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Mudanças comportamentais forçam cinemas a se transformar

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Neste sábado, explicava a alunos de marketing digital que a principal causa do fim de um produto não são novas tecnologias, concorrentes ou regulações. O que mata uma marca é seu próprio público, quando encontra uma alternativa que percebe como mais vantajosa para si. Por isso, as salas de cinema estão passando por um “momento da verdade”, com potencial de transformar um produto de massa em uma escolha de aficionados.

No centro dessa ameaça, estão mudanças comportamentais do público, derivadas da Covid-19 e do avanço de tecnologias digitais e da telecomunicação. Por isso, apesar de os estúdios estarem com sua produção cinematográfica a pleno vapor, as salas de exibição recebem pouca gente, em um nível preocupante.

Serviços de streaming –como Netflix e Disney+– normalmente levam a fama por esse esvaziamento dos cinemas, mas sua concorrência é só parte da explicação. Temos que pensar no público, que nunca consumiu tanto conteúdo audiovisual, mas agora prefere fazer isso de maneiras diferentes, em experiências que entendem como mais interessantes. As salas de exibição, por outro lado, fazem poucos movimentos para resgatar o vínculo perdido com seus clientes, esperando que eles voltem para um formato que não tem mais o apelo de antes.


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Tudo é uma questão de percepção! E não adianta ficar reclamando que os clientes não entendem que a experiência de se ver um filme nos cinemas é muito melhor e tem seu valor. Você e eu podemos até concordar com isso, mas cada um percebe o que quiser sobre qualquer coisa: não há percepção errada. Se as pessoas “não entendem” seu ponto de vista, isso não é problema delas: é problema seu!

Colocando isso em números, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) indica que foram vendidos 44,8 milhões de ingressos no país, entre janeiro e julho desse ano. No mesmo período de 2019, foram 88,3 milhões. A renda nominal também está baixa: neste ano, foram arrecadados R$ 873 bilhões, contra R$ 1,44 trilhão no primeiro semestre de 2019.

Já o levantamento “Hábitos Culturais III”, realizado pelo Itaú Cultural e pelo Datafolha e divulgado na quinta, mostra que o cinema foi a atividade cultural mais castigada pelo abandono do público no pós-pandemia. A edição atual da pesquisa aponta que só 26% das pessoas assistiram a pelo menos um filme nos cinemas nos últimos 12 meses. A anterior indicou que mais que o dobro –59%– fizeram isso em 2019, portanto antes da Covid-19.

Na sexta, realizei uma enquete no LinkedIn para saber se as pessoas estão indo mais ou menos às salas de exibição. Até o momento, 1.173 pessoas responderam, indicando que 24% estão frequentando as salas regularmente, 44% estão fazendo isso menos que antes da pandemia e 25% não estão indo (os 7% restantes indicaram outras respostas).

Os entrevistados destacaram o preço dos ingressos dos cinemas como um dos principais motivos pela diminuição. E com o valor de um ingresso para um filme 2D superando R$ 40 em São Paulo, o programa para uma família de quatro pessoas, incluindo estacionamento e pipoca, ultrapassa os R$ 200 com facilidade.

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os ingressos para cinema ficaram 12,43% mais caros em 12 meses. Em comparação, o valor de um único ingresso do exemplo anterior dá e sobra para se assinar qualquer plataforma de streaming por um mês inteiro.

A comodidade de se ver o filme na própria casa, no horário que quiser, podendo dar pausa para ir ao banheiro e com um cardápio mais variado que o das caríssimas bombonieres dos cinemas também foi bastante destacada na enquete. Até a opção de se ver, no streaming, um filme com som original e legendas ao invés de se submeter à maior oferta de cópias dubladas nas salas foi apontado.

Em um país em que a inflação tira comida da mesa das pessoas, não são muitos os reais que sobram para o entretenimento. Eles precisam ser bem investidos.

 

“Assinatura de cinema”

Se dinheiro é problema, várias redes de cinema criaram pacotes de “assinatura” ou compras pré-pagas. Do lado do cliente, isso barateia os custos do ingresso. Do lado das salas, fideliza o cliente e garante um aporte com antecedência.

A rede Cinemark, por exemplo, lançou em abril o Cinemark Club, que oferece descontos, prêmios e ingressos pelo pagamento de uma mensalidade. Considerando apenas os ingressos, a economia supera 50%. A rede Itaú Cinemas, por sua vez, lançou pacotes de compra antecipada de 8 ou 16 ingressos, por menos da metade do preço normal. Já a rede Kinoplex criou o Kinopass, que permite a compra de cinco ingressos com desconto para qualquer dia e sessão.

Para trazer gente para as salas, vale até alugar os espaços para eventos corporativos e festas de aniversário. Tudo isso serve como incentivo para as pessoas voltarem, mas não deve ser suficiente. Como mostram as pesquisas, algo mudou na cabeça do consumidor quando descobriu, com a pandemia e o streaming, que é possível ter uma experiência boa de se ver filmes em casa –para alguns até melhor que ir aos cinemas.

Não é a primeira vez que os cinemas precisam enfrentar uma ameaça tão grande. Na década de 1980, com a popularização das fitas VHS, que deu origem às videolocadoras, muitos chegaram a decretar a morte das salas. Afinal, por um valor muito menor, as pessoas alugavam os filmes para assistir em casa.

O curioso é que a experiência do VHS era ruim, com imagem e som de baixa qualidade nas telas bem pequenas das TVs da época. O problema é que os cinemas eram igualmente ruins, com telas relativamente pequenas, projeção escura, som abafado e ambientes desconfortáveis.

Se nada tivesse sido feito, possivelmente as previsões apocalípticas sobre o fim das salas poderiam ter se concretizado. Mas, nessa época, começaram a surgir as grandes cadeias que temos hoje, que transformaram as salas bolorentas em uma experiência muito superior ao que se poderia ter em casa. E isso salvou os cinemas!

Esse é o grande desafio dos exibidores hoje: criar uma experiência que esteja tão à frente do streaming e a um preço razoável, que as pessoas queiram novamente sair de casa. O que oferecem hoje claramente não está sendo mais suficiente.

Isso não será feito com meias-medidas ou meras adaptações do que já existe. Os cinemas precisam parar de olhar apenas para sua crise e suas necessidades e passar a prestar atenção no que o consumidor realmente deseja. E não bastam os cinéfilos, que continuam confortáveis com a oferta disponível. Afinal, o cinema é um fenômeno de massas.

 

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, controladora do Facebook, do Instagram e do WhatsApp

Zuckerberg tornou-se o cabo eleitoral mais cobiçado do mundo

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Com a campanha eleitoral oficialmente na rua, a temperatura nos caldeirões políticos aumentou. E, assim como aconteceu em 2018, o vencedor para o cargo de presidente da República será decidido, em grande parte, com o apoio das redes sociais. A diferença é que, nesses quatro anos, os principais atores dessa disputa aprenderam a manipular ainda mais esse recurso, para que suas mensagens cheguem aos eleitores de maneira contundente.

Resta saber se o resto da sociedade consegue lidar com as consequências disso.

As plataformas digitais também entenderam seu papel determinante nesse cenário, tanto pela sua capacidade de influenciar os eleitores, quanto pelos efeitos que têm nisso. A última eleição presidencial americana escancarou o problema, deixando os Estados Unidos rachados ao meio até hoje, 19 meses após a catastrófica invasão do Congresso americano por seguidores do ex-presidente Donald Trump. Graças à incapacidade das plataformas digitais de lidar com as fake news e o discurso de ódio, aquelas pessoas ainda acreditam que Trump teve sua reeleição roubada, a ponto de tentar impedir à força a confirmação da vitória de Joe Biden.

Agora, a menos de dois meses do primeiro turno das eleições brasileiras, é legítimo questionar se as redes sociais aprenderam algo com isso, e o que nós podemos aproveitar da experiência americana.


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Essas empresas parecem estar dispostas a colaborar para que o cenário americano não se repita por aqui. Tanto que a Meta (controladora do Facebook, do Instagram e do WhatsApp), o Google (dono do YouTube), o TikTok, o Twitter e o Kwai firmaram um acordo de colaboração com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em fevereiro. O LinkedIn (pertencente à Microsoft) se juntou a eles em março e o Spotify fez o mesmo em maio. O Telegram veio na sequência, após ser ameaçado de ser banido do país, por não combater notícias falsas e discurso de ódio.

Os acordos não garantem, entretanto, o fim desse conteúdo. “É muito mais uma boa vontade de dizer que estarão mais a postos para tentar cumprir rapidamente as decisões judiciais”, explica Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). “A legislação eleitoral tem prazos muito curtos, alguns até em horas, justamente pela importância e urgência do tema”, explica.

O TSE não tem como verificar ativamente se as plataformas estão cumprindo o acordo, e nem é assim que funciona. A Justiça, por padrão, age após ser acionada por outros agentes da sociedade, como a polícia, advogados e até cidadãos. “Se tiver uma situação em que o acordo escandalosamente está sendo descumprido –e a mídia acaba repercutindo isso– isso chega ao conhecimento Tribunal, e aí existe esse tipo de ação”, explica Crespo. Ainda assim, isso se limita basicamente a pedidos de colaboração às plataformas, por exemplo para removerem rapidamente conteúdos comprovadamente nocivos.

De toda forma, criou-se uma expectativa de que as plataformas digitais atuassem fortemente para combater tais publicações. Mas não é o que está acontecendo.

As empresas se esquivam de detalhar o investimento em equipes e tecnologias (especialmente inteligência artificial) adotadas para essa finalidade. Devido ao enorme volume de conteúdo publicado pelos seus usuários, os algoritmos fazem a primeira filtragem do que é inapropriado, mas pessoas são necessárias para verificar casos duvidosos e calibrar o sistema. Ambos são necessários para um combate eficiente.

Relatório divulgado recentemente por pesquisadores do INCT.DD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital), da UFBA (Universidade Federal da Bahia), demonstra que, apesar do memorando entre essas empresas e o TSE, seus sistemas ainda apresentam muitas brechas que são exploradas pelos propagadores de notícias falsas. Além disso, em muitos casos, esses conteúdos, mesmo identificados, não são removidos, tendo apenas o seu alcance restringido.

Aí reside uma das grandes críticas internacionais a essas plataformas. Por piores que sejam, esses conteúdos geram enorme audiência, o que é bom para seu negócio. Logo, se eles fossem todos eliminados, isso iria contra seus interesses comerciais.

 

O “ouro do bandido”

Frances Haugen confirma isso. A ex-gerente da equipe de integridade cívica do Facebook ficou famosa em outubro, ao dizer que a empresa conscientemente coloca seus lucros à frente do bem-estar de seus usuários, no escândalo conhecido por “Facebook Papers”. “Quando recompensamos o engajamento ao invés de comunicação construtiva, ao invés de colaboração, acabamos dando mais alcance às ideias mais extremas”, disse.

Em julho, ela participou de uma audiência pública da Câmara dos Deputados sobre o tema. Lá explicou que, por isso, essas empresas não são tão transparentes. Haugen acusou a Meta de se empenhar mais no combate a conteúdos nocivos onde sofre mais risco de ser regulamentada, como os Estados Unidos. Por isso, depois da eleição americana, teria sobrado pouco daquela estrutura de combate à desinformação para o Brasil. Explicou ainda que os sistemas de inteligência artificial são menos eficientes para idiomas que não o inglês.

Tudo isso facilita a vida de quem se beneficia das fake news. Para tornar o cenário ainda mais desafiador, eles usam plataformas de uma empresa para promover conteúdos em serviços de concorrentes, como destacar no Telegram vídeos com desinformação no YouTube. Como são concorrentes, eles não trabalham juntos nesse combate, e a Justiça não tem mecanismos para fazer tal verificação cruzada.

Quero crer que Mark Zuckerberg não pensava em nada disso quando criou o Facebook em seu dormitório estudantil de Harvard, em 2004. Mas é inegável o poder de convencimento que essas empresas têm sobre bilhões de usuários. Ainda que elas não atuem politicamente, suas ferramentas se prestam a pessoas inescrupulosas, criando uma máquina de mentiras quase perfeita, sem precedentes na humanidade.

De certa forma, essas empresas se tornaram muito mais poderosas que os países onde atuam. “Eu acredito que tamanho poder precisa, de alguma forma, ser regulado”, afirma Crespo. Mas o professor explica que isso não pode ser feito de modo a censurar ou a coibir a inovação. Além disso, ele lembra que leis que tentam regular tecnologias de maneira muito detalhada acabam ficando obsoletas rapidamente.

Por tudo isso, a menos de dois meses das eleições, a colaboração entre as big techs e o TSE não está conseguindo conter o esperado aumento do discurso de ódio, da intolerância e de todo tipo de notícias falsas nas plataformas digitais. Parte da sociedade assiste atônita à escalada da violência explícita e até de discursos a favor de um golpe militar.

Que saudades dos tempos em que as redes sociais eram usadas apenas para atividades saudáveis, como encontrar amigos. Só espero que elas não levem o Brasil ao mesmo abismo em que jogaram a sociedade americana.

 

Cursos de curta duração podem ensinar habilidades pontuais, mas não oferecem todo o necessário para um mercado cada vez mais exigente

Os desafios na formação de um profissional moderno

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Com a busca pelo emprego cada vez mais competitiva e a educação se tornando um negócio milionário, a formação profissional do brasileiro vem se transformando, com muitos solavancos nos últimos anos. A graduação se tornou condição básica de acesso ao mercado de trabalho, restando à pós-graduação a tarefa de qualificar a mão de obra. E aí muita gente coloca tudo a perder.

Se agora essa etapa cria a diferenciação profissional, poderíamos supor que cursos mais longos, como especializações ou mestrados, em instituições consagradas, seriam os mais procurados. Entretanto, essas turmas estão cada vez mais vazias, dando lugar a cursos de curta duração, muitas vezes ministrados por escolas ou pessoas desconhecidas, e ofertados nas redes sociais a preços módicos.

Isso se deve a duas coisas em falta por aqui: tempo e dinheiro. Por isso, são raros os que conseguem estender seus estudos por mais alguns anos. As pessoas preferem aprender qualquer coisa para usar imediatamente, conseguir um emprego e colocar comida no prato.

Fica difícil criticar alguém por isso. Mas, a longo prazo, o Brasil corre o risco de se deparar com um enorme contingente de profissionais com habilidades limitadas, incapazes de enfrentar os desafios de um mercado cada vez mais exigente.


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Nesse país que parece ter perdido o direito de pensar a longo prazo e busca soluções instantâneas, a educação não foge da regra. “Eu sinto, nessa busca por cursos curtos, o imediatismo de resultado, uma falta de visão de se conectar a repertórios distintos, a vivências, a pensamentos diversos”, adverte Cátia Lassalvia, consultora e doutora na área de linguagens e tecnologias. Ela acrescenta que “os estudantes têm essa necessidade de ‘aprender urgentemente’, aquela coisa da sociedade da rapidez, da fluidez, do mundo líquido, junto com uma crise econômica.”

Celso Kiperman, CEO da +A Educação, concorda. Segundo o executivo, “a geração atual tem uma necessidade de soluções mais imediatas, tem menos paciência e menos tolerância, por isso procuram as que deem respostas mais rápidas e mais efetivas.”

Cursos de curta duração têm naturalmente grande valor. Eles são um caminho eficiente para corrigir falhas na formação profissional ou para adquirir novas habilidades. Mas, por serem muito mais fáceis de serem oferecidos, exigem cuidados adicionais do estudante. É preciso verificar as credenciais da instituição de ensino e dos professores, para evitar cair em verdadeiras arapucas, que proliferam se aproveitando da necessidade e inocência dos candidatos. “Para quem estiver querendo um diploma rápido, vai ter cada vez mais faculdades ofertando”, afirma Lassalvia.

A consultora vê uma precarização de políticas públicas educacionais, com a gestão da carreira deixada maquiavelicamente para uma pessoa às vezes mal preparada e desassistida. “Se ela estudou e se deu bem, é empreendedora de si mesma, mas, se não se deu bem, é problema dela”, explica.

“Pode até ter havido uma diminuição da qualidade, mas houve uma democratização”, contrapõe Kiperman. De fato, esse cenário facilita que mais pessoas adquiram novas habilidades rapidamente e sem gastar muito. “É então algo pontual, pragmático, para preencher lacunas, o que não é formação, mas informação”, afirma Lassalvia.

O problema de se fazer apenas esses cursos é justamente sua proposta de ensinar algo pontual. Isso não confere ao estudante a capacidade de conectar conteúdos complexos e diferentes, dando grandes saltos na carreira. “Essa busca por cursos em formato de pílula é muito bacana como algo complementar, mas não pode ser a formação principal”, explica a consultora. “Se o sujeito estiver fazendo algo e aparecer uma exigência maior, aquele aprendizado não comportará mais.”

 

Aprendendo a aprender

Talvez essa seja a grande diferença entre cursos pontuais e os mais longos, especialmente mestrados e doutorados: a capacidade de desenvolver conhecimento por conta própria, diante de novos desafios. É como ser capaz de misturar ingredientes para criar um novo prato, ao invés de ser restrito a seguir receitas sem questionamentos.

Isso só é possível graças a professores muito capacitados e que não se restringem a atender demandas imediatas, podendo se debruçar na pesquisa. Mas ironicamente uma crítica contundente de muitos profissionais tangencia justamente isso: a distância entre a universidade e o que mercado precisa.

“A academia é muito conservadora, reagindo lentamente às demandas da sociedade, às vezes a reboque delas”, afirma Kiperman. “O desenvolvimento tecnológico, antes capitaneado pela academia, hoje está dentro das empresas: de uma Amazon, de um Google, de um Facebook”.

Lassalvia acrescenta que as instituições de ensino precisam acompanhar a modernização do mundo. E isso não significa apenas investir em tecnologia. “É preciso trabalhar com metodologias ativas, é tentar inserir um pouco da vida fora da escola dentro dela”, sugere. “Não pode ser mais somente ensino baseado em conteúdo, que eu encontro no Google, no livro.”

Kiperman explica que, até 1998, as universidades brasileiras não podiam ter fins lucrativos. Isso fazia com que as poucas universidades então existentes se concentrassem na excelência acadêmica, deixando em segundo plano as necessidades do mercado. Por isso, as empresas pouco colaboravam financeiramente com as instituições. Isso criou um afastamento que permanece, em alguma escala, até hoje, apesar de ser desinteressante para todos.

O Brasil nunca demonstrou apreço pela educação, o que explica em parte a nossa dificuldade de nos consolidarmos como uma nação desenvolvida. Isso aparece, por exemplo, no desprestígio e nas condições de trabalho ruins dos professores, que chegaram a seu nível mais baixo nos últimos anos, com demissões em massa, perseguições e até agressões verbais e físicas.

Acompanho todos esses movimentos com apreensão. O surgimento de novos trabalhos muito bem remunerados e que exigem pouco estudo, como influenciadores digitais, pode diminuir ainda mais o apreço pela educação. Mas não podemos achar que basta ligar uma câmera para ficar rico. “Assim a gente vai ter um abismo de formação maior do que a gente teve nessas últimas décadas”, afirma Lassalvia.

Cursos rápidos são ferramentas modernas e eficientes para a formação profissional, desde que ministrados por professores qualificados, em instituições que se preocupem com a qualidade do ensino. Mas eles não podem levar à extinção de formações mais sofisticadas que, em última instância, são as que impulsionam toda a sociedade a patamares superiores de qualidade de vida e desenvolvimento.

Todos nós temos um papel nisso, ao valorizar a escola como espaço de aquisição de conhecimento e de valores de colaboração, tolerância, inclusão e respeito. As instituições de ensino, por sua vez, precisam se aproximar da sociedade e se modernizar no conteúdo e na forma. Enquanto tudo isso não acontecer, o Brasil continuará andando de lado no seu desenvolvimento.

 

O músico britânico Elton John, que em 2007 propôs que a Internet fosse “fechada”, pois estaria prejudicando a qualidade das músicas

A “ditadura dos fãs” pode piorar a cultura e nossas vidas

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Em agosto de 2007, Elton John sugeriu que a Internet fosse fechada por cinco anos, pois ela estaria prejudicando a qualidade das músicas. Segundo o artista britânico, isso aconteceria porque as pessoas não saíam mais de casa para interagir entre si, piorando as composições. Vale lembrar que o “Rocket Man” sempre se disse avesso à tecnologia. Ainda assim, hoje usa as plataformas digitais, onde tem milhões de seguidores, para se relacionar com seu público.

Apesar de despropositada, há um ponto que merece ser considerado na ideia do cantor com o avanço da tecnologia. Da mesma forma que as redes sociais nos deram o poder de dizermos o que quisermos, elas mudaram a relação entre artistas e seus fãs. Se antes esses últimos eram passivos e devotados, hoje ocupam um papel que chega a ser determinante na obra e até na vida de seus ídolos, que se veem extremamente expostos.

Cresce o número de pessoas que afirmam que essa exposição constante e inescapável pode prejudicar a criatividade e a diversidade cultural. Com suas “curtidas”, os consumidores não apenas de música, mas de todo produto podem determinar seu sucesso ou sua derrocada.

Involuntariamente cria-se uma “ditadura dos fãs”, que indica o que é “bom” e o que é “ruim” em tudo. Muitos autores, para continuar vendendo, passam a alterar e até a “piorar” suas entregas para seguir tais determinações. E isso vem provocando diversas mudanças em nossas vidas, muito além da música.


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Os fãs sempre foram essenciais para o sucesso de qualquer artista, mas, até pouco tempo atrás, não tinham como realizar a interferência vista hoje. O artista seguia sua intuição, suas vivências e seu estilo para compor, e o público gostava ou não do resultado.

Hoje muitos artistas trabalham seguindo diretrizes de algoritmos: as músicas dos próximos shows, as cidades das turnês, o estilo e a duração das canções e até aspectos da vida pessoal do artista são influenciados por dados extraídos das plataformas de música. Elas informam em tempo real o que está agradando, e isso oferece aos autores informações para estratégias para se conectar com sua audiência.

Essa é uma informação riquíssima, especialmente porque ninguém mais ganha dinheiro vendendo álbuns há muito tempo. As plataformas de streaming, por sua vez, pagam uma miséria pelas faixas reproduzidas, mas elas são essenciais para manter uma celebridade ativa e para o surgimento de novos nomes.

O dinheiro dos artistas agora vem de apresentações ao vivo. Por isso, a exposição e os dados das plataformas digitais se tornaram essenciais para sua sobrevivência, criando uma relação simbiótica muito maior que a existente com as antigas gravadoras.

Questiona-se se atualmente o artista não pode continuar sendo “apenas um artista”. Anitta nada de braçada nesse cenário. Por outro lado, a cantora americana Halsey desabafou recentemente, criticando sua gravadora, que a estaria impedindo de lançar uma música como single, pois ela não seria “boa para o TikTok”.

Será que grandes sucessos do passado, apesar de longos e fora do convencional, como “Bohemian Rhapsody”, do Queen, ou “Stairway to Heaven”, do Led Zeppelin, “dariam certo” hoje?

 

“Audição ansiosa”

A pergunta é legítima!

Produtores pedem que os artistas agora criem músicas com menos de três minutos de duração. O motivo é simples: o público atual não “toleraria” canções mais longa que isso, abandonando a faixa antes do fim, o que diminui sua relevância perante os algoritmos. Com isso, ela passa a ser menos sugerida pelas plataformas a outros ouvintes, o que é ruim para os negócios.

Essa mudança de comportamento já tem até um nome: “audição ansiosa”. E ela determina que é melhor ter uma música de dois minutos tocada três vezes que uma música de seis minutos ouvida uma vez ou –pior– nenhuma vez.

Tradicionalmente as músicas se dividem em uma introdução, uma melodia crescente e um auge, como uma história. Pelos novos parâmetros, elas devem ser “diretas”, criando um impacto logo no início. Seguindo o mesmo raciocínio, é melhor lançar uma música de cada vez, no lugar de um álbum inteiro, pois as pessoas não teriam paciência para absorver tantas faixas em um único pacote.

Isso tudo pode parecer absurdo, mas o Spotify recebe, por dia, mais de 40 mil novas músicas do mundo todo. Como competir com tudo isso? É como se houvesse mais músicas disponíveis que pessoas para ouvi-las, especialmente se considerarmos que as preferidas do algoritmo acabam sendo muito privilegiadas.

Chegamos a um dilema do tipo “ovo e galinha”: as pessoas estão ansiosas por influência dos algoritmos ou os algoritmos refletem a ansiedade de nosso tempo? Afinal, as plataformas digitais vivem de nos manter excitados e ansiosos. O excesso de estímulos e de informações fazem com que tenhamos que gastar muita energia para “dar conta de tudo”.

Mas temos mesmo que fazer isso?

Como gestor de customer experience, sempre defendo que coletemos os dados de nossos usuários de maneira ética e legal, para oferecermos produtos e modelos mais alinhados com seus desejos. Mas há limites! Se o público for convencido, por alguma bizarrice nas redes sociais, que salva-vidas de concreto são mais eficientes, os fabricantes de coletes não podem abraçar isso, pelo simples fato de que é absurdo!

Criou-se um perigoso círculo vicioso! Estamos nos tornando pessoas ansiosas e rasas, pois essa dinâmica digital dificulta que nos aprofundemos em qualquer assunto. Queremos tudo e queremos agora!

As empresas, assim como os artistas, tentam satisfazer essa demanda insana, retroalimentando o processo. Mas isso precisa ser interrompido, pelo resgate do valor da qualidade em tudo que se oferece.

Claro que sempre existiram produtos de qualidade mais baixa, destinados a atender uma parcela da população que, por qualquer motivo, prefere isso. Mas eles não podem ser o modelo a ser replicado.

O poder que o meio digital concedeu ao público está, portanto, criando uma “ditadura”. Mas nenhuma ditadura é boa! Mesmo que, a curto prazo, possa parecer que está trazendo benefícios ao povo, não tarda para a verdade transparecer, com resultados piores para todos.

 

As belezas e as dores do ensino a distância

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Dizem que, nos últimos anos, a grande agente da transformação digital foi a Covid-19. Infâmias à parte, é um fato que a pandemia nos ensinou a fazer muitas coisas novas ou a usar a tecnologia para recriar atividades cotidianas. Uma das mais impactadas foi a maneira como estudamos. E isso trouxe benefícios, mas também problemas.

Como professor, vi alunos irados em março de 2020, quando seus cursos passaram a ser oferecidos online, por causa da doença. Mas o movimento foi inevitável, atingindo do Ensino Infantil à pós-graduação. Hoje, mesmo com as escolas reabertas há mais de um ano, observo uma crescente preferência por cursos a distância, até mesmo superando os presenciais.

Esse é um movimento sem volta! São inegáveis as vantagens, como comodidade e economia, ao se estudar em casa. Mas o uso inadequado da tecnologia na educação pode piorar muito a qualidade do ensino.


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Não se pode olhar de maneira homogênea para todos cursos e momentos da formação de uma pessoa. “Isso é o futuro para a parte da população que quer se qualificar”, afirma Yuri Lima, pesquisador do Laboratório do Futuro da COPPE/UFRJ. “Mas há uma perda de qualidade do ensino, principalmente para quem está em uma primeira graduação”, explica. Para ele, “existe incoerência se eu disser que o futuro do trabalho virá de trabalho em equipe, empatia, negociação, criatividade ou qualquer outra soft skill, e concordar que um curso online conteudista suprirá tudo isso”.

A opinião é compartilhada por David de Oliveira Lemes, diretor da Faculdade de Estudos Interdisciplinares da PUC-SP. “Na graduação, faz muito mais sentido o presencial, pela convivência universitária, pela troca de experiências, porque é uma idade de transição para a vida adulta”. Ele explica que há habilidades exigidas pelo mercado que o aluno precisa do ensino presencial para desenvolver. “Mas, mesmo para as especializações, alguns momentos presenciais, nem que seja para networking, são fundamentais”, acrescenta.

Essa mudança no público se deve, em parte, às universidades, que ofereceram diversos cursos online gratuitos no começo da pandemia. Isso fez com que muita gente descobrisse que é possível aprender de casa, economizando dinheiro e tempo. Em contrapartida, vimos uma explosão de cursos de qualidade duvidosa, até mesmo de instituições conhecidas. Elas viram no ensino a distância uma maneira de aumentar exponencialmente seus lucros em detrimento da qualidade pedagógica.

O desafio para os alunos é descobrir quais cursos lhes garantirão um aprendizado satisfatório. Já as instituições de ensino precisam se apropriar desses recursos com ética, para levar a educação a um novo patamar de excelência.

A educação não é só erudição, especialmente para os mais pobres. Para essas pessoas, é um caminho para mudar de vida, especialmente –mas não exclusivamente– em um país com grandes desafios sociais, como o nosso.

Segundo o estudo “O Estado da Educação Superior 2022”, produzido pelo Instituo Gallup e pela Fundação Lumina, dos dez motivos para se cursar o ensino superior, seis se relacionam a melhorias no trabalho. De fato, de acordo com a consultoria LABORe, o salário médio no Brasil em dezembro de 2018 saltava de R$ 2.147, pago a quem estudava até o Ensino Médio, para R$ 5.869, para quem concluía a faculdade.

 

A busca pela comodidade

Há alguns dias, realizei uma pesquisa informal no LinkedIn para saber como as pessoas preferem estudar hoje. Com 1.763 votos, o ensino presencial apareceu na frente com 38% das preferências, seguido de perto pelo ensino a distância com aulas ao vivo (33%) e pelo ensino a distância com aulas gravadas (28%).

Isso está em linha com o Censo da Educação Superior 2020, divulgado em fevereiro pelo MEC (Ministério da Educação). Naquele ano, o país registrou, pela primeira vez, mais matrículas em graduações a distância que nas presenciais. Se considerarmos apenas instituições privadas, isso já acontece dede 2019.

“Se for apenas para conteúdo expositivo, o EAD é muito melhor”, afirma Lemes. O professor explica que o tempo em uma sala da aula presencial deve ser aproveitado com metodologias que ajudem na formação do aluno, como debates e projetos.

O alerta acende quando os cursos presenciais são substituídos pelo EAD apenas para aumentar os lucros. “O online ao vivo já passa por uma precarização quando coloca um professor para dar aula para até mil alunos”, afirma Lima, sobre instituições que substituem várias turmas presenciais por uma enorme turma online. Mas a situação fica dramática quando o curso se resume a aulas gravadas, com um tutor (que muitas vezes nem tem a formação acadêmica adequada) “gerenciando” até 5.000 alunos!

Lima explica que, quando se olham listas de profissões do futuro, o professor aparece, pois suas tarefas estão entre as “menos automatizáveis”. Entretanto, esse uso inconsequente do ensino a distância vem provocando uma onda de demissões de professores no Brasil. “A gente está substituindo a educação presencial como um todo por um modelo de negócios que dispensa a existência do professor”, afirma Lima.

Isso aparece claramente no Censo da Educação Superior. A quantidade de professores no Ensino Superior privado vinha estável por volta de 210 mil. Em 2020, houve uma grande queda, para 195 mil. Já o Ministério do Trabalho aponta 30 mil professores demitidos no Ensino Superior entre março de 2020 e dezembro de 2021.

Lima explica que menos turmas presenciais exigem menos professores, sem diminuir a quantidade de alunos nas enormes turmas online, aumentando os lucros das instituições. “Para que eu vou investir no presencial, que me traz a metade da minha margem do online?”

A própria formação de novos professores vem sendo impactada. Levantamento divulgado no dia 18 pelo movimento Todos pela Educação mostra que 61% dos formandos de cursos de Pedagogia e Licenciatura em 2020 no país estudaram a distância. Nos demais cursos superiores, o índice foi de 24,6%. A instituição considera isso “extremamente grave”, pois essa formação seria de baixa qualidade.

“Quando a gente pensa na degradação do trabalho docente, na verdade é porque isso está degradando a qualidade do ensino”, afirma Lima. Mas ele relembra que a culpa não é do ensino a distância, e sim de seu mau uso. “Eu não acho que ele seja uma panaceia e também não acho que seja o fim do mundo.”

Lemes aponta que o professor está tendo que se reinventar o tempo todo. “Sempre vai ter espaço para professor, talvez não aquele que ele tinha antes”, explica, dizendo que não sabe se há uma precarização, mas que há transformação das suas funções.

Sou um defensor da transformação digital nos mais diversos segmentos. A educação obviamente também melhora com a tecnologia. Mas, como em todos os casos, isso precisa ser feito com responsabilidade. O EAD não é vilão, nem tampouco algo a ser abraçado inconsequentemente.

Empresas de educação são negócios muito particulares, pois todos os demais segmentos dependem da qualidade de sua entrega. Naturalmente devem ter lucro, mas elas não podem sacrificar seu crítico papel social por ele.

O Brasil já padece de uma educação de qualidade muito baixa há anos, e que só vem piorando. Não é de se estranhar que soframos com um severo déficit profissional, em quantidade e principalmente em qualidade. Não podemos nos dar ao luxo de isso ficar ainda pior!