Desde o dia 7, o mundo assiste horrorizado à mais recente escalada da violência em Israel e na Palestina, deflagrada pelo ataque dos terroristas do Hamas, que cobrou milhares vidas dos dois lados até agora. Mas esse conflito não está acontecendo apenas na região da Faixa de Gaza: ele invadiu o mundo todo a partir das redes sociais, em uma guerra de versões recheada de palavras e imagens aterrorizantes.
Isso vem servindo de munição para grupos políticos e ideológicos que inescrupulosamente usurpam a barbárie para impor sua visão de mundo. Essas mensagens invadem nossas vidas a partir de computadores e celulares, inflamando pessoas que sequer entendem o que está acontecendo no Oriente Médio. Isso aumenta ainda mais a dor daquele confronto interminável, movido pelo ódio e pela intolerância dos radicais de ambos os lados.
Guerras não são ganhas apenas no campo de batalha: os vencedores também precisam conquistar corações e mentes da opinião pública. Desde a Primeira Guerra Mundial, isso vem acontecendo de maneira cada vez mais intensa e rápida, com o avanço da imprensa e da tecnologia. Mas a também horrenda invasão russa na Ucrânia inaugurou um novo tipo de “cobertura”, feita diretamente do front por combatentes, assim como pela população civil, com seus celulares. A fase atual do conflito israelo-palestino cristalizou isso.
Nesse fogo-cruzado ideológico e digital, as pessoas são praticamente forçadas a escolher um lado. Como palestinos e israelenses possuem seus argumentos, é importante desqualificar o inimigo, para angariar a simpatia internacional. Mas como a maioria da população não tem acesso a informações confiáveis e equilibradas, o que poderia ser um debate construtivo em busca da paz se torna uma arena de insultos.
Aqui o conflito não faz mortos como lá, mas o tecido social fica esgarçado pela ignorância!
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Um triste exemplo aconteceu na terça passada (10), em um debate sobre as causas do conflito, organizado pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ. Mediado pela professora Monica Herz, ele reuniu Márcio Scalercio, docente do departamento, Nizar Messari, da Al Akhawayn University (Marrocos), e Michel Gherman, pesquisador da UFRJ, do centro de estudos de Sionismo e Israel da Universidade Ben Gurion do Negev, e do Centro Vital Sasson de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém, além de coordenador acadêmico do Instituto Israel-Brasil.
Em sua fala, Gherman, condenou veementemente o ataque do Hamas como um ato terrorista. Tentou explicar as consequências nefastas disso aos próprios palestinos e expôs a necessidade de negociação com a Autoridade Nacional Palestina. Por isso, foi agredido por um grupo de alunos, que o acusavam de ser simpático ao Hamas e –pasmem– de ser antissemita.
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Diante da impossibilidade de continuar sua fala, Gherman deixou o evento. “Eu vou embora, vocês ganharam”, disse ao sair. Apesar dos protestos de Herz pelo ocorrido, o debate virou um Fla-Flu ideológico entre os alunos.
O “pecado” de Gherman foi não ter destilado um ódio visceral contra o Hamas, apesar de ter deixado bastante claro que classificava o grupo como terrorista. Mas para a turma cega pelo ódio, qualquer um que não se comporte dessa forma deve ser silenciado. As vozes do bom-senso não lhes servem de espelho e pertencem ao “inimigo”.
É nessas horas que os estilhaços da guerra atingem o mundo todo. Quando perdemos a capacidade de dialogar civilizadamente com quem pensa de maneira diferente, o terror ameaça sociedades que suas bombas não conseguem atingir.
Streaming de terror
A imprensa profissional filtra o que publica, evitando fake news e conteúdos demasiadamente brutais, que visam aumentar o ódio até daqueles que mal entendem o que está acontecendo. As redes sociais, por outro lado, servem como gigantescos dutos descontrolados e se prestam à polarização irracional.
A ONU (Organização das Nações Unidas) declarou ter “claras evidências” de crimes de guerra e uma enorme quantidade de relatos de mortes de civis por grupos armados dos dois lados, que as propagandeiam pelas plataformas digitais. Eles buscam colher apoio para seus atos e aterrorizar a população do inimigo. E crianças e jovens acabam sendo bombardeados por isso, sem o mínimo preparo para lidar com tanto terror, servindo para depois engrossarem as fileiras da intolerância de todo tipo.
Os terroristas digitais são muito mais rápidos e numerosos que a imprensa. Além disso, como não têm nenhum compromisso com a verdade, usam não apenas imagens reais da guerra, como também conteúdo fora do contexto e ainda material gerado por inteligência artificial. A partir disso, aqueles que se identificam cegamente com qualquer dos lados se encarregam de espalhar o terror, seja verdadeiro ou falso.
Extremistas dos dois lados esperam exatamente que isso aconteça e seja normalizado, a ponto de ser apoiado. Isso não pode acontecer, pois cada grupo busca reescrever a história que ainda está sendo vivida, mas com suas ideias!
Não haverá paz enquanto extremistas dominarem os opostos no conflito. Para eles, massacres dos dois lados da fronteira servem para reforçar suas posições, entrincheirando-se no poder. Talvez essa seja a maior aberração dessa barbárie.
Nessa guerra em que a ideologia mata tanto quanto tiros, as imagens perderam sua capacidade de retratar a verdade. Pelo contrário, elas só mostram aquilo que quem as postou deseja impor. E por isso não é nenhuma surpresa ver a imprensa profissional sendo alvejada pelos mesmos grupos, por insistir em não apenas trazer os fatos, mas explicá-los para todo mundo, especialmente para quem sempre achou a crise entre palestinos e israelenses algo incompreensível, distante e desimportante.
O terrorismo não pode ser normalizado, relativizado ou aceito. Da mesma forma, o extremismo é o grande inimigo da paz, pois ele não ouve a voz do outro ou sequer aceita sua existência.
Quanto a cada um de nós, no conforto de nossas telas, precisamos entender que a vida não é binária. As pessoas não podem escolher um lado do conflito como quem decide para qual time torcerá, especialmente quando sua própria equipe foi desclassificada. Sabemos que a intolerância mata até nas torcidas organizadas.