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“O conteúdo é rei” é uma tremenda balela

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Redação de The New York Times em 1942 - Foto: Marjory Collins/Biblioteca do Congresso dos EUA

Redação de The New York Times em 1942

Há quase vinte anos, eu ouço a tese do “conteúdo é o rei”, que um bom editorial seria suficiente para levar um veículo ao sucesso, dito pelos coleguinhas quase desprezando outras áreas da empresa, como o comercial e a estratégia. Mas um extenso documento interno de The New York Times, que vazou na semana passada, mostra que isso é um engodo, mentira, bullshit.

Não estou dizendo, jamais diria, que o conteúdo editorial não é importante. Porém a queda contínua dos veículos tradicionais, principalmente os impressos, diante de produtos digitais inovadores escancara a realidade de que um ótimo conteúdo está longe de ser suficiente para o sucesso. Nem mesmo The New York Times, casa de um jornalismo premiadíssimo, escapa dessa verdade.

O referido documento do Times, que muito bem serve para praticamente todos os grandes veículos impressos, pinta uma empresa que sofre para se adaptar à realidade digital, e experimenta grandes perdas em audiência e receita por conta disso. Mais dramático ainda, o relatório demonstra que o fato de o jornal se preocupar muito com o seu jornalismo, relegando a um segundo plano a evolução de uma estratégia digital robusta e consistente, corroi a sua credibilidade e ameaça sua sobrevivência.

Produzido por um grupo liderado por Arthur G. Sulzberger, filho de Arthur Ochs Sulzberger, publisher do NYT, o documento coloca o dedo em várias feridas, começando pelo fato que toda a sua estrutura de produção continua girando em torno da versão impressa. A ideia de ser “digital first”, que muitos veículos enchem a boca para promover em eventos e peças de marketing, não passa de um discurso vazio, que não encontra eco no dia a dia. E a resistência maior vem da Redação, que encara propostas de mudança em seu produto e na maneira de realizá-lo como uma “ameaça a sua independência”, o que poria em risco a qualidade.

O relatório chega a mencionar a dificuldade de integrar as equipes editoriais, técnicas e de estratégia, quase como se fossem concorrentes. O velho mantra da “separação igreja-estado” é invocado. Para quem nunca ouviu falar disso, o conceito visa impedir que interesses comerciais interfiram nos editoriais. O exemplo clássico é garantir à Redação a prerrogativa de publicar notícias ruins sobre uma empresa, mesmo que ela seja o maior anunciante do jornal.

Mas, nesse caso, isso não se aplica. Ninguém está propondo que a qualidade do jornalismo seja minimamente ameaçada por interesses “obscuros” de outros departamentos da empresa. Pelo contrário, os jornalistas precisam ter, antes de tudo, a humildade de aceitar que outros profissionais podem indicar o caminho que toda a empresa deve trilhar, diante de movimentos não apenas dos concorrentes, mas também de seus próprios clientes: os leitores.

Curiosamente, a única grande inovação do NYT nos últimos anos não veio da Redação, e sim da área de negócios: o seu “paywall poroso”. Resumidamente, permitindo que qualquer um tenha acesso gratuito a uma quantidade restrita de notícias a cada mês, eles propuseram uma maneira criativa que garantiu que 90% de seus internautas continuassem acessando suas páginas sem qualquer mudança (o que garantiu a manutenção da receita publicitária vinculada à audiência), enquanto aumentou consideravelmente o total de assinaturas digitais e até mesmo do jornal impresso.

O problema é que, de março de 2011 para cá, o conceito de assinatura, que já andava bem mal das pernas, se enfraqueceu ainda mais. Com a consolidação do consumo ubíquo de conteúdo em dispositivos móveis, as pessoas não querem mais se sentir “aprisionadas” a um veículo, pagando antecipadamente por muita coisa que não usarão. O consumidor de conteúdo atual, que absorve isso vorazmente como nunca, quer que tudo chegue a ele com qualidade, onde estiver, quando quiser e ainda referenciado pelos seus amigos. Se essas exigências forem atendidas, pouco importa a origem do conteúdo: pode ser o NYT ou um completo desconhecido que domine o assunto.

Não é de se espantar, portanto, o sucesso de agregadores, como o Flipboard. Da mesma forma, não é nenhuma surpresa a derrocada dos veículos tradicionais. E a culpa disso não cabe à Internet, aos agregadores, ao Google ou ao Facebook. Cabe aos próprios veículos, que continuam produzindo e distribuindo seu conteúdo como nos tempos em que eram a única fonte de conteúdo de qualidade.

Felizmente (para os usuários) ou infelizmente (para os veículos tradicionais), esse tempo é passado.O jornalismo do NYT é algo memorável e espero sinceramente que a “dama cinzenta” consiga reagir e promover as mudanças necessárias para continuar existindo. Cabe apenas a eles mesmos –e a todos os veículos agonizantes– a solução.

Ainda sobre a cobrança pelo conteúdo

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Depois de meu post anterior, alguns colegas argumentaram comigo sobre a importância de se cobrar pelo conteúdo jornalístico. Concordo, mas não vejo com bons olhos a maneira como esse debate vem acontecendo. Essa campanha , patrocinada principalmente pelos jornais, é vazia, pois se apoia em uma premissa falsa. Portanto vale a pena retomar o assunto na tentativa de jogar um pouco de luz sobre ele.

A tal premissa é a de que as pessoas não querem mais pagar pelo conteúdo, querem consumir tudo de graça. Desculpem, isso não é verdade. As pessoas consomem hoje conteúdo em volume e em diversidade jamais vistos. E –pasmem!- elas pagam por muitos deles. Um bom exemplo é o cinema, que se recuperou de uma fase ruim, iniciada com a popularização do VHS. Hoje as salas estão cheias, e as pessoas pagam mais caro pelo ingresso para ver as sessões em 3D.

Outro bom exemplo é a Apple. Ela está (também) dominando o mundo sobre os cadáveres de outra indústria que cometeu suicídio por se recusar a aceitar as mudanças no comportamento dos usuários: a fonográfica. Enquanto as vendas de CDs batem no chão e as lojas praticamente os retiraram das prateleiras, o iTunes ultrapassou, em fevereiro de 2010, a incrível marca de 10 bilhões de faixas vendidas, com um modelo que combina qualidade (as músicas tem qualidade superiores às de CD), comodidade (você compra só a faixa que quiser, quando e onde estiver, com um clique) e preço baixo (ninguém pensa muito antes de gastar um único dólar).

Podemos tirar algumas lições desses dois exemplos. A primeira é que a Apple não acabou com a pirataria de músicas: estima-se que cada iPod e similares dos adolescentes americanos tenham cerca de 800 músicas baixadas ilegalmente, em média. Mas a função da Apple não é acabar com a pirataria: é vender. E ela faz isso para uma em cada quatro músicas vendidas nos EUA.

Quanto aos cinemas, ao invés de ficarem chorando sobre o videocassete, investiram na experiência que ofereciam. Quem vai ao cinema hoje, não faz isso apenas para assistir a um filme. Paga para ter isso em uma tela enorme, muitas vezes em 3D, com um som incrível, em salas confortáveis e comendo alegremente uma pipoca que custa quase tanto quanto o ingresso. Trata-se de uma experiência envolvente e positiva, que não existe em outro lugar.

Portanto, caros colegas, as pessoas querem –sim– pagar pelo conteúdo que consomem. Apenas não querem pagar por aquilo que lhes é oferecido pelos jornais, pois sua percepção indica que esse produto não merece ser pago.

Mesmo com a popularização dos tablets, os jornais ainda não perceberam que o problema reside no seu modelo de produto e de negócios, ultrapassados. Querem embarcar nesta plataforma popularizada pela Apple, sem entender o que fez da empresa o sucesso nos negócios, empurrando aos consumidores a mesma coisa que já ofereciam no papel.

E aí ficam se debatendo diante da recusa das pessoas em pagar, e combatendo quem realmente entendeu o novo momento da mídia, como o Google Notícias ou o Flipboard, só para ficar em dois exemplos básicos. Resistem bravamente ao futuro do seu negócio, que passa por “destruir” o seu produto, para recriá-lo com seu elemento primordial: jornalismo de qualidade.

Isso nos leva de volta ao post anterior. The New York Times e The Wall Street Journal vêm colhendo bons frutos com seus paywalls. Mas conseguem isso com um conteúdo que é realmente um diferencial. Além disso, o primeiro, desde que o jornalismo começou a flertar com a Internet, sempre se destacou por iniciativas criativas do uso da tecnologia, nem sempre bem-sucedidas.

O usuário paga pelo conteúdo. É só lhe oferecer algo que valha a pena.

Depois do “paywall”, o “freewall”

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Desde que o The New York Times lançou, em março do ano passado, o seu “paywall”, os jornais elegeram esses sistemas de controle de cobrança pelo seu conteúdo digital como a tábua de salvação de sua indústria em forte declínio. Não falam de outra coisa, como uma criança que encontrou antes da hora um presente escondido. Mas Raju Narisetti, vice-editor executivo do The Wall Street Journal, classifica os paywalls como “negativos”.

A declaração foi feita no 9º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) nos dias 20 e 21 de agosto. Ironicamente o WSJ de Narisetti é o melhor exemplo de sucesso conteúdo digital fechado. Se quiser ler, tem que assinar. Muito mais “duro” que o modelo do NYT, que vem habitando os sonhos dos publishers, em que o leitor pode acessar páginas livremente até determinada quantidade, antes de ser convidado a pagar.

Como entender essa aparente contradição do executivo? O próprio Narisetti explica: o WSJ sempre cobrou pelo seu conteúdo, ao contrário de praticamente todos os demais jornais, que acostumaram seus usuários a consumir o conteúdo de graça. Agora precisam convencer seu público a pagar pelo que sempre foi grátis. Além disso, o conteúdo do WSJ é um verdadeiro diferencial, raramente equiparado por outros veículos, o que cria uma justificativa pela cobrança.

“Vocês devem descobrir o que funciona para o seu negócio e encontrar formas de beneficiar seus sites e seu jornalismo”, disse no evento. Traduzindo: não há nenhuma garantia de que os sucessos dos modelos de paywall do NYT e do WSJ possam ser reproduzidos em outros veículos. Mais: para que isso tenha a mínima chance de acontecer, os veículos têm que oferecer um produto que mereça ser pago.

Problema: diferencial é algo que os jornais, os brasileiros com destaque, têm cada vez mais dificuldade de oferecer. Em época de cortes dramáticos de custos, as redações ficam povoadas de “focas”, imaturos e com formação deficiente. E um bom jornalista só aparece ao longo dos anos, forjado na reportagem e na edição. Nossos veículos se tornaram reféns de sua falta de criatividade da inexperiência dos novos colegas, dependendo do denuncismo e do jornalismo palaciano, duas pragas que tentam mascarar essa triste realidade.

Apenas para exemplificar, vejam as primeiras páginas de hoje do Estadão e da Folha:

 

 

Os dois jornais têm a mesma manchete, com o mesmo sujeito, mesmo verbo e mesmo objeto; a foto principal também retrata o mesmo personagem; três das outras principais chamadas também tratam do mesmo assunto.

Caramba: até o anúncio é o mesmo!

Mais dramático ainda: nada, absolutamente nada do material chamado nas duas páginas exigiu grande esforço. É material de assessorias, de agências, de pesquisas. E tudo isso também está disponível igualmente (e muito mais rápido) em portais como Terra, MSN e outros, que não dão a menor pinta de que passarão a cobrar pelo seu conteúdo. Sem falar na televisão aberta.

Fica a pergunta: quem vai pagar por isso? Ou ainda: quanto vale isso? Disse Suzana Singer, ombudsman da Folha, na sua coluna do dia 24 de junho : “para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede.”

Os paywalls mudarão magicamente isso? O próprio Narisetti responde: “paywalls são inerentemente negativos. Estamos dizendo ao leitor que ele tem, por exemplo, 20 matérias grátis e que, quanto mais ele lê, mais perto fica de ter que pagar para nós.”

“Freewall”?

O executivo do WSJ propôs então uma ideia no mínimo curiosa: talvez os jornais devessem considerar a alternativa de um “freewall”, como ele mesmo chamou.

É como um programa de milhagem. Para ver o conteúdo, o usuário precisa pagar. Mas, quanto mais “engajado” esse usuário for com o veículo, menos pagaria, até chegar a uma eventual gratuidade.

A proposta tem seus méritos. Um usuário que participa ativamente do jornal –comentando, compartilhando, sugerindo– traz vários benefícios ao veículo, inclusive novos usuários. Compartilhamentos comentados aos amigos de redes sociais são uma forma complexa e eficiente de marketing, de uma maneira que o próprio veículo não consegue fazer por si só.

Claro, é apenas uma ideia: ninguém falou ainda em como implantar tal coisa, ou quais seriam as regras de descontos, por exemplo. Mas o embrião do paywall poroso também era só uma ideia no NYT há três anos, quando começou a ser discutido internamente. Pode se tornar uma alternativa interessante a jornais que não sejam competentes o suficiente para ter sucesso com o paywall.

E por que então o WSJ não adota o freewall então? Bom, porque seu conteúdo é um diferencial e eles nunca deram isso de graça. Fecha-se o círculo.

O fim dos jornais

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Homem olha jornais expostos em uma banca argentina

Os jornais precisam olhar para mundo e encontrar maneiras criativas de cobrar pelo seu conteúdo, ou acabarão sumindo

Há alguns dias, enquanto almoçava com colegas, a decisão da Folha de S.Paulo de restringir, desde o dia 21 de junho, o conteúdo de seu site a assinantes virou assunto. As opiniões eram praticamente unânimes: a novidade representaria um enorme erro, fruto de falta de visão e desespero pela incapacidade de se adaptar às mudanças do mercado, e os resultados seriam negativos. Na verdade, o tom dos comentários chegava a ser jocoso: “quanto vão ganhar com isso, mil reais?”

Argumentei que os colegas da Barão de Limeira estava seguindo uma tendência internacional chamada “paywall poroso”, popularizada pelo The New York Times –que, aliás, vem colhendo frutos interessantes, aumentando consideravelmente a sua base de assinantes digitais e até mesmo do impresso. Mas isso só serviu para aumentar ainda mais a chacota: “é muita pretensão querer se comparar ao The New York Times, que diferenciais eles têm para querer cobrar algo?”

Essa conversa agregou vários pontos que há muito discuto aqui. É um fato que as pessoas só pagam por aquilo em que veem valor. “Para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede”, afirmou a própria ombudsman da Folha, Suzana Singer, na sua coluna do dia 24 de junho.

Os jornais estão em posição cada vez mais desfavorável nesse cenário: as tiragens e as receitas dos grandes títulos minguam, sendo substituídas por jornais gratuitos e por outras fontes de informação, mais notadamente a digital. E os colegas acima trabalham justamente em portais. Ironicamente, muita da informação oferecida por esses sites –assim como em redes sociais– vêm desses mesmos jornais. E produzir conteúdo custa e, dessa forma, precisa ser remunerado.

Cobrar de quem vê valor

A Folha reproduziu aqui um dos maiores acertos do NYT: a grande maioria dos usuários do site nem perceberá a existência do paywall, pois eles supostamente consomem menos notícias por mês que o necessário para disparar o mecanismo de cobrança (40, no caso da Folha). Dessa forma, a novidade não afugentaria usuários, mantendo os ganhos com publicidade. Paga apenas quem ultrapassam esse limite, o que, em tese, indica que a pessoa vê valor no produto, justificando assim a cobrança.

Mas as pessoas não querem mais pagar. Não vem de hoje e os culpados por esse conceito são os próprios jornais, que fomentaram isso em nome de construir uma presença online desde meados da década de 1990. Como também escreveu Suzana, “acostumados a se informar de graça na rede e incomodados com um monte de anúncios que saltitam sobre a tela, (as pessoas) não entendem por que devem colocar a mão no bolso.”

Nessa insustentável e aparentemente insolúvel contradição pode residir a saída para essa indústria, crítica para uma sociedade livre. Em setembro de 2010, conduzi um estudo e concluí que, de todos os custos de um grande jornal, apenas 20% se refere, de uma forma ou de outra, ao jornalismo em si, entrando, nessa contabilidade, os salários, equipamentos, suporte a reportagem e o que mais fosse necessário à produção de conteúdo. Os outros 80% vão para comprar papel, manter a gráfica, distribuir os impressos e manter a enorme infraestrutura dessas empresas.

Oras, o que as pessoas efetivamente consomem está nesses 20%. Colocando de outra maneira, é possível continuar fazendo jornalismo com a mesma qualidade gastando apenas vinte de cada cem reais investidos hoje. Claro que essa é uma visão propositalmente simplista, pois as agências publicitárias não querem depositar nas operações digitais dos jornais o que (ainda) colocam em seus impressos. Mas, se a fatia do impresso está diminuindo no bolo publicitário, então esse dinheiro está indo para outro lugar.

“Perderam o barco”

Está indo para jornais gratuitos e mídia digital. A televisão continua nadando de braçada com uma folgada liderança, mas sem mudanças significativas para mais ou para menos em seu share. Rádio e mídia externa consolidaram-se na rabeira. A briga séria está no “pelotão intermediário”, justamente onde está o impresso –jornais e revistas– e o digital.

O impresso vem se sustentando com a ajuda dos jornais gratuitos, como o Metro e o Destak, que puxam as métricas –leitores, tiragem e receita publicitária– para cima, mascarando a queda dos grandes títulos. E a mídia digital, no melhor estilo “de grão em grão, a galinha enche o papo”, aumenta continuamente o seu share, com anúncios infinitos a preços irrisórios.

Sobre meu post “O incômodo charme dos agregadores”, Rodrigo Mesquita, responsável pela Agência Estado ser o que é, e membro da família proprietária do Estadão com uma excelente visão do casamento da mídia com as TIC, comentou no Google+: “Não dá mais tempo, meu caro. Os jornais perderam o barco. Vão ficar com um papel residual.”

A possível solução para o dilema da mídia exige, portanto, abandonar o modelo de negócios que conhecem tão bem. A mídia impressa precisa entender que o papel era apenas um veículo para entregar o conteúdo que produzia. Não apenas não é mais necessário, como se tornou obstáculo a sua sobrevivência. E não me refiro apenas aos altos custos associados a ele, mas também porque engessa o produto em um formato autocontido, unificado e finito, que não encontra mais espaço hoje.

Descentralização

“Nada foi feito em direção a nada na grande maioria dos jornais”, afirmou Mesquita, que concluiu: “caminhamos para uma nova sociedade, que terá uma nova forma de interagir e articular seus interesses, de uma forma muito menos centralizada que a do tempo da indústria.”

As casas editoriais aprenderam o discurso de que são produtoras de conteúdo, que deve ser entregue da forma que o usuário quiser. Mas o discurso não combina com seus atos, que buscam resgatar o velho “jornalão”, esse sim entregue em todas as plataformas, em que o usuário assina tudo ou nada. Tem que levar o caderno de cultura e o de esportes, mesmo que queira apenas ler o de economia.

A Folha deu o primeiro passo para romper esse pensamento tacanho e antiquado, imitando o paywall do NYT. Mas isso não liberta ainda o usuário fiel do conceito de assinatura (ele pode ser fiel sem ser assinante). Nisso, os portais, a indústria de games e, mais recentemente, as lojas de aplicativos mobile estão muito à frente, com formatos de distribuição –e remuneração– completamente pulverizados, fragmentados, “indolores” e sob demanda.

Trata-se de um mundo com ganhos mínimos multiplicados em milhões de microtransações, que transformam definitivamente qualquer conteúdo em serviço. Os players acima aprenderam essa lição e, mesmo que muitos deles não tenham as receitas dos grandes jornais, ostentam operações mais saudáveis e até mais lucrativas. Afinal as suas despesas são muito menores e eles possuem muito mais consumidores que os jornais.

Não é de se admirar, portanto, que empresas de tecnologia liderem hoje os ganhos publicitários e já tenham até se tornado gigantescas –e inovadoras– produtoras de conteúdo. Felizmente o eventual fim dos jornais não significará o fim do jornalismo. Apenas de empresas que se recusaram a se adaptar a uma nova ordem econômica e social, mediada pela tecnologia.

Treine um dragão e salve seu jornal

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[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=3WsrRFPTNHc]

Nos últimos dias, participei de conversas com vários grupos sobre o assunto mais odiosamente preferido dos executivos de mídia: como salvar o nosso negócio. E me deparei com as mesmas teses de sempre: conteúdo aberto versus conteúdo fechado, paywalls, assinatura ou compras avulsas, veículos organizados em edições ou continuamente atualizados, entre outros. E as conclusões, da mesma forma, acabavam sendo as velhas conhecidas, que, na prática, tentam perpetuar o modelo de negócio de jornais, que se forjou no século 19, se refinou no 20 e não encontra mais espaço no 21.

O que não entendo é: por que ninguém pensa em treinar um dragão para salvar o seu jornal? Claro, treinar um bicho desses não é fácil, mas a animação “Como Treinar Seu Dragão”, do trailer acima (não viu ainda? veja!), mostra que, muito mais difícil que encontrar ou treinar uma enorme besta voadora e cuspidora de fogo é acreditar que isso é possível. Mais difícil ainda é querer fazer isso quando se vive em uma aldeia viking cujo propósito maior é matar dragões.

O fato é que a mídia impressa só pensa em matar os dragões que roubam as suas ovelhas cada vez mais. Existem várias espécies deles, como a publicidade insuficientemente barata, o “jornalismo-cidadão” e a blogosfera, os internautas que se recusam a pagar pelo conteúdo, o Google News e, mais recentemente, os agregadores.

Mas e se tudo que soubermos sobre esses dragões estiver errado? Com essa conclusão, um protótipo de viking salvou a sua aldeia. Mas, para isso, arriscou tudo. Sorte da aldeia, pois, se ninguém pensasse diferente, nunca venceria as feras.

Como é de amplo conhecimento público, o principal dilema da mídia, especialmente a impressa, é que a receita que eles conseguem angariar com a Internet nem de longe compensa as perdas que a mesma lhe provoca. E produzir bom jornalismo custa dinheiro, isso é um fato! E as pessoas devem pagar por isso! Bem… pode ser… mas certamente não da maneira como se quer lhes impor.

Já que estamos fazendo citações cinematográficas, selecionei a cena abaixo, que muitos fãs de Star Wars devem conhecer as falas de cor:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=7YkbgvRMpW0]

Uma sequência de Yoda vale ser retirada dessa cena: “So certain are you. Always with you it cannot be done (…) You must unlearn what you have learned.”

Claro! Estarmos muito certos de algo é uma das piores coisas que pode nos acontecer. Na incerteza, experimentamos as alternativas e tateamos os nossos limites, nos permitindo ser melhores. Já na certeza, nos acomodamos em nossas crenças e tentamos impor aos outros o nosso modelo de mundo “certo”. Se o mundo discorda de nós, desqualificamos os seus argumentos; se se recusa a nos aceitar, tratamos de eliminá-lo. E aí continuamos achando que dragões são malévolos e naves são muito grandes para se levitar.

Enquanto isso, fedelhos nórdicos cavalgam dragões e criaturinhas verdes e enrugadas tiram naves de pântanos. O mundo se move rápido, vivemos em tempos exponenciais, como disse no último post. Quaisquer que sejam as soluções adotadas pela mídia para sair do lamaçal em que se encontra, elas começarão ao aceitar que deve conduzir seu negócio de maneira drasticamente diferente.

Acha tudo isso uma bobagem? Não acredita que possa ser feito? “That’s why you fail!”

Separando a Igreja do Estado e pagando a conta dos veículos

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No último dia 26, durante o seminário de comunicação digital “Os desafios éticos e legais nas empresas jornalísticas”, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais), meu colega Marco Chiaretti disparou: “o problema é que está entrando muito dinheiro nas redações”. Não, ele não sugere que o jornalismo deixe de ser uma atividade remunerada. O que ele quer dizer é que as áreas de negócios das empresas de comunicação estão tendo muito influência sobre as pautas dos seus veículos, uma interferência perigosíssima ao livre exercício do jornalismo.

Assim como a liberdade diante de governos, a liberdade econômica é uma premissa básica do bom jornalismo, daquelas que se aprende no primeiro ano da faculdade. Afinal, o veículo tem que poder noticiar uma enorme falcatrua de uma empresa, mesmo que ela seja seu maior anunciante. Corre-se o risco de perder o anunciante? Claro! Mas daí vem uma frasesinha muito conhecida no meio: “a separação Igreja-Estado”, que diz que decisões de negócios não devem interferir nas editoriais e vice-versa (só não me perguntem quem é a Igreja e quem é o Estado).

Se isso for respeitado e a Redação fizer seu trabalho direito, constroi-se o maior bem do jornalismo: a credibilidade. E, pelo menos no mundo perfeito, isso deveria ser suficiente para o negócio seguir adiante.

Mas não estamos no mundo perfeito! Há alguns dias, zapeando despreocupadamente pela TV, dei a sorte de cair no começo de “O Informante”, com Al Pacino. Para resumir bastante a história, o filme conta o caso verdadeiro de uma reportagem do “60 Minutes”, da norte-americana CBS, em que um ex-alto executivo da indústria tabagista vem a público e explica, com todas as palavras, como seus antigos colegas deliberadamente manipulam as substâncias químicas nos cigarros para viciar seus consumidores.

Bem, como pode ser visto no trecho abaixo, depois de tudo pronto, a área de negócios da emissora tentou barrar a todo custo a entrevista com o informante, pois ela seria prejudicial à empresa. Só não conseguiu devido à sagacidade e –permitam-me a expressões– aos culhões do produtor, vivido por Pacino.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=ZIjpP-XngKA]

Realmente, fica difícil quando aquela que possivelmente foi a maior reportagem do ano só foi ao ar depois de muita confusão. Mas não sejamos inocentes em acreditar que isso não acontece.

Caímos então em um dilema: no mesmo seminário da ANJ, vários participantes disseram que é necessário que a imprensa volte a ser mais mantida pelo seu próprio público que por anunciantes, mas vivemos uma época em que as pessoas não querem pagar pelo conteúdo que consomem. Trata-se de uma discussão que não cansamos de tratar nesse blog.

Quase cegos

Também participando do evento, Caio Túlio Costa conclamou que as “empresas deveriam fazer operação de catarata!” Não se trata mais de discutir mudanças no modelo de negócios, e sim aceitar e entender que todo o negócio –em muitos de seus itens essenciais– mudou. “Os veículo ainda não entenderam essa nova realidade da informação”, concluiu.

Traduzindo: pode ser razoável que o público mantenha, ainda que não totalmente, a atividade jornalística, garantindo assim a independência e um jornalismo de qualidade (o que, aliás, é de interesse do mesmo público). Mas não dá para simplesmente pedir –ou pior, tentar impor– que as pessoas paguem pelo conteúdo: elas precisam ver valor naquilo, entender por que estão pagando e encontrar um preço que lhe pareça justo. É por isso que simplesmente fechar conteúdos é uma burrice.

Nesse teatro em que os atores não sabem suas falas, vem o The New York Times há alguns meses com uma proposta de “paywall” que, de início, foi motivo de chacota de muita gente. Basicamente, ele permite que se leia, de graça, 20 textos do site a cada 30 dias. Depois disso, tem que se pagar. O desprezo inicial se deve ao fato de o sistema ser facílimo de burlar, além de possuir várias “liberalidades” em seu conceito. Apesar disso, o NYT vem comemorando resultados muito surpreendentes: de um lado, a queda na visitação de seu site foi considerada aceitável; do outro, aumentou consideravelmente o volume de assinantes do site… e do jornal impresso!

Como isso foi possível? Pela combinação do melhor jornalismo independente do mundo com preços muito baixos. US$ 0,99 por semana para ter acesso ilimitado a todos os produtos digitais do NYT nas primeiras quatro semanas e US$ 35 por mês depois disso? E você ainda recebe o jornalão impresso em casa! É um valor razoável. Não obstante, eles realizaram uma pesada campanha de conscientização para justamente demonstrar que o jornalismo independente precisa do apoio do seu público.

As empresas de comunicação, especialmente a mídia impressa, estão rezando para essa “moda” pegar. Afinal, o dinheiro vindo da publicidade não para de minguar e fica cada vez mais difícil fechar as contas. São necessárias outras formas de fomentar o negócio. Mas temo que vejam apenas a parte do “conteúdo fechado” sem ver todo o resto do trabalho da turma do NYT. Repito: apenas fechar o conteúdo e esperar que o usuário pague por ele é um tiro na cabeça. Sempre existirá conteúdo grátis (e –sim– de qualidade) na rede.

No dia 5 de outubro, enquanto dava uma aula em um curso de extensão da PUC-SP, um aluno me indagou se esse modelo daria certo no Brasil?

Acho que sim. Você não pagaria R$ 1 por semana para garantir um jornalismo de qualidade para você?

A aposta de Murdoch no iPad

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Rupert Murdoch prepara o lançamento do The Daily, um diário que só existirá no iPad, mas que mimetiza um jornal impresso

Rupert Murdoch prepara o lançamento do The Daily, um diário que só existirá no iPad, mas que mimetiza um jornal impresso

Nos últimos dias, a mídia especializada deu grande destaque ao novo veículo que Rupert Murdoch, presidente da News Corporation, proprietária do The Wall Street Journal, está criando. Batizado de The Daily, o periódico deve ser lançado no início de 2011, será tocado por uma redação de cem jornalistas, alguns deles grandes nomes do mercado americano, e começa com uma injeção inicial de US$ 30 milhões.

Até aí, no big deal. O que torna The Daily realmente único é o fato de que ele será publicado apenas no iPad. Nada de versão na Web e muito menos em papel. Murdoch, um sujeito que, se pudesse, acabaria com a Internet só porque ela atrapalha o que ele realmente gosta de fazer, que são os jornais, e que vem buscando há meses (anos?) um modelo de negócios substituto para o papel, parece tê-lo encontrado no incensado tablet da Apple.

The Daily pode dar certo. Primeiramente porque o mogul australiano da mídia conta com o apoio do próprio Steve Jobs, CEO da Apple, para criar um produto que realmente tire proveito dos encantadores recursos do iPad, fugindo da mesmice, das limitações e da sem-gracisse dos produtos editoriais lançados até agora para o tablet (nota do editor: Jobs publicamente detesta o aplicativo para iPad do The New York Times, arquirrival do The Wall Street Journal).

Além disso, usuários do iPad adoram consumir aplicativos que tornem a sua experiência com o tablet melhor. E, nesse ponto, os US$ 0,99 que o veículo cobrará por semana são uma pechincha. Como conseguiram a mágica de cobrar tão pouco? Bom, como expliquei no meu post anterior, 80% dos custos de produção de um jornal são “desperdiçados” em coisas como papel, impressão, distribuição, infra-estrutura monumental… Apenas 20% são investidos naquilo que as pessoas realmente consomem, ou seja, conteúdo editorial. Criando um veículo que roda apenas no iPad, Murdoch elimina a maior parte desses custos “extras”.

Steve Jobs, CEO da Apple, que está empenhado em criar um The Daily que tire bom proveito dos recursos do iPad

Steve Jobs, CEO da Apple, que está empenhado em criar um The Daily que tire bom proveito dos recursos do iPad

A expectativa da News Corp. é chegar a 500 mil assinantes do The Daily em cinco anos. Se isso acontecer, isso passa de US$ 25 milhões em receitas de assinaturas anuais. Ok, um terço deve ficar com a Apple, mas, somadas às receitas de publicidade, The Daily deve ser financeiramente saudável. Se a Apple ainda trouxer o aplicativo pré-instalado no iPad, a quantidade de usuário pode ser ainda maior (tai a Microsoft que não me deixa mentir quando o assunto é pré-instalar programas no sistema operacional para ganhar mercado).

Mas nem tudo são flores no novo rebento de Murdoch. Se, por um lado, o modelo de negócios parece consistente, não posso dizer o mesmo do produto em si. Especialmente porque se trata de um jeito novo de se entregar notícia velha. Apesar de não ser impresso em árvores mortas, The Daily insiste no velho modelo do jornal diário de abrangência nacional: você baixa a edição de hoje, que traz notícias de ontem. As atualizações só virão amanhã… e com notícias de hoje. Nada de noticiário atualizado ao longo do dia. E muito menos pense em um noticiário personalizado, outra demanda que está explodindo entre os internautas.

Além disso, ele não oferecerá link para nada na Internet: todo o conteúdo será fechado nele mesmo. E, claro, ninguém dará link para ele, já que se trata de um aplicativo, e não de um site. De novo, The Daily fica mais parecido a um impresso e menos digital.

Por fim, The Daily pode enfrentar concorrência no próprio iPad de sites com conteúdo de qualidade e grátis, assim como os jornais de Murdoch enfrentam há anos na Web. Já se observam sites que começam a oferecer na Web produtos criados especificamente para iPhone e iPad, o que implica inclusive em alternativas ao uso do Flash, que os irritantes da Apple baniram de seu ecossitema. E aí, The Daily ficará ainda mais com cara de um jornal lento e pesadão.

Moral da história: por mais bem feito que a turma da Apple consiga criar o The Daily, eu diria que as suas chances residem muito mais em seu modelo comercial que editorial, que não me convence. É uma tremenda aposta de Murdoch, um dos maiores representantes de uma indústria que, especialmente nos EUA, agoniza. Mas eu sinto cheiro de naftalina: Naftalina for iPad.

Então como deve ser o jornal do futuro?

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No meu último post, comentei a minha decepção diante do “jornal do futuro” que a Folha de S.Paulo tanto propagandeou e finalmente lançou no dia 23 de maio. Depois da grande campanha de marketing, anunciando uma nova forma de se ler jornal, inclusive fazendo referência a downloads e ao iPad, esperei que a Folha pudesse, afinal, criar algo inovador, pelo menos no caminho do que realmente deveria ser um “jornal do futuro”, ainda que não tivesse chegado lá. Mas realmente a coisa não passava de um simples golpe publicitário, como já expliquei.

O post teve boa repercussão e várias pessoas vieram falar comigo sobre o que, afinal, deveria ser um “jornal do futuro” (insisto nas aspas). Para mim, algumas características seriam essenciais:

  • noticiário personalizado a partir da reorganização do material segundo critérios de relevância do usuário (e não apenas “leitor”), explicitamente informados com antecedência ou coletado a partir da navegação e das relações desse usuário com outros conteúdos e outras pessoas;
  • conteúdo realmente multimídia e interativo (concebido assim desde a pauta);
  • experiência informativa expandida com recursos de toda a Web, e não apenas com produtos da publicação ou de produtos da mesma empresa;
  • possibilidade de participação efetiva do usuário, muito além dos comentários observados hoje em alguns sites;
  • fim do “conteúdo fechado a assinantes”, adotando novos modelos de negócios que privilegiem usuários pagantes sem penalizar os não-pagantes;
  • produção de um produto jornalístico que transcenda diferentes mídias, tirando proveito do que cada uma tem de melhor, a despeito da mera transposição de conteúdo da “mídia de origem” (basicamente impresso ou TV) para a Web, como se vê majoritariamente hoje.

Hoje troquei rapidamente algumas palavras com Beth Saad (@bethsaad), a partir de um twit seu que justamente levantava a discussão da leitura de notícias no iPad, dando link para um texto que fazia referências ao uso de applications para uma experiência mais rica nisso. Interessante que, há algumas semanas, venho debatendo isso com Everson Siqueira (@eversonsiqueira) o uso dos mesmos apps para criar produtos editoriais mais ricos para essas novas plataformas, além de simples e-books. Um exemplo interessante é o Alice for iPad.

Algo que não vi ainda ninguém fazendo para valer é alterar os seus meios de produção para separar o conteúdo da forma, a exemplo que os desenvolvedores da Web já vêm fazendo há alguns anos, com a popularização do uso de CSS. Basicamente a ideia é produzir o conteúdo apenas uma vez, publicando-o sem qualquer espécie de formatação e enriquecimentos, que seriam acrescentados dinamicamente no momento da “saída”, seja no papel, seja na Web, seja em um smartphone, seja em um e-reader, seja no que mais aparecer por aí. Dessa forma, o conceito de transposição de mídias dá lugar a um “write once, run many” (sim, emprestei o slogan do Java, que ilustra bem o conceito).

Tenho ventilado aqui e ali a ideia. Admito que é bastante ousada. Mas, combinada aos itens acima, pode finalmente produzir o jornal do futuro (agora sem as aspas).

O futuro do jornal do futuro

By | Jornalismo | 5 Comments
A primeira página da primeira edição do "Jornal do Futuro"

A primeira página da primeira edição do "Jornal do Futuro"

Ontem, domingo, eu fiz duas coisas que não fazia há muito tempo: li a Folha de S.Paulo em papel, e ainda por cima paguei por isso! Fui até a minha banca preferida e comprei o diário, que me surpreendeu logo de cara, pois era uma edição que não tinha primeira página. Quer dizer, ela estava, na verdade, quatro páginas depois da publicidade associada ao “jornal do futuro”, que estreou nesse domingo, e que me motivou a comprar o diário.

Tinha que ver de perto o que era esse tal de jornal do futuro, sobre o qual vinha sendo bombardeado por publicidade em várias mídias há dias. Tinha que analisar isso com isenção. E tenho que admitir que guardava uma esperança de que a Folha, onde minha vida como jornalista começou, realmente tivesse conseguido criar algo inovador, um verdadeiro jornal do futuro, algo que nenhuma grande casa editorial ainda conseguiu fazer convincentemente no mundo.

Li o editorial, o ombudsman e uma pequena retranca no primeiro caderno sobre o assunto. Li o caderno especial detalhando a novidade. Assisti ao making-off de 18 minutos (muito bem produzido, por sinal, mas que não possui um link externo como os do YouTube: DUH!). Naveguei pela Folha.com (novo nome da Folha Online). Vim, vi, mas não venci… Minha esperança virou desilusão. O jornal do futuro não passava de um miserável golpe de marketing, que me fez comprar o jornalão de domingo.

Justiça seja feita: duas importante mudanças aconteceram. A primeira: consolidou-se a integração entre as redações “online” e “impressa”, algo que não dava para acreditar que ainda não tinha sido feito, em nome da qualidade, agilidade e economia. Todo veículo jornalístico deveria integrar todas as equipes de suas diferentes mídias (um viva à BBC!). A segunda mudança é a reforma –mais gráfica que editorial– que literalmente salta aos olhos. Não se pode negar que, nesse quesito, o trabalho foi bem feito, conduzido por um pessoal muito bom.

Mas continuei procurando o tal jornal do futuro. E a última coisa que li foi o artigo de Otávio Frias Filho, que abre a última página do caderno que explica as mudanças. E fiquei bastante triste ao constatar que o que existe, por trás de todo esse verniz, é uma mentalidade de jornal do passado.

No meio de várias afirmações corretas, o diretor da Folha reforça as paliçadas em torno de seu castelo. Rejeita as virtudes do jornalismo cidadão, classificando-o com termos como “qualidade discutível”, “pirataria”, “de alcance limitado” ou “eivado de entretenimento, culto à celebridade, inconseqüência”. Mais que isso, fez coro na banda de Rupert Murdoch, cantando seu refrão de que bom jornalismo só pode ser feito depois de muito investimento. Em nenhum momento, discutiu mudanças no seu modelo de negócios ou modelo editorial.

Onde está o jornal do futuro nessas palavras? Não sou um defensor cego da blogosfera: tenho consciência que se encontra nela muito mais coisas ruins que boas, mas existem coisas MUITO boas ali, jornalismo de altíssima qualidade produzido a um custo irrisório. Por outro lado, estou cansado de ver a grande imprensa, portanto os eleitos para produzir jornalismo de qualidade segundo a tese de Otávio, dando contínuas demonstrações de antijornalismo, como a capa da Veja desta semana (de novo!).

Na sexta passada, conversava com o ex-country manager local de um dos maiores fabricantes de computadores do mundo sobre o início do jornalismo na Internet. Contei-lhe de como foi tão difícil colocar a mesma Folha na Web lá em 1995, ao que ele me respondeu: “mas você deveria ter conversado com o Luís (Frias), que rapidamente entenderia a sua proposta.” E reproduziu algo que o mesmo Luís lhe disse na época, uma máxima do jornalismo impresso que insistem em transpor para a Internet: “as pessoas ainda querem que alguém lhes diga o que devem ler”.

È verdade, a mais absoluta verdade. A “desgraça”, para nós jornalistas, é que, já há alguns anos, não detemos mais a exclusividade desta função. Cada vez (muito) mais, quem determina o que nós “devemos” ler são os nosso amigos, as pessoas em quem confiamos. Ganha relevância no nosso dia a dia o que essas pessoas, em quem confiamos, consideram relevante, em um efeito cascata interminável. E o Google e o Facebook estão aí para não me deixar mentir.

Fica aqui, portanto, o meu triste (mas não solitário) protesto ao “jornal do futuro”. Esperava –desejava verdadeiramente– que a Folha tivesse conseguido romper essa mentalidade revanchista, criando algo que realmente pudesse indicar um caminho que a mídia –e não apenas a impressa– pudesse trilhar para sair dessa crise em que ela mesma se meteu por turrona. Mas não. Perderam a oportunidade. Nem me dão jeito para incluir o seu belo making-off aqui neste post. E, portanto, não vou dar link para ele.

Dividir para conquistar

By | Tecnologia | One Comment

Entrei recentemente em uma discussão sobre se seria possível obter ISBN para conteúdos publicados na Web. O objetivo de quem perguntava era, de alguma maneira, garantir os direitos autorais sobre esse conteúdo. Argumentei que a única maneira de impedir que ele seja copiado é não o publicando, especialmente na Web. Mas a questão estava posta e era pertinente.

Para garantir a autoria (o que não tem nada a ver com impedir a cópia), sugiro Creative Commons. O ISBN, por sua vez, não garante absolutamente nada justamente quando o assunto é cópia do conteúdo. Já não garantia quando os livros eram apenas impressos, que dizer agora que eles estão digitalizados, algo que viabiliza cópias rigorosamente fiéis, de maneira extremamente simples e a custo zero.

O grande desafio que a Web coloca em pauta é encontrar modelos de negócios para esta nova realidade. Não acredito que vá acontecer o que alguns arautos do apocalipse pregam, de que a cópia de conteúdos vai matar o interesse dos autores dos mais diferentes tipos de obras, e que, portanto, estaríamos rumando para uma espécie de nova Idade das Trevas.

Vários autores já estão aí no mercado me impedem de dizer o contrário. Curiosamente, esse movimento é notado especialmente em nomes distantes dos medalhões acadêmicos, mas não necessariamente desconhecidos do público. O melhor exemplo que me ocorre é a banda tecno-brega Calypso, popularíssima (mas não entre a classe intelectual), que eliminou a figura da indústria fonográfica, produzindo inteiramente os seus CDs e os vendendo em camelôs a preços baixíssimos. Quanto ao download de suas músicas, eles querem mais é que isso prospere!

Não, eles não enlouqueceram, apenas perceberam -e entenderam- os movimentos do mercado e estão surfando neles agora. As gravações -em discos ou em arquivos- passam a ser apenas agentes promotores de seu trabalho, que é música. Sim, eles ganham dinheiro também com os seus CDs e DVDs baratos (inclusive porque eliminaram vários “custos” da cadeia, principalmente a indústria fonográfica tradicional), mas ganham muito mais arrastando multidões apaixonadas a seus shows. Ah, também produzem discos e shows patrocinados, outro belo filão que exploram muito bem.

Voltando ao mercado de livros, onde a conversa começou (ISBN é só para livros, em papel ou e-books), vejo cada vez mais autores que oferecem -eles mesmos- o download da íntegra de seus livros de graça, enquanto vendem (e vendem!) o mesmo livro em papel. Outro fenômeno cada vez mais comum são ofertas gratuitas de livros para download -inclusive de autores consagrados- para promover a venda de outros títulos do mesmo autor. E -claro- os livros digitais obrigatoriamente têm que ser (muito) mais baratos que a mesma edição em papel.

Com essas mudanças nos modelos de negócios e as facilidades de produção e de custo que a mesma tecnologia oferece aos autores, quem caminha rumo ao ostracismo são as editoras (não apenas de livros). E isso acontece não porque elas não tenham nada de positivo a oferecer ao processo, e sim por sua teimosia em resistir ao inevitável. Essa visão obtusa dos fatos dilui todos os seus referidos benefícios, que acabam ficando muito caros aos autores e principalmente aos consumidores. E acreditem: os autores preferem ter consumidores a editores.

Há dois meses, conversei com um diretor da Abril Educação sobre esse assunto e ele me confidenciou que, se as editoras não mudarem já, em dez anos ninguém mais precisará delas. Eu acho que elas já estão atrasadas! E, quando isso acontecer, elas serão as únicas culpadas pela sua derrocada. Exatamente a situação em que a indústria fonográfica se colocou e da qual não consegue mais sair. Tentaram segurar uma locomotiva desgovernada com advogados nos trilhos, processando os seus próprios consumidores. Resultado: CDs se transformando em itens de museu. Mas a música vai muito bem! Só que sem eles.

Essa nova era, que tanto amedronta, é na verdade uma incrível oportunidade para as pessoas que realmente são boas. Elas terão uma possibilidade inédita de despontar e ganhar muito dinheiro com isso. Mas farão isso compartilhando, não restringindo. Não há nenhuma nova Idade das Trevas no horizonte, e sim um novo Renascimento.

A Microsoft consegue bancar um bloqueio ao Google?

By | Jornalismo, Tecnologia | No Comments
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Há cerca de um mês, começaram a pipocar aqui e ali rumores sobre um suposto acordo que, de tão bizarro, parecia mais um daqueles boatos disseminados pela Internet. Mas de boato, eles não tinham nada. O fato é que a Microsoft está em sérias conversações com a News Corp. O objetivo: a turma de Steve Ballmer pensa em pagar para que a de Rupert Murdoch impeça que o conteúdo de suas publicações –o que não é pouca coisa, incluindo aí o The Wall Street Journal– seja indexado pelo Google, passando a ser encontrado apenas no Bing, o novo buscador da Microsoft.

Tirar o seu conteúdo do Google para deixá-lo restrito ao Bing, que mal faz cócegas ao primeiro? Provavelmente todas as pessoas, exceto as envolvidas no acordo, diriam que isso é uma enorme estupidez. Afinal, como apontou recentemente a consultoria Experian Hitwise, 21% de TODO o tráfego de sites de jornais vem do Google, contra míseros 2% do Bing. Essa troca de conteúdo por tráfego seria o “uso justo”, que embasa a defesa do Google no assunto.

Mas, para Rupert Murdoch, a idéia parece fazer sentido. Já há bastante tempo, ele classifica os buscadores –especialmente o Google– como ladrões, com todas as letras e sem aspas. Isso pode ser visto, por exemplo, no vídeo acima. Mas, se agora um buscador quer justamente pagar pelo conteúdo, a coisa muda de figura.

Já a Microsoft parece estar disposta a usar de força monetária bruta para tentar fazer o Bing decolar. No seu raciocínio, se o internauta só encontrar conteúdos relevantes no seu produto, pode deixar de usar o Google. Tanto é assim que a turma de Redmond estaria tendo conversas de teor semelhante com outros grupos de mídia, em uma tentativa de pegar só para si o conteúdo que fosse realmente útil, deixando ao Google os “restos”.

Parece fazer sentido. Onde está a falha nesse conchavo?

Já em 2005, eu dizia aos meus alunos do curso de Jornalismo da Metodista que um dos maiores desafios que eles enfrentariam era o fato de que (já naquela época) o que nós produzimos havia virado commodity.

Do lado da News Corp. aí está a falha. Eles produzem um bom conteúdo? Certamente sim. Eles são os únicos capazes de fazer isso nesse nível? Certamente não. Ainda é preciso ter muito dinheiro para fazer jornalismo de alta qualidade? Certamente NÃO: por isso a News Corp. e a grande mídia concorrem com uma legião de indivíduos e pequenas empresas pela audiência e pelo bolo publicitário.

Já do lado da Microsoft, a falha é: a Internet é grande demais para ser comprada. Essa estratégia teria alguma chance de dar certo se todos os grandes produtores de mídia abraçassem a idéia, mas vários deles já anunciaram que não vão entrar nesse barco furado. Para eles (e para mim), as pessoas não deixarão de usar o Google se o conteúdo da News Corp e de um punhado de outros reacionários não aparecer mais em seus resultados. Se entrassem, eles não apenas não lucrariam com o inexpressivo Bing, como perderiam a chance de monetizar o tráfego que receberiam do Google.

Há ainda uma “continha básica” a ser feita. Apesar da gritaria de Murdoch, suas publicações efetivamente fazem dinheiro com os internautas que o Google lhes envia. Podem ser migalhas individualmente, mas 21% de todo o seu tráfego está longe de ser café pequeno. Perder esse tráfego do Google e o dinheiro associado para migrar ao Bing só faz sentido se a Microsoft bancar essa diferença com vantagens para a News Corp. Mesmo para a gigante de Redmond, até quando eles estarão dispostos a fazer isso, já que seus ganhos não devem ser proporcionalmente expressivos? E ainda querem fazer o mesmo para um grande número de grupos de mídia? Eu chamo isso de dumping.

Honestamente, Murdoch pode até achar o Google uma empresa bandida conduzida por moleques irresponsáveis. E daí? Em uma nova ordem mundial da mídia, onde o conteúdo por si só perdeu completamente o valor (algo que ele, como dono desse império, se recusa a aceitar), provavelmente tem muito a aprender com eles. Isso sim é fazer negócio.

O impresso digital da Folha e seus assinantes

By | Jornalismo, Tecnologia | 7 Comments

As diferentes Folhas na Internet: a Online, a "na Web" e a Digital

As diferentes Folhas na Internet: a Online, a "na Web" e a Digital

No último domingo (13), a Folha lançou a versão digital do jornal impresso. Para quem ainda não viu a novidade, não se trata da transposição do texto e algumas imagens do jornal para páginas Web, que ajudei a criar em 1995 e que (inacreditavelmente) ainda continua no ar, ou da Folha Online, um outro veículo, com vida própria na Internet. O lançamento é uma reprodução fiel na tela das páginas do jornal, incluindo fotos, artes e até anúncios.

 

O diário da Barão de Limeira se vale da tecnologia Digital Pages, da empresa Futureway, que ganhou destaque com sua adoção há alguns anos pela revista Info, da Abril, e que também está presente no principal concorrente da Folha, o Estadão. Apesar de, a princípio, ser interessante ver na tela o jornal, especialmente para quem não pode colocar as mãos nele, considero isso contraditório: por que ver na Internet notícias “velhas”, do dia anterior? Além disso, não é possível acomodar na tela uma página standard com boa leitura: é preciso dar um zoom e ficar arrastando com o mouse a janela para se ler o conteúdo, um processo moroso.

Esse pessoal está dando uma nova dimensão a um termo que eu cunhei lá pelos idos de 2003: o “impresso digital”, ou seja, a publicação na Web de conteúdo sem tirar proveito dos recursos que essa mídia oferece. Esse mal atinge principalmente casas de comunicação de produtos impressos. Cheguei a escrever um artigo no Observatório da Imprensa em 2005 sobre o assunto.

Murilo Bussab, diretor de Circulação do jornal, justifica o novo produto como uma tentativa de “atender um público que busca aliar as vantagens do jornal impresso, como hierarquização de notícias, diagramação, infográficos e fotografias, com a velocidade, praticidade e interatividade que a internet e os meios eletrônicos permitem.” Me desculpem, mas esse senhor não quer ver o que acontece no mundo. Suas notícias “velhas” são liberadas apenas às 5h30 do dia seguinte e justamente NÃO aproveitam os benefícios da Internet. Exatamente o oposto do que alardeou.

Mas o que mais me assusta nessa iniciativa da Folha não é o seu impresso digital, e sim seu modelo de negócios. Assim como acontece com a velha Folha na Web, a novidade em breve será uma exclusividade para assinantes (o produto está aberto por 30 dias). Ao invés de procurar modelos alternativos para garantir a continuidade do título, insistem em um modelo moribundo internacionalmente, que está matando o jornal impresso também no Brasil. A própria Folha, ainda o diário de maior circulação no país, está agora com uma tiragem média de “apenas” 297 mil exemplares. É muito pouco para um veículo que já rompeu a marca de um milhão em tiragem média. Vivo cercado de jornalistas e cada vez menos vejo colegas assinando veículos, especialmente impressos.

O que a Folha espera? Que fechar seu conteúdo a assinantes aumente a tiragem de sua versão distribuída em árvores mortas? Essa visão de que se é dono de um produto premium e que liberá-lo na Web diminuirá seu valor é um duplo equívoco histórico que as grandes casas de comunicação insistem em cometer. Pior que isso: especialmente nos EUA, onde a crise na mídia bateu com mais força, os executivos estão endurecendo e fechando seu conteúdo. Eles se recusam a aceitar o fato de que existe muita gente produzindo conteúdo tão bom (ou melhor) quanto o deles na Web. E de graça.

Ironicamente, há duas semanas recebi uma ligação do telemarketing da Folha me oferecendo a assinatura do jornal, pela qual pagaria apenas a “taxa de envio” nos primeiros três meses. Curiosamente, ela era praticamente o valor de uma assinatura “cheia”. Oras, de duas uma: ou estão dando de graça o seu produto ou estão me enrolando. Receio que seja uma combinação das duas coisas. O Estadão, por sua vez, lança uma campanha em que o assinante diz quanto quer pagar pela assinatura no primeiro mês.

No final, estamos pagando pelo papel jornal. Só o papel. Nas entrelinhas dessas campanhas de assinatura, o conteúdo já virou commodity. A Folha de S.Paulo deveria olhar mais para sua irmã REALMENTE digital -a Folha Online- e tratar de aprender algo com ela.

Another one bites the dust… now

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Tucson não foi grande o suficiente para manter dois jornais impressos diários, a mesma conversa ouvida em Denver no fim de fevereiro

Tucson não foi grande o suficiente para manter dois jornais impressos diários, a mesma conversa ouvida em Denver no fim de fevereiro

No dia 16 de março, publiquei aqui no Macaco Elétrico um post comentando a notícia de que o Tucson Citizen fecharia as suas portas no dia 21 daquele mês, depois de agonizar por dois meses atrás de um comprador que acabou não aparecendo. Bem, na verdade o fim ainda foi prolongado por outros dois meses, até que a edição final fosse publicada apenas neste sábado, dia 16 de maio, 138 anos, sete meses e um dia após a primeira edição.

“Mudanças dramáticas em nossa indústria combinadas com dificuldades econômicas particularmente nessa região tornaram inviável a produção de dois jornais impressos diários em Tucson”, sentenciou Bob Dickey, presidente da divisão de publicações comunitárias da Gannett Co., proprietária do Citizen. Discurso semelhante já havia sido usado pela E.W. Scripps Co. ao anunciar o encerramento das operações do seu Rocky Mountain News, de Denver, no dia 26 de fevereiro, a míseros 55 dias de completar 150 anos de jornalismo. Lá, sobrou o The Denver Post, da MediaNews Corp, que acaba de anunciar que pretende restringir o conteúdo online de seus 53 jornais a usuários pagantes.

De volta a Tucson, a equipe do Citizen (e até mesmo alguns cidadãos) ainda procura uma maneira de manter o veículo vivo, mesmo que seja apenas online. Parece a repetição da história de ex-funcionários do Rocky que tentaram captar para si os espólios do finado em uma nova publicação exclusivamente digital, o InDenverTimes.com. Para isso, propuseram um modelo de assinaturas que não vingou, pois mais parecia um “patrocínio” de cidadãos simpatizantes que um modelo de negócios bem montado. Apesar do fracasso, ainda não desistiram e procuram agora outro modelo. Espero que sejam bem-sucedidos, servindo de inspiração aos colegas de Tucson e de todo mundo.

A turma do conteúdo fechado bate o bumbo

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Singleton engrossou o coro dos que querem restringir o conteúdo online a pagantes

Singleton engrossou o coro dos que querem restringir o conteúdo online a pagantes

Primeiro foi Rupert Murdoch, presidente da News Corporation, proprietária do The Wall Street Journal. Agora foi a vez de William Dean Singleton, presidente do conselho da Associated Press e CEO da MediaNews Corp, que publica 53 jornais nos EUA. Os dois são as mais proeminentes vozes do coro cada vez mais forte de publishers que pregam que não é mais possível oferecer de graça do seu conteúdo na Internet.

Isso contraria o senso comum vigente, que prega que novos modelos de negócios sejam perseguidos para compensar as quedas nas receitas publicitárias das edições impressas dos veículos. Apesar de a publicidade online estar aumentando, ela não cobre o rombo deixado pelas perdas do impresso.

No dia 7 de maio, Murdoch afirmou publicamente que a News Corp está desenvolvendo um sistema de micropagamento para que os internautas tenham a possibilidade de pagar individualmente por artigos ou serviços de seus veículos online, começando justamente pelo WSJ. No dia seguinte, Singleton enviou um memorando aos funcionários do MediaNews Corp pregando o mesmo caminho. O memorando foi republicado no mesmo dia na coluna de Jim Romenesko no site do Poynter Institute’s.

“Nós continuamos a praticar uma injustiça com nossos assinantes de impressos e a criar a percepção de que nosso conteúdo não tem valor ao colocar online todo o nosso conteúdo impresso de graça”, escreveu Singleton. “Isso não apenas erode nossa circulação impressa, desvaloriza a essência de nosso negócio –o grande jornalismo local que nós (e só nós) produzimos diariamente.”

Nesse momento de crise, é grande a chance dessa tendência de retrocesso vingar. Sem fazer muita força, parece mesmo que faz sentido. Mas, se você concorda com eles, permita-me discordar: acredito que se trata de um movimento de recrudescimento em torno da incapacidade de se adaptar a uma nova realidade econômica. Não estou dizendo, de forma alguma, que empresas ou profissionais trabalhem por amor à arte, pois nem relógio funciona de graça. Mas, ao fechar o conteúdo para tentar fechar o balanço, as empresas perdem a chance de levar seus produtos jornalísticos a um novo patamar, transformando-os em algo muito melhor para seus consumidores e as próprias companhias.

Modelos alternativos já existem e vêm sendo discutidos aqui mesmo nesse blog. Mas todos eles representam mudanças substanciais em questões essenciais das companhias. Admito que não são fáceis para qualquer um, principalmente para quem tem muito a perder. Espero, entretanto, que a inovação vença a resistência.

WSJ abraça o micropagamento enquanto rejeita Kindle

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Murdoch não está surdo aos movimentos do mercado: adotará o micropagamento e deve lançar seu próprio e-reader em breve

Murdoch não está surdo aos movimentos do mercado: adotará o micropagamento e deve lançar seu próprio e-reader em breve

Enquanto a indústria de mídia discute e discute qual será o seu modelo de negócios do futuro, especialmente para o impresso, o The Wall Street Journal anunciou que está criando um sistema de micropagamento que permitirá que pessoas que não assinem o seu serviço acessem notícias e artigos individualmente, pagando por cada um. Além disso, lançará um serviço Premium que oferecerá o serviço noticioso da Dow Jones. Em tempo: o WSJ é dono de um dos poucos bem-sucedidos casos de assinatura paga na Web, com mais de um milhão de usuários desembolsando US$ 100 por ano pelo acesso.

Rupert Murdoch, dono da News Corporation, que, por sua vez, é dona do WSJ, anunciou que o modelo deve ser ampliado para todos os jornais do grupo. Para o mogul das comunicações, a era do conteúdo online grátis logo acabará. Murdoch lidera a resistência dos descontentes com o jeito que a notícia virou commodity com a Internet e condena serviços como o Google News, que cria publicações agregando conteúdos de diferentes fontes.

A metralhadora giratória não poupa nem o Kindle, que acaba de ter uma terceira versão –a DX– anunciada e vem ganhando manchetes como uma possível maneira de se distribuir os “jornais do futuro”. Tanto que o The New York Times –concorrente da News Corp– é uma das estrelas de seu portfólio. “Não vamos dar o nosso conteúdo à boa gente que produz o Kindle”, disparou Murdoch recentemente.

Isso não quer dizer que ele seja contra os e-readers, como o produto da Amazon. Na verdade, o próprio empresário já ventilou que seu conglomerado de mídia estaria desenvolvendo o seu próprio equipamento. Claro, ele não quer dividir a sua margem com outros: o mercado especula que a Amazon fique com 70% do valor das assinaturas de periódicos baixados e lidos pelo Kindle. Nesse sentido, a resistência de Murdoch é compreensível. Mas a News Corp terá força para, por si só, criar uma alternativa viável de produto? De todo jeito, teria que se associar a algum concorrente da Amazon, pois, por mais que confie na qualidade e relevância de seu conteúdo, ele não é suficiente para abocanhar uma fatia significativa desse mercado. A própria Sony, que já está na estrada com o Reader, pena para fazer frente ao Kindle.

Claro, são apostas.Murdoch está fazendo as deles corajosamente, mas muita água ainda vai passar por baixo dessa ponte. Ele está certo em se posicionar logo e, se as suas idéias se transformarem no modelo vencedor, a News Corp aumentará a sua influência de uma maneira decisiva.