Existem ocasiões em que um simples termo pode manchar profundamente a reputação de alguém, uma empresa e até mesmo de um veículo de comunicação. No caso desse último, o dano é enorme, pois sua reputação é a base do relacionamento com seus consumidores e a bandeira que deve ostentar diante do público. Bom, pelo menos os veículos sérios.
Nós, jornalistas, apesar de todo o discurso de zelo, frequentemente somos apanhados escorregando na ética. Nem me refiro a certos semanários, que fazem desses deslizes uma ferramenta de destruir opositores, mas de profissionais sérios. No dia 17 de fevereiro, aconteceu algo assim com a Folha de S.Paulo, em editorial intitulado “Limites a Chávez“. Criticando a apertada vitória do presidente venezuelano no referendo que lhe permitiu a re-eleição indefinidamente, o editorial largou um “ditabranda” para classificar o regime militar brasileiro de 1964 a 1985, pois ele teria sido -como sugere o neologismo- mais brando que outras ditaduras, inclusive a do próprio Chávez.
Provavelmente nunca saberemos o que se passou pela cabeça do autor, mas é difícil de acreditar que um editorialista de um jornal do porte da Folha possa ser tão descuidado, a ponto de ser inocente. A expressão até fazia sentido na construção do raciocínio exposto, cujo objetivo era bater no presidente venezuelano. Mas não bastasse a completa falta de sensibilidade diante da mazela social que a referida “ditabranda” provocou no Brasil, a informação é simplesmente errada. O caudilho de Caracas é uma afronta à democracia (apesar de ele dizer o contrário), mas a turma da farda tupiniquim foi bastante “convincente” nos Anos de Chumbo. No mínimo, matavam e torturavam mais que o idealizador do ridículo “socialismo bolivariano”.
A mancada provocou uma enxurrada de críticas de diferentes setores da sociedade, claro. E aí a Folha mancou pela segunda vez em seguida, no mesmo assunto, publicando posições que desqualificavam seus críticos. Foi soberba e corporativista frente a reações legítimas diante de uma barbaridade. E usou suas páginas para negar a pluralidade de opiniões que sempre foi um de seus estandartes e orgulhos.
Mas tudo há de passar, não é mesmo? Espero que não! Assim como no infame caso da Escola Base, em que órgãos de comunicação execraram seis pessoas em março de 1994 por suposto abuso sexual de crianças da escola (a investigação depois não conseguiu levantar sequer indícios disso), esses deslizes devem ser lembrados e estudados nas escolas de comunicação para que os futuros jornalistas não tenham esse repugnante senso de descaso com o outro que infelizmente muitos de nós carregamos.