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Neo luta contra o Agente Smith em “Matrix Revolutions” (2003): mundo digital criado para iludir a humanidade - Foto: divulgação

Se deixarmos, a inteligência artificial escolherá o próximo presidente

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Nas eleições de 2018, eu disse que o presidente eleito naquele ano seria o que usasse melhor as redes sociais, e isso aconteceu. Em 2022, antecipei a guerra das fake news, que iludiram o eleitorado. Para o pleito de 2026, receio que a tecnologia digital ocupe um espaço ainda maior em nossas decisões, dessa vez pelo uso irresponsável da inteligência artificial.

Não estou dizendo que a IA escolherá por sua conta qual é o melhor candidato. A despeito de um medo difuso de que máquinas inteligentes nos exterminem, isso não deve acontecer porque, pelo menos no seu estágio atual, elas não têm iniciativa ou vontade própria: fazem apenas o que lhes pedimos. Os processos não são iniciados por elas. Temos que cuidar para que isso continue dessa forma.

Ainda assim, a inteligência artificial generativa, que ganhou as ruas no ano passado e que tem no ChatGPT sua maior estrela, atingiu um feito memorável: dominou a linguagem, não apenas para nos entender, mas também para produzir textos, fotos, vídeos, músicas muito convincentes.

Tudo que fazemos passa pela linguagem! Não só para nos comunicar, mas nossa cultura e até nosso desenvolvimento como espécie depende dela. Se agora máquinas com capacidades super-humanas também dominam esse recurso, podemos ser obrigados a enfrentar pessoas inescrupulosas que as usem para atingir seus objetivos, a exemplo do que foi feito com as redes sociais e com as fake news.


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A inteligência artificial não sai das manchetes há seis meses. Mesmo com tanta informação, as pessoas ainda não sabem exatamente como funciona e o que pode ser feito com ela. E isso é um risco, pois se tornam presas daquele que entendem.

É aí que mora o perigo para as eleições (e muito mais), com o uso dessa tecnologia para iludir e convencer. “No Brasil, as próximas eleições presidenciais serão daqui a três anos, e a tecnologia estará ainda mais avançada”, afirma Diogo Cortiz, professor da PUC-SP e especialista em IA. “A gente vai partir para um discurso não só textual, mas também com vídeo, som, fotografias ultrarrealistas, que farão ser muito difícil separar o real do que é sintético”, explica.

Não nos iludamos: vai acontecer! Esse é o capítulo atual do jogo em que estamos há uma década, em que a tecnologia digital é usada como ferramenta de convencimento. E, como sempre, ela não é ruim intrinsicamente, mas, se não houver nenhuma forma de controle, pessoas, empresas, partidos políticos podem abusar desses recursos para atingir seus fins, até de maneira criminosa.

Entretanto, não somos vítimas indefesas. Da mesma que esses indivíduos não deveriam fazer esses usos indecentes da tecnologia para nos manipular, cabe a cada um de nós usá-la conscientemente. Por mais que pareça mágica ao responder a nossos anseios de maneira tão convincente, ela erra, e muito! Por isso, não podemos pautar decisões importantes no que a IA nos entrega sem verificar essas informações.

O ser humano sempre teve medo de ficar preso em um mundo de ilusões. O filósofo e matemático grego Platão (428 a.C. – 348 a.C.) antecipou isso em seu “Mito da Caverna”. Nos dias atuais, o assunto permeia a ficção, como na série de filmes “Matrix”, curiosamente um mundo falso criado por máquinas para iludir a humanidade.

 

Intimidade com a máquina

Há um outro aspecto que precisamos considerar. Assim como a IA primitiva das redes sociais identifica nossos gostos, desejos e medos para nos apresentar pessoas e conteúdos que nos mantenham em nossa zona de conforto, as plataformas atuais também podem coletar e usar essa informação para se tornarem ainda mais realistas.

Hoje vivemos no chamado “capitalismo de vigilância”, em que nossa atenção e nosso tempo são capturados pelas redes sociais, que os comercializa como forma eficientíssima de vender desde quinquilharias a políticos.

Com a inteligência artificial, a atenção pode ser substituída nessa função pela intimidade. “Eu vejo vários níveis de consequência disso: sociais, cognitivos e psicológicos”, afirma Cortiz, que tem nesse assunto um dos pontos centrais de suas pesquisas atuais. “Se a pessoa começar a projetar um valor muito grande para essa relação com a máquina e desvalorizar a relação com o humano, a gente tem um problema, porque essa intimidade é de uma via só: o laço não existe.”

“O cérebro funciona quimicamente, buscando o menor consumo com o maior benefício”, explica Victoria Martínez, gerente de negócios e data science da empresa de tecnologia Red Hat para a América Latina. Para ela, uma das coisas que nos define como humanos é nossa capacidade de pensar coisas distintas, e não podemos perder isso pela comodidade da IA. E alerta do perigo implícito de crianças e adolescentes usarem essa tecnologia na escola, entregando trabalhos sem saber como foram feitos. “É muito importante aprender o processo, pois, para automatizarmos algo, precisamos entender o que estamos fazendo”, acrescenta.

A qualidade do que a inteligência artificial nos entrega cresce de maneira exponencial. É difícil assimilarmos isso. Assim pode chegar um momento em que não saberemos se o que nos é apresentado é verdade ou mentira, e, no segundo caso, se isso aconteceu por uma falha dos algoritmos ou porque eles foram usados maliciosamente.

Isso explica, pelo menos em parte, tantos temores em torno do tema. Chegamos a ver em março mais de mil de pesquisadores, especialistas e até executivos de empresas do setor pedindo que essas pesquisas sejam desaceleradas.

É por isso que precisamos ampliar o debate em torno da regulação dessa tecnologia. Não como um cabresto que impedirá seu avanço, mas como mecanismos para, pelo menos, tentar garantir responsabilidade e transparência de quem desenvolve essas plataformas e direitos e segurança para quem as usa.

Isso deve ser feito logo, e não apenas depois que o caos se instale, como aconteceu com as redes sociais. Agora, no meio do turbilhão, vemos como está sendo difícil regulamentá-las, graças aos interesses dos que se beneficiam dessa situação.

“Por enquanto, nós temos o controle”, afirma Martínez. “Então espero que a democracia não seja dominada por uma máquina.”

É verdade, mas temos que nos mexer. E que isso seja feito pelas nossas aspirações, e não porque algo deu muito errado!

 

Congresso Nacional ao amanhecer

Como diminuir o discurso de ódio

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A eleição passou, a apuração foi concluída e todas as autoridades (cada uma a sua maneira) reconheceram os resultados. Isso seria mais que suficiente para que o processo democrático prosseguisse normalmente. Mas, em um cenário inédito desde a redemocratização do país, parcelas da população se recusam a aceitar os vencedores e ocupam espaços públicos e as redes sociais, exaltados em um ódio que não pode ser ignorado como se fosse birra infantil.

Esse descontentamento tem um considerável potencial de destruição da sociedade. Ele está instalado nesses corações, que entendem que, em nome de sua liberdade e de seus valores, podem, por exemplo, obstruir estradas ou fazer uma perseguição na rua empunhando uma arma. Submete-se, assim, a ordem pública ao que consideram “certo”.

Leis existem para manter a sociedade funcionando, por isso não podem ser ignoradas por conveniência pessoal. O discurso de ódio, disseminado pelo meio digital, é o combustível dessa anarquia. E isso se agrava porque aqueles que se indignam com essas ações inconscientemente aumentam a fervura desse caldeirão, ao usar as mesmas plataformas digitais para distribuir muita ironia e mais ódio.

As redes sociais servem assim a uma “espiral da morte” que traga o Brasil para um caos que só beneficia uns poucos, que vivem dessa desunião. Por isso, se desejamos reencontrar o crescimento, temos que desarmar todos os lados desse conflito.


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Nada disso aconteceu de uma hora para a outra. Tudo é resultado de um processo consistentemente construído ao longo de anos, um storytelling político eficiente que criou uma conexão genuína entre essa parcela da população e diferentes grupos de poder. Os valores e crenças dessas pessoas foram usados para que, sem se darem conta, fossem transformadas em soldados que defendem cegamente seus líderes.

O storytelling é um recurso amplamente usado no marketing e na construção de roteiros de filmes, séries e livros. Essa técnica cria estruturas narrativas com elementos intrínsecos da cultura de um grupo social para construir um vínculo tão forte, que as pessoas compram essas ideias como se fossem suas.

Uma campanha de marketing pontual não tem tempo para criar uma conexão muito forte. Mas, quando o público é bombardeado continuamente por uma mensagem consistente ao longo de anos, essa ligação pode se tornar inquebrantável, manifestando-se nos mais diferentes aspectos da vida do indivíduo.

Além dos casos já citados, ao longo da semana passada assistimos a muitas outras atitudes que beiram o bizarro, até mesmo na educação, onde deveria primar o debate sadio e o domínio da ciência. Por exemplo, um dia após a eleição, uma professora doutora em química da Unifap (Universidade Federal do Amapá) enviou mensagens a dois alunos dizendo que eles deveriam buscar outro orientador, pois ela “não queria esquerdistas no laboratório”, concluindo que “ou estão comigo ou contra mim”. Depois de a reitoria da instituição repudiar a postura da professora, ela pediu desculpas publicamente, dizendo que “no calor das eleições, se excedeu nas palavras”.

Isso afeta também adolescentes e até crianças. Vários casos de agressões verbais e físicas, assédio e racismo foram relatados nessa semana. Os jovens replicam o posicionamento de seus pais, muitas vezes sem compreender o que estão fazendo.

Em um caso de grande repercussão, na noite de domingo, alunos do Colégio Porto Seguro de Valinhos (SP) criaram um grupo de WhatsApp chamado “Fundação Anti Petismo”, que chegou a reunir 30 adolescentes. Nele compartilharam mensagens de ódio contra petistas, nordestinos, negros e mulheres, além de fazer apologia ao nazismo. Ainda propuseram uma “reescravização do Nordeste”, e fizeram ofensas racistas e ameaçaram um colega negro que havia declarado apoio ao candidato Lula. A escola acabou expulsando oito alunos envolvidos no caso.

Que país podemos esperar no futuro, quando suas crianças são criadas com ódio já na mamadeira?

 

A Jornada do “Herói”

Outro recurso amplamente usado por roteiristas também foi adaptado pela política: a “Jornada do Herói”. Trata-se de um conceito apresentado pelo mitólogo americano Joseph Campbell em 1949, em seu livro “O Herói de Mil Faces”. Após estudar diversas culturas em diferentes regiões e épocas, ele concluiu que existem elementos comuns a todas elas na maneira como as pessoas contam histórias. Logo, conteúdos construídos dessa forma têm muito mais chance de convencer o público, pois aquilo faz parte de um inconsciente coletivo.

Mas nem sempre o “herói” da jornada é mesmo um herói. Políticos e seus marketeiros descobriram como usar esse recurso, extremamente amplificado pelas redes sociais, para convencer grande parte da população de que eles são aqueles que os “salvarão”.

Nessa “Jornada do Herói” distorcida, em um mudo dominado pelo conflito, quando nos deparamos com alguém que pense diferentemente de nós e daqueles em quem acreditamos, ela serve para reforçar como “estamos no caminho certo”. E o resultado disso é ainda mais conflito, retroalimentando o processo.

Cria-se um “vilão” a ser destruído, em uma eterna narrativa de “luta do bem contra o mal”. Elementos masculinos, como a força, a virilidade e a violência se sobrepõem aos femininos, como a empatia, o cuidado e a visão do todo. Não há espaço para informações que contradigam o “herói”, e vozes dissonantes devem ser silenciadas.

Não adianta substituir um desses “heróis” por outro. Temos que tirar esse caldeirão do fogo, e isso implica em todos pararem de atacar, ironizar ou desprezar os demais. Entendo que seja isso complicado, pois pode ser entendido como “baixar a guarda” para novos ataques e crescimento dos oponentes. Além disso, os diferentes grupos políticos precisam criar líderes com propostas construtivas, afastando os “salvadores da pátria”. Esses são desafios que a sociedade precisa abraçar, sob o risco de nunca conseguir romper esse ciclo destrutivo.

As redes sociais, como via de disseminação do discurso de ódio, têm um papel central nesse processo. Elas precisam se engajar efetivamente nele, encontrando maneiras automáticas ou manuais de eliminar de suas páginas ataques e fake news. Por isso, preocupa a aquisição do Twitter por Elon Musk, que disse que afrouxará esses controles na plataforma, em nome de uma “liberdade de expressão” liberticida.

A escola também é peça fundamental nesse renascimento da nação. É um grande equívoco dizer que o ambiente escolar não deve falar de política. Pelo contrário: o debate construtivo e com ideias diversas deve fazer parte do currículo. Países europeus que fazem isso estão criando jovens mais conscientes de deveres e diretos, tolerantes e autônomos. Exatamente o contrário do que vemos hoje no Brasil, especialmente em escolas particulares que bloqueiam a política por medo de perder alunos.

Se quisermos resgatar um país digno para todos, precisamos reaprender a conviver com o outro em todas as esferas da sociedade. Não há espaço para essas agressões mútuas.

 

Tomamos decisões racionais o tempo todo, mas elas são fortemente influenciadas por emoções, como sugere a animação “Divertida Mente”

Somos escravos de nossos desejos e medos

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Passamos pela eleição mais tensa de nossa história, com uma polarização radical que fraturou a sociedade brasileira. Apoiadores de ambos os lados ainda se perguntam como alguns de seus familiares, amigos e colegas, que “consideravam razoáveis”, defendem ideias “do outro lado”. Mas tentar entender isso com argumentos racionais é uma tarefa inglória, pois esses alinhamentos são emocionais, por mais que os próprios indivíduos não tenham consciência disso.

Somos guiados pelos nossos sentimentos! Estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade da California em Berkeley (EUA) sugere que temos 27 tipos deles. Entre emoções dessa lista, como alegria, ansiedade, empatia, tédio e excitação, duas são fundamentais para compreender esses tempos complexos: o desejo e o medo.

Desejar não é apenas querer algo ou alguém. É algo muito mais intenso e visceral! É um sentimento extremamente poderoso, que nos impulsiona e nos faz tomar decisões. Já o medo funciona em sentido contrário. Ele nos paralisa e impede de fazer escolhas.

Políticos sempre tentaram manipular as populações para conseguir votos. Entretanto, de uns anos para cá, descobriram que, se conseguissem se concentrar nesses dois sentimentos, trocariam eleitores por soldados dispostos a defender seus ideais contra tudo e todos. Essa é uma prática extremamente perigosa, pois pode estraçalhar o tecido social. Ainda assim, fizeram isso sem pestanejar! E o resultado é o que vivemos hoje e ainda viveremos por muitos anos.


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Em 2015, a Pixar lançou sua memorável animação “Divertida Mente”, construída sobre esse conceito. Na história, todos os seres vivos teriam, em seus cérebros, cinco “pequenos indivíduos”, cada um deles representando uma emoção: a Alegria, a Tristeza, o Medo, a Raiva e o Nojo. Lá, teriam acesso a um “painel de comando”, que determinava como cada pessoa agia.

Nosso cérebro é fabuloso! Com ele, tomamos nossas decisões. Entretanto, por mais racional que uma escolha seja, ela pode ser profundamente influenciada por emoções, como se os sentimentos fossem ingredientes dela. Esse é, aliás, o princípio dos “gatilhos mentais”, recursos dos quais equipes de marketing vêm abusando nos últimos anos, para que consumidores “escolham racionalmente” produtos a partir de emoções “plantadas” em suas cabeças pelas campanhas publicitárias.

De volta à realidade um tanto distópica em que estamos imersos, as redes sociais desempenham papéis fundamentais para que os políticos manipulem as massas. O primeiro deles é ajudá-los a descobrir o que as pessoas desejam e do que elas têm medo em dado momento. Afinal, não é possível construir qualquer narrativa visando o controle de mentes se não souberem isso.

A outra função dessas plataformas é servir de veículo para disseminar, em gigantesca quantidade, suas mensagens. Elas são cuidadosamente produzidas para que as pessoas vejam, em determinado candidato, aquele que viabilizará seus desejos e os protegerá de seus medos. E seus algoritmos de relevância se prestam cinicamente a esse serviço sujo, pois as redes sociais lucram com a polarização.

Logo, quem domina o meio digital tem mais chance de transformar suas ideias em “verdades”.

 

O campo de batalha online

Faz todo sentido, portanto, que “pós-verdade” tenha sido escolhida como a palavra do ano de 2016 pelo renomado Dicionário Oxford. Pela sua definição, o termo é “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais”. Ou seja, as pessoas hoje preferem acreditar naquilo que esteja em linha com seus desejos, por mais que seja uma invenção escandalosa.

Disso vêm as fake news. Elas deliberadamente mentem para que determinado grupo atinja seus objetivos, manipulando as emoções da população. E não se trata de simples boatos, pois são produzidas com método, impactando primeiro aqueles que gostariam que aquilo fosse verdade: isso aumenta seu engajamento inicial, o que leva os algoritmos das redes sociais a distribuir a mentira em grande quantidade.

A série “The Boys”, da Amazon Prime Video, ilustra isso muito bem. Nessa paródia das histórias de super-heróis, superseres fazem ações heroicas midiáticas nas redes sociais apenas para que a população os ame e, assim, compre todo tipo de produtos com suas marcas. Mas, em sua segunda temporada, surge uma personagem que percebe que obter o amor das massas é cada vez mais difícil e pouco produtivo. Ao invés disso, descobre que é mais eficiente manipular o ódio da sociedade. Para ela, é muito melhor ter soldados que fãs, e que cinco milhões de pessoas movidas pelo ódio são mais efetivas que cinquenta milhões com amor. Ela entendeu que não vivemos mais no mundo da cultura de massas, e sim da “viralização”.

Políticos que usam esse método trabalham com o medo da população, pois ele é capaz de travar as pessoas e deixá-las cegas. E, uma vez que elas ultrapassem determinado limiar de ódio e de medo, são facilmente controláveis, até mesmo pelo mecanismo do “apito do cachorro”: comandos que as demais pessoas não percebem, mas que são eficientes para agitar os “comandados” para executar as ordens de seus líderes. Basta observar como costumam seguir ações de maneira coordenada.

Dessa forma, chegamos ao atual cenário de uma nação devastada pelo ódio. Mas há esperança, e ela vem dos mais jovens. O estudo internacional “A nova dinâmica da influência”, divulgado em 22 de setembro pela consultoria americana Edelman, mostra que a Geração Z (pessoas hoje entre 14 e 26 anos de idade) é movida –e não paralisada– pelo medo. Isso demonstra uma percepção mais madura sobre essa poderosa emoção, que existe para nossa autopreservação. Por isso, 70% deles estão envolvidos em causas sociais ou políticas.

Os mais jovens querem resgatar a política como uma ferramenta de transformação social para um mundo mais justo e igualitário, com relações mais transparentes e honestas. Segundo o estudo, eles se preocupam com temas ligados à natureza, saúde, direitos humanos, justiça racial e igualdade de gênero. Esperam ainda que as empresas atuem como parceiras para que esses objetivos sejam atingidos.

Costumo dizer que a melhor maneira de anteciparmos o futuro é olhando para os jovens. Nesse sentido, é reconfortante observar esse comportamento da Geração Z.

Nossas emoções nos definem! Precisamos ter consciência de nossos sentimentos para aprender e crescer com eles, e não ser dominados a partir deles. Os mais jovens já estão fazendo isso. Você consegue também?

 

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, depõe ao Senado americano em abril de 2018, sobre o escândalo da Cambridge Analytica

O cinismo das redes digitais

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No início de 2002, o jornalista americano John Battelle perguntou a Eric Schmidt como o Google havia se tornado uma empresa da mídia. O então recém-empossado CEO disse que a pergunta não tinha cabimento, pois o Google era uma empresa de tecnologia. Um ano depois, os dois se encontraram de novo, e Schmidt começou a conversa dizendo: “o negócio de mídia não é incrível?”

De lá para cá, as gigantes de tecnologia se tornaram companhias de mídia de uma maneira que as empresas tradicionais do setor jamais sonharam. Não apenas porque arrebataram o mercado de publicidade, centavo a centavo, mas porque desenvolveram um mecanismo de convencimento das massas poderosíssimo e sem precedentes.

Tanto poder carrega consigo grandes responsabilidades. Mas quando são confrontadas nisso, essas empresas se fazem de desentendidas, pois querem apenas a parte boa do domínio sobre seus bilhões de usuários.


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Por exemplo, na quinta, o comitê da Câmara dos EUA que investiga o ataque de 6 de janeiro do ano passado ao Congresso emitiu intimações ao Google, Facebook, Twitter e Reddit, criticando-as por permitir que a desinformação e o ódio se espalhassem em suas páginas e por não cooperarem adequadamente com as investigações. Apesar de outras empresas também estarem sendo investigadas, apenas essas quatro foram notificadas, porque, segundo o comitê, “não estavam dispostas a se comprometer a cooperar voluntária e rapidamente”.

Isso me lembra do depoimento de Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, ao Senado americano em abril de 2018. Na época, ele disse que havia sido vítima da empresa britânica de marketing político Cambridge Analytica, pois ela havia usado os recursos da plataforma para roubar dados de 87 milhões de usuários, que foram usados para convencer, também com recursos da rede social, as pessoas a votarem em Donald Trump, candidato à presidência americana dois anos antes.

Sim, o que a Cambridge Analytica fez é crime. Mas é basicamente o que o Facebook faz com seus mais de 2 bilhões de usuários para convencê-los a comprar de tudo em suas páginas.

Em novembro, o instituto Pew Research Center divulgou um levantamento feito com 862 desenvolvedores, líderes empresariais e políticos, pesquisadores e ativistas, sobre como eles viam o futuro do meio digital e seu papel na democracia. Desse total, apenas 61% disseram que acham que, nos próximos 15 anos, essas plataformas servirão ao bem comum, ao invés de interesses específicos. Além disso, 70% acreditam que a evolução digital traz aspectos positivos e negativos, 10% veem apenas os positivos e 18% veem só coisas ruins nisso.

Os otimistas acreditam que as próprias empresas de tecnologia trabalharão com governos e a sociedade civil para melhorar os algoritmos para o surgimento de debates mais saudáveis e democráticos. De fato, eles indicam que esses códigos são a primeira coisa a se corrigir, pois hoje eles são feitos para maximizar os lucros com o engajamento contínuo dos usuários, mas isso também favorece a polarização e o ódio. Para eles, os governos devem ser responsáveis por regulação e alguma pressão, mas sem exageros, pois isso poderia atrapalhar a inovação.

Já os pessimistas acreditam que nada disso deve acontecer, e que o aumento da inteligência artificial, a “hipervigilância” e a transformação de tudo na vida em dados pode amplificar ainda mais as fragilidades e o lado mal de cada um. Além disso, afirmam que os seres humanos são autocentrados e não “pensam a longo prazo”, concentrando-se em sua necessidade imediatas. Tampouco conseguem acompanhar a velocidade das mudanças tecnológicas. Tudo isso ampliaria ainda mais a manipulação das massas, a polarização e o ódio, colocando a própria democracia em risco.

Os brasileiros devem ter logo uma boa prévia de qual grupo tem mais razão: estamos iniciando um ano eleitoral.

 

Não há santos

Se nada for feito, e candidatos e seus apoiadores puderem atuar livremente como fizeram nas duas últimas eleições, 2022 pode representar uma verdadeira carnificina digital, com as pessoas sendo manipuladas em uma escala sem precedentes pelos diferentes grupos. Isso porque, depois de alguns anos, eles se aprimoraram no uso dos recursos tecnológicos e na criação de narrativas falaciosas.

E não nos enganemos: infelizmente o ódio é uma poderosa ferramenta para atingirem seus objetivos. Isso foi demonstrado na segunda temporada da série “The Boys” (Amazon Prime Video), em que a personagem Tempesta explica que “é muito melhor ter soldados que fãs”.

O ódio não é monopólio de apenas um lado da disputa eleitoral. Não há santos nisso! Diferentes grupos de poder já perceberam sua efetividade na manipulação das massas, pois despertam os sentimentos mais primitivos dos indivíduos. Com isso, as pessoas agem mais por impulso e menos pelo racional.

Muito melhor seria promover o amor, mas a última eleição presidencial foi decidida pelo ódio e, ao que tudo indica, essa também será. Pelos discursos dos pré-candidatos, eles não aprecem dispostos a abrir mão dessa “segurança” para estimular apenas bons sentimentos no eleitorado.

O ideal mesmo seria propor um debate em torno de ideias viáveis e construtivas, estimulando o lado racional de cada um. Mas esse é o cenário diametralmente oposto do desejado para a manipulação das massas, portanto devemos ver isso bem pouco.

Meu receio é que isso contamine toda a disputa eleitoral, nos diferentes cargos eletivos e no país todo. Com isso, o voto, tido como a “festa da democracia”, poderia ser convertido em uma ameaça a uma sociedade equilibrada.

Como não podemos, de forma alguma, abrir mão dele no processo democrático, as causas desse problema devem ser resolvidas. E isso nos traz de volta às plataformas digitais.

Estamos nessa situação insustentável porque essas redes criaram os recursos para esse controle da população. Fizeram isso para seu próprio uso, o que já é questionável, dado o grau de alienação que provocam. Mas, para piorar, não deram a devida atenção quando outros indivíduos começaram a se apropriar disso para atingir seus objetivos espúrios.

Não dá mais para essas plataformas se fazerem de desentendidas no seu papel na sociedade. Elas trabalharam duro para se tornar elementos centrais na vida das pessoas, e conseguiram isso de uma maneira jamais vista por qualquer empresa, governo ou instituição. Rivalizam e possivelmente superam a influência de religiões!

Essas empresas precisam fazer mais, muito, muito mais que já fazem para tornar seus espaços mais saudáveis e democráticos. Se não fizerem isso por vontade própria –e é isso que parece estar acontecendo– devem ser pressionadas por órgãos reguladores ou pela Justiça. Ou então desligar essas ferramentas de controle de massas.

Adivinhem o que vai acontecer? Façam suas apostas!

O Palácio do Planalto, sede do Executivo federal, em tempos de tempestade

Os reis de seus pequenos castelos digitais

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Na última quarta, dia 15, foi o Dia da Democracia. Mas infelizmente não houve muito a se comemorar. Desde o fim da ditadura, a democracia brasileira nunca esteve sob ataque tão cerrado. Ironicamente, quem perpetra esses ataques não são aqueles que querem chegar ao poder, e sim os grupos que já estão nele. E esse campo de batalha se dá nas redes sociais.

Goste-se ou não do atual governo, é inegável que se trata de um case de sucesso global no uso dessas plataformas para atingir seus objetivos. Pela primeira vez desde a redemocratização, um grupo chegou ao poder sem depender do Horário Eleitoral Gratuito. Até então, quem tinha mais tempo na TV e no rádio ia pelo menos ao segundo turno, o que não aconteceu na última eleição presidencial.

O governo nada de braçada em algo que quase todas as pessoas e empresas apenas molham os pés: o uso do meio digital para apresentar suas ideias e conseguir clientes (no caso, eleitores). De fato, os algoritmos dessas redes têm o poder supremo de decidir quem vai se tornar o rei de um pequeno castelo digital e quem vai se afogar no raso. Dominá-los se tornou essencial!

Mas há um outro fator normalmente negligenciado pela maioria. Pode-se usar uma grande quantidade de robôs ou as técnicas mais eficientes para se colocar os algoritmos de joelhos. Mas de nada adiantarão se não se oferece algo que agrade uma massa crítica de pessoas.

No final das contas, nenhum rei se mantém no trono sem súditos.


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O atual governo executa as duas coisas muito bem, daí seu sucesso. Aprendeu, desde antes da eleição, como usar a seu favor algoritmos criados pelas redes sociais para vender todo tipo de quinquilharia. Assumiu, sem pudor, que é um “produto” e que, como tal, deve ser embalado seguindo os desejos de seus “consumidores”.

Bastava identificar uma demanda fortíssima de uma grande quantidade de pessoas. No caso, foi o repúdio ao governo anterior. Massacrou então os algoritmos com a ideia do “salvador do antipetismo”, usando robôs, muito dinheiro e um uso eficiente dessas plataformas. A partir daí, os algoritmos fizeram o trabalho sujo de impregnar as mentes da massa crítica popular suficiente para vencer a eleição. Uma vez eleito, a mesma tática é usada para se manter no seu castelo.

Em janeiro, a Universidade de Oxford (Reino Unido) divulgou o estudo “Desinformação industrializada: inventário global de manipulação de mídia social organizada”. A partir de dados de 2020, concluiu que essas táticas vêm sendo usadas por cada vez mais governos: em 2019, foram 70 países; no ano seguinte, já eram 81.

O Brasil ocupa o grupo intermediário na desinformação, segundo o estudo. No país, as “tropas cibernéticas” (como os autores chamam os apoiadores dos grupos de poder nas redes) se dedicam principalmente a atacar opositores do governo e aumentar a polarização na sociedade. E seu principal recurso são as fake news.

Esse grupo intermediário é formado por 37 países. Conosco também estão, por exemplo, Austrália, Bolívia, Cuba, Hungria, Polônia, México, Síria e Turquia. No grupo de 17 países com “alta capacidade de desinformar”, estão grandes potências, como Estados Unidos, China, Reino Unido e Rússia, ao lado de nações que tradicionalmente combatem a democracia, como Venezuela, Irã e Iraque.

Vale notar que os países onde a democracia aparece mais atacada pelas “tropas cibernéticas” no estudo de Oxford são os mesmos em que a população acredita pouco na imprensa, apontados no relatório “Trust Barometer”, divulgado em março pela consultoria Edelman. A única exceção é a China, em que 70% da população acredita na mídia, mas ela é fortemente controlada pelo governo, o que reforça a tese de Oxford que os governos autoritários combatem a imprensa livre.

 

Empresas e profissionais

Os algoritmos das redes sociais não são necessariamente maquiavélicos, a serviço do mau. Apesar de serem frequentemente associados à manipulação política e comercial, como qualquer ferramenta, dependem do uso que se faz deles.

Como expliquei nesse mesmo espaço há duas semanas, cabe às empresas que são donas dessas plataformas criarem mecanismos para evitar que esses recursos sejam usados como aparecem no estudo de Oxford. Elas vêm investindo bastante nisso, mas ainda falham, em parte porque a essência do seu negócio passa por essa manipulação para se vender anúncios assertivos.

Qualquer profissional ou empresa pode se beneficiar desses sistemas se entender seu funcionamento e, a partir disso, oferecer um conteúdo que atenda a demandas do seu público. E isso passa pelo alinhamento dos valores da empresa com os dos seus clientes. Quem fizer isso pode subitamente experimentar uma grande exposição nas redes sociais, positivas para qualquer negócio.

O risco de se conseguir esse sucesso repentino é ficar muito dependente dele. Da mesma maneira que ele vem “do nada”, pode desaparecer sem explicação aparente.

Isso acontece porque as plataformas digitais estão continuamente alterando as regras do que privilegiam em seus algoritmos de relevância. Por isso, uma atuação nas redes sociais que funciona muito bem hoje pode falhar amanhã.

Foi o caso de um grande grupo editorial brasileiro que viu, em 2018, sua audiência desabar 70% literalmente da noite para o dia! Eles tinham uma grande visitação por terem “dominado” o algoritmo do Google. No dia em que o buscador fez uma mudança em seus códigos, toda aquela “mágica” se perdeu, e a empresa precisou reaprender como aparecer bem nas respostas.

No final das contas, buscar uma grande exposição digital é mais que bem-vinda: tornou-se necessária nesse mundo em que negócios se constroem de maneira cada vez mais digital. Mas não se pode apostar todas as fichas nesse meio. Da mesma forma que as plataformas colocam um rei no seu pequeno castelo, elas podem derrubá-lo do trono!

 

Cortina de fumaça

Cada um de nós, como eleitores e como consumidores, precisa aprender a identificar e compreender o que as redes sociais nos jogam na cara. Em parte, a eficiência do controle dos algoritmos sobre nós se dá por não percebermos o que acontece.

“Como essas medidas são levadas a cabo gradativamente e com aparência de legalidade, a deriva para o autoritarismo nem sempre dispara as sirenes de alarme”, explica o professor de Harvard Steven Levitsky, em seu best-seller “Como as Democracias Morrem”. Segundo ele, “os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada, mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz.”

É isso que não podemos deixar acontecer! Os algoritmos nos controlam apenas se permitirmos isso. Precisamos exercitar nosso senso crítico para não comprarmos qualquer coisa, seja um produto, seja um político, só porque a embalagem nos agrada e porque o mundo inteiro parece dizer que aquilo é bom.

Não é! E, ao contrário do que parece, só uma parte das pessoas afirma aquilo.

 

O fundador e CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, durante depoimento no Congresso americano, em 2018

Redes sociais fogem do seu papel nos ataques à democracia

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O Brasil chegou à semana do Dia da Independência com um clima tão denso, que dá para ser cortado com uma faca, feito doce de leite cozido além do ponto. Ainda que tudo leve a crer que isso não passe de uma fumaça espessa, diz o ditado que onde ela existe, também há fogo. E o combustível para essas labaredas são as redes sociais, particularmente o pouco que elas vêm fazendo para tentar corrigir seu papel decisivo no ataque crescente à sociedade organizada.

Para quem viveu praticamente toda sua vida em um Brasil redemocratizado com o fim da ditadura militar, é inacreditável e assustador ver essa escalada da insanidade e da violência. Ela acontece porque grupos políticos usam essas plataformas digitais e o incrível poder de convencimento de seus algoritmos para incutir, em uma parcela considerável da população, a falsa ideia de que podem pensar, dizer e fazer o que bem entenderem em nome da liberdade de expressão.

Isso é uma falácia! Quando todos têm razão, ninguém tem razão! Mas o fato de as redes sociais nos colocarem em contato apenas com quem pensa como nós acaba legitimando mesmo a mais absurda porcaria.


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Possivelmente o exemplo mais emblemático desse momento é o motim de grupos expressivos de polícias militares pelo Brasil, abarcando de soldados a coronéis. Em nome desse suposto direito de se expressar, vêm transgredindo, de forma despudorada, seu próprio regulamento e atacando explicitamente instituições democráticas. A insubordinação é alimentada pelos grupos de poder nas redes sociais, transformando os militares em marionetes.

A gênese desse comportamento são diversas insatisfações das tropas, especialmente quanto a salários. Mas a prolongada e aguda crise política e econômica do Brasil atinge todas as categorias da sociedade. Os policiais não podem se atribuir mais direitos que qualquer outra categoria, e muito menos, para conseguir o que querem, usar a força que a sociedade lhes confere para ameaçar a mesma sociedade. Caso contrário, quem nos protegerá de quem deve nos proteger?

Winston Churchill disse em 1947 uma de suas célebres frases: “Ninguém espera que a democracia seja perfeita ou infalível. Na verdade, tem sido dito que a democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as demais formas.” O ex-primeiro-ministro do Reino Unido, considerado um dos maiores estadistas da história, sabia que a democracia só funciona bem pela contraposição de ideias.

Ele deve estar se revirando no túmulo agora ao ver o que oportunistas fizeram da democracia com a ajuda das redes sociais, ao eliminar tal contraposição.

 

Poder desmedido

Não seria absurdo afirmar que nunca existiram empresas tão poderosas no sentido de transformar a sociedade, para o bem ou para o mal. As redes sociais, que surgiram como espaço lúdico para encontrar amigos e compartilhar trivialidades, se transformaram em plataformas que definem o que compramos (seu grande negócio), com quem andamos e até o que pensamos.

Suas equipes conscientemente constroem sistemas que atuam nas camadas mais primitivas de nosso cérebro. Isso é fartamente explicado no documentário “O Dilema das Redes”, disponível na Netflix. Também foi descrito cientificamente em um estudo liderado por Adam Kramer, então cientista de dados do Facebook, publicado em 2014 na prestigiosa revista Proceedings of the National Academy of Sciences, assim como em outra pesquisa, que ganhou a capa da Science, a mais importante revista científica do mundo, em 2018.

Nunca nada ou ninguém sequer rivalizou com essa capacidade de persuadir as pessoas. Trata-se de uma virtual onipotência, que é usada o tempo todo. Assim como a indústria tabagista sabia que o cigarro fazia mal e viciava os consumidores e, mesmo assim, investia em ingredientes que ampliavam a dependência, as redes sociais persistem nesse seu caminho.

Justiça seja feita, algumas dessas plataformas, inclusive o Facebook, vêm tomando ações para minimizar os pesados efeitos colaterais provocados por suas atividades. Mas isso está longe de ser eficaz, principalmente porque essas companhias ainda não assumem a verdadeira extensão desse dano.

Além disso, as ações acontecem principalmente porque elas vêm sendo pressionadas por governos ao redor do mundo, especialmente depois que explodiu o escândalo da Cambridge Analytica em 2018. Como explica outro documentário da Netflix, “Privacidade Hackeada”, essa empresa britânica de marketing político usou o Facebook para manipular milhões de pessoas favorecendo a eleição de Donald Trump para presidente dos EUA em 2016, e o Brexit, que tirou o Reino Unido da União Europeia.

E pensar que tudo isso começou com conversas inocentes de amigos.

 

A alegria na ignorância

A maioria das pessoas gostaria apenas de seguir sua vida de maneira produtiva e em paz. Mas a onipresença das plataformas digitais acaba nos arrastando para esse turbilhão.

Governos totalitários adoram isso: o pensamento único lhes favorece. Por isso, investem tanto nas redes sociais.

Isso me faz lembrar do filme “O Doador de Memórias” (2014), que retrata uma sociedade em que não há tristeza, doença ou pobreza. Mas o custo dessa harmonia é a eliminação de todas as emoções (mesmo do amor) e da liberdade. As pessoas sequer têm memórias do seu passado e veem o mundo sem cores (literalmente).

Para a governante vivida por Meryl Streep, “quando as pessoas têm a liberdade de escolher, elas escolhem errado”. Assim o governo determina até o que cada pessoa deve fazer e como deve pensar. E, para conter qualquer rebelião, todos devem tomar diariamente uma espécie de droga.

Começo a achar que as redes sociais são essa droga em nossa realidade. Muita gente topa aparentemente eliminar toda a dor e a discordância, mesmo que o custo disso seja sua liberdade, sua autonomia e seu senso crítico. Precisam apenas de alguém que os guie para esse mundo do pensamento único.

Bem, isso agora existe e está sendo implantado. Mas não dá para viver assim!

Precisamos de paz e de liberdade! Ninguém se desenvolve em um uma vida de constante incerteza e conflito, ou sendo dominado socialmente (ainda que não perceba essa dominação).

Sou progressista e liberal (ao contrário do que muitos pensam, esses conceitos não são antagônicos). Entendo que empresas não podem atuar livremente apenas para garantir seus próprios interesses. Como integrantes de uma sociedade, suas ações têm impacto na vida das pessoas e devem ser responsabilizadas quando algo que fizerem prejudicar a população.

Por isso, devemos usar as redes sociais no que elas têm de bom –e são muitas coisas! Mas não podemos deixar que elas se prestem aos objetivos nefastos de alguns grupos. O espaço que elas já ocuparam em nossas vidas não pode colocar em risco a democracia e nosso bem-estar.

Nós também somos responsáveis por tudo isso!

A mentira dita mil vezes

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O governo federal parece ter agora apenas um único objetivo: desacreditar as urnas eletrônicas e instituir o voto impresso. A pandemia, o desemprego e tantas outras mazelas do Brasil parecem ter sumido, pois o ataque ao sistema eleitoral brasileiro se tornou um assunto onipresente nas falas de Bolsonaro. É de se perguntar o porquê dessa insistência insana.

Para quem conhece um pouco da história e da política, esse movimento é facilmente explicável. Ele segue um padrão de convencimento popular formalizado há cerca de 90 anos, mas que foi reforçado pelo advento das redes sociais.

Na quinta, o mandatário não cumpriu a promessa de demonstrar as falhas da urna eletrônica, em uma transmissão recheada de vídeos antigos e argumentos falsos, todos largamente desmentidos por autoridades e especialistas. Ainda assim, insiste na tese e convoca seus apoiadores para lutar por ela.

Essa linha de ação segue o conceito de que “uma mentira dita uma vez é apenas uma mentira; já uma mentira dita mil vezes se torna verdade”.


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Essa tese foi organizada por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolph Hitler, para legitimar suas atrocidades. Foi dessa maneira que os alemães na década de 1930 apoiaram a política do seu Fürher contra os “inimigos do povo”, com a qual se consolidou no poder, tornou-se ditador, promoveu a Segunda Guerra Mundial e realizou o Holocausto. As ações dos apoiadores do líder nazista podem ser vistas no premiado documentário “Arquitetura da Destruição” (disponível gratuitamente e legendado no YouTube).

Aquilo parece monstruoso a nossos olhos, mas, guardadas as proporções, é exatamente o mecanismo atual, com o agravante de que se espalha mais rapidamente pelas redes sociais. Agora, para se tornar “verdade”, uma mentira não se repete mais mil vezes, e sim um milhão de vezes, o que torna o processo mais eficiente.

Esse modus operandi não tem nada a ver com um governo ser progressista ou conservador, de esquerda ou de direita. Tem a ver com um governo ser autoritário e querer se perpetuar no poder a qualquer custo.

A história é pródiga em demonstrar isso, sendo que alguns de seus mais perfeitos expoentes foram legitimamente eleitos em um primeiro momento, como Donald Trump, Hugo Chávez e Adolph Hitler. Dos três, o único que fracassou em seus objetivos foi o primeiro, mas não sem deixar um grande custo, com os Estados Unidos rachado ao meio, culminando com a grotesca invasão do Capitólio, em que seus apoiadores invadiram violentamente o Congresso para tentar impedir o anúncio da vitória de seu opositor, Joe Biden.

 

“Engana que eu gosto”

Não se trata de uma loucura coletiva. Por uma característica evolutiva de autopreservação da espécie, as pessoas acreditam naquilo que lhes for mais conveniente, mesmo que a manutenção de alguns de seus privilégios prejudique muitas pessoas ou até coloque a democracia em risco.

Quando são expostas a apenas uma narrativa, baseada em fatos, na ciência ou em instituições de grande reputação, acatam mesmo o que não gostam, resignando-se. Mas, na primeira oportunidade de alguém lhes apresentar uma versão contrária e mais palatável, abraçam cegamente o mentiroso, como uma tábua de salvação.

Esse mecanismo de interesse de manada contra a verdade foi descrito em 2016 pelo renomado Dicionário Oxford. Naquele ano, seus organizadores elegeram “pós-verdade” como a “palavra do ano”. Na sua definição, ela é “relativa ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.”

Mas isso precisa ser construído! A narrativa mentirosa, que interessa a esses grupos específicos, precisa fazer frente à realidade, sufocando os fatos e expondo incansavelmente a alternativa por todos os métodos disponíveis.

Por isso, a boa imprensa sempre é uma pedra no sapato de governantes, especialmente dos autoritários. A despeito de suas imperfeições, ela tem a função essencial de fiscalizar todo governo, impedindo-o de extrapolar suas prerrogativas. Se um veículo não fizer isso, não está fazendo bom jornalismo.

Goebbels sabia e censurou a imprensa, classificando as vozes dissonantes de “inimigos do povo”. Os nazistas não viam problema em desqualificar, censurar, prender e até matar quem se opusesse a eles. Por outro lado, como se vê em “Arquitetura da Destruição”, todos os recursos eram usados para reforçar sua visão, como eventos populares, o esporte, a cultura, as artes e até a arquitetura.

 

As redes sociais e a mentira

Em democracias consolidadas, calar a imprensa não é tarefa simples. Como os veículos de comunicação alcançam milhões de pessoas, sua voz tem enorme poder.

Mas ela ganhou um contraponto há cerca de 20 anos, com o surgimento das redes sociais. Pela primeira vez, as ideias de qualquer pessoa poderiam potencialmente atingir uma enorme quantidade de indivíduos, até mesmo em outros países.

Em um primeiro momento, foi incrível, pois a informação parecia ser mais democrática. Mas, de uma década para cá, grupos de poder aprenderam a usar esse recurso para impor a sua “pós-verdade”, travestindo-a de “voz do povo”. Obviamente trata-se de um engodo! Mas, como os algoritmos não têm ética e nem moral, é o suficiente para convencer milhões de pessoas.

Os “robôs” são essenciais nesse cenário para dar o primeiro empurrão e apresentar as mentiras nas redes sociais para quem deseja que aquilo seja verdade. A partir daí, essas pessoas espalharão essas fake news. Mas ainda não é suficiente. É preciso criar um discurso uníssono para consolidar a falcatrua. Exatamente como se faz agora contra as urnas eletrônicas.

Elas são perfeitamente auditáveis, enquanto os votos impressos (mesmo impressos automaticamente) são facilmente fraudáveis. E não é preciso adulterar uma enorme quantidade de votos impressos: apenas o suficiente para criar uma diferença entre essa contagem e o das urnas eletrônicas, para se criar uma insegurança jurídica em torno dos resultados da eleição. A partir daí, pode-se querer impugnar o resultado com o respaldo de uma parcela considerável da população, que acredita na farsa.

As circunstâncias nunca foram tão favoráveis para que uma mentira dita mil vezes se torne verdade. Para que uma democracia sobreviva, as pessoas devem ter acesso a fontes de informação diversas e confiáveis.  Precisam também ser convidadas a pensar e a contestar o que chega para elas, especialmente quando parece ser incrivelmente suculento para os seus valores e os seus desejos.

E isso é bem difícil. Mas é exatamente aí que reside a mentira que quer se tornar verdade!

Pode ter menos pão, desde que tenha muito circo

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Um ano e 250 mil mortos depois do início da pandemia de Covid-19 por aqui, os brasileiros arranham caminhos para continuar tocando a vida. Diante da ausência de um norte consistente e seguro indicado pelas autoridades, buscamos garantir nossas necessidades básicas em meios ao caos.

Tradicionalmente tais necessidades são garantidas pelo Estado, até para sua própria manutenção. Na antiga República e no Império Romano, os governantes descobriram que era preciso garantir às pessoas duas coisas: o pão e o circo. O primeiro atendia parte do sustento, enquanto o segundo garantia a diversão, para diminuir as tensões do cotidiano.

Passados 2.500 anos, o panem et circenses, como era chamada essa política, continua valendo na relação entre governantes e governados, e invadiu também outras áreas, como o mundo do trabalho e até nossas relações pessoais. Além disso, o pão e o circo são representados de maneiras cada vez mais subjetivas e muito ligadas às redes sociais.

Uma coisa, entretanto, não mudou: se o pão diminui, é preciso caprichar no circo!


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Políticos jogam muito bem esse jogo, mas eles não estão mais sozinhos nesse tabuleiro. Graças aos meios que as redes sociais oferecem para se ganhar muita visibilidade, empresas e até indivíduos criam seus circos para ganhar o próprio pão.

A princípio, não há nada de errado em usar criativamente os recursos digitais, muito pelo contrário! O problema surge quando se ultrapassa o limite da ética ao se enganar os mais diferentes públicos, em uma espécie de estelionato ideológico.

O circo romano tem um aspecto muito perverso. Ao apresentar ao cidadão alguém que sofre muito mais que ele, seus problemas parecem ficar menores. Por isso, a plateia urrava em êxtase diante de gladiadores obrigados a lutar até a morte ou ao ver inimigos do Estado sendo entregues a leões. Qualquer problema fica menor diante do sangue jorrado na arena, pelo simples fato de quem assiste continuar vivo e estar sentado ao lado do governante, que promove a carnificina.

A lógica permanece até hoje, mas ganha novos recursos e novos promotores do espetáculo.

As autoridades continuam sendo soberanas em momentos de circo sem pão, e o nosso governo atual se destaca nisso. Diante de sua incompetência de solucionar as crises da saúde, do trabalho, da economia estagnada, da educação, entre muitas outras, abusa de bravatas vazias contra inimigos reais ou imaginários, para manter sua base de apoio incendiada. Com isso, cria uma densa cortina de fumaça que tira da população o foco nos problemas verdadeiros, mantendo aqueles que o apoiam anestesiados em uma fantasia grotesca.

Mas os políticos não estão sozinhos: reality shows também são um incrível exemplo de um circo romano moderno.

 

A vilã de uma nação

Sem dúvida, o melhor exemplo para entender esse fenômeno é o “Big Brother Brasil”. E um acontecimento da semana passada foi emblemático: a cantora Karol Conká foi eliminada do programa com uma rejeição recorde do público de 97,17%. Quando isso anunciado, pessoas gritaram nas janelas da minha vizinhança, algo que normalmente só acontece em partidas decisivas de futebol e em recentes manifestações políticas.

Karol foi alçada ao posto de supervilã do BBB 21 porque, segundo o jargão do programa, “jogou mal”. Foi arrogante, preconceituosa, agressiva, o que culminou na inédita saída espontânea de outro participante, Lucas Penteado.

Quando deixou a casa, ela descobriu que tinha perdido algo como 40% de seus seguidores nas redes sociais e contratos de trabalho que chegariam a R$ 5 milhões. Mas será que ela merecia tamanha punição, mesmo diante de seus comportamentos reprováveis no programa? Afinal, aquela casa costuma ser lar de muitas intrigas e muito veneno entre os participantes.

Mas, na lógica do circo, essa pergunta é irrelevante. A partir do momento que recebeu o selo de “pessoa má da história”, a audiência decretou que ela deveria ser imolada publicamente. O fato de ela ser famosa potencializou o sentimento. E a possibilidade de seu destino ser decidido por cada um de nós, impondo uma humilhante votação praticamente unânime pela sua saída, é um dos segredos do sucesso desse tipo de programa.

Cada um de nós se torna um pequeno imperador romano que, com o polegar para baixo, determina a morte do perdedor.

 

O circo nosso de cada dia

No mundo atual, não é preciso ser uma grande emissora de TV ou um presidente da República para armar um circo. Com as redes sociais, qualquer um pode ser dono de um picadeiro, apresentador e artista.

Infelizmente, a maioria dessas apresentações é de baixíssima qualidade. Em uma sociedade cada vez mais dependente de espetáculos, de atos teatrais, de bufões e de fanfarronices, quanto pior, melhor.

Isso explica a ascensão e queda das diferentes redes sociais. Quem aqui se lembra do Orkut, que nasceu como um interessante experimento social e terminou com um nível baixíssimo das publicações? O mesmo aconteceu com o Facebook, que cresceu diante do declínio daquele concorrente, mas, há muitos anos, vem sofrendo com a piora das conversas ali. Criou-se até o neologismo que diz que o Facebook foi “orkutizado”. O mesmo aconteceu com o Twitter, o Instagram e até o LinkedIn, uma rede que até o início de 2018 resistia a esse processo.

Esse raciocínio pode parecer elitista e, de certa forma, é mesmo. Quanto mais sucesso uma plataforma digital faz, mais ela se parece à população que representa. Oras, se essa população aprecia ver o sangue de quem não gosta ou prefere conversas com a profundidade de um pires, para poder esquecer de seus próprios problemas, aos poucos as redes passarão a oferecer isso.

Isso é uma tragédia anunciada! Quando as pessoas não saem do mundo digital, sendo profundamente influenciadas pelo que veem ali, o discurso raso anestesia todo mundo, fazendo com que deixem seus problemas para lá (sem resolvê-los), dedicando-se apenas à “diversão”.

O circo se torna muito mais importante que o pão!

São nessas horas que os grupos de poder deitam e rolam! Enquanto a massa cega se diverte, eles podem fazer o que quiserem, até mesmo se preocupar menos em dar o pão.

Precisamos resgatar o nosso senso crítico, autoestima e coletividade. Sem eles, logo seremos nós mesmos a alimentar os leões, para o deleite dos que sobrarem.

Como conseguir mais tempo?

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Uma das coisas que mais ouço das pessoas é que elas estão sem tempo, que elas gostariam de ter mais para fazer o que quisessem e o que precisassem. Eu mesmo adoraria que o dia tivesse 72 horas para fazer as mesmas coisas!

Naturalmente isso não é possível. Mas será que conseguiríamos ter, pelo menos, mais tempo livre para nós?

O tempo é, sem dúvida, o recurso mais valioso da humanidade, por um motivo muito simples: não temos como conseguir mais, não dá para comprar tempo! Você pode ter todo o dinheiro do mundo, mas terá rigorosamente o mesmo tempo que qualquer outra pessoa.

Nos últimos meses, a pandemia parece ter ampliado a percepção de que estamos ficando com ainda menos tempo. Sim, porque isso é uma percepção: o tempo é absoluto!


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Não é de se espantar, portanto, que o desejo de controlar o tempo é uma das fantasias mais incríveis da humanidade, aliás explorada bastante pela ficção.

A primeira obra assim que se tem notícia é o livro “A Máquina do Tempo”, publicado pelo escritor britânico H. G. Wells em 1895. A obra, que rendeu, dois filmes para o cinema, um em 1960 e outro em 2002, conta a história de um cientista que cria uma máquina para viajar no tempo, e acaba no ano de 802.701 d.C.

O tema está novamente na moda graças à série alemã “Dark”, cuja terceira temporada foi lançada em junho. Ela aborda outra maneira de se viajar no tempo, por um fenômeno teórico físico conhecido como “buraco de minhoca”, uma espécie de atalho entre dois pontos do contínuo espaço-tempo.

Mas nada captou esse conceito tão bem e criou uma história tão envolvente quanto a trilogia “De Volta para o Futuro”, de Robert Zemeckis, estrelada por Michael J. Fox e Christopher Lloyd, cujo primeiro filme é de 1985. Quem não gostaria de voltar no tempo para fazer o que não fez, corrigir coisas erradas ou deliberadamente mudar o seu futuro, não é mesmo?

Pena que não dá!

Isso é algo teórico, especulativo, que provavelmente nunca acontecerá. Então temos que aprender a viver com a nossa realidade e tirar o máximo dela.

“A vida passava mais devagar”

De onde vem essa percepção de que estamos com menos tempo?

De um motivo bem simples: enfiamos coisas demais dentro das 24 horas do dia, cada vez mais!

A tecnologia nos permite fazer muito, muito mais que nossos pais faziam no mesmo período, e isso é ótimo! O problema é que não sabemos quando parar: queremos fazer sempre mais!

Há alguns anos, vi um estudo que dizia que a quantidade de informação publicada em apenas uma semana pelo jornal americano “The New York Times” era maior que toda a informação a que alguém no século XVIII era exposta em sua vida inteira.

Como dizem os antigos, “a vida passava mais devagar antigamente”.

As redes sociais agravaram isso, como aliás escancarou o documentário “O Dilema das Redes”, lançado na Netflix no dia 9 e que está causando grande alvoroço. Vivemos hoje na chamada “economia da atenção”. A nossa atenção é vendida pelas plataformas digitais a seus anunciantes. Portanto, elas precisam criar mecanismos convincentes para que fiquemos cada vez mais pendurados nelas, ou, como se diz nas próprias redes, cada vez mais “engajados”.

Estamos perdendo o controle do nosso tempo!

Queremos fazer tanta coisa com ele, e o estamos entregando de bandeja para quem ganha dinheiro a nossas custas. Estamos até mesmo ficando doentes com isso. Uma das doenças da modernidade responde pela sigla FoMO: “fear of missing out”, ou o “medo de perder algo”. Por causa dela, não saímos das redes sociais, pois estamos condicionados a tentar ver tudo que nossos amigos publicam, mesmo as inutilidades.

Para termos mais tempo, precisamos forçosamente romper esse comportamento que nos aprisiona! Ninguém vai morrer se perder o último meme ou ficar de fora da teoria da conspiração mais recente. Mesmo notícias realmente importantes para sua vida podem esperar algumas horas.

Portanto, defina horários do dia para entrar nas redes sociais e use comunicadores instantâneos, como o WhatsApp, com inteligência e parcimônia. Não deve ser muito tempo no dia, e respeite o que definir!

Aliás, desabilite as incontáveis notificações no seu computador e no seu celular. Elas são ladras de atenção e de tempo. Consuma seja lá o que for quando você quiser, e não quando algum algoritmo ordenar!

Dicas para ter mais tempo

Há incontáveis outras técnicas para otimizar seu tempo, como priorizar tarefas, dividir e delegar algumas delas, terminar o que começa. Isso é algo que você pode encontrar facilmente no Google, portanto não vou entrar nesses detalhes aqui.

Quero me concentrar em um pedido para sairmos das “bolhas” que a tecnologia insiste em nos colocar. Exerça seu senso crítico, pense por si só! Valorize o que realmente importa. Busque aprender coisas que lhe tornarão uma pessoa melhor, e não a infinidade de ofertas rasas que aparecem a toda hora em webinar e até em cursos caça-níqueis.

A tecnologia deve ser uma ferramenta para fazermos melhor o que temos que fazer, não para ficar nos enfiando mais tarefas e ideias goela abaixo. Ela tem que trabalhar para nós, e não o contrário!

Um comercial de fim de ano do Itaú, de 2016, pode nos ajudar a encontrar o caminho. Narrado pela “vovlogger” Lilia, que estrelou com a amiga Neuza uma campanha do banco naquele ano, ele explica como “conectar o tempo e a vida”. Segundo ela, “a vida é muito mais importante que o tempo”, e conclui que “o tempo vale o que a gente faz com ele”.

Essa é a grande resposta para quem está sempre buscando mais tempo!

Não tente espremer mais coisas no seu dia do que ele e principalmente você são capazes de comportar. Resista à sedução barata dos algoritmos de relevância das redes sociais. Priorize e valorize o que realmente importa para você e para quem estiver a sua volta!

O dia não pode ter 72 horas. Então aproveite melhor cada umas das 24 horas que você já tem.

Já é hora de sair das redes sociais?

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Chegamos a um ponto em que deveríamos sair das redes sociais? Na verdade, dá para fugir de sua influência e da sua manipulação?

Cada vez mais, eu ouço pessoas se dizendo preocupadas com a quantidade de informações que todas as redes sociais coletam de nós e a crescente capacidade que elas têm de nos manipular. Sim, todas elas coletam uma quantidade obscena de informações de todos seus usuários.

Com isso, têm o poder de nos manipular ou pelo menos induzir sobre o que devemos ler, comprar, quem devemos seguir e até quem pode ser nosso novo melhor amigo. E isso é um poder sem precedentes na história da humanidade.

Há alguns dias, assisti ao documentário “O Dilema das Redes”, que estreou na Netflix no dia 9. Ele escancara como as redes sociais coletam continuamente as nossas informações, nos manipulam e até, de certa forma, como nos viciam.


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Como diz no documentário o professor da Universidade de Yale Edward Tufte, “existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”.

Para quem estuda o tema há anos, como eu, o filme não chega a trazer nenhuma grande novidade. Mas é interessante ver ex-executivos de gigantes do mundo digital contando claramente as ações mais sórdidas e condenáveis de seus antigos empregadores.

As redes fazem isso para ganhar dinheiro vendendo um dos commodities mais valiosos do mundo: a atenção das pessoas. Ou seja, empresas pagam para as plataformas digitais para que elas mostrem para nós produtos que tenhamos grande chance de comprar.

Portanto, nós não somos clientes das redes sociais; somos seu produto! Nós somos vendidos para os verdadeiros clientes, que são os anunciantes.

Isso é possível graças ao chamado “capitalismo de vigilância”, em que as empresas continuamente nos monitoram, coletando nossos dados, observando nossas ações, nossas conversas. Esse oceano de dados e a inteligência artificial de seus algoritmos lhes permitem antecipar tendências, prever comportamentos, descobrir nossos desejos e medos. Daí, para nos vender qualquer coisa, é só escolher no portfólio quase infinito de ofertas de anunciantes aquela que mais nos satisfaz.

Para isso, as redes devem nos manter continuamente “engajados”, para usar um termo popularizado por essas plataformas. Além disso, é interessante que sejamos afastados de pessoas que pensem de maneira diferente de nós, para reforçar nossas crenças, o que facilita as vendas.

Isso parece muito maquiavélico para você? E é mesmo!

Então por que aceitamos isso?

Porque nos causa prazer!

Viciados nas redes?

Temos necessidades biológicas ligadas a socialização. Precisamos conhecer e conversar com pessoas, e obter aprovação delas.

As redes nos oferecem isso em grande quantidade, ainda que superficialmente, o que libera dopamina em nosso cérebro. Ou seja, não somos viciados nas redes sociais, mas na dopamina que ela nos dá.

O filme mostra que isso acontece até com aquelas pessoas que dizem usar as redes sociais todos os dias, mas “apenas de maneira recreativa” e, por isso, dizem não ser viciadas.

Evidentemente elas estão erradas em algum grau!

Pesquisa da consultoria britânica GlobalWebIndex aponta que os brasileiros são o segundo povo que mais usa redes sociais no mundo, atrás apenas dos filipinos. Ficamos, em média, 225 minutos em redes sociais todos os dias, e esse tempo cresce continuamente.

Esse é o problema: nós queremos isso!

As redes sociais são uma perigosa zona de conforto para todos, acomodados por suas doses de dopamina e pelos serviços e facilidades, mesmo que isso nos mantenha em um “curral digital” à disposição dos sistemas.

Isso me lembra do filme “Matrix”, de 1999, na cena em que o personagem Cypher trai seus amigos humanos para que seja reconectado à Matrix. Mesmo sabendo que, na realidade, ele seria transformado em uma bateria viva para alimentar uma máquina, na sua mente ele teria a ilusão de uma vida de prazeres. E ele considerava uma ilusão doce melhor que uma realidade dura.

Quantos não pensam assim no mundo atual?

Sherry Turkle, professora do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e autora do livro “Alone Together” ( “Sozinhos Juntos” em uma tradução livre), afirma que, à medida que a conexão digital com as pessoas aumenta, nossas vidas emocionais diminuem. Seu argumento é que, apesar de estarmos constantemente nos comunicando com outras pessoas pelas redes sociais, essas trocas acabam não sendo autênticas, o que nos leva à solidão.

Daí, no documentário, Tristan Harris, ex-especialista em ética de design do Google, compara as redes a chupetas que usamos quando estamos tristes ou sozinhos. Só que, como estamos cada vez mais tristes e sozinhos, recorremos o tempo todo a elas.

O psicólogo social Jonathan Haidt explica que isso está relacionado ao enorme aumento de depressão, ansiedade, suicídio e autoflagelo entre adolescentes nos Estados Unidos. Segundo ele, essa geração, que começou a usar as redes sociais durante a pré-adolescência, está mais frágil e se arrisca menos na vida.

Nosso cérebro não é capaz de acompanhar tanta informação, tantas notificações, tantas interações com tanta gente ao mesmo tempo. A ironia é que, quando tudo isso foi criado, aparentemente essas empresas entendiam que estavam fazendo algo positivo aos usuários. Mas depois perceberam o incrível poder que tinham em suas mãos. E decidiram usar isso!

E tem mais: outras empresas e pessoas perceberam que poderiam usar esses recursos para vender seus produtos e impor suas ideias. O mais incrível é que elas não “hackeiam” o Facebook: apenas fazem uso das ferramentas da plataforma.

Em um exemplo extremo, temos a eleição de Donald Trump com presidente dos Estados Unidos em 2016, que contou com o apoio decisivo da empresa Cambridge Analytica. Ela roubou os dados de 87 milhões de usuários do Facebook para que depois os manipulasse em favor da campanha. Esse escândalo, aliás, é retratado em outro ótimo documentário da Netflix, chamado “Privacidade Hackeada”.

Desse mesmo saco podre, vêm, por exemplo, a polarização ideológica extrema, o negacionismo e outros comportamentos cancerosos de nossa sociedade retroalimentados nas redes sociais.

Sem escapatória

Não há como fugir disso totalmente. Mas podemos fazer algo!

Não temos como escapar do rastreamento. Mesmo que eliminemos nossas contas nas redes sociais, continuaremos sendo monitorados pelo smartphone e uma quantidade crescente de equipamentos em casa, no ambiente externo e até no que vestimos!

O que temos que fazer é “furar nossas próprias bolhas”, não acreditar em tudo que as redes sociais nos apresentam. E não basta seguir pessoas que pensam diferentemente de nós: o algoritmo sempre vai descobrir a nossa zona de conforto para tentar nos colocar de volta na “nossa bolha”.

Precisamos exercitar a toda hora o nosso senso crítico, por mais que isso exija energia. Temos que nos balizar por valores que não podem ser relativizados ou esquecidos, como o direito à vida, a democracia, a liberdade de expressão, uma sociedade mais justa e uma convivência construtiva com todos. E isso deve ser feito com nossos valores, e não com o que as redes nos jogam na cara.

Temos que ser donos de nosso próprio destino, por mais difícil que possa parecer!

“O Dilema das Redes” começa com uma frase do dramaturgo grego Sófocles: “nada grandioso entra nas vidas dos mortais sem uma maldição”.

Temos que ter essa visão crítica de tudo na vida! Caso contrário, se terceirizarmos nossa capacidade de decisão aos algoritmos, aí sim seremos apenas massa de manobra.

Reflexão: como destruir a verdade confundindo a mente das pessoas

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Guerra é paz.

Liberdade é escravidão.

Ignorância é força.

Acha que tem algo de errado nessas frases?

Elas decoram o Ministério da Verdade, um dos quatro do governo totalitário do Grande Irmão, presente no livro “1984”, de George Orwell (lançado em 1949), que aparece acima. Usei a imagem no meu vídeo dessa segunda, em que fiz uma análise sobre as novas formas de controle do cidadão por governos (veja em http://paulosilvestre.com.br/videodebate-o-governo-esta-de-olho-em-voce/).

Desde então, ela não sai da minha cabeça! O Big Brother manipulava todos pelo uso intenso de câmera, distorção do que as pessoas liam e do que elas aprendiam. O recurso da contradição, presente naquelas frases, é usado por Orwell em várias partes da obra para demonstrar como a própria percepção de realidade pode ser destruída nas pessoas.

Assim, o Ministério da Verdade manipulava as informações (fake news?), o Ministério da Paz cuidava da guerra, o Ministério da Fartura dizia que a economia ia bem, enquanto gerenciava a fome do povo, e o Ministério do Amor espionava e torturava a população.

Maquiavel lançou “O Príncipe” em 1532 como um guia para se chegar e se manter no poder. Você acha que “1984” está se tornando o livro de cabeceira de cada vez mais governantes atuais?

Videodebate: o governo está de olho em você!

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O que vale mais para você: sua segurança ou sua privacidade?

Você abriria mão dessa última para se sentir mais seguro? Muita gente diria que sim.

Vivemos uma realidade em que, cada vez mais, câmeras nos observam o tempo todo, em todo lugar. Na liderança mundial, a China já tem 200 milhões delas!

E se isso fosse imposto a você, e talvez você nem soubesse? E mais: e se esse controle começasse a comprometer o seu direito de viver sua vida como acha melhor? Ainda é um preço a se pagar por mais segurança?

O presente começa a se parecer com o mundo sombrio descrito pelo livro “1984”, de George Orwell, em que todos são doutrinados a ter um pensamento único e são controlados pelo governo por câmeras. A diferença é que agora, além das câmeras, há ainda a inteligência artificial nos vigiando.

Dá para ter segurança sem que sejamos manipulados? Veja a resposta no meu vídeo abaixo. E depois vamos debater sobre isso aqui nos comentários.



Videodebate: o que você causa nas pessoas

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Você tem UM GRANDE PODER nas mãos, mas talvez não saiba: o poder de influenciar as pessoas que estão a sua volta.
Com as redes sociais, ele ficou muito maior. E, junto com ele, você ganhou também uma grande responsabilidade!
Sim! Pois muita gente acredita no que publicamos nas redes, desde uma singela foto, até um artigo bastante analítico. E graças aos algoritmos de relevância das redes sociais, nosso conteúdo ganha públicos cada vez maiores.
Desnecessário dizer que, se dermos uma mancada, nossa reputação pode ir por água abaixo. Isso inclui escorregadas éticas, um caminho perigoso que muitos trilham, por parecer mais fácil para atingir seus objetivos.
Não caia nessa armadilha! Veja no meu vídeo abaixo como usar essa poderosa ferramenta para melhorar sua imagem, conseguir mais clientes ou aquele emprego tão sonhado!
Use esse poder para melhorar a sociedade ao seu redor. Que exemplos (bons e ruins) você tem para compartilhar conosco aqui nos comentários?



 

Videodebate: o governo controla você?

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Não olhe agora, mas o governo está rastreando você! Ele sabe onde você está, o que você pensa, com quem você anda, o que você lê, o que você compra, e muito mais. Tudo isso permite que ele determine, segundo suas regras, se você é um bom cidadão. E os “bons” passarão a ter uma vida mais fácil, enquanto os “maus” enfrentarão dificuldades crescentes. Loucura? Não se você mora na China! Esse sistema já está em testes por lá, e é um fato: não se trata de teoria da conspiração. Quanto disso também acontece no Brasil? E será que o governo está sozinho nesse jogo de controle social da população? Entenda melhor isso assistindo ao meu vídeo abaixo. E depois vamos debater o tema aqui 🙂



Temos que falar mais sobre como somos dominados alegremente pelo marketing digital

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O personagem Neo, do filme Matrix, acorda da ilusão criada pelas máquinas para roubar sua energia sem que perceba - Foto: reprodução

O personagem Neo, do filme Matrix, acorda da ilusão criada pelas máquinas para roubar sua energia sem que perceba

Já virou lugar-comum dizer que o consumidor hoje tem muita escolha. Graças aos meios digitais, podemos encontrar quem nos forneça o que precisamos de uma maneira cada vez mais alinhada aos nossos gostos. Parte disso acontece graças ao facílimo acesso que temos a todo tipo de informação e ao contato com pessoas com gostos semelhantes aos nossos. Essa liberdade de escolha transformou a maneira de como consumimos todo tipo de produto ou serviço, e tem feito as empresas se reinventarem, sob o risco de serem substituídas por concorrentes que conhecem e, por isso, atendem melhor seu público.

Mas será que nossas escolhas são mesmo livres? Ou vivemos dentro de uma bem arquitetada fantasia de que temos o controle de nossas vidas, quando, na prática, somos cada vez mais manipulados para o benefício de poderosos?

Nesse caso, qualquer semelhança com a trama do filme Matrix (1999), em que humanos eram mantidos em uma ilusão enquanto alimentavam uma monstruosa máquina com a energia de seus corpos, não seria mera coincidência.

Não estou pintando um cenário apocalíptico, de máquinas versus humanos ou de empresas subjugando seus consumidores. Quem me acompanha, aqui na rede ou fora dela, sabe que sou um grande entusiasta do uso da tecnologia digital para ampliar as capacidades humanas. Entretanto, para conseguirmos isso, temos que ter consciência do que está acontecendo a nossa volta, para que nos apropriemos desses recursos, ao invés de sermos controlados por eles.


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Esse assunto está tão pulverizado em nossas vidas, que foi tema da redação do ENEM desse ano, realizado há alguns dias: os alunos deveriam dissertar sobre “manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”.

Como sugeriam os textos no enunciado da redação, esse controle passaria pelos infames “algoritmos de relevância”. Tratam-se de sistemas que rastreiam continuamente tudo que é publicado na rede e também tudo o que fazemos nela. O objetivo é bastante simples: esses programas são responsáveis por nos mostrar, nos serviços digitais que usamos, conteúdos que sejam interessantes para nós. E isso não vale só para redes sociais: eles “filtram” aquilo que consumimos no noticiário, as respostas dos buscadores, serviços de música, fotos que apreciamos, produtos que compramos e até as pessoas com quem nos relacionamos!

Decidir o que é o mais relevante para cada um entre bilhões de usuários, por outro lado, é uma tarefa extremamente complexa, que envolve o cruzamento de uma infinidade de variáveis e um monitoramento contínuo e cada vez mais amplo e profundo de tudo que fazemos, de uma maneira que chega a ser assustadora. Dessa forma, muitas das empresas que prestam esse serviço, como Facebook, Google, Apple e Amazon conhecem nossos gostos com um detalhamento que, se duvidar, nem nós mesmos temos! Por isso, em muitos casos, são até mesmo capazes de antecipar nossos desejos.

É aí que a coisa começa a ficar complicada.

 

“Me engana, que eu gosto!”

Os algoritmos não entram no mérito se o que nos empurram é bom ou ruim. Eles nos apresentam apenas aquilo que consideram “relevante” (daí seu nome), ou seja, aquilo sobre o que as pessoas ou as marcas com quem nos relacionamos estão falando, usando, comprando. Enfim, aquilo que está gerando “movimento nas redes”. Logo, quanto mais somos parecidos a um grupo (segundo o sistema) e quanto mais um determinado tema está sendo debatido por ele, maior a chance de aquilo nos interessar também.

Essas regras estão entre os segredos mais bem guardados dessas empresas, pois o sucesso do seu negócio passa por seus usuários concordarem que aquilo que lhes é oferecido é realmente interessante. O incrível é que, de maneira geral, o que nos mandam parece mesmo bacana! E assim conhecemos e gostamos do que o Facebook e outros nos empurram!

Aí é que começa a manipulação, ainda que não seja esse o objetivo desses sistemas, a princípio. O grande efeito colateral disso tudo é a criação das “bolhas”: a partir do momento em que somos continuamente apresentados apenas àquilo que gostamos e a pessoas que pensam como nós, qualquer coisa pode se tornar uma “verdade”, mesmo que seja a mais incrível porcaria! Quando vivemos em um ambiente de “pensamento único”, nossos preconceitos acabam sendo reforçados.

Isso, por si só, já seria bastante ruim. Mas há ainda algo mais perverso nessa história: e se pessoas, empresas e as próprias plataformas conseguissem controlar os algoritmos para que víssemos o que é interessante a elas, e não a nós mesmos?

Teoria da conspiração? Antes fosse! As plataformas, especialmente o Facebook, dão contínuas provas de que isso acontece. Em março, isso foi escancarado pelo escândalo envolvendo a próprio Facebook e a empresa Cambridge Analytica: a última usou recursos da plataforma para roubar dados de 87 milhões de seus usuários para disseminar eficientemente “fake news”, que ajudaram na eleição de Donald Trump para presidente dos EUA.

O mais preocupante disso tudo é que o sistema é tão eficiente em nos exibir aquilo que combina conosco, que baixamos nossas defesas e abraçamos causas que não são nossas e que podem até mesmo nos prejudicar. Basta olhar para nossa última eleição presidencial: sem entrar no mérito de ser bom ou truim, venceu justamente quem soube usar os meios digitais de maneira mais eficiente, como eu já havia adiantado em um artigo escrito em maio.

Quer dizer então que somos seres indefesos, à mercê de sistemas malignos? Claro que não!

 

Aprenda a usar isso a seu favor

Apesar de todo o exposto acima, sou a última pessoa que diria que as redes sociais são ruins ou que estamos condenados a ser vítimas incapazes dos algoritmos. Na verdade, esses sistemas podem nos ser bastante úteis.

A primeira coisa é aceitar e entender que somos continuamente monitorados, e que não há como “enganar o Facebook” (como já ouvi muita gente afirmando fazer). Ao invés disso, devemos começar a desenvolver uma visão crítica do que nos é apresentado nas diferentes redes sociais.

Costumo brincar que “cada um tem o Facebook que merece”. Se você está vendo algo ali, não se engane: de alguma forma, deu pistas ao infame algoritmo para que ele imaginasse que aquilo seria de seu interesse. E isso vale também para LinkedIn, Instagram e qualquer outra plataforma. Portanto, não adianta ficar esbravejando com o que lhe jogam na cara. Faça uma autoanálise: quanto daquilo é resultado de suas inúmeras pegadas digitais (que todos nós deixamos)?

E aí vai a dica de ouro: não acredite em tudo que lhe contam, principalmente quando aquilo parece ser uma unanimidade a sua volta. Disse certa vez o grande Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”.

Dessa forma, a coisa pode ficar interessante para nós também!

As marcas, pelo menos as mais inteligentes, usam toda essa informação para nos conhecer melhor e, assim, oferecer produtos que atendam nossas expectativas com grande eficiência. E não fazem isso porque são “boazinhas”: fazem isso porque, com essa atitude, aumentam incrivelmente a chance de nos vender seja lá o que for!

Claro! Se alguém nos oferece algo que está totalmente alinhado com o que queremos, por um bom preço, na hora que estamos buscando, as chances de fecharmos negócio são imensas! Com um bom uso dessa tecnologia, os quatro pilares da gestão de relacionamento com o cliente –o cliente certo, a oferta certa, o momento certo, o canal certo– podem atingir um novo e poderosíssimo patamar!

As companhias devem apenas tomar cuidado para não escorregar na ética. Diante de uma infinidade de informações dos consumidores, até onde podem ir? De uma maneira geral, há uma pergunta que deve ser sempre respondida afirmativamente para seguir adiante: “estou usando uma informação que foi obtida de maneira legítima e que me foi entregue conscientemente para essa finalidade?”

Portanto, não precisamos ter medo ou tentar “enganar” as diferentes plataformas digitais, especialmente porque isso está cada vez mais impossível. Devemos, isso sim, usar a inevitabilidade de que somos rastreados e muito conhecidos, para que, cada vez mais, tenhamos ofertas que atendam nossas demandas.

Se tivermos essa consciência e essa visão crítica do que nos for apresentado, poderemos desfrutar de uma sociedade tecnologicamente desenvolvida, em que todos podem ganhar. Caso contrário, se terceirizarmos nossa capacidade de decisão aos algoritmos, aí sim seremos apenas massa de manobra.

Como você se encaixa nisso?


E aí? Vamos participar do debate? Role até o fim da página e deixe seu comentário. Essa troca é fundamental para a sociedade.


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