
Nunca consumimos tanta informação e nunca estivemos tão longe da verdade. Essa é uma das principais conclusões do Digital News Report, estudo sobre o jornalismo publicado anualmente pelo Reuters Institute, divulgado no dia 16. E essa constatação, longe de interessar apenas a profissionais de comunicação, exige ações de toda a sociedade.
A edição desse ano mostra que as pessoas continuam se informando cada vez mais pelo meio digital (especialmente smartphones) e menos por mídias tradicionais, uma tendência observada há uma década. Mas vale notar que, mesmo online, a imprensa perde espaço, enquanto influenciadores crescem. E pela primeira vez o estudo identificou o uso da inteligência artificial como fonte de noticiário, adotada por 7% dos entrevistados.
Apesar do crescimento desses influenciadores, com 44% dos jovens de 18 a 24 anos os considerando como sua principal fonte de notícias, 47% da população declara que eles são os maiores criadores e propagadores de informações falsas ou enganosas, equiparando-os a políticos. No caso da IA, 41% dizem que notícias geradas por robôs têm menos valor do que as produzidas por jornalistas, preferindo conteúdos com curadoria e apuração humana.
Estamos diante de um paradoxo inquietante: mesmo com 58% dos entrevistados se dizendo preocupados com sua capacidade de distinguir entre verdade e mentira, o público se informa cada vez mais por influenciadores.
Isso é grave, pois as pessoas, mais ou menos conscientemente, estão decidindo se informar por fontes que reconhecem oferecer conteúdo enviesado ou falso. Por outro lado, os jornalistas, mesmo buscando a verdade, não conseguem se conectar com o seu público como antes. E as duas coisas representam sérios riscos para a sociedade.
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O distanciamento entre jornalistas e público vem de fatores como linguagem distante, falta de empatia, excesso de negativismo, formatos rígidos, presença tímida nas redes e principalmente uma comunicação pensada de dentro para fora. A imprensa tradicional insiste em falar como instituição, enquanto os influenciadores falam como pessoas. E em um mundo da conexão emocional, isso faz toda a diferença.
Eles ganham espaço porque escutam, respondem, compartilham bastidores e se mostram vulneráveis. Se erram, pedem desculpas; se acertam, comemoram. Produzem com o público, e não para o público. Tudo isso cria um vínculo afetivo que o jornalismo tradicional perdeu ao manter a postura de “dono da verdade”. Lamentavelmente, o conteúdo veiculado por muitos desses influenciadores é superficial, errado ou deliberadamente enganoso. Mas, ainda assim, cativa.
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Outro fenômeno preocupante é o da evasão informativa. Segundo o relatório, hoje 40% dos entrevistados evitam o noticiário propositalmente, contra 29% em 2017. Cansados do efeito negativo no seu humor (39%) e da sensação de estarem sobrecarregados pela quantidade de notícias (31%), eles preferem se alienar.
Essa tendência cresce mais entre os mais jovens e entre quem se sente emocionalmente impactado por notícias negativas. Só que esse abandono deliberado do jornalismo enfraquece não só os veículos, mas o senso coletivo de realidade.
O estudo indica que os mais velhos ainda buscam jornais, televisão e portais para se informar, enquanto os mais jovens preferem redes sociais, vídeos curtos e creators. E agora entra em cena a IA, com seus resumos sintéticos e sua lógica algorítmica, que entrega o que o usuário quer, e não o que ele precisa saber, jogando por terra o pilar do jornalismo de informar o que for necessário, mesmo que indesejado.
O resultado é uma sociedade cada vez mais fragmentada, onde diferentes grupos vivem realidades informativas completamente distintas.
No Brasil
No nosso país, apenas 42% dos brasileiros confiam na imprensa, 20 pontos a menos que em 2015, mas ainda dois pontos acima da média global. Isso se agrava pela nossa alta penetração de redes sociais, concentração da mídia e uma tradição histórica de desigualdade no acesso à educação midiática. O ambiente político polarizado também estimula a desinformação e a desconfiança generalizada.
O jornalismo sério, nesse contexto, enfrenta uma batalha árdua para continuar relevante, respeitado e economicamente viável. Apenas 18% dos 97 mil entrevistados de 28 países pagam por notícias; no Brasil, são 17%.
Parece uma causa perdida, mas o jornalismo não precisa se render ao sensacionalismo nem à superficialidade para reconquistar o público. Deve reaprender a se conectar com ele, com linguagens mais acessíveis e formatos diversificados. Precisa estar presente nos canais em que as pessoas estão, ouvir mais e explicar melhor. Significa ser transparente sobre métodos, admitir erros e mostrar por que cada notícia importa. E, acima de tudo, é fundamental resgatar a missão do jornalismo de ajudar a sociedade a entender o mundo com lucidez e agir com responsabilidade.
Essa reinvenção não deve acontecer apenas dentro das redações. O público também tem um papel crucial. É preciso desenvolver uma consciência crítica em relação à informação, questionando fontes, checando antes de compartilhar, buscando diferentes perspectivas. A alfabetização midiática precisa ser ensinada nas escolas, incentivada nas famílias e promovida em políticas públicas. Quando qualquer pessoa pode se tornar uma produtora de conteúdo, saber consumir informação com discernimento é tão importante quanto produzi-la com responsabilidade.
Se o jornalismo falhar em reestabelecer sua relevância, a democracia perde. Em um mundo marcado pela ascensão de governos populistas e autoritários, pelo ataque sistemático à verdade e pela manipulação do público, um jornalismo enfraquecido abre caminho para regimes opacos, para o pensamento único e para o ódio como método.
Reverter esse quadro é uma missão que cabe aos jornalistas, ao inovarem e se reconectarem com o público, mas essa função não é só eles. As plataformas digitais precisam assumir sua responsabilidade editorial e as instituições de ensino devem priorizar a educação midiática.
É preciso que todos nós entendamos que um jornalismo forte é sinônimo de uma democracia saudável. Não se trata de defender uma categoria profissional, mas sim da possibilidade de viver em uma sociedade livre, informada e capaz de decidir seu destino.