
A confiança sempre foi essencial para o sucesso de qualquer relacionamento, inclusive os comerciais. Mas em uma época em que a desinformação se tornou uma ferramenta cotidiana para abalar reputações e conseguir clientes e apoiadores, o contato genuíno com o público pode reforçar laços e construir um vínculo duradouro.
Isso vale para qualquer atividade, mas é crítico para o jornalismo. Seu produto é a notícia, e a verdade é seu principal ativo. Por isso, a confiança do público foi um tema central no 26º Simpósio Internacional de Jornalismo Online, promovido na semana passada pela Universidade do Texas em Austin (EUA). Mas as conclusões do evento podem ser aproveitadas por profissionais de setores da economia bem diversos.
Apesar de ser um dos pilares de qualquer democracia, o jornalismo sofre como negócio. O “Digital News Report 2024”, publicado pelo Reuters Institute em junho, revelou que apenas 40% da população mundial acredita no noticiário. Mais grave que isso é que 39% dos entrevistados admitem evitar deliberadamente o consumo de notícias, uma perigosa escolha pela alienação, que vem crescendo ano após ano. No Brasil, a situação é ainda mais grave, com 47% da população evitando se informar.
Parte dessa desolação está sendo construída há duas décadas, por grupos de poder que veem na fiscalização jornalística um obstáculo a seus interesses escusos. Mas outro tanto cabe à própria mídia, que se distanciou do seu público, ao longo dos anos. Muitas pessoas a sentem como elitizada, longe de seus cotidianos, com linguagem e formato antigos, e “vendida”. E esses profissionais não conseguem reverter essa percepção, enquanto seus detratores se esbaldam com o apoio das redes sociais.
Ninguém tem o poder de decidir se é confiável ou sequer útil para a sociedade: são as pessoas que escolhem. Esse é um ingrediente essencial na confiança e uma verdade incômoda de que a credibilidade não é autoproclamada, mas conferida pelo outro. Por isso, jornalistas e qualquer outro profissional precisam encontrar o caminho para que seus públicos se sintam próximos, compreendidos e cuidados.
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Quando se trata de confiança, competência e caráter são fundamentais. A primeira refere-se à capacidade técnica de apresentar informações precisas, contextualizadas e aprofundadas. O segundo, menos tangível, mas igualmente decisivo, diz respeito às motivações, sinceridade e integridade percebidas pelo público.
Essa dupla exigência não se restringe à imprensa. Médicos, advogados, professores, empresários e muitos outros enfrentam o mesmo desafio: não basta dominar técnicas e conhecimentos específicos se falta a percepção de que existe uma genuína preocupação com o impacto do seu trabalho na vida das pessoas.
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O desafio cresce no jornalismo, pois o público quer ouvir vozes como as suas, além de outras muito diferentes. A diversidade de perspectivas não é apenas uma questão de justiça social, mas um fator determinante para a credibilidade de qualquer instituição ou profissional.
A ausência dessa representatividade leva a coberturas jornalísticas enviesadas, mas também a serviços de saúde que ignoram especificidades culturais, sistemas educacionais que não contemplam diferentes formas de aprendizado ou empresas cujos produtos não consideram a diversidade de seus consumidores.
O simpósio dedicou atenção especial ao fenômeno dos influenciadores que, cada vez mais, ocupam espaços tradicionalmente reservados a jornalistas. As linhas entre jornalismo tradicional e conteúdo produzido por criadores independentes, e a fronteira entre noticiário e entretenimento ficam cada vez mais tênues, gerando debates sobre quem pode ser considerado fonte confiável de informação.
O fenômeno não se limita à comunicação. Consultores de saúde no lugar de médicos, coaches substituindo terapeutas, mentores digitais concorrendo com professores ilustram como a autoridade antes conferida por títulos e instituições agora é disputada com figuras que conquistam credibilidade não apenas por dominar os espaços digitais, mas pela sua capacidade de criar uma forte identificação com o público.
Concorrência heterogênea
Há de tudo nesses criadores de conteúdo, inclusive aqueles que se profissionalizam.
“Embora eu não me considere um jornalista ou mesmo alguém que dê notícias de última hora, se as pessoas me veem assim, então, em muitos aspectos, eu tenho a responsabilidade de fazer tudo o que o jornalismo tradicional faria, que é verificar os fatos para garantir que não esteja apenas espalhando desinformação”, explicou o uruguaio Carlos Eduardo Espina, um criador de conteúdo sobre direitos de imigrantes nos EUA, com 12,4 milhões de seguidores no TikTok, 3 milhões no Facebook e 1,2 milhão no Instagram. “Mas vemos muitas pessoas que simplesmente vão para as mídias sociais e mentem, pois isso é bom para o engajamento”, afirma, expondo um dilema que muitos jornalistas também enfrentam: o de serem envolventes e, ao mesmo tempo, responsáveis.
Outro ponto importante debatido é que grande parte do público não compreende como funciona o trabalho jornalístico, o que pode gerar desconfiança e esconder o trabalho minucioso e ético desses profissionais, que aumentaria muito a sua credibilidade, se fosse conhecido. Este problema se repete em diversos campos, por exemplo com as linguagens técnicas de médicos e advogados. Cada termo não explicado, cada processo não compartilhado torna-se um tijolo no muro da desconfiança.
Diante disso tudo, a transparência surge como uma poderosa aliada para se aproximar do público e reconstruir a confiança. Ela manifesta-se na clareza sobre processos, fontes de financiamento e valores editoriais, admissão de limitações, reconhecimento de vieses e, crucialmente, no reconhecimento e correção de erros.
“Jornalistas passam muito tempo responsabilizando outras pessoas e, portanto, faz todo o sentido que nós mesmos sejamos responsabilizados”, explicou Stephen Buckley, editor do “Dallas Morning News”, que disse que fica feliz quando percebe que muitas pessoas genuinamente tentam entender o trabalho dos jornalistas e até querem ajudá-los a fazer um trabalho melhor. Para ele, a conexão com o público e o aumento da reputação dependem de três pilares profissionais: transparência, responsabilização e humildade.
“Não estamos acima ou abaixo das pessoas: estamos com as pessoas”, afirmou Buckley. “Essa é uma mensagem realmente importante e ressonante, e as pessoas entendem isso e sentem quando estamos agindo assim”, concluiu.