Modismos podem afastar as escolas de bons usos da inteligência artificial

By 8 de setembro de 2025 Educação No Comments
Painel sobre uso da IA na educação, no evento AI Summit Brasil, que aconteceu em São Paulo, na semana passada - Foto: divulgação

Nos últimos dias, a proposta de uma escola americana que trocou professores por plataformas de inteligência artificial ganhou destaque no noticiário. Mas apesar de seduzir famílias interessadas em inovação e dispostas a pagar uma mensalidade equivalente a R$ 18 mil, a ideia promove um profundo desserviço para a educação.

Criada pela influenciadora MacKenzie Price em Austin e já presente em outras dez cidades no país, a Alpha School dedica apenas duas horas diárias a disciplinas tradicionais, como linguagem e matemática. Para ela, “as salas de aula são o novo campo de batalha global”. Todo o processo de aprendizagem é conduzido por sistemas de IA, que prometem ajustar o progresso ao desempenho individual dos estudantes, que não são divididos em séries.

O restante do tempo na escola serve para socialização, oficinas e projetos em temas como empreendedorismo, oratória, liderança e educação financeira, baseados em metas e recompensas. Para essas atividades, os alunos são auxiliados por “guias” (que não são professores), também orientados por IA.

Esse verniz de modernidade parece uma ótima ideia. Mas quem propôs isso não sabe o que é a inteligência artificial e muito menos o que é educação.

O tema foi debatido no painel de IA na educação no AI Summit Brasil, que aconteceu na semana passada em São Paulo, do qual participei. A conclusão foi que a IA pode e deve ser usada na escola, mas só trará resultados positivos se for implantada sob orientação de educadores, fugindo de modismos e de propostas espalhafatosas.


Veja esse artigo em vídeo:


Aqui mesmo, no Brasil, já vemos usos positivos dessa tecnologia na sala de aula, nos conhecidos centros de elite educacional. Neles, a tecnologia ajuda a tirar dúvidas dos alunos, personalizar conteúdos e atividades para cada um e cuidar de atividades que tomam muito tempo dos professores, permitindo que invistam mais na experiência dos estudantes. Em todos os casos, os docentes continuam no centro do processo.

“É importante desenvolver nos alunos a consciência de que a IA é uma ferramenta, e não uma fonte absoluta de verdade”, explica o professor Pedro Teberga, especialista em negócios digitais. “O uso responsável da IA passa também por saber quando não a usar, valorizando o esforço cognitivo e a criatividade humana”, acrescenta.

Quando o ChatGPT foi lançado, no fim de 2022, tocou em cheio a educação. Os professores ficaram com medo de não conseguir mais avaliar seus alunos e de que perderiam seus empregos para máquinas. Passados 33 meses, esses temores não se concretizaram, mas estão criando mudanças na avaliação, no ensino e na profissão.

A IA pode estimular debates, gerar hipóteses, simular dilemas e dar respostas em tempo real. Com ela, o professor não se limita a apenas transmitir conteúdo, passando a elaborar experiências que orientam e desafiam os alunos que, por sua vez, tendem a ficar mais engajados com o uso consciente da tecnologia, sem criar dependência dela.

Apesar de todos esses benefícios, a IA está muito longe de poder conduzir sozinha uma sala de aula. “O maior erro seria tratar isso como um tema puramente técnico, pois é, antes de tudo, pedagógico”, afirma Teberga. Esse descuido poderia levar à superficialidade na aprendizagem, uso irrefletido da tecnologia, dependência cognitiva e até a perpetuação de vieses da IA. Segundo ele, “o problema não é a IA em si, mas a forma como ela é integrada ao processo pedagógico”.

 

Criando regras

Promulgado no ano passado, o AI Act, a lei europeia de inteligência artificial, classifica seu uso na educação como de “alto risco”. Por isso, exige mecanismos de segurança, transparência e prevenção de discriminação. E ainda proíbe seu uso em práticas invasivas, como reconhecimento de emoções e pontuação social.

No Brasil, o Conselho Nacional de Educação está elaborando diretrizes para o uso da IA nas escolas, buscando uma aplicação ética, segura e pedagógica. A proposta prevê incluir o ensino da IA na formação de professores, preparando-os para utilizá-la como apoio à aprendizagem, sem substituir seu papel de educador. O CNE enfatiza a importância da mediação humana no uso da IA, o respeito à privacidade e a promoção da equidade, além de incentivar inovação e inclusão educacional.

Isso está em linha com a proposta da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Outros países, como Estônia, Singapura e Canadá, já adotam políticas que integram infraestrutura digital, capacitação e desenvolvimento dessas competências. Nos EUA, universidades como Harvard e Stanford já estabeleceram orientações claras sobre o uso da IA nas salas de aula.

Leis como essas são necessárias, mas não suficientes. É preciso capacitação dos docentes e conscientização das famílias, que devem atuar em parceria com as escolas.

É importante ficar claro que o professor não precisa dominar profundamente a IA para usá-la bem. Mas as escolas devem orientá-lo e apoiá-lo continuamente nisso, além de elaborar políticas que garantam liberdade pedagógica com responsabilidade. Não pode haver nem tecnofobia, nem tecnolatria.

Costumo dizer que uma das coisas mais interessantes de se pesquisar a inteligência artificial é ser obrigado a olhar mais para nossa humanidade. Ela é o nosso diferencial em um mundo em que a máquina ilusoriamente parece ser capaz de fazer tudo, e isso é particularmente importante na educação.

Sobre a Alpha School, Teberga alerta que ela minimiza aspectos essenciais da educação, como a mediação docente e o desenvolvimento emocional e social dos alunos, especialmente dos menos motivados. “O risco é transformar o ensino em um produto técnico e desumanizado, quando o que precisamos é justamente o oposto, com uma educação crítica, inclusiva e centrada nas pessoas”, conclui.

A escola precisa ser um espaço seguro, focado nos indivíduos. A educação vai além da transmissão de conhecimento, envolvendo mediação humana, desenvolvimento crítico, estímulo à criatividade e suporte emocional. A IA não tem empatia, capacidade de interpretar nuances individuais ou habilidade para promover debates que formem cidadãos conscientes. Por isso, antes de abraçarem propostas “modernosas”, as famílias devem se preocupar com que tipo de adultos seus filhos se tornarão.