergunta me é feita: “mas, se eu ficar falando de mim mesmo, as pessoas não vão dizer que eu ‘estou me achando’?”

Claro que não! Desde que você faça isso direito.

Nada mais chato que um sujeito que fica o tempo todo dizendo apenas como ele é incrível, como transforma em ouro tudo que toca, como faz brilhar a vida de todos que conhece: o sujeito é praticamente um santo!

Vai por mim: isso não existe!

Publicações demasiadamente egocêntricas podem até convencer em um primeiro momento, mas logo acabam caindo em descrédito. Ou -pior- viram motivo de chacota, junto com seu autor.

A dica de ouro é: fale somente a verdade! Não fique inventando coisas que não é ou não faz, nem “doure a pílula”. A melhor maneira de se construir uma reputação duradoura é usar, como suas fundações, fatos e méritos verdadeiros. Eles são inabaláveis.

Mas, por outro lado, não seja demasiadamente humilde. Muita gente -talvez a maioria das pessoas- tem vergonha ou receio de contar aos outros o que tem de bom. É exatamente o contrário do exemplo logo acima! O problema, nesse caso, é que, se você não contar o que você tem a oferecer, ninguém saberá disso. E daí, como esperar que alguém o contrate por essa habilidade?

Também “não force a amizade”. Por mais que se esteja dizendo apenas a verdade, não precisa ficar falando isso o tempo todo aos quatro ventos: dose a sua exposição a um volume razoável! Tampouco faça isso sempre do mesmo jeito: sempre dá para encontrar um jeito novo e diferente de apresentar o que faz, para não ficar repetitivo e, consequentemente, cansativo.

Uma boa presença nas redes sociais também trabalha com os valores que cada um de nós carrega dentro de si, e que nos define. Qual desses valores podem ser oferecidos ao seu público? Entre os meus, por exemplo, está compartilhar conhecimento, o que faço em artigos como esse, em palestras, em cursos, em mentorias. É algo em que acredito, que me deixa feliz e que efetivamente ajuda pessoas e empresas.  Por isso, é um tema recorrente na minha presença digital.

Quais são os seus valores que podem indicar algo que possa oferecer a seu público? Pense nisso, mas seja consistente: não adianta pregar algo, mas suas ações não condizerem com aquilo.

Por fim, ofereça algo às pessoas. Todos nós podemos contribuir com o próximo, nem que seja com as pessoas ao nosso redor. E as redes sociais são uma ótima ferramenta para ampliar ainda mais o alcance disso. Longe de ser uma ferramenta de marketing vazia, isso traz grandes ganhos a todos, inclusive para quem está oferecendo, com inestimáveis ganhos até para a alma.

Portanto, pare e pense: a sua presença nas redes sociais está adequada?

Seja sincero sempre e cuidado com o ego. Diga o que faz e ofereça de coração algo às pessoas. Seja acessível e também disponível. São atitudes simples, mas que demonstrarão o seu caráter. E, se fizer isso direitinho, você colherá bons frutos, e ninguém dirá que “esse aí se acha!”


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Você acha que os escândalos vão matar o Facebook?

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A capa de junho de 2011 da edição americana da revista Mad já satirizava “as 50 piores coisas do Facebook”, muito antes das “fake news” - Foto: reprodução

A capa de junho de 2011 da edição americana da revista Mad já satirizava “as 50 piores coisas do Facebook”, muito antes das “fake news”

Neste sábado, a hashtag #FacebookPodeAcabar era “trending topics” no Twiter, ou seja, um dos assuntos mais debatidos na rede naquele momento. É verdade que o Facebook está sendo alvejado por todos os lados, suas ações estão caindo, está perdendo usuários, ex-executivos estão criticando publicamente a empresa. Mas dizer que ele vai acabar por causa disso é, no mínimo, uma baita inocência! Mas deve, sim, sofrer grandes transformações. E isso pode ser uma boa notícia para cada um de nós. Mas também temos que ficar mais espertos!

O Inferno se instalou na vida de Mark Zuckerberg e seus amigos quando o Facebook foi acusado de ajudar a eleger Donald Trump, na campanha à presidência dos EUA em 2016. Na época, Zuckerberg disse que as acusações eram “loucura”. Mas a situação se agravou ao longo de 2017, com as “fake news”, as infames notícias falsas, tomando o seu reino de assalto.

No dia 11 de janeiro, o Facebook anunciou mudanças em seu sistema para tentar combater as “fake news”, que desagradaram muita gente e levantaram ainda mais dúvidas sobre a sua capacidade de resolver o problema. Mas o caldo entornou de vez no dia 17 de março, quando The New York Times publicou que a empresa Cambridge Analytica havia usado, sem autorização, dados de 50 milhões de usuários do Facebook para favorecer a campanha de Trump. Escândalo total!

Zuckerberg demorou cinco dias para se pronunciar sobre o caso, o que aumentou ainda mais a desconfiança. As ações despencaram 6,7% no primeiro dia. Foi a maior queda diária da história do Facebook, gerando uma perda de US$ 35 bilhões em valor de mercado. As ações continuaram caindo, arrastando também outras empresas do setor. Isso é particularmente perigoso para uma empresa que vale cerca de US$ 453 bilhões (valor de 2 de abril), dos quais “apenas” US$ 14 bilhões são de ativos físicos.

Governos europeus e dos EUA, que já vinham tentando regular as atividades do Facebook, vieram à carga. O Congresso dos EUA convocou Zuckerberg para depor em vários comitês, entre os quais o Comitê Judiciário do Senado, o que deve acontecer nos próximos dias.

Mas o que isso tudo significa para você?

 

Como você dá dinheiro ao Facebook

Charge dos porquinhos

O Facebook é a maior rede social do mundo, com mais de 2,1 bilhões de usuários ativos (que se conectam a ele pelo menos uma vez por mês). Você provavelmente é um deles, e talvez faça parte do contingente de 1,4 bilhão de pessoas que acessam a rede todos os dias.

Especialmente graças ao seu aplicativo para smartphones, tem muita gente que, na prática, nunca sai da rede. Isso permite também que uma infinidade de aplicativos de terceiros use o Facebook como ferramenta de autenticação para seus próprios sistemas.

O negócio do Facebook se sustenta no tripé de manter os usuários vidrados em suas telas, na coleta de seus dados e no seu uso para vender publicidade altamente direcionada a esses mesmos usuários. Portanto, quanto mais as pessoas usam a plataforma, mais pegadas digitais deixam, o que é ótimo para o negócio.

Além da publicidade, o Facebook compartilha esses dados com empresas que desenvolvem os aplicativos que rodam em sua plataforma, para seus próprios fins. Isso tem um valor inestimável, e está na essência do negócio de redes sociais e de sistemas operacionais, como iOS, Android e até Windows. Mas esses dados só são compartilhados com os desenvolvedores se o usuário explicitamente autorizar.

É aí que mora o problema!

 

Como se constrói um escândalo

A Cambridge Analytica conseguiu acesso aos dados dos 50 milhões de usuário graças a esse recurso e à infeliz característica de as pessoas concederem acesso a seus dados sem ler o aviso que lhes é mostrado antes de usarem um aplicativo. Esses avisos detalham tudo que será compartilhado com os desenvolvedores, mas o pessoal prefere clicar no botão “concordo” sem ler.

Os dados desse escândalo foram coletados por um aplicativo chamado “This Is Your Digital Life” (“Esta É a Sua Vida Digital”), aparentemente uma brincadeira inofensiva, mas que levava embora um caminhão de informações dos usuários e também de seus amigos. Esses dados eram depois organizados seguindo uma metodologia criada pelo Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge (Reino Unido), capaz de traçar o perfil psicológico de uma pessoa em apenas um segundo, a partir de seus passos em redes sociais.

Como o instituto se recusou a trabalhar com a Cambridge Analytica, a empresa contatou os serviços do pesquisador Aleksandr Kogan, que na época trabalhava na universidade e conhecia aquele algoritmo. Kogan, que também desenvolveu o aplicativo, afirma estar sendo agora usado como bode expiatório pela Cambridge Analytica e pelo Facebook: ele garante que não sabia que a sua extração e classificação de dados seriam usadas na campanha de Trump.

O fato é que a Cambridge Analytica foi antiética e talvez criminosa pelo uso que fez dos dados coletados e por ferir os termos de uso do Facebook. Esse, por sua vez, criou um sistema que permite essa violação e rompeu o elo de confiança com seus usuários. Esses, por último, compartilharam alegremente suas informações sem prestar atenção no aviso que o próprio Facebook lhe dava.

Ou seja, todos têm uma parcela de culpa.

 

Como isso afeta você

A verdade é que o Facebook não tem como controlar o que as empresas fazem com os dados dos seus usuários depois que eles são extraídos de sua base. E isso é crítico, pois é bastante razoável supor que um monte de outros desenvolvedores também faça usos indevidos dessas informações, por mais que isso contrarie as regras do próprio Facebook.

A empresa está preocupada, claro. Zuckerberg chegou a citar as eleições do Brasil como um dos grandes eventos desse ano em que darão atenção redobrada, para evitar que manipulações de dados e “fake news” comprometam os resultados. Várias medidas estão saindo da “sala de guerra” em Menlo Park (Califórnia), sede da empresa. Entre elas, o Facebook vem prometendo, cada vez mais, auditar aplicativos, restringir o acesso dos desenvolvedores aos dados dos usuários e ajudar esses últimos a controlar como empresas acessarão suas informações.

Fica pergunta: o Facebook tem como verdadeiramente proteger seus usuários afinal?

A resposta: claro que não!

O elo fraco nessa história somos todos nós, que ficamos à mercê desse ecossistema digital em que estamos enfiados até o último fio de cabelo. E a nossa exposição para fins comerciais está na essência disso. Portanto, isso não mudará!

Os diversos atores nesse emaranhado contam com a inocência ou descuido das pessoas para atingir os seus fins. Basta ver o abrangente estudo sobre “fake news” que foi capa da revista Science, a melhor revista científica do mundo, na edição de 9 de março. Entre outras conclusões dos pesquisadores, as notícias falsas só “pegam” porque nós -e não sistemas automatizados- nos engajamos verdadeiramente com elas. Segundo a equipe, as “fake news” alcançam mais pessoas, são mais replicadas e fazem isso tudo mais rapidamente que as notícias verdadeiras. Como? As pessoas espalham as notícias falsas porque elas parecem trazer mais novidades que as verdadeiras. E isso mexe com nossas emoções.

Ou seja, caímos como patos!

Portanto, a melhor maneira de reduzir o crescimento das “fake news” e o roubo de nossas informações para fins criminosos é a conscientização das pessoas. Nós somos, em última instância, os detentores do poder para evitar que esses cânceres se espalhem ainda mais.

Essa consciência deve ser exercitada em cada atividade diária, em cada compartilhamento, em cada aplicativo iniciado. Não estou dizendo que nos tornemos uns chatos, que cancelemos nossas contas nas redes sociais ou paremos de usar smartphones. É claro que não! Mas, por favor, prestemos mais atenção e sejamos menos “bobinhos” em acreditar em tudo que nos dizem ou nos ofereçam.

Caso contrário, continuaremos contribuindo para uma sociedade pior e mais falsa para todos. E ninguém quer isso, não é mesmo?


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O que você ganha com a briga da Folha com o Facebook

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Se nos recusamos a ver o problema, isso não implica que ele deixará de existir - Foto: Creative Commons

Se nos recusamos a ver o problema, isso não implica que ele deixará de existir

Pouco antes do Carnaval, a Folha de S.Paulo surpreendeu o mercado com o anúncio de que estava abandonando o Facebook. Por mais que esse movimento tenha passado despercebido pela maioria das pessoas, ele é um sintoma enorme de algo que afeta a vida de todos, impactando significativamente o desenvolvimento da sociedade. Por exemplo, você prefere o Lula na cadeia ou na presidência? Apoia ou condena as reformas trabalhista e da Previdência? E o que pensa do Bolsonaro? Acha que Luciano Huck deveria ter insistido na sua aventura presidencial?

Qualquer que seja seu posicionamento, ele é construído a partir de informação e influência. Mas quem informa e influencia você? Em outras palavras, em quem você acredita e por quê? Goste ou não, aceite ou não, partimos da imprensa e das plataformas digitais para decisões críticas de nossa vida. Então, é bom prestar bastante atenção nessa bagunça informativa.

O fato de a Folha não mais atualizar a sua página na rede do Mark Zuckerberg desde o dia 8 é reflexo de uma grotesca falência da mídia, especialmente dos veículos mais tradicionais, no seu relacionamento com o público. Demonstra também como as grandes plataformas digitais estão se debatendo contra o avanço das “fake news”, as infames notícias falsas, que inundaram as redes sociais. No meio disso tudo, estamos todos nós: podemos ser os maiores beneficiados ou prejudicados dessa briga. O que ganhamos ou perdemos depende também das nossas atitudes.

Não há mais vítimas inocentes nesse cenário, nem nós mesmos!

 

Os motivos da Folha

A Folha argumenta que saiu do Facebook porque as mudanças em seu algoritmo, anunciadas no dia 11 de janeiro, prejudicariam o “jornalismo profissional” e privilegiariam as “fake news”. Além disso, faz um pouco caso da audiência que, por mais que esteja em queda, ainda vem daquela rede social. Na prática, ela se dá importância e se coloca acima disso tudo.

Seria lindo, se não passasse de uma cortina de fumaça.

Sim, é verdade que as mudanças nos algoritmos do Facebook vêm reduzindo a audiência das páginas das empresas, mas de todas elas, e não só das de comunicação (e muito menos só do “jornalismo sério”). Também é verdade que as “fake news” estão crescendo como um câncer com a ajuda das mesmas redes sociais.

O que esses veículos de comunicação que vivem um eterno chororô diante da sua crescente irrelevância no meio digital não dizem é que os principais responsáveis por sua derrocada e pelo crescimento das “fake news” são eles mesmos! Sim, as redes sociais têm sua indiscutível e gigantesca culpa no cartório, por serem incapazes de separar automaticamente jornalismo de qualidade de notícia falsa. A partir daí, seus algoritmos de relevância fazem o trabalho sujo de replicar aquilo com que as pessoas se engajam mais. Mas isso só acontece porque a imprensa está deixando essa bola quicando na área.

Como expliquei no artigo que publiquei logo após a mudança no algoritmo ter sido anunciada, as pessoas compartilham aquilo que lhes dê prazer imediato, e de preferência o que lhes causa grandes emoções (positivas ou negativas) e não lhes faça pensar demais. Sem nenhum julgamento moral, é assim que o cérebro humano funciona.

Oras, os produtores das “fake news” se valem justamente disso, para criar e “plantar” conteúdos que atendam a essas expectativas de parcelas significativas do público. Dando o que as “pessoas certas” (formadores de opinião alinhados a seus objetivos) querem ouvir, elas começarão o trabalho de espalhar a mentira, que será ampliado pelos algoritmos. Vale dizer que os criadores das notícias falsas também conhecem muito bem o “seu público” e sabem como usar os recursos das plataformas digitais, o que torna o seu trabalho ainda mais eficiente.


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É óbvio que o que a imprensa deveria fazer seria combater fogo contra fogo. Ou seja, produzir conteúdo de qualidade cada vez melhor e ampliar ainda mais a sua presença em todas as plataformas digitais possíveis, usando seus recursos inteligentemente! Entretanto, já no artigo e no vídeo acima, expressei o meu temor que os veículos partissem para o caminho mais fácil, de piorar seu conteúdo, criando “caça-cliques”, para tentar salvar sua audiência! Mas não previ um movimento tão inusitado, como entregar o campo de batalha à “turma do mal”.

É como um avestruz, que enfia a cabeça na areia para não ver mais o problema, que continua existindo.

 

Por que os veículos falham nas redes sociais

Os produtores de “fake news” prosperam porque eles sabem jogar esse jogo, enquanto os veículos tradicionais continuam presos a fórmulas que funcionaram por um século, mas que perderam a sua eficiência há pelo menos 15 anos. Acusam as redes sociais e os buscadores de serem os causadores de sua derrocada, quando, na verdade, seus produtos perdem relevância diante de novos concorrentes sérios (e não apenas das “fake news”) que sabem usar essas plataformas a seu favor. Esperam que as pessoas continuem pagando pelo seu conteúdo (porque “produzir jornalismo de qualidade custa caro”), quando os modelos de negócios se transformaram completamente.

E custa caro mesmo! Mas o binômio assinatura mais publicidade como fonte de renda ruiu completamente. Apesar disso, tem gente boa ganhando dinheiro com jornalismo, usando outras formas de financiamento. Mas todos eles têm duas características: conteúdo de qualidade superior e bom relacionamento com seu público.

Os grandes veículos, e isso inclui a Folha, vêm sofrendo de descrédito junto à opinião pública, devido a seus próprios erros. Noticiário mal apurado ou irrelevante, reportagem limitada, caça-cliques, cerceamento de opiniões contraditórias e vínculos (às vezes escandalosos) a grupos políticos e econômicos têm abalado séria e continuamente a sua reputação. E imprensa sem reputação não existe!

Isso não vem de hoje. Em sua coluna do dia 24 de junho de 2012, a jornalista Suzana Singer, então ombudsman da própria Folha, escreveu: “O jornal precisará oferecer conteúdo de qualidade superior à que o site tem hoje. Para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo.” Era uma análise diante do início da cobrança pelo conteúdo do site, que até então era aberto.

Além disso, todos os veículos precisam entender, de uma vez por todas, que precisam se relacionar verdadeiramente com seu público. Eu me lembro que, quando eu iniciei minha carreira na Folha: depois que “fechava” uma notícia, aquilo já era passado, e eu não tinha nenhuma relação com o leitor. Mas isso era nos anos 1990!

Agora as pessoas querem se relacionar com os jornalistas e as empresas, e para isso as redes sociais são excelentes! Os veículos de sucesso (e as “fake news”) hoje sabem como fazer esse relacionamento muito bem, e colhem os frutos disso. Já os veículos tradicionais fazem posts como se fossem chamadas para a primeira página do jornal impresso, e têm zero interação com seu público, o que é inadmissível.

Advinha só para quais veículos as pessoas correm?

 

Todos têm que melhorar!

Meu trabalho não é fazer a imprensa feliz!” A frase é de Campbell Brown, executiva do Facebook, que cuida curiosamente das parcerias com os veículos de comunicação, que concluiu: “se alguém acha que o Facebook não é a plataforma para ele, então não deveria estar no Facebook.” Com sua sutileza paquidérmica, Brown deixou clara a posição do Facebook no caso e ainda sugeriu que “grande parte do melhor jornalismo atualmente é feito por pequenos veículos, mais nichados”.

Mas os pequenos também estão sofrendo com as mudanças, pois a eficiência de sua presença no Facebook se tornou um alvo em movimento. A falta de transparência da plataforma dá a impressão que só é possível ter algum destaque ali pagando. Por isso, assim como a Folha, empresas de todo tipo e porte estão investindo menos na plataforma e buscando alternativas. Como tenho ouvido o tempo todo desde janeiro, “o Facebook deu um tiro no pé”. Até a Unilever ameaçou cortar anúncios no Facebook e no Google, se não houver mais transparência.

Como se pode ver, nesse complexo cenário de interesses, todos têm sua parcela de culpa e, portanto, também a obrigação de melhorar. Se a imprensa quiser realmente combater as “fake news” e aumentar suas receitas e sua audiência, eles devem primeiramente resgatar os princípios do bom jornalismo e estar presentes em cada vez mais canais (e não sair deles). Precisam também aprender que o relacionamento com o seu público mudou, pois as pessoas mudaram. Por isso, as redes sociais e os buscadores podem ser muito mais aliados que predadores. Entretanto, eles possuem dinâmicas que precisam ser entendidas, aceitas e praticadas pelos veículos.

Já essas plataformas digitais precisam ser mais transparentes e se esforçar genuinamente para combater as “fake news” com todos seus recursos. Além disso, devem também identificar quem realmente produz jornalismo de qualidade, e privilegiar esses parceiros em uma troca justa. Não podem ignorar o seu gigantesco papel social como replicadores de todo tipo de conteúdo.

Quando a nós, usuários, precisamos assumir o nosso papel de protagonismo nisso tudo, desenvolvendo uma desconfiança saudável. Não podemos ser inocentes e acreditar em tudo que lemos, seja nas redes sociais, seja em um veículo de comunicação. Portanto, antes de compartilhar qualquer coisa, pensemos se aquilo é mesmo verdade e no impacto de nossas ações!

Se todos fizerem bem a sua parte, ganharemos uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e mais igualitária. Qualquer coisa fora disso nos fará rumar mais e mais para a barbárie que inunda o noticiário.


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Por que não podemos abrir mão de uma BOA imprensa para vivermos

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Equipe do “Washington Post”, com Bradlee (de azul com copo na mão) e Grahams (à direita dele), no filme “The Post” - Foto: divulgação

Equipe do “Washington Post”, com Ben Bradlee (de azul com copo na mão) e Katharine Graham (à direita dele), no filme “The Post”

Você acha que o noticiário anda um saco, e que está ficando difícil saber o que é verdade em um mundo de versões que atacam ou defendem tudo e todos, a toda hora? Você deveria então assistir a “The Post – A Guerra Secreta” e refletir, afinal, qual é o papel de cada um de nós nessa bagunça, e por que temos -todos- que fazer algo além de ficar reclamando, se não quisermos ver o país (e nós mesmos) afundando cada vez mais na lama.

Sim, cada um e todos nós!

Ele não é, portanto, um filme só para jornalistas, e sim para qualquer pessoa que se preocupe como grupos políticos, econômicos ou ideológicos manipulam, cada vez mais, a população, para fazer valer seus objetivos. E também para entender como uma BOA imprensa é essencial para escaparmos dessa situação dantesca. Se você ainda não se preocupa com isso, deveria começar agora mesmo. Explico.


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Peguemos o caso, por exemplo, das odiosas “fake news”, as “notícias” falsas que parecem mais verdadeiras que o noticiário de fato. Talvez, lá atrás, elas tenham surgido como molecagem de alguns, mas uma turma do mal rapidamente percebeu que elas eram uma poderosíssima ferramenta de manipulação pública.

O sórdido processo é relativamente simples. Primeiramente, cria-se a “notícia” misturando fatos verdadeiros a distorções e uma pitada de mentira deslavada. Tudo bem arquitetado para se atingir o objetivo do grupo. Identificam-se então pessoas comuns (mas que sejam pequenos formadores de opinião) que gostariam que aquilo fosse mesmo verdade, qualquer que seja o seu motivo pessoal. “Planta-se a notícia” para essas pessoas, que rapidamente começam a espalhar a novidade. Pela sua posição de relativo destaque, a mentira cai nas graças dos algoritmos das redes sociais, que passam a fazer o trabalho sujo de espalhar as “fake news” explosivamente.

Como se pode ver, a coisa começa com os grupos que criam essas versões e terminam nos algoritmos das plataformas digitais. Mas a peça essencial para seu sucesso são as pessoas, que acreditam, espalham e se engajam com a porcaria.

Mas há ainda um outro ator crítico: a mídia.

 

Onde está a boa imprensa?

Esse não é um artigo para atacar ou defender a mídia, ultimamente bastante alvejada por conservadores e liberais (os termos “direita” e “esquerda” perderam seu significado no Brasil há muitos anos). Em muitos casos, isso é com razão. Da mesma forma, existem bons e maus exemplos de veículos em todas vertentes, seja na “mídia tradicional”, seja na “nova mídia”.

Não vou entrar muito no mérito dos maus exemplos, veículos jovens ou com décadas de estrada que envergonham o jornalismo, criando um conteúdo claramente alinhado com agendas de grupos econômicos, políticos ou ideológicos. A esses, deixo meu desprezo. E, pelo jeito, não estou sozinho, dada sua situação econômica ladeira abaixo de muitos títulos.

Claro: as pessoas não são trouxas!

O que quero tratar aqui é a falta que faz um noticiário de alta qualidade para se contrapor às “fake news”. Pois, por mais que elas sejam bem construídas, só estão fazendo sucesso porque ocupam o espaço que deveria ser do noticiário de fato. Mas este está com uma qualidade sofrível, rasteira, previsível, quando não deliberadamente comprometida. Está parecendo novela, que, mesmo que fiquemos dias sem a assistir, conseguimos retomar sem nenhuma novidade, pois os capítulos são todos iguais e desimportantes: puro enchimento de linguiça!

É aí que “The Post” pode ensinar algo a todos nós. Resumidamente o filme conta a história real de como The Washington Post arriscou tudo em 1971 ao publicar documentos ultrassecretos que escancararam à opinião pública americana como o governo lhes mentia escandalosamente há décadas sobre o conflito no Vietnã. Mas isso só foi possível graças ao profissionalismo da Redação capitaneada por Ben Bradlee (vivido por Tom Hanks) e pela coragem da publisher Katharine Graham (Meryl Streep).


Vídeo relacionado:


O esforço de reportagem foi árduo, os dois poderiam ter terminado na cadeia, tiveram que lutar contra toda a diretoria da empresa, e o jornal poderia até mesmo ter quebrado. Tudo por causa de uma reportagem! Mesmo assim, foram em frente, prestando um grande favor a seu país, batendo alguns pregos (mas não os derradeiros) nos caixões do governo Nixon e da Guerra do Vietnã.

 

Quem tem coragem e estômago para isso agora?

Há duas semanas, escrevi aqui outro artigo mencionando como as mudanças recentes no algoritmo do Facebook podem piorar o jornalismo. Parte do problema se deve ao fato de que as pessoas preferem compartilhar conteúdos “fáceis”, que não as tirem de suas zonas de conforto. Decorrente disso, vem outra parte, pois a mídia, para tentar fazer com que as pessoas continuem compartilhando o que produz, pode começar a dar anda mais atenção a “fofuras”, em detrimento do jornalismo mais denso e necessário. Tragédia anunciada!

É claro que podemos postar e curtir coisas divertidas de vez em quando: isso também nos torna humanos. Mas não podemos interagir apenas com isso! Precisamos nos acostumar e incentivar quem estiver a nossa volta a também interagir a valer com o noticiário que nos tire da zona de conforto e que nos torne cidadãos melhores!

Mas, para isso, esse noticiário de alta qualidade tem que existir. E, de maneira geral, ele é tanto melhor quando mais difícil for sua produção. A imprensa precisa, portanto, fazer por merecer, e parar de ficar apenas comendo na mão de grupos políticos (conservadores ou liberais), econômicos ou ideológicos, seja por preguiça, seja por incompetência ou -pior- porque está “vendida” mesmo. E resistir à tentação de ficar proliferando “conteúdo fácil”.

Em resumo, precisamos de mais Ben Bradlees e de mais Kat Grahams: esse não é um negócio para amadores ou para frouxos.

Quanto a nós, precisamos parar de acreditar piamente no que aqueles que gostamos nos dizem. Também temos a obrigação de sair da nossa zona de conforto e perceber que o mundo não é preto e branco, e desconfiar saudavelmente até do nosso guru. Esse é o nosso papel para construirmos um mundo melhor para nossos filhos.

Mãos à obra todos!


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Como o Facebook pode piorar o jornalismo e deixar as pessoas na ignorância

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Foto: Venkat Mangudi/Creative Commons

Na quinta passada, o Facebook anunciou mais uma mudança no seu algoritmo de relevância: os usuários passarão a ver mais o que seus amigos e familiares postarem, e menos o que vier das páginas que curtem. Parece uma bobagem, mas isso terá impactos significativos em muitos negócios e -pasmem!- em como a humanidade se informa. Você está pronto para isso?

Não é um exagero! Qualquer ação, por menor que seja, de algo que tem mais de 2 bilhões de usuários ativos, sendo que mais de 60% deles acessam o sistema todos os dias, tem um impacto social profundo. É como um elefante querendo coçar as costas em uma árvore: por mais que queira só se coçar, pobre árvore!


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No caso do anúncio da turma do Mark Zuckerberg, a justificativa oficial é “aproximar mais as pessoas”. Justo! E isso pode acontecer mesmo, mas, quanto disso é o real objetivo, quanto é só um discurso bonito, só eles sabem. Mas algumas transformações imediatas acontecerão.

A primeira coisa é que realmente a audiência das fan pages despencará. E isso será muito ruim para empresas que dependem muito do Facebook para seus negócios. Você pode até dizer que é a “hora da verdade” para esse pessoal, que até agora surfou na bonança criada pela rede. Pode ser! Mas isso demonstra o poder de “vida ou morte” desse “dono da bola”.

Restará às empresas duas alternativas. A primeira mais simples -e cara: pagar ao Facebook para “impulsionar” suas publicações. Isso é muito bom para o negócio da rede social, e bastante fácil no seu entendimento.

A segunda alternativa é tentar convencer as pessoas a elas mesmas distribuírem o conteúdo dessas empresas, por sua própria iniciativa. No mundo perfeito da justificativa oficial do Facebook, isso é bacana, pois, se a pessoa estiver fazendo isso, é porque tal conteúdo lhe é interessante.

E é aí que o elefante -ou a porca- pode torcer o rabo com força!

 

Jogo de interesses

Mesmo naquele mundo perfeito, é pouco provável ver pessoas compartilhando produtos. Com exceção dos apaixonados por marcas como Apple, convenhamos: não é normal, certo? Então, de cara, o varejo que vá preparando o seu espírito.

Entretanto a coisa muda bastante de figura quando pensamos em conteúdo editorial, em notícias, em entretenimento. No cenário idílico acima, os usuários compartilhariam conteúdos que fossem relevantes, provocando debates positivos. Até mesmo poderia ser uma ferramenta bacana para informar todos eficientemente.

Só que desgraçadamente isso não vai acontecer.

E o motivo é muito simples: quem disse que as pessoas querem criar debates em torno de temas que sejam realmente importantes? As pessoas querem falar sobre aquilo que lhes dê prazer imediato, e de preferência fácil, mesmo que seja a mais rotunda porcaria! E não estou fazendo aqui nenhum julgamento moral. Todos nós fazemos isso uma hora ou outra: faz parte da nossa natureza humana!

Para piorar, a recíproca é válida. Muitas informações que são realmente importantes para nosso desenvolvimento como indivíduo, cidadão, profissional vêm carregadas de um esforço para serem digeridas. Em muitos casos, elas são chatíssimas e exigem que abandonemos a nossa zona de conforto. Mas precisamos que alguém nos traga isso!

Essa é tradicionalmente a função da (boa) imprensa. Os jornais não nos mostram só coisas que gostamos: eles nos mostram também o que precisamos saber. Pois além de informar, eles precisam também formar o cidadão, mesmo que isso seja “chato” às vezes.

E aí chegamos à ironia dos fatos! Os veículos de comunicação hoje dependem pesadamente do próprio Facebook para gerar audiência para suas propriedades digitais. Na média, dá para falarmos em metade disso vindo dos algoritmos de Zuckerberg. Junte esse gosto pelo “conteúdo fácil” e os veículos sendo obrigados a implorar que os usuários compartilhem seu conteúdo, o que pode acontecer?

Um mundo cada vez mais dominado pelo jornalismo rasteiro, “fake news” e pessoas mantidas na ignorância.

 

Samba do crioulo doido

O Facebook pode ter criado uma forca, e os veículos podem estar alegremente colocando seu pescoço na corda. Não podemos deixar esse nó apertar, mesmo que isso seja chato!

Assim como Stanislaw Ponte Preta ironizou com seu samba a obrigatoriedade das escolas de samba só criarem enredos com fatos históricos (e a porcaria decorrente disso), os veículos não podem cair na tentação de investirem ainda mais nos caça-cliques para fazer o público lhes ajudar a garantir a audiência.

Mas nem tudo está perdido! Há uma solução, que depende de três atores principais.

O primeiro deles é o próprio Facebook. Ele tem o direito de alterar seus algoritmos como bem entender: afinal, é um produto que tem interesses comerciais. Mas, como já disse acima, ele tem uma paquidérmica função social, que não pode ser ignorada. Curiosamente, em seu já afamado desafio pessoal de início de ano, Zuckerberg publicou seu desejo de “consertar o Facebook” em 2018, inclusive para que seus recursos não sejam usados para disseminação de ódio e notícias falsas.

A mudança no algoritmo acima vai contra objetivo. Porém a empresa pode compensar essa mancada potencial com outras iniciativas que valorizem verdadeiramente conteúdo de qualidade, e não apenas “que provoquem conversas”, pois as conversas podem ser de baixo nível, em torno de coisas ruins. Precisam criar recursos que combatam o “fake news”. E, justiça seja feita, a empresa já vem trabalhando nisso, inclusive porque tem sido pesadamente criticada por sua omissão diante desse mar de lama em suas páginas.

O segundo ator é a própria mídia. A imprensa marrom sempre existiu e sempre existirá, mas ela jamais pode superar a imprensa séria, que informa e forma com precisão e responsabilidade. Nesse cenário, o papel da mídia é, portanto, resistir ao caminho mais fácil e sedutor do lado sombrio para ganhar uns cobres, e exaltar a ética e os pilares do bom jornalismo. Pois, se isso for oferecido em grande quantidade, aumenta a chance de as pessoas disseminarem mais bom que mau conteúdo.

Por fim, resta o mais importante de todos os atores: nós mesmos! Pois nós somos o vetor de tudo que se trafega nos meios digitais. Pela nossa humanidade, podemos ser o elo mais frágil, movidos pelas nossas paixões e porque é gostoso ficar em nossa zona de conforto. Mas também temos que resistir! Além disso, cabe a cada um de nós ajudar quem estiver a nossa volta a fazer o mesmo, convidando todos a tirar o senso crítico da gaveta, a não compartilhar nada antes de ler, a desconfiar (saudavelmente) sempre, a ouvir e criar um diálogo construtivo com aqueles que pensam diferentemente de nós, praticando a tolerância e a empatia.

Se esses três fizerem bem a sua parte, mudanças nos algoritmos das redes sociais terão impactos apenas pontuais, e elas, ao invés de se tornarem palco de ainda mais conteúdo rasteiro, poderão se consolidar como um espaço de compartilhamento de boa informação, construção de cidadania e debates construtivos.


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Quais são (ou deveriam ser) os limites da publicidade invasiva?

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Outdoor interativo e com realidade aumentada no filme “Blade Runner 2049”: a realidade já se aproxima da ficção – Foto: divulgação

Outdoor interativo e com realidade aumentada no filme “Blade Runner 2049”: a realidade já se aproxima da ficção

Os meios digitais provocaram uma incrível revolução na publicidade. É verdade que, para alguns casos, uma grande, cara e indiferenciada campanha de marketing de massa, daquelas que passam no break da novela e do Jornal Nacional, ainda faz sentido. Entretanto a publicidade migra continuamente para peças criadas para cada indivíduo, a partir do cruzamento das pegadas digitais que deixamos cada vez mais por toda parte, conscientemente ou não. Isso é bacana para o anunciante e para o consumidor, pois as peças trazem, em tese, produtos do interesse de ambos. Mas você já sentiu que às vezes esse negócio está invadindo a sua privacidade?

Se sentiu, você não está sozinho! E, de certa forma, é isso mesmo que acontece. O fato é que a privacidade, como nós conhecemos há alguns anos, morreu! Mas isso não é necessariamente algo ruim. A novidade é que isso está extrapolando os limites das redes sociais, dos buscadores e dos smartphones, as principais ferramentas para essa arapongagem digital, sobre as quais muita gente já está ciente. A coleta de informações sem aviso prévio vem acontecendo também, por exemplo, em TVs e até em outdoors!


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Peguemos como exemplo o tradicional telão publicitário em Piccadilly Circus. Essa verdadeira atração turística de Londres, lançada em sua primeira versão em 1908, foi reinaugurada na semana passada (como pode ser visto na reportagem no vídeo acima).  Ele agora funciona com uma impressionante tela Ultra HD de 790 metros quadrados, que exibe campanhas de diferentes marcas. O telão ainda oferece WiFi grátis para a região. Mas a grande novidade são câmeras escondidas na estrutura, que continuamente capturam as imagens das pessoas e dos carros que passam a sua frente, assim como as condições climáticas.

Essas imagens são usadas para personalizar as peças exibidas na tela em tempo real. Por exemplo, se um tradicional ônibus londrino de dois andares vermelho passa por ali, todas as peças podem adotar esse tom. Se ele for seguindo por um carro amarelo, as peças passam a ser amarelas. Divertido, né?

As peças também refletem as pessoas que estiverem ali na hora! O sistema continuamente verifica o gênero e a faixa etária dos pedestres. Mais que isso, tenta identificar a emoção dos indivíduos fazendo uma análise de suas expressões. Tudo isso para que a publicidade se adapte ao público.

A Landsec, empresa responsável pelo sistema, afirma que as informações não são armazenadas e nem cruzadas com outros bancos de dados para identificar as pessoas ali. Mas em uma cidade conhecida por ter a maior quantidade de câmeras em ambientes públicos do mundo, usadas, por exemplo, pela polícia para procurar automaticamente suspeitos a partir de algoritmos de reconhecimento facial, a única coisa que a impede de fazer isso é o respeito a questões éticas.

Afinal, ao contrário de redes sociais e smartphones, em que as pessoas ainda precisam aceitar “termos de uso” desses produtos, com os quais autorizam (quase sempre sem ler) o uso de suas informações pessoais para fins comerciais, isso não acontece com o telão.

Para andar na rua, ninguém assina termo algum, certo?

 

“Mi casa, tu casa”

Ninguém assina tampouco termo algum para assistir televisão. Mas as nossas smart TVs também podem estar nos espionando.

Não se enganem: as TVs atuais que compramos para nossas casas são poderosos computadores conectados permanentemente à Internet. E, ao contrário do que parecem, elas nunca estão totalmente desligadas. Tanto que muitos modelos podem ser ligados a partir de comandos de voz. Em outras palavras, mesmo com suas telas apagadas, as TVs com microfones estão nos ouvindo o tempo todo. E as que têm câmeras também podem estar nos vendo.

Acontece que, ao contrário do que é feito em smartphones e especialmente em computadores, não tomamos providências de segurança com nossas TVs. Ou alguém instala antivírus ou firewalls nelas? Os fabricantes tampouco parecem se preocupar muito com isso, pois as informações capturadas pela TV sequer são criptografadas antes de serem transmitidas.

Nada impede que um hacker invada a nossa TV e acione esses recursos para coletar informações pessoais. Muito mais provável é o próprio fabricante coletar informações dos usuários para decisões comerciais. E isso não acontece só em casa.

Por exemplo, as TVs expostas no varejo podem tentar identificar, a partir de sua câmera, o gênero e a faixa etária das pessoas que ficam diante de cada tela. Ou seja, enquanto as pessoas estão analisando a qualidade da imagem do modelo, a TV está analisando a pessoa, tentando identificar que tipo de público é atraído por cada modelo em cada loja específica. Essa informação é muito valiosa para definir o mix ideal de produtos para cada ponto do varejo, e até mesmo o volume de produção nas fábricas.

Portanto, antes de fazer na frente da TV algo que possa se arrepender depois, pense duas vezes: ela pode estar vendo tudinho!

 

O que nos resta?

Não estou pintando aqui nenhum futuro (ou presente) apocalíptico. Quem me conhece sabe que eu sou um entusiasta da tecnologia e do uso criativo de informações pessoais para criar produtos e ofertas que sejam benéficas para todos, especialmente para o dono dessas informações, o consumidor.

Já fui executivo de várias multinacionais que coletam informações de seus consumidores das mais diferentes formas. E sempre notei um uso ético delas.

Aliás, ética é uma palavra que ganha importância a cada dia que passa. Justamente porque as empresas têm, cada vez mais, recursos para coletar tais informações, e tirar conclusões impressionantes sobre cada um de nós, graças a algoritmos mais e mais sofisticados e capacidade de processamento gigantescas e crescentes.

Logo, a tentação para cruzar o limite do razoável é imenso! Até onde podem ir? Até onde disseram que iriam quando iniciaram o relacionamento com cada um de nós. E que tenhamos explicitamente concordado (mesmo não lendo os termos).

Sendo bem sincero, quem tem tanto poder nas mãos só não avança o sinal se não quiser. E se sua ética (e seu “compliance”) não permitir (e for obedecida). Mas honestamente não precisam disso! Os benefícios para as empresas e para o consumidor já serão incríveis fazendo apenas um uso ético do que já têm.

Quanto a cada um de nós, claro que não vamos deixar de usar nenhum desses produtos. Não dá para ser feliz tomado eternamente pela paranoia, e a vida seria praticamente inviável no mundo atual sem todos esses serviços digitais. Mas precisamos, pelo menos, ser conscientes do que estamos entregando e principalmente a quem.

Tem muito picareta por aí.


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