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Como matar um jornal –ou seu negócio– com pílulas para emagrecer

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Foto: Petr-Kratochvil / Creative Commons

De uns tempos para cá, ao final de notícias que eu leio na Internet, aparecem sugestões de “conteúdos relacionados” sobre “pílulas que zeram a fome e secam a gordura”. Não importa se a página é sobre política, economia, cultura ou até mesmo os meus próprios artigos publicados no Estadão: as malfadadas fórmulas do emagrecimento estão lá! Como não acredito em coincidências nos meios digitais, comecei a achar que o Estadão, Exame e outros veículos sérios estavam me chamando de gordo. Claro que não era isso! Só que esse comportamento bizarro pode ensinar algo a todos nós: temos que identificar e nos proteger das ameaças escondidas a nossa reputação.

Os responsáveis pelas infames chamadas são as “plataformas de descoberta de conteúdo”, basicamente o Taboola e o Outbrain. Sua proposta é gerar chamadas de conteúdos semelhantes ao da página em que o usuário estiver. Esse conteúdo pode ser do próprio veículo ou de terceiros. No último caso, os veículos que exibem as chamadas são remunerados pela plataforma, como se elas fossem anúncios, de maneira semelhante a programas como o Google AdSense. A diferença é que, ao invés de entregar banners, servem chamadas editoriais.

A ideia dessas plataformas, portanto, é legítima e muito boa: o usuário receberia conteúdo adicional do qual já demonstrou interesse, e os veículos ganhariam dinheiro por essas chamadas. Por isso, o Outbrain e o Taboola cresceram rapidamente, conquistando alguns dos maiores grupos de comunicação do mundo como clientes. Só que, na prática, não é bem isso que anda acontecendo.

O problema é que tais plataformas começaram a entregar todo tipo de porcaria como se fosse conteúdo relevante. Além disso, de relacionados à página atual, essas chamadas não têm nada! Logo, para que tenham chance de ser clicados, começaram a usar títulos e fotos apelativos (os caça-cliques), e a coisa virou um grande mercado persa, onde vale-tudo. Veja abaixo alguns exemplos de títulos de reportagens e artigos, e os “conteúdos sugeridos” associados a cada um:



Como se pode ver, não interessa sobre o que trata a página. O que o usuário recebe é sempre a mesma coisa: links para páginas comerciais apelativas, totalmente em desacordo com a própria linha editorial do veículo.

O Taboola e o Outbrain possuem regras claras sobre o que pode ser veiculado em sua rede. Além disso, possuem equipes editoriais que zelam pela qualidade do material que oferecem. Afinal, as duas empresas afirmam querer melhorar o nível geral da Internet com o seu serviço. Só que claramente algo não está dando certo.

Para piorar a situação, os veículos que distribuem essas chamadas têm, a sua disposição, mecanismos das próprias plataformas para banir conteúdos que considerem inadequados. Pela onipresença e irrelevância das chamadas nos exemplos acima –que já caracterizam um novo tipo de spam– e pelo nível rasteiro de seu conteúdo, todas elas já deveriam ter sido banidas pelos veículos. Mas isso não acontece, pois são justamente essas chamadas as que pagam mais. Logo, bloquear esse conteúdo seria como devolver um gordo cheque enquanto se passa fome.

É aí que a porca torce o rabo!

 

Faça o que mando, mas não faça o que faço

Acontece que os usuários não são otários! Apesar de, em um primeiro momento, parecer que as chamadas levam a conteúdo do próprio veículo, logo fica claro que aquilo é uma verdadeira arapuca. E aí as reclamações dos usuários começam a jorrar!

Uma ótima reputação é crítica para qualquer veículo de comunicação, de qualquer mídia. A credibilidade é a matéria-prima do jornalismo, pois, sem ela, as pessoas não consomem esse produto. E, sem público, não há receita alguma para essas empresas. Portanto, quando um veículo se presta a fazer qualquer coisa para ganhar uns cobres, inclusive publicar conteúdos que atentem contra a sua reputação, desaparece sua razão de existir. É um tiro na cabeça!

Ironicamente, isso acontece em um momento em que os próprios veículos querem assumir um papel de protagonismo na luta contra a chamada “desinformação”, conteúdos propositalmente falsos, mas criados e “plantados” nas redes sociais para que pareçam verdadeiros, para que seus autores atinjam objetivos questionáveis (e até criminosos). As grandes empresas de comunicação têm se posicionado como a solução contra esse conteúdo mentiroso, pois prezariam pela qualidade do que produzem e veiculam.

Mas se isso fosse verdade, como ficam então as suas promoções de pílulas de emagrecimento?

 

Ladrões de reputação no nosso cotidiano

Essas infames chamadas corroem a credibilidade que o veículo de comunicação construiu com muito esforço, alguns ao longo de muitas décadas de trabalho duro. Por evitar isso, importantes veículos internacionais, como Slate e The New Yorker, antes clientes dessas plataformas, deixaram de usar seus serviços.

Acho difícil acreditar que os responsáveis por empresas de comunicação sérias não percebam que trouxeram para dentro de casa um ladrão de reputação –o que torna tudo isso ainda mais inaceitável. Mas, no nosso cotidiano, às vezes cruzamos com obscuros processos, atitudes ou até mesmo produtos que podem minar a reputação de nossas empresas ou de nós mesmos, como profissionais.

Reputação não é algo que pode ser simplesmente comprada. Ela precisa ser continuamente cultivada com boas práticas. Fazendo bem o nosso trabalho, entregando produtos de qualidade, tratando respeitosamente nossos clientes, interagindo com nosso público e com a sociedade construímos a nossa imagem. E isso é fundamental para o nosso sucesso.

Entretanto um bom trabalho no passado não garante que nossa boa reputação continuará intacta no futuro. Esse é um processo contínuo, e precisamos estar atentos a “mancadas”, mesmo as mais obscuras, pois elas acontecem. Isso é absolutamente normal: ninguém acerta o tempo todo. A questão é o que você faz diante do problema. E, em tempos de redes sociais, em que o que fazemos certo aparece bem, mas o que fazemos errado aparece ainda mais, nossa reputação depende de como lidamos com o problema.

Não entrarei no mérito de gestão de grandes crises, o que renderia outro artigo. Eu me refiro aos pequenos roedores que vão comendo nossa reputação continuamente. Podem ser pequenas falhas no nosso produto, atendimento ruim aos clientes, comentários desastrosos em redes sociais, processos questionáveis para aumentar os lucros, entre outros.

A primeira coisa a se fazer é aceitar que esses problemas existem. Se não tivermos essa postura, muitas vezes nem percebemos que eles estão ali, comendo nossos pés. Em seguida, temos que lhes dar a devida importância, pois, se acharmos que eles são só “coisinhas”, sempre deixaremos a sua solução para depois, até que seja tarde demais. O problema deve ser corrigido imediatamente, e o público deve receber uma satisfação o mais rapidamente possível, pois estamos sob constante escrutínio dos nossos clientes e até mesmo da sociedade.

Uma vez identificados esses ladrõezinhos, precisamos lidar com eles, principalmente quando eles foram “convidados” para entrar. Em outras palavras, cuidado com o dinheiro fácil, pois ele sempre cobra depois seu real custo.

Portanto, não venda “pílulas de emagrecimento” no meio de seus verdadeiros produtos ou serviços. As fotos das moças de biquíni podem parecer sedutoras hoje, mas elas não duram para sempre. Quando elas forem embora, você estará sozinho e com sua reputação abalada. E, nessa hora, será muito mais difícil se reerguer.

O seu real valor está naquilo que você faz bem. Confie nisso e invista nas suas fortalezas.


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Por que os taxistas nunca vencerão o Uber (e o que você pode tirar disso)

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Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo

No dia 11, o prefeito Fernando Haddad regulamentou os aplicativos de transporte, como o Uber, em São Paulo. Isso desencadeou uma nova onda de protestos violentos dos taxistas, que acusam a empresa de concorrência desleal. Mas é uma luta que eles jamais vencerão, pois o Uber redefiniu o transporte de pessoas, “commoditizando” o serviço dos taxistas. E esse é um fenômeno social e econômico que pode atingir qualquer negócio ou categoria profissional.

Mas o que é essa “commoditização” de produtos e serviços? Isso acontece quando novas empresas, novas tecnologias ou novos modelos de negócios começam a oferecer a mesma coisa de maneira inovadora, acrescentando uma camada inédita de valor sobre algo que já existe. Nesse processo, o produto ou o serviço original continua lá e até pode ser essencial no novo formato, mas o público deixa de ver valor naquilo, passando a pagar apenas pela novidade.


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É o que o Uber fez com os táxis. Trocando em miúdos, os passageiros passaram a querer mais que o simples transporte em quaisquer condições, oferecido pelos taxistas. Para esses consumidores, o verdadeiro valor é ter esse serviço em um carro novo, limpo e confortável, com um motorista educado, treinado e bem vestido, com serviço de bordo. É por tudo isso que cada vez mais pessoas estão dispostas a pagar. E é isso que o Uber oferece, e os taxistas não conseguem –ou não querem– entender e fazer.

É claro que o que os taxistas e o Uber vendem é transporte de passageiros. Mas o Uber tirou o valor disso, que virou apenas o básico, aquilo que o público nem vê, por mais que seja a essência do serviço: foi “commoditizado”. O valor foi transferido para a camada de serviços extra.

O que os taxistas oferecem não vale mais. É por isso que não vencerão o Uber.

 

“Commoditizando” tudo

Mas isso pode afetar qualquer um, inclusive você, seja lá o que você faça. Isso porque, quando menos se espera, alguém pode chegar oferecendo a mesma coisa, só que de uma maneira que faça mais sentido para o seu público.

Qualquer jornalista já sentiu isso na pele. Com a popularização das redes sociais e a explosão de oferta de conteúdo de qualquer tipo, muitos colegas chegam a achar que a profissão encontrou o seu fim, com uma massa enorme e crescente de desempregados. Eles não estão sozinhos: veículos de comunicação tradicionais quebram um após o outro no mundo todo, incapazes de fazer frente à fuga de público e de anunciantes.

Assim como os taxistas, esses profissionais e essas empresas ficam em um “mimimi” eterno, reclamando que são eles que sabem fazer esse trabalho direito, que são eles que produzem o conteúdo de qualidade, e que isso custa muito caro! E que não é justo que novos veículos digitais cheguem e acabem com o seu monopólio da notícia, que durava mais de um século.

Oras, mas esses novos veículos, como a Vice, vão muito bem, e o que eles oferecem, na base, é conteúdo jornalístico. Mas eles tiveram sucesso em criar aquela “camada de valor extra”. Ou seja, o conteúdo jornalístico está mesmo “commoditizado”, mas ele serve para viabilizar esses novos títulos e profissionais.

Outro exemplo que gosto muito de citar é o da indústria fonográfica. Há uns 20 anos, ela era bilionária, com lucros calcados principalmente sobre a venda de CDs. Surgiram então os serviços de compartilhamento de MP3, como o Napster, que mostraram ao público que aquele modelo da indústria já havia caducado. Eventualmente isso acabou perdendo força, com as gravadoras processando os serviços e até seus clientes (o que demonstra como estavam dissociadas desse novo mundo).

Mas então a Apple lançou o iTunes, oferecendo a possibilidade de compra digital de cada faixa por uma fração do valor do álbum, e jogou a pá de cal no modelo de negócios de CDs. Só que esse modelo também já está perdendo força, sendo substituído pelo do Spotify, onde se paga um valor fixo por mês e se consome à vontade do seu gigantesco acervo de músicas online.

A música foi “commoditizada”: sorte do Spotify! Azar dos vendedores de CDs…

Agora pense com carinho: o seu produto ou serviço já está sendo “commoditizado” por alguém ou isso ainda vai acontecer?

 

Como escapar da “commoditização”

A Apple também poderia ficar rangendo os dentes, como as gravadoras, os jornais, revistas ou os taxistas. Mas, ao invés disso, ela reinventou seu serviço! O iTunes ainda existe, mas a empresa já lançou a Apple Music, exatamente nos mesmos moldes do Spotify. Porque, como diz o filósofo, “quem fica parado é poste!”

Esse deveria ser o mantra de todos os gestores, de qualquer negócio. Mais cedo ou mais tarde, isso que eles fazem tão bem e que parece essencial à sociedade perderá o valor. Se continuarem insistindo, serão substituídos por alguém com uma visão mais moderna dos negócios e do mundo.

Então voltemos ao caso dos taxistas, para entender como sobreviver à “commoditização”.

Não é o Uber que ameaça os taxistas, e por vários motivos. Primeiramente porque existe espaço para todos. Como a Prefeitura de São Paulo não emite novos alvarás para táxis comuns desde 1996, há um déficit estimado de 20 mil carros para transporte particular na cidade. O Uber pode triplicar a sua frota atual em São Paulo, que isso mal fará cócegas nessa demanda reprimida.

No final das contas, a verdadeira ameaça aos taxistas são o seu sindicato, a máfia dos alvarás e os próprios taxistas! O primeiro porque promove o ódio entre os motoristas e incentiva essa baderna que temos visto nas cidades. O resultado disso é um sentimento de rejeição ao serviço de táxi como um todo entre a população, seja pelos recorrentes transtornos causados por aquela parcela dos motoristas, seja pela repulsa à violência injustificável que alguns criminosos praticam contra motoristas e até passageiros do Uber.

Sobre a máfia dos alvarás (que chega a cobrar R$ 150 mil por algo que é uma concessão municipal), ela é uma facção do crime organizado que lesa a população e o poder público por manipular essas autorizações para obter lucros milionários. Os próprios taxistas são os principais prejudicados por esses bandidos, pois, para que consigam trabalhar, precisam comprar ou alugar essa licença, pagando valores astronômicos.

Portanto, se os taxistas realmente quiserem sobreviver à “commoditização”, não deveriam se organizar contra Uber, muito menos do jeito que estão fazendo. A solução dos seus problemas passa por ficar livres justamente desse sindicato, que os manipula, e dessa máfia, que os explora ao extremo. Os dois são dignos representantes do pior que existe na sociedade brasileira. Além disso, os taxistas precisam repensar o seu serviço: se o que eles oferecem não é mais o que as pessoas estão dispostas a pagar, é hora de se reinventar. E o Uber, ao invés de algoz, pode ser o modelo a ser seguido.

Não há como resistir à evolução do mercado. Ranger os dentes, distribuir pancada ou desqualificar novos concorrentes não resolverá o problema de nenhum negócio. A única solução é melhorar: ficar parado é o mesmo que piorar.


Vamos falar sobre a linguagem certa para público certo na Social Media Week? Esse é o segredo do sucesso nas redes sociais. É só entrar nesta página e clicar no botão verde de CURTIR abaixo da minha foto.


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Como não ficar obsoleto quando alguém fizer o seu trabalho

By | Educação, Jornalismo | 6 Comments

Foto: Saad Sarfraz Sheikh/Creative Commons

Na semana passada, em uma aula sobre marketing de conteúdo, discutia com meus alunos sobre como empresas têm produzido conteúdo sério e de alta qualidade para atrair público para suas marcas. Surgiu então a questão: o que sobra para a imprensa? O fato é que essa pergunta pode ser extrapolada para qualquer negócio: o que sobra para você quando outro começa a fazer o seu trabalho?

Em tempos em que a tecnologia digital democratiza todo tipo de meio de produção e que a economia compartilhada subverte modelos de negócios consagrados, isso assombra o cotidiano de muitos profissionais e de muitas empresas. Será que estão ficando obsoletos?


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A má notícia: sim, você já pode estar obsoleto. A boa notícia: você ainda pode virar esse jogo!

Para quem não sabe o que é, marketing de conteúdo é uma maneira relativamente nova de as empresas trazerem potenciais consumidores para suas marcas, atraídos por ótimo conteúdo editorial. Não se trata de material sobre a empresa e seus produtos, e sim reportagens e artigos sobre temas de interesse dos clientes. Portanto, ao invés de ficar empurrando os produtos para o público, como se faz no marketing convencional, o marketing de conteúdo inverte esse sentido: as pessoas vêm até a marca e eventualmente podem passar a considerá-la uma referência no tema abordado. Idealmente, acabam se tornando clientes de seus produtos. Nestlé e Red Bull são referência em marketing de conteúdo, por exemplo.

Naturalmente as empresas não cobrem todo tipo de conteúdo. A Red Bull tem uma cobertura muito boa de esportes radicais, automobilismo, games e música. E –sim– nesses assuntos ela substitui veículos de comunicação. Some-se a isso a crise de credibilidade pela qual a imprensa tradicional está passando, e a sua situação fica realmente muito delicada.

Mas os veículos de comunicação são só um exemplo de negócio que está sofrendo com novos galos cantando em seu terreiro. Já discutimos aqui o caso do Uber, que está fazendo os táxis comerem poeira na preferência dos passageiros. Também debatemos, em diferentes momentos, sobre a Netflix, e como ela se posicionou como uma alternativa muito vantajosa à TV aberta e até à TV por assinatura.

Novos negócios sempre substituíram velhos negócios. Porém isso vem acontecendo de uma maneira inédita, seja pela velocidade exponencial, seja porque indivíduos que eram antigos clientes passam a ser concorrentes de empresas centenárias da noite para o dia. Aquilo que levou anos e consumiu fortunas para ser construído pode ser substituído por alguém com uma mente aberta para os negócios, muita vontade de trabalhar, inteligência e, quem sabe, o aplicativo certo em seu smartphone.

Como sobreviver a isso?

 

Descobrindo onde está o valor

Negócios consolidados e bem-sucedidos não perdem seu valor de repente. Entretanto, se estar em uma posição de liderança de mercado pode ser bom para os negócios, pode esconder um terrível risco de miopia empresarial: não ver as mudanças se aproximando rapidamente.

Voltemos ao exemplo do Uber: não é difícil encontrar clientes reclamando de péssimos serviços prestados por muitos taxistas. Mas as pessoas continuavam usando os táxis por falta de alternativa. No caso das TVs por assinatura, seus clientes sempre reclamaram do alto preço da mensalidade, da baixa qualidade da programação, do excesso de comerciais e de terem que engolir uma infinidade de canais irrelevantes para poder assinar qualquer pacote.

Nos dois casos, os sinais de descontentamento eram públicos e claríssimos! Bastava apenas alguém aparecer com uma solução melhor para tornar aqueles negócios candidatos à extinção.

Alguém apareceu!

Mas nem os táxis, nem a TV por assinatura, nem a imprensa, nem qualquer outro negócio ameaçado precisa morrer. Desde que redescubram onde seus antigos clientes estão vendo valor hoje. E mudar o seu negócio para atender essa nova demanda.

Os taxistas, por exemplo, são incapazes de derrotar o Uber hoje porque insistem em continuar disputando os passageiros com aquilo que eles sempre fizeram: o transporte de passageiros. Os taxistas acham que é isso que o Uber oferece. Só que ele transformou o transporte de passageiros em uma commodity! Os clientes veem valor hoje em serem levados em um carro novo e limpo, com um motorista educado e de bom papo, com serviço de bordo e a um valor justo (que incrivelmente chega a ser mais barato que o dos táxis). Obviamente, por baixo disso tudo, está o transporte, que viabiliza o negócio, mas de onde o valor foi retirado pelos clientes. Quem continuar competindo nessa camada inferior estará fora do mercado em breve.

Esse é o raciocínio que deve permear a cabeça dos gestores de qualquer negócio moderno! De nada adianta continuar fazendo o que se faz há décadas, se alguém estiver fazendo a mesma coisa tão bem quanto (ou melhor) que você, e de uma maneira mais inteligente. Pior que isso: talvez o seu negócio esteja até sendo oferecido de graça por outras empresas que o tenham como um subproduto de sua atividade principal, ou apenas como parte de um modelo de negócios mais amplo. É o caso do marketing de conteúdo.

Pare de se achar o senhor da razão ou detentor de algum direito adquirido! Preste atenção aos movimentos do mercado, seus novos concorrentes, o que e como oferecem e, principalmente, ouça detalhadamente o que o público tem a dizer.

A única coisa que não pode acontecer é querer continuar fazendo tudo do mesmo jeito e esperar que as pessoas continuem pagando por seu produto ou serviço por causa dos seus lindos olhos (ou sua tradição, sua marca consagrada). A fidelidade morreu! É preciso dar um novo significado ao seu negócio e reencontrar seu público. Caso contrário, ele rumará melancolicamente ao seu fim, à sua obsolescência.


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Como o Uber pode ensinar jornais -e qualquer negócio- a prosperar

By | Jornalismo | 2 Comments

Foto: divulgação

Desde que discuti aqui a polêmica dos sites que dispensam usuários que têm ad blockers, me perguntam se o conteúdo afinal não tem mais valor. Resposta: não como as empresas de comunicação trabalham há 150 anos! Mas ele é fundamental para o negócio. E quem pode explicar isso é o Uber. Aliás, pode indicar o caminho para qualquer empresa de serviços na nova economia.

Mas o que o Uber tem a ver com um jornal? Ou o varejo, uma escola, um profissional liberal? Acontece que, na realidade que começamos a viver, não basta ser bom no que se faz: além disso, é preciso entregar o serviço e o produto que o consumidor quiser de uma maneira que lhe faça sentido. Aí reside o novo valor, aquele que as pessoas percebem e pelo qual estão dispostas a pagar! Todo o resto é commodity.


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Não é um conceito simples de entender, muito menos de aceitar. Mas ele está aí, subvertendo modelos de negócios consolidados há muitas décadas! No caso do Uber, a commodity é o transporte de passageiros. O que diferencia o Uber de um taxista convencional é que o primeiro vende a sensação do prazer de solicitar um motorista, com a garantia de que virá em um carro confortável, novo e limpo, com cortesia, boa conversa e um serviço de bordo superior. Embaixo disso tudo, está o transporte do passageiro, que evidentemente é o alicerce de todo o serviço, mas que não é mais pelo que as pessoas estão pagando. É por isso (e pelos recorrentes casos de agressão a motoristas e passageiros do Uber) que os taxistas estão perdendo a preferência do consumidor: eles querem continuar concorrendo nessa camada inferior do serviço, onde o valor, o diferencial vem sendo retirado pelos seus clientes. Não há como ganhar, exceto pela criação de leis retrógradas ou pela agressão física.

Consideremos o varejo: os produtos oferecidos e a própria venda são a commodity. Já há muitos anos –e isso vem sendo agravado pelo crescimento do e-commerce– o varejo (especialmente o grande varejo) vive uma situação dramática de uma dificuldade crescente de se diferenciar da concorrência. Afinal, todos eles fazem basicamente a mesma coisa, do mesmo jeito. Então todos partem para práticas autofágicas de baixar os preços e investir pesadamente em publicidade, queimando sua margem até o limite da irresponsabilidade. São recursos legítimos, claro! Mas o problema surge quando essas são as únicas ferramentas disponíveis, por sinal igualmente para todos.

Mas vejam os casos das startups Carrinho em Casa e Rabixo. Ambos são varejistas, mas que colocam uma camada extra de serviço acima da venda dos produtos em si. Perceberam que há pessoas sem tempo de fazer suas próprias compras (ou que não gostam ou simplesmente não querem) e criaram bons negócios resolvendo esse problema. São pequenas empresas, mas o conceito também vale para corporações gigantes, como a Amazon demonstra o tempo todo.

Voltando ao caso dos veículos de comunicação, a commodity é o conteúdo, mesmo que seja um excelente conteúdo! Se você, leitor, for um jornalista, pode estar com o cabelo em pé agora. Mas acredite: não é motivo para desespero! É apenas um alerta para mudanças que são inevitavelmente necessárias.

As pessoas sempre terão a necessidade de se informar. Em tempos pré-Internet, isso exigia ler jornais, revistas ou assistir ao noticiário na TV ou no rádio. Havia ainda um consenso de que, se quisesse ficar realmente bem informado, era necessário assinar pelo menos um jornal ou uma revista. E as pessoas pagavam por isso. Entretanto faziam isso por absoluta falta de alternativa! E as empresas de comunicação cresceram com a ideia de que o que elas vendiam era informação.

Ledo engano!

Claro que o conteúdo é importante: sem ele simplesmente não existiria a empresa de comunicação. Mas pelo que as pessoas estavam realmente pagando era a edição desse material, sua organização em páginas, impressão e entrega. E os veículos prosperaram assim, enquanto eram as únicas opções disponíveis!

Mas hoje todo mundo produz conteúdo, incluindo empresas que não tem nada a ver com isso (eu ouvi Red Bull?). Há conteúdo de alta qualidade de montão na Internet, e de graça! É commodity! Isso quer dizer que fica cada vez mais difícil ganhar dinheiro vendendo conteúdo.

Mas dá para ganhar muito dinheiro GRAÇAS ao conteúdo.

 

É como música aos ouvidos

Assim como o transporte de passageiros para o Uber, o conteúdo é algo essencial para viabilizar um negócio, mas não é O negócio. Algumas empresas de comunicação, como Vice e Catraca Livre, já sacaram isso, e, apesar da natureza do seu produto, aprenderam a ganhar dinheiro de outras maneiras. O papel do conteúdo ali é aumentar a sua reputação e a sua popularidade, viabilizando os outros negócios, onde está o dinheiro.

Nesse sentido, o jornalismo vai muito bem! Quem vai mal são as empresas e os profissionais que continuam querendo ganhar dinheiro apenas vendendo a notícia.

O conteúdo jornalístico não é o único que passou por esse choque de realidade. Muito mais emblemático foi a derrocada da indústria fonográfica no modelo de venda de música em CDs. Venceram parcialmente a primeira batalha, a dos usuários trocando as músicas no formato MP3. Mas foram destruídos quando a Apple lançou o iTunes, que começou a vender as músicas individualmente a US$ 0,99, de uma maneira cômoda, segura e de alta qualidade. Quem continuaria comprando CDs diante disso?

A pá de cal veio com serviços como o Spotify e o Apple Music, que tornaram o iTunes obsoleto: por uma pequena assinatura mensal, dão acesso ilimitado a um acervo gigantesco, em qualquer lugar. Para o consumidor, é música aos ouvidos.

Nem todos os artistas acham isso bacana, especialmente as grandes estrelas. Argumentam que esses serviços lhes pagam apenas uma pequena fração do que eles ganhavam vendendo CDs. E isso é verdade!

Mas eles não vendem mais CDs.

A música também virou commodity. Esses serviços não vieram para substituir os discos. São um espaço de divulgação e consolidação dos artistas. Se os medalhões ganham hoje muito menos, existe a contrapartida que artistas obscuros podem conhecer a fama de uma maneira que jamais aconteceria quando as gravadoras dominavam o processo. O sistema democraticamente dividiu os ganhos entre muito mais gente. E quem é famoso deve agora ganhar dinheiro de outro jeito, por exemplo fazendo shows.

 

Críticas ao modelo

Muita gente acha tudo isso um absurdo!

Há muitos críticos, por exemplo, ao Uber. Eles dizem que a empresa explora os motoristas, ganhando em cima deles, que são os donos dos carros e os únicos a correr riscos (inclusive de apanhar de taxistas raivosos). Seria, portanto, o capitalismo do pior tipo.

Esses críticos deveriam conversar com esses motoristas. Uso o serviço frequentemente e sempre faço isso. Seus trabalhos anteriores variam de engenheiros a motoristas de táxi. Até hoje não encontrei um que não estivesse satisfeito com o modelo. Nenhum deles me pareceu explorado; na verdade, a sensação mais comum era de gratidão. Afinal, sem isso, estariam desempregados.

Não quero parecer Poliana. Sei que o Uber já disse que, no futuro, espera ter uma frota de carros-robôs, sem motorista. Mas isso ainda vai demorar um bom tempo, pois os tais carros ainda estão em testes preliminares. Até lá, os motoristas continuarão felizes.

Os críticos afirmam que o Uber ganha dinheiro sem risco e “sem fazer nada”. Essa é uma afirmação maniqueísta e rasa, pois a empresa atua justamente na camada do negócio onde está o real valor, como descrito mais acima. Sem isso, o que nos restaria seriam os taxistas, e os motoristas do Uber talvez estivessem desempregados.

São como Elton John, que, em 2007, propôs o fim da Internet, pois ela estaria “destruindo a indústria musical e as relações interpessoais”. Na verdade, ele reclamava porque não estava mais vendendo tantos CDs.

Gosto muito das músicas dele, mas prefiro ouvi-las no Spotify. Por outro lado, irei feliz ao seu próximo show!

Desde que eu perceba valor naquilo.


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Por que algumas pessoas estão odiando a imprensa

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Ilustração da primeira sede do Estadão, um sobrado da rua do Palácio, atual rua do Tesouro, no centro de São Paulo: depois de 140 anos, o jornal continua vivo - Imagem: reprodução

Ilustração da primeira sede do Estadão, um sobrado da rua do Palácio, atual rua do Tesouro, no centro de São Paulo: depois de 140 anos, o jornal continua vivo

Recentemente o Brasil 247 retirou parte de uma conversa de Rodrigo Mesquita do contexto e, a partir dela, publicou “Herdeiro do Estadão: os jornais estão mortos“. Não discutirei o sensacionalismo barato do post, mas me preocupou muito a longa cadeia de comentários destilando um enorme ódio contra a imprensa e seus principais veículos. Algo na linha de “o Estadão tem mais é que morrer mesmo, e levar a Globo junto!”

A primeira coisa que pensei é que aquilo tudo era um rescaldo da hiperpolarizada eleição presidencial, que dividiu o país entre “azuis” e “vermelhos”, e onde alguns veículos da imprensa, mais notadamente a Veja, jogaram pesado -e às vezes sujo- no exercício da oposição. Mas, pensando melhor, isso não deveria ser suficiente para causar tamanha aversão, pois ela já vinda aparecendo com muita força desde as grandes manifestações de rua de 2013, quando alguns jornalistas que faziam sua cobertura chegaram a ser agredidos pela população, pelo simples fato de serem jornalistas.

Há algo muito perigoso nisso. Apesar de o jornalismo existir desde o Império Romano, sua versão moderna data do século XIX. Aqueles veículos rudimentares informavam a população de onde circulavam sobre os acontecimentos do local, do país e, quem sabe, do mundo. Eventualmente defendiam causas e tinham seu alinhamento político. De qualquer forma, a população se sentia representada pelo “seu jornal”.

Essa representação é um dos pilares do jornalismo. Uma imprensa livre é fundamental para a construção e manutenção de uma democracia. Por isso, a cartilha de qualquer ditador reza que a imprensa deve ser domada e silenciada o quanto antes. O finado Hugo Chávez refinou essa técnica, incutindo na população a ideia de que uma imprensa contrária ao governo é automaticamente contrária ao povo, quando, na verdade, normalmente acontece o contrário.

Se um veículo não consegue mais representar seu público, então ele perdeu sua razão de ser. Quando se radicaliza, como nos casos de Veja e Carta Capital, abre mão de parte da população em nome do que defende, mas ainda há um outro grupo que o apoia. Do lado do público, se alguém não gosta de um veículo, sempre haverá outro com o qual se alinhe. Mas o que vejo desde junho de 2013 é uma parcela crescente da população aparentemente abominar toda imprensa.

Não há dúvida que essa abjeta característica do chavismo chegou e se consolidou no Brasil, em grande parte por uma propaganda muito bem orquestrada nas redes sociais. Mas a grande imprensa não está ajudando em nada para reverter esse quadro. Já se foi o tempo em que a massa consumia sem questionar o que os veículos publicavam. As suas radicalizações são como gritos aos ouvidos de quem consome seu noticiário de maneira crítica (a melhor maneira, por sinal). Não estou dizendo que as publicações não devam defender uma posição ou mesmo se alinhar a um candidato em uma eleição. Isso é legítimo e saudável, desde que não esqueçam que, como veículos jornalísticos que são, devem realizar suas coberturas abrindo espaço para os outros lados, sem mentir ou destruir reputações apenas para fazer valer as suas teses.

Os próprios veículos -e ninguém mais- podem resgatar a confiança de seu público. E eles precisam se esforçar, genuína e rapidamente, nessa tarefa, ou a provocação barata do Brasil 247 acabará se concretizando.

Por que não temos um “Netflix de revistas e jornais”?

By | Jornalismo, Tecnologia | No Comments

Banca de revistas

Cansei de ouvir de executivos de empresas de comunicação que os negócios vão mal porque as pessoas não querem mais pagar por conteúdo. Isso é desculpa de quem não consegue ou não quer transformar seu produto para o novo mercado, pois acontece exatamente o contrário: as pessoas nunca pagaram tanto por conteúdo.

Basta ir aos cinemas para comprovar: seus ingressos chegam a custar quase tanto quanto uma assinatura mensal de jornal, mas as sessões estão lotadas. E há também o Netflix, que, no meio do ano passado, ultrapassou a incrível marca de 50 milhões de assinantes. No campo da música, o Spotify virou este ano com 60 milhões de usuários, sendo 15 milhões pagantes.

Seria legítimo, portanto, perguntar: por que não temos um “Netflix de jornalismo”? Um sistema que aglutinasse uma grande quantidade de títulos, de diferentes empresas, disponíveis para leitura livre a um preço módico. O problema é que isso já existe e não vai bem das pernas.

Duas empresas americanas oferecem um serviço assim. A mais antiga, a Next Issue, cobra US$ 14,99 para acesso livre a 140 de algumas das melhores revistas dos EUA, inclusive semanais. Já a recém-chegada Magzter cobra R$ 26,80 (sim, está disponível no Brasil) para acesso irrestrito a mais de 2.000 revistas de diferentes países, porém a grande maioria delas obscura. Há também um aplicativo brasileiro, o Iba, da Abril, que cobra R$ 19,90 por mês pelo acesso há quatro revistas mensais ou uma mensal mais uma semanal ou quinzenal. O acervo é modesto: apenas 28 revistas da própria Abril.

Apesar de a Abril afirmar que possui mais de 500 mil usuários no Iba, o mercado enxerga o produto como um pato manco, uma experiência da empresa que está fazendo água, ainda mais depois de encerrar as parcerias com outro publishers, que garantiam acesso a seus também a jornais e livros.

O Iba tem dois problemas principais. O primeiro deles é comercial: os assinantes não se sentem seduzidos pela sua oferta, proporcionalmente mais cara que a dos americanos acima, por exemplo. A Abril, por outro lado, não baixa mais o preço, pois isso poderia canibalizar a assinatura das mesmas revistas em seus aplicativos próprios ou nas versões impressas.

O outro problema está no que o usuário recebe, e esse problema afeta também a Next Issue e a Magzter. Apesar de funcionarem em dispositivos digitais e possuírem algumas implementações multimídia, as revistas baixadas em todos esses sistemas são basicamente uma cópia da edição impressa. E o público já não vê muita vantagem em aguardar uma semana inteira (ou uma quinzena ou um mês!) para receber um grande pacote de noticiário frio, com pouca ou nenhuma integração com seus amigos em redes sociais, sem ligações com outras fontes de conteúdo online, sem interatividade e recursos multimídia. Coisas que a Web e principalmente aplicativos mais arrojados de terceiros (e que muitas vezes se “alimentam” de conteúdo dessas revistas) fazem esbanjando categoria.

Um bom exemplo de como as pessoas não querem mais saber desse produto editorial organizado e vendido como revista foi o fechamento do The Daily, cuja última edição circulou no dia 15 de dezembro de 2012, antes de completar dois anos. Para quem não se lembra dele (ou nunca o conheceu), The Daily foi o primeiro jornal criado especificamente para o iPad. Tratava-se de uma grande promessa, capitaneada por Rupert Murdoch, o mogul da News Corp. (que nunca escondeu sua aversão às inovações da mídia digital), e com apoio técnico da própria Apple. Mas, como um Titanic digital, falhou fragorosamente, pois quis empurrar um velho formato para um público ávido por verdadeira inovação. Bonitinho mas ordinário.

Há ainda a concorrência das Bancas do Google e da Apple, que oferecem, de maneira muito bem integrada ao Android ou ao iOS, todas essas revistas em seu formato digital, para quem eventualmente quiser ler seu conteúdo dessa forma.

Iba, Next Issue e Magzter não vão bem porque os responsáveis por eles continuam pensando como executivos de mídia impressa, na concepção dos seus produtos e principalmente no seu modelo de negócios. É por isso que eles nunca serão um Netflix ou um Spotify. Esses daí, por mais que entreguem conteúdos originários de outros “mundos” (cinema e música), souberam adaptar seu produto e seu modelo de negócios ao que as pessoas querem.

A turma do impresso deveria prestar mais atenção no Flipboard e afins. Sim, são gratuitos, mas eles estão mostrando o caminho a seguir.

A falta de inovação do Mídia Ninja

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Bruno Torturra e Pablo Capilé, no Roda Viva do último dia 5 - Foto: Reprodução

Bruno Torturra e Pablo Capilé, no Roda Viva do último dia 5

Desde as megamanifestações que sacudiram o Brasil em junho, muito se fala sobre o Mídia Ninja, um grupo de jornalismo que tem sido incensado como revolucionário em seus formatos editoriais e de financiamento. Cheguei até a ter a esperança de que a cambaleante “mídia tradicional” poderia aprender algo com eles. Mas acabei concluindo que, na verdade, as propostas dos Ninjas não têm nada de inovadoras.

Os líderes do movimento, Bruno Torturra e Pablo Capilé, tentaram explicá-las no Roda Viva do último dia 5. Durante grande parte do programa, os entrevistadores se concentraram em como o movimento se financia, e não faltaram sugestões de que os Ninjas seriam, na verdade, aparelhados pelo PT. Não entrarei aqui na questão política: quero debater o que eles estão trazendo para o jornalismo.

Assistindo à entrevista, concluí que a o movimento está infelizmente muito longe de um caminho viável. Suas propostas me lembraram de visões românticas e às vezes inocentes típicas das start-ups de tecnologia que naufragam com uma boa ideia nas mãos.

A principal falha na proposta dos Ninjas é depositar pesadamente no público a responsabilidade pelo financiamento da produção jornalística. Curiosamente isso não é diferente do que propõem os donos dos grandes veículos, principalmente da mídia impressa, que vem sofrendo de maneira mais dramática com o naufrágio do seu modelo de negócios.

Claro que o ideal é que qualquer jornalismo seja financiado pelo seu próprio público, quanto mais, melhor. Assim garante-se um dos valores mais caros da atividade, que é a sua independência. Mas, como disse acima, calcar seu modelo de negócios nisso demonstra que os Ninjas terão que mudar de ideia rapidamente se não quiserem desaparecer. E o próprio Bruno admitiu no programa que só pensará em vender anúncios a empresas, quando “o dinheiro público, DO público (ops, a falta inicial dessa contração foi um ato falho?) fracassar”. Oras, é um modelo que então já prevê o seu fracasso?

Essa tentativa de convencer o público de canais online a pagar pelo conteúdo já vem sendo tentado de diferentes maneiras há uma década por gente muito boa (dos pontos de vista tecnológico e jornalístico), sem sucesso. As pessoas estão dispostas a pagar sim pelo que consomem, mas está cada vez mais difícil convencer alguém a pagar pelo conteúdo em si: elas pagam quando ele faz parte de algo maior, de um serviço que transcende o jornalismo na maneira como ele se insere em suas vidas.

A incapacidade de entender isso é o que está matando, por exemplo, os jornalões, que veem seus assinantes e anunciantes diminuindo continuamente. Mas eles ainda têm algo nas mãos, pois partiram de um grande volume construído historicamente. No caso dos Ninjas, que estão partindo do zero, correm o risco de fazer um “microjornalismo” para 300 ou 400 pessoas, como os shows dos artistas incubados pelo Fora do Eixo, movimento irmão do Mídia Ninja focado em atividade artísticas. Nesse caso, perdem outro valor importante para o jornalismo, que é a representatividade social. Não se faz jornalismo apenas para seus colegas, para quem pensa igual a você ou para quem já conhece a história: jornalismo deve ser feito de maneira ampla, para a sociedade.

Jornalista cidadão

Os Ninjas se apoiam em uma meia verdade, quando dizem que é possível fazer jornalismo com baixos custos. A parte em que isso é verdade acontece justamente em coberturas como as realizadas nas manifestações de junho, que tornaram o grupo famoso. Nesse caso, basta sem a pessoa certa, no lugar e na hora certos. Com celulares, é possível sim fazer esse tipo de bom jornalismo a um custo baixo.

O melhor exemplo disso para mim não é de hoje e nem é dos Ninjas. Ele aconteceu em 26 de dezembro de 2004, após o tsunami que devastou o sudeste asiático, principalmente a Indonésia. Naquele desastre, alguns sobreviventes realizaram uma grande cobertura jornalística usando seus celulares (que eram muito mais primitivos que os atuais), praticamente a única coisa que continuou funcionando após a tragédia. A grande mídia demorou incrivelmente um par de dias para perceber o que havia acontecido naquele lado do mundo, desembarcando atrasada (e em massa) para sua cobertura, como a cavalaria chegando e tocando sua corneta, depois que pioneiros e índios já tivessem se massacrado.

E justamente aí reside a metade falsa da premissa do movimento. Sim, tanto os Ninjas nas manifestações de junho, quanto os sobreviventes do tsunami realizaram uma cobertura de qualidade a custos baixos. Mas e se ninguém tivesse feito isso naquele 2004 indonésio e restasse à grande mídia executar essa tarefa, ainda que tardiamente? Custa muito dinheiro mobilizar rapidamente uma grande equipe e enviá-la ao outro lado do mundo para fazer jornalismo. E isso acabou acontecendo em um segundo momento, de maneira complementar ao trabalho inicial dos sobreviventes.

Vale ressaltar outra diferença entre o Mídia Ninja e iniciativas típicas de jornalismo cidadão, como no caso do tsunami de 2004. Os Ninjas querer fazer parte da noticia, ao invés de noticiá-la. Isso ficou claro quando seus líderes disseram no Roda Viva que filmaram detalhes das manifestações e fizeram entrevistas específicas para deliberadamente proteger os manifestantes.

Não há nada de errado em se fazer isso, desde que seja como manifestante, e não como jornalista. Nesse segundo caso, deve-se fazer a sua cobertura para apurar os fatos, e eles sempre têm muitos lados. Por mais que odeiem os policiais que estavam descendo a borracha nas pessoas, eles devem ser ouvidos para que deem a sua versão dos acontecimentos. Assim como os manifestantes pacíficos, os black blocs, os políticos, o cidadão que estava lá só de passagem. Todos eles têm sua versão dos mesmos fatos, e devem ser ouvidos. Sem isso, o público, mal informado, se afasta da verdade, e o trabalho vira antijornalismo.

A contribuição dos Ninjas

Então o Mídia Ninja não inova em nada? Penso que não. Mas eles trouxeram sim uma importante contribuição. Não por terem inventado algo novo, mas por terem resgatado um princípio importantíssimo do jornalismo que anda meio esquecido nas grandes redações e que a nova geração de colegas pouco viu: uma reportagem destemida, que, para apurar uma notícia, vai até o fim, pensa de maneira criativa e até impertinente, e que não se deixa intimidar.

Incentivados por uma política de redução de custos que prefere que os jornalistas saiam pouco das Redações, os grandes veículos se transformaram em espaços de denuncismo, insuflados por fontes com interesses nem sempre nobres ou confiáveis. E essa prática condenável divide o espaço com um jornalismo chapa-branca, com pautas políticas ou empresariais sonolentas, com uma mesmice chata e acomodada. Até a opinião dos veículos, fora de assuntos políticos, parece anêmica.

A chamada “grande imprensa” deveria prestar atenção a essa turma que “vai para cima” apenas com um celular na mão. Não para desprezar os seus erros, mas para resgatar com eles o que perderam ao longo dos anos. E –sim– se reinventar.

Nesse caso, um novo, sério e robusto jornalismo poderia surgir das cinzas do cruzamento dos veículos centenários e dessa nova turma. Se isso acontecer, o Mídia Ninja terá dado a sua contribuição à sociedade, afinal.

O que Jeff Bezos quer com The Washington Post

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Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, que acaba de comprar The Washington Post - Foto: Steve Jurvetson/CC

Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, que acaba de comprar The Washington Post

A semana começou com uma notícia que sacudiu a indústria de mídia. Na segunda, The Washington Post, um dos mais respeitados jornais do mundo, anunciou sua venda (juntamente com toda a unidade de jornais da empresa) para Jeff Bezos, criador e CEO da Amazon. Mas, desde então, apesar de inúmeras reportagens e artigos sobre a transação, ninguém ainda respondeu categoricamente a pergunta que muitos estão fazendo: afinal, o que Jeff Bezos quer com The Washington Post?

O magnata da Internet, que ajudou a cunhar o conceito de e-commerce começando a Amazon em uma garagem em 1994, pagou US$ 250 milhões pelo Post, uma relativa pechincha, cujo valor representa cerca de 1% de sua fortuna pessoal. É importante observar que a aquisição foi feita com seu dinheiro pessoal: não foi a Amazon que fez a compra.

Apesar de Bezos afirmar que não pretende fazer mudanças no jornal, que não ocorrerão demissões e que toda a diretoria editorial será mantida, seus novos funcionários ficaram chocados com a novidade. Até uma carta aberta, assinada pelo colunista Gene Weingarten, foi publicada. O empresário também já deixou claro que não mudará de Seattle, de onde controla a Amazon, para a capital dos EUA.

No meio desse cenário de palpitações, uma coisa se pode afirmar com boa dose de segurança: o que Bezos realmente comprou não foi um jornal, especialmente por ser um jornal que, a despeito de sua qualidade e importância social e histórica, apresenta seus números todos apontando para baixo. O que ele realmente adquiriu foi uma marca robusta e um grupo de pessoas talentosas que sabem como fazer bom jornalismo. E isso não tem nada a ver com o papel que ainda distribui grande parte desse conteúdo.

Apesar de US$ 250 milhões ser muito dinheiro, se tudo der errado, Bezos não ficará pobre. O que quero dizer é que seu investimento pessoal representa um risco baixo para ele. Mas não se deve pensar que esse movimento foi uma excentricidade ou aventura do empresário. Bezos é um reconhecido visionário e um astuto homem de negócios. Não iria simplesmente torrar 1% da sua grana. Ele –claro– sabe de algo que nenhum de nós sabe, nem mesmo a turma do The Washington Post: a resposta à pergunta do primeiro parágrafo.

O conteúdo não é mais o rei

Até há poucos anos, os diretores de redação das diferentes mídias, inclusive da digital, bradavam que “o conteúdo é o rei!” Honestamente quem inventou essa história deve ter sido um colega jornalista. Parecia fazer sentido então, mas, se fosse verdade, a mídia impressa, onde provavelmente mais se produz bom jornalismo, não estaria ladeira abaixo.

É óbvio que conteúdo de qualidade é e sempre será importante. As pessoas sabem disso, e consomem mais conteúdo que nunca. Porém ele sozinho não sustenta mais as empresas. O “modelo de negócios”, termo indissociável quando se discute a crise da mídia, é o que mudou. E quem está ganhando dinheiro hoje com conteúdo (próprio ou dos outros) é quem conseguiu enxergar e surfar nessa mudança. E adivinhem só: são principalmente as empresas de tecnologia, não as de mídia. Apesar de as últimas alimentarem as primeiras com seu conteúdo.

Aí entra Bezos. Como novo dono do The Washington Post, ele poderá aproveitar o excelente conteúdo que sua nova equipe é capaz de produzir de maneiras que os Graham, os donos do Post pelos últimos 80 anos, jamais pensaram (ou ousaram). Apenas para ficar na mais óbvia, não me espantaria se, em breve, proprietários de Kindles, os e-readers e tablets que são a joia da coroa da Amazon, passassem a ter acesso irrestrito aos produtos do Post, enquanto o resto do mundo teria que pagar algo por isso. É um belo apelo de vendas para o Kindle, especialmente para o consumidor americano.

Nesse caso, The Washington Post poderia trocar a tendência dos jornais fadados ao desaparecimento pela tendência das empresas de mídia que são financiadas por negócios muito maiores e mais robustos que precisam de conteúdo, ainda que isso não seja o seu core business.

Nesse caso, quem diria, Bezos poderia salvar o jornalão por não pensar como os jornalistas. Não os da Redação, mas os da administração. Acompanharei detalhadamente o desenrolar dessa compra e torcerei pelo sucesso da operação. Não apenas por isso poder jogar um pouco de luz para uma importante indústria que está se debatendo para sobreviver, mas porque me entristece muito a morte de um jornal.

Quem vem depois?

Por que os próprios publishers não pensaram –eles próprios– em algo assim? Claro que é mais fácil quando se é dono da Amazon e do Kindle, e se compra um dos bastiões do jornalismo mundial como a maioria de nós compra uma televisão.

O fato é que eles poderiam –e ainda podem– aproveitar várias oportunidades que estão quicando na área. Mas me atrevo a dizer que lhes falta ousadia e também humildade.

Muita gente acha que The New York Times será o próximo a trilhar esse caminho do The Washington Post. A turma da capital mesmo escreveu sobre isso.

E no Brasil, alguém vai comprar os jornalões e reinventá-los antes que eles desapareçam? Até 2010, parecia que a crise dessa indústria ainda não tinha chegado aqui com força.  Alguém duvida hoje que essa água já está no pescoço?

Mais um round entre a mídia míope e o futuro

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Logos da Rede Globo em 1965 e hoje

Logos da Rede Globo em 1965 e hoje: o grupo está perdendo a capacidade de olhar para o futuro?

Os profissionais dos diferentes veículos das Organizações Globo estão proibidos de colocar links nas fan pages dos próprios veículos no Facebook. Continuam fazendo chamadas, mas nada de link, apenas frases toscas como “Leia a reportagem no site de ÉPOCA”. O G1 radicalizou: usa uma imagem padrão agrupando indiscriminadamente seus títulos, três a três, sem qualquer outra preocupação: uma “antichamada”.

Chega a ser patético o apelo para que os usuários entrem no site do veículo e saia procurando pelo conteúdo que quer ler, uma tentativa medíocre e desesperada de aumentar a audiência valendo-se de um desserviço ao próprio usuário. A iniciativa só não é mais ridícula que a falta de raciocínio que levou a ela: para os executivos da Globo, o Facebook “rouba” audiência de seus portais, assim como agregadores ou leitores de RSS. Segundo essa visão com miopia beirando a cegueira, usuários estariam se “satisfazendo” com as chamadas criadas pelos próprios jornalistas e as três primeiras linhas do texto que o Facebook automaticamente replica na chamada.

Se isso fosse verdade, tiraria algumas conclusões. A primeira seria que o conteúdo de todos os produtos da Globo seria uma porcaria tão rasteira, que ninguém se interessaria em ler nada além daquelas poucas palavras na chamada. Também poderia concluir que os responsáveis pelas fan pages seriam tão incompetentes que nada que eles produzissem convenceria os usuários a visitar suas páginas.

Felizmente não é nada disso: os conteúdos da Globo normalmente são bons, e os únicos incompetentes nessa história são os que propuseram essa iniciativa lamentável. Esse é apenas o mais recente capítulo da briga entre a mídia tradicional, que, apesar de ainda ser capaz de produzir bom jornalismo, tem uma visão de negócios cada vez mais decadente. Diante de sua constatação de ser incapaz de controlar o futuro, tente impedir sua chegada, parando de dar corda no próprio relógio.

Por que o Facebook incomoda tanto esses arautos do ostracismo? Porque ele, assim como o Google, agregadores e outros produtos e serviços que ditam as tendências de distribuir conteúdo de uma maneira inteligente e pensando no usuário, diminui ainda mais a relevância das home pages de portais e sites desses veículos. Até havia alguns anos, quando eles ainda detinham o poder sobre a produção e distribuição do conteúdo jornalístico, a melhor maneira de se informar era entrando nessas home pages. Com elas, as empresas promoviam o conteúdo que consideravam pertinentes e dirigiam os usuários dentro de sua estrutura de navegação. De quebra, geravam dezenas de milhões de page views nesse processo, o que significa dinheiro extra entrando no caixa. E até hoje elas ainda representam uma porcentagem muito considerável no total de page views desses sites. Portanto, para eles, qualquer coisa que ameace essa vaca leiteira deve ser combatido.

Mas o mundo mudou. Desde que “o Facebook se tornou o jornal e seus amigos os editores”, as home pages deixaram de ser importantes. Para as pessoas, é muito mais interessante ler o que seus amigos estão promovendo que as escolhas feitas pelos editores. Por isso, atitudes retrógradas como essa adotada pela Globo só demonstram como os executivos das empresas de mídia estão descolados do mundo que seus veículos cobrem. Não reverterão em nada a linha descendente de sua audiência e ainda desestimularão as pessoas a dar links para seus conteúdos.

Ao invés de continuar combatendo o futuro, os executivos das empresas de mídia precisam aprender a tirar proveito do que ele tem a oferecer, incluindo aí o Facebook, o Google, os agregadores e tantas outras coisas que eles insistem em demonizar. Não é “dar de graça” seu trabalho, e sim apresentá-lo da maneira que seus clientes querem, para assim continuarem sendo seus clientes.

Ah, normalmente eu daria links para fan pages de veículos da Globo. Mas não farei isso.

A nova pressa do jornalismo

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Duas versão da primeira página do fictício The Sun - Imagens: reprodução

De “GOTCHA!” a “They Didn’t Do It”: a mesma notícia, a mesma foto, o mesmo veículo, porém com mais ética e menos pressa

Vivemos um momento de riqueza e pobreza simultâneas no jornalismo. Riqueza no volume de notícias, e pobreza na qualidade da maioria do material publicado. Esse paradoxo pode ser, pelo menos em parte, explicado pela pressa com que os colegas trabalham hoje.

Nas faculdades de jornalismo, a pressa é apresentada como um ingrediente do ofício. A notícia não pode esperar e o furo é quase uma medalha para o jornalista.  As empresas de comunicação adoram isso, pois o furo vende mais. E, desde que o jornalismo aprendeu a usar os recursos digitais cada vez mais abundantes, onipresentes e poderosos, essa pressa se aproxima da instantaneidade. Pois é justamente nesse cenário que o profissional precisa aprender a ter menos pressa.

Quando o furo se torna uma meta histérica, corre-se um enorme risco de se sacrificar a apuração, a confiabilidade da reportagem. Esquece-se que a melhor notícia não é a dada primeiro, mas a publicada com mais precisão. Em muitas vezes, a verdade depende do ponto de vista de cada um, e não raro é surpreendente. Por isso, o jornalista deve ouvir todos os lados possíveis do que está apurando, para ter subsídios para uma análise crítica e ampla dos fatos. Mas como fazer isso estando com pressa de soltar a notícia?

O fechamento da edição é um mecanismo interessante que limita o trabalho do jornalista com um deadline previamente conhecido. Deve-se fazer o melhor trabalho possível até aquele horário. De certa forma, organiza os recursos disponíveis para se conseguir uma boa reportagem.

Mas o jornalismo digital aboliu o fechamento. Apura-se e publica-se. Se for necessário, depois se edita o que já foi publicado, se amplia e –o pior– se corrige, atropelando a ética. Esquece-se que a notícia publicada incorretamente pode ter efeitos desastrosos para quem é a notícia, e que correções posteriores normalmente não reparam o dano causado. Portanto, é uma falácia que o jornalismo digital não tem “erramos”, que a última versão da reportagem é a que vale, que se deve publicar primeiro e corrigir depois. Isso é antijornalismo e a pressa nunca justificou sua prática, por mais que a usem de muleta.

E sejamos francos: esse tipo de desvio moral não é invenção do jornalismo digital, apesar de ele oferecer “ferramentas” e “motivos” para que ele se intensifique. Isso chegou até a ser brilhantemente retratado no filme O Jornal, de Ron Howard, com Micheal Keaton e Glenn Close (trailer abaixo).

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=4NeHWLZbs0g]

 

Lançado em 1994 (portanto antes do surgimento do jornalismo digital), o filme mostra uma maneira de se fazer jornalismo que esta desaparecendo. O roteiro demonstra como é possível ser ético mesmo em um jornal sensacionalista de Nova York, que falas como “deus nos livre de uma manchete sem ponto de exclamação” podem coexistir com “jamais publicamos uma história errada”. Pois a primeira descreve a forma, e a segunda descreve a essência do bom jornalismo.

Assisti a esse filme no cinema, quando ainda estava nos primeiros anos da minha carreira. Nunca mais esqueci o que aprendi com ele. Ele deveria ser obrigatório no conteúdo dos cursos de Jornalismo. Pois a pressa é mesmo ingrediente do nosso ofício, mas não é para ela que trabalhamos.

Por que The Daily não deu certo

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Já não espanta mais ninguém o anúncio de um jornal centenário deixar de circular: a crise da mídia impressa se arrasta há anos (ontem The New York Times confirmou que iniciará um pacote de demissão voluntária). Mas hoje foi noticiado o encerramento de um jornal totalmente digital, isso sim algo menos comum. E não é um veículo qualquer: trata-se do The Daily, a tentativa de Rupert Murdoch transpor o seu modelo de jornalismo para o mundo digital, cuja última edição circulará no dia 15 de dezembro.

O produto foi lançado com grande exposição em fevereiro de 2011, alardeado como “o primeiro jornal apenas para iPad”. A promessa era interessante: criar um jornal diário de cobertura nacional, leitura fácil, com bons recursos multimídia e conduzido por uma Redação de primeira linha, com mais de cem pessoas. Tudo por uma assinatura de US$ 0,99 por semana ou US$ 39,99 por ano. A parte técnica teve apoio da própria Apple e o investimento inicial foi de US$ 30 milhões. A expectativa era chegar a 500 mil assinantes em cinco anos.

Então por que o The Daily fechará suas portas antes de seu segundo aniversário?

A resposta é muito simples, e antecipei o motivo dois meses antes do lançamento do produto.

O problema é que The Daily tentou recriar, em uma plataforma extremamente inovadora, um produto e um modelo de negócios do século 19. Murdoch nunca escondeu sua aversão a produtos digitais moderninhos, que corroíam as margens de lucro dois jornais da sua News Corp. The Daily era sua aposta para demonstrar que podia perpetuar a fórmula nos tablets, que pareciam cair muito bem ao seu propósito.

Muita gente ficou de olho no experimento e até investiu nele. Afinal, se The Daily desse certo, ele poderia indicar um caminho de sobrevivência para uma combalida mídia impressa.

Mas não é isso que os usuários de tablets querem. The Daily poderia ser descrito como um jornal para quem não gostava de jornal em papel. Mas o que essas pessoas rejeitam não é o papel, e sim um produto que se atualiza apenas uma vez por dia, que exige assinatura de todo o seu conteúdo mesmo para quem quer consumir apenas algumas matérias, que não tira proveito das redes sociais, que sequer pode ser indexado pelo Google.

Ou seja, The Daily deu errado porque as pessoas rejeitam sua proposta, a de um jornal tradicional. Nesse caso, o tablet é apenas a mídia, assim como o papel. Portanto, podemos ironicamente explicar a crise dos jornais impressos com a derrocada do The Daily.

Some a isso a ascensão de produtos como agregadores, que são praticamente a negativa do modelo acima: um “veículo” continuamente atualizado, construído com conteúdos de diferentes fontes, organizado por assunto e pelas preferências do próprio usuário e de seus amigos, totalmente integrado a mídias sociais.

Curiosamente, os jornais combatem os agregadores, o Google Notícias, a blogosfera. Tudo em nome de perpetuar seu passado glorioso, rejeitado pelos novos públicos. Os jornais estão morrendo com seus velhos assinantes, literalmente. Não será transpor o passado para um tablet que mudará isso. Já que estavam prestando tanta atenção ao The Daily, deveriam aprender algo com ele afinal, ainda que na hora da morte.

Ainda sobre a cobrança pelo conteúdo

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Depois de meu post anterior, alguns colegas argumentaram comigo sobre a importância de se cobrar pelo conteúdo jornalístico. Concordo, mas não vejo com bons olhos a maneira como esse debate vem acontecendo. Essa campanha , patrocinada principalmente pelos jornais, é vazia, pois se apoia em uma premissa falsa. Portanto vale a pena retomar o assunto na tentativa de jogar um pouco de luz sobre ele.

A tal premissa é a de que as pessoas não querem mais pagar pelo conteúdo, querem consumir tudo de graça. Desculpem, isso não é verdade. As pessoas consomem hoje conteúdo em volume e em diversidade jamais vistos. E –pasmem!- elas pagam por muitos deles. Um bom exemplo é o cinema, que se recuperou de uma fase ruim, iniciada com a popularização do VHS. Hoje as salas estão cheias, e as pessoas pagam mais caro pelo ingresso para ver as sessões em 3D.

Outro bom exemplo é a Apple. Ela está (também) dominando o mundo sobre os cadáveres de outra indústria que cometeu suicídio por se recusar a aceitar as mudanças no comportamento dos usuários: a fonográfica. Enquanto as vendas de CDs batem no chão e as lojas praticamente os retiraram das prateleiras, o iTunes ultrapassou, em fevereiro de 2010, a incrível marca de 10 bilhões de faixas vendidas, com um modelo que combina qualidade (as músicas tem qualidade superiores às de CD), comodidade (você compra só a faixa que quiser, quando e onde estiver, com um clique) e preço baixo (ninguém pensa muito antes de gastar um único dólar).

Podemos tirar algumas lições desses dois exemplos. A primeira é que a Apple não acabou com a pirataria de músicas: estima-se que cada iPod e similares dos adolescentes americanos tenham cerca de 800 músicas baixadas ilegalmente, em média. Mas a função da Apple não é acabar com a pirataria: é vender. E ela faz isso para uma em cada quatro músicas vendidas nos EUA.

Quanto aos cinemas, ao invés de ficarem chorando sobre o videocassete, investiram na experiência que ofereciam. Quem vai ao cinema hoje, não faz isso apenas para assistir a um filme. Paga para ter isso em uma tela enorme, muitas vezes em 3D, com um som incrível, em salas confortáveis e comendo alegremente uma pipoca que custa quase tanto quanto o ingresso. Trata-se de uma experiência envolvente e positiva, que não existe em outro lugar.

Portanto, caros colegas, as pessoas querem –sim– pagar pelo conteúdo que consomem. Apenas não querem pagar por aquilo que lhes é oferecido pelos jornais, pois sua percepção indica que esse produto não merece ser pago.

Mesmo com a popularização dos tablets, os jornais ainda não perceberam que o problema reside no seu modelo de produto e de negócios, ultrapassados. Querem embarcar nesta plataforma popularizada pela Apple, sem entender o que fez da empresa o sucesso nos negócios, empurrando aos consumidores a mesma coisa que já ofereciam no papel.

E aí ficam se debatendo diante da recusa das pessoas em pagar, e combatendo quem realmente entendeu o novo momento da mídia, como o Google Notícias ou o Flipboard, só para ficar em dois exemplos básicos. Resistem bravamente ao futuro do seu negócio, que passa por “destruir” o seu produto, para recriá-lo com seu elemento primordial: jornalismo de qualidade.

Isso nos leva de volta ao post anterior. The New York Times e The Wall Street Journal vêm colhendo bons frutos com seus paywalls. Mas conseguem isso com um conteúdo que é realmente um diferencial. Além disso, o primeiro, desde que o jornalismo começou a flertar com a Internet, sempre se destacou por iniciativas criativas do uso da tecnologia, nem sempre bem-sucedidas.

O usuário paga pelo conteúdo. É só lhe oferecer algo que valha a pena.

Depois do “paywall”, o “freewall”

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Desde que o The New York Times lançou, em março do ano passado, o seu “paywall”, os jornais elegeram esses sistemas de controle de cobrança pelo seu conteúdo digital como a tábua de salvação de sua indústria em forte declínio. Não falam de outra coisa, como uma criança que encontrou antes da hora um presente escondido. Mas Raju Narisetti, vice-editor executivo do The Wall Street Journal, classifica os paywalls como “negativos”.

A declaração foi feita no 9º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) nos dias 20 e 21 de agosto. Ironicamente o WSJ de Narisetti é o melhor exemplo de sucesso conteúdo digital fechado. Se quiser ler, tem que assinar. Muito mais “duro” que o modelo do NYT, que vem habitando os sonhos dos publishers, em que o leitor pode acessar páginas livremente até determinada quantidade, antes de ser convidado a pagar.

Como entender essa aparente contradição do executivo? O próprio Narisetti explica: o WSJ sempre cobrou pelo seu conteúdo, ao contrário de praticamente todos os demais jornais, que acostumaram seus usuários a consumir o conteúdo de graça. Agora precisam convencer seu público a pagar pelo que sempre foi grátis. Além disso, o conteúdo do WSJ é um verdadeiro diferencial, raramente equiparado por outros veículos, o que cria uma justificativa pela cobrança.

“Vocês devem descobrir o que funciona para o seu negócio e encontrar formas de beneficiar seus sites e seu jornalismo”, disse no evento. Traduzindo: não há nenhuma garantia de que os sucessos dos modelos de paywall do NYT e do WSJ possam ser reproduzidos em outros veículos. Mais: para que isso tenha a mínima chance de acontecer, os veículos têm que oferecer um produto que mereça ser pago.

Problema: diferencial é algo que os jornais, os brasileiros com destaque, têm cada vez mais dificuldade de oferecer. Em época de cortes dramáticos de custos, as redações ficam povoadas de “focas”, imaturos e com formação deficiente. E um bom jornalista só aparece ao longo dos anos, forjado na reportagem e na edição. Nossos veículos se tornaram reféns de sua falta de criatividade da inexperiência dos novos colegas, dependendo do denuncismo e do jornalismo palaciano, duas pragas que tentam mascarar essa triste realidade.

Apenas para exemplificar, vejam as primeiras páginas de hoje do Estadão e da Folha:

 

 

Os dois jornais têm a mesma manchete, com o mesmo sujeito, mesmo verbo e mesmo objeto; a foto principal também retrata o mesmo personagem; três das outras principais chamadas também tratam do mesmo assunto.

Caramba: até o anúncio é o mesmo!

Mais dramático ainda: nada, absolutamente nada do material chamado nas duas páginas exigiu grande esforço. É material de assessorias, de agências, de pesquisas. E tudo isso também está disponível igualmente (e muito mais rápido) em portais como Terra, MSN e outros, que não dão a menor pinta de que passarão a cobrar pelo seu conteúdo. Sem falar na televisão aberta.

Fica a pergunta: quem vai pagar por isso? Ou ainda: quanto vale isso? Disse Suzana Singer, ombudsman da Folha, na sua coluna do dia 24 de junho : “para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede.”

Os paywalls mudarão magicamente isso? O próprio Narisetti responde: “paywalls são inerentemente negativos. Estamos dizendo ao leitor que ele tem, por exemplo, 20 matérias grátis e que, quanto mais ele lê, mais perto fica de ter que pagar para nós.”

“Freewall”?

O executivo do WSJ propôs então uma ideia no mínimo curiosa: talvez os jornais devessem considerar a alternativa de um “freewall”, como ele mesmo chamou.

É como um programa de milhagem. Para ver o conteúdo, o usuário precisa pagar. Mas, quanto mais “engajado” esse usuário for com o veículo, menos pagaria, até chegar a uma eventual gratuidade.

A proposta tem seus méritos. Um usuário que participa ativamente do jornal –comentando, compartilhando, sugerindo– traz vários benefícios ao veículo, inclusive novos usuários. Compartilhamentos comentados aos amigos de redes sociais são uma forma complexa e eficiente de marketing, de uma maneira que o próprio veículo não consegue fazer por si só.

Claro, é apenas uma ideia: ninguém falou ainda em como implantar tal coisa, ou quais seriam as regras de descontos, por exemplo. Mas o embrião do paywall poroso também era só uma ideia no NYT há três anos, quando começou a ser discutido internamente. Pode se tornar uma alternativa interessante a jornais que não sejam competentes o suficiente para ter sucesso com o paywall.

E por que então o WSJ não adota o freewall então? Bom, porque seu conteúdo é um diferencial e eles nunca deram isso de graça. Fecha-se o círculo.

O fim dos jornais

By | Jornalismo, Tecnologia | 4 Comments
Homem olha jornais expostos em uma banca argentina

Os jornais precisam olhar para mundo e encontrar maneiras criativas de cobrar pelo seu conteúdo, ou acabarão sumindo

Há alguns dias, enquanto almoçava com colegas, a decisão da Folha de S.Paulo de restringir, desde o dia 21 de junho, o conteúdo de seu site a assinantes virou assunto. As opiniões eram praticamente unânimes: a novidade representaria um enorme erro, fruto de falta de visão e desespero pela incapacidade de se adaptar às mudanças do mercado, e os resultados seriam negativos. Na verdade, o tom dos comentários chegava a ser jocoso: “quanto vão ganhar com isso, mil reais?”

Argumentei que os colegas da Barão de Limeira estava seguindo uma tendência internacional chamada “paywall poroso”, popularizada pelo The New York Times –que, aliás, vem colhendo frutos interessantes, aumentando consideravelmente a sua base de assinantes digitais e até mesmo do impresso. Mas isso só serviu para aumentar ainda mais a chacota: “é muita pretensão querer se comparar ao The New York Times, que diferenciais eles têm para querer cobrar algo?”

Essa conversa agregou vários pontos que há muito discuto aqui. É um fato que as pessoas só pagam por aquilo em que veem valor. “Para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede”, afirmou a própria ombudsman da Folha, Suzana Singer, na sua coluna do dia 24 de junho.

Os jornais estão em posição cada vez mais desfavorável nesse cenário: as tiragens e as receitas dos grandes títulos minguam, sendo substituídas por jornais gratuitos e por outras fontes de informação, mais notadamente a digital. E os colegas acima trabalham justamente em portais. Ironicamente, muita da informação oferecida por esses sites –assim como em redes sociais– vêm desses mesmos jornais. E produzir conteúdo custa e, dessa forma, precisa ser remunerado.

Cobrar de quem vê valor

A Folha reproduziu aqui um dos maiores acertos do NYT: a grande maioria dos usuários do site nem perceberá a existência do paywall, pois eles supostamente consomem menos notícias por mês que o necessário para disparar o mecanismo de cobrança (40, no caso da Folha). Dessa forma, a novidade não afugentaria usuários, mantendo os ganhos com publicidade. Paga apenas quem ultrapassam esse limite, o que, em tese, indica que a pessoa vê valor no produto, justificando assim a cobrança.

Mas as pessoas não querem mais pagar. Não vem de hoje e os culpados por esse conceito são os próprios jornais, que fomentaram isso em nome de construir uma presença online desde meados da década de 1990. Como também escreveu Suzana, “acostumados a se informar de graça na rede e incomodados com um monte de anúncios que saltitam sobre a tela, (as pessoas) não entendem por que devem colocar a mão no bolso.”

Nessa insustentável e aparentemente insolúvel contradição pode residir a saída para essa indústria, crítica para uma sociedade livre. Em setembro de 2010, conduzi um estudo e concluí que, de todos os custos de um grande jornal, apenas 20% se refere, de uma forma ou de outra, ao jornalismo em si, entrando, nessa contabilidade, os salários, equipamentos, suporte a reportagem e o que mais fosse necessário à produção de conteúdo. Os outros 80% vão para comprar papel, manter a gráfica, distribuir os impressos e manter a enorme infraestrutura dessas empresas.

Oras, o que as pessoas efetivamente consomem está nesses 20%. Colocando de outra maneira, é possível continuar fazendo jornalismo com a mesma qualidade gastando apenas vinte de cada cem reais investidos hoje. Claro que essa é uma visão propositalmente simplista, pois as agências publicitárias não querem depositar nas operações digitais dos jornais o que (ainda) colocam em seus impressos. Mas, se a fatia do impresso está diminuindo no bolo publicitário, então esse dinheiro está indo para outro lugar.

“Perderam o barco”

Está indo para jornais gratuitos e mídia digital. A televisão continua nadando de braçada com uma folgada liderança, mas sem mudanças significativas para mais ou para menos em seu share. Rádio e mídia externa consolidaram-se na rabeira. A briga séria está no “pelotão intermediário”, justamente onde está o impresso –jornais e revistas– e o digital.

O impresso vem se sustentando com a ajuda dos jornais gratuitos, como o Metro e o Destak, que puxam as métricas –leitores, tiragem e receita publicitária– para cima, mascarando a queda dos grandes títulos. E a mídia digital, no melhor estilo “de grão em grão, a galinha enche o papo”, aumenta continuamente o seu share, com anúncios infinitos a preços irrisórios.

Sobre meu post “O incômodo charme dos agregadores”, Rodrigo Mesquita, responsável pela Agência Estado ser o que é, e membro da família proprietária do Estadão com uma excelente visão do casamento da mídia com as TIC, comentou no Google+: “Não dá mais tempo, meu caro. Os jornais perderam o barco. Vão ficar com um papel residual.”

A possível solução para o dilema da mídia exige, portanto, abandonar o modelo de negócios que conhecem tão bem. A mídia impressa precisa entender que o papel era apenas um veículo para entregar o conteúdo que produzia. Não apenas não é mais necessário, como se tornou obstáculo a sua sobrevivência. E não me refiro apenas aos altos custos associados a ele, mas também porque engessa o produto em um formato autocontido, unificado e finito, que não encontra mais espaço hoje.

Descentralização

“Nada foi feito em direção a nada na grande maioria dos jornais”, afirmou Mesquita, que concluiu: “caminhamos para uma nova sociedade, que terá uma nova forma de interagir e articular seus interesses, de uma forma muito menos centralizada que a do tempo da indústria.”

As casas editoriais aprenderam o discurso de que são produtoras de conteúdo, que deve ser entregue da forma que o usuário quiser. Mas o discurso não combina com seus atos, que buscam resgatar o velho “jornalão”, esse sim entregue em todas as plataformas, em que o usuário assina tudo ou nada. Tem que levar o caderno de cultura e o de esportes, mesmo que queira apenas ler o de economia.

A Folha deu o primeiro passo para romper esse pensamento tacanho e antiquado, imitando o paywall do NYT. Mas isso não liberta ainda o usuário fiel do conceito de assinatura (ele pode ser fiel sem ser assinante). Nisso, os portais, a indústria de games e, mais recentemente, as lojas de aplicativos mobile estão muito à frente, com formatos de distribuição –e remuneração– completamente pulverizados, fragmentados, “indolores” e sob demanda.

Trata-se de um mundo com ganhos mínimos multiplicados em milhões de microtransações, que transformam definitivamente qualquer conteúdo em serviço. Os players acima aprenderam essa lição e, mesmo que muitos deles não tenham as receitas dos grandes jornais, ostentam operações mais saudáveis e até mais lucrativas. Afinal as suas despesas são muito menores e eles possuem muito mais consumidores que os jornais.

Não é de se admirar, portanto, que empresas de tecnologia liderem hoje os ganhos publicitários e já tenham até se tornado gigantescas –e inovadoras– produtoras de conteúdo. Felizmente o eventual fim dos jornais não significará o fim do jornalismo. Apenas de empresas que se recusaram a se adaptar a uma nova ordem econômica e social, mediada pela tecnologia.

Treine um dragão e salve seu jornal

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Nos últimos dias, participei de conversas com vários grupos sobre o assunto mais odiosamente preferido dos executivos de mídia: como salvar o nosso negócio. E me deparei com as mesmas teses de sempre: conteúdo aberto versus conteúdo fechado, paywalls, assinatura ou compras avulsas, veículos organizados em edições ou continuamente atualizados, entre outros. E as conclusões, da mesma forma, acabavam sendo as velhas conhecidas, que, na prática, tentam perpetuar o modelo de negócio de jornais, que se forjou no século 19, se refinou no 20 e não encontra mais espaço no 21.

O que não entendo é: por que ninguém pensa em treinar um dragão para salvar o seu jornal? Claro, treinar um bicho desses não é fácil, mas a animação “Como Treinar Seu Dragão”, do trailer acima (não viu ainda? veja!), mostra que, muito mais difícil que encontrar ou treinar uma enorme besta voadora e cuspidora de fogo é acreditar que isso é possível. Mais difícil ainda é querer fazer isso quando se vive em uma aldeia viking cujo propósito maior é matar dragões.

O fato é que a mídia impressa só pensa em matar os dragões que roubam as suas ovelhas cada vez mais. Existem várias espécies deles, como a publicidade insuficientemente barata, o “jornalismo-cidadão” e a blogosfera, os internautas que se recusam a pagar pelo conteúdo, o Google News e, mais recentemente, os agregadores.

Mas e se tudo que soubermos sobre esses dragões estiver errado? Com essa conclusão, um protótipo de viking salvou a sua aldeia. Mas, para isso, arriscou tudo. Sorte da aldeia, pois, se ninguém pensasse diferente, nunca venceria as feras.

Como é de amplo conhecimento público, o principal dilema da mídia, especialmente a impressa, é que a receita que eles conseguem angariar com a Internet nem de longe compensa as perdas que a mesma lhe provoca. E produzir bom jornalismo custa dinheiro, isso é um fato! E as pessoas devem pagar por isso! Bem… pode ser… mas certamente não da maneira como se quer lhes impor.

Já que estamos fazendo citações cinematográficas, selecionei a cena abaixo, que muitos fãs de Star Wars devem conhecer as falas de cor:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=7YkbgvRMpW0]

Uma sequência de Yoda vale ser retirada dessa cena: “So certain are you. Always with you it cannot be done (…) You must unlearn what you have learned.”

Claro! Estarmos muito certos de algo é uma das piores coisas que pode nos acontecer. Na incerteza, experimentamos as alternativas e tateamos os nossos limites, nos permitindo ser melhores. Já na certeza, nos acomodamos em nossas crenças e tentamos impor aos outros o nosso modelo de mundo “certo”. Se o mundo discorda de nós, desqualificamos os seus argumentos; se se recusa a nos aceitar, tratamos de eliminá-lo. E aí continuamos achando que dragões são malévolos e naves são muito grandes para se levitar.

Enquanto isso, fedelhos nórdicos cavalgam dragões e criaturinhas verdes e enrugadas tiram naves de pântanos. O mundo se move rápido, vivemos em tempos exponenciais, como disse no último post. Quaisquer que sejam as soluções adotadas pela mídia para sair do lamaçal em que se encontra, elas começarão ao aceitar que deve conduzir seu negócio de maneira drasticamente diferente.

Acha tudo isso uma bobagem? Não acredita que possa ser feito? “That’s why you fail!”