Estamos nos aproximando do fim do ano, tempo de se fazer balanços do período e preparar resoluções para o que está chegando. Talvez pelo meu ofício, estou sempre “entrevistando” as pessoas, inclusive sobre o que 2022 lhes representou. E, para muitos, a virada de ano chegará encharcada de esperança, depois de anos muito difíceis.
Uns tantos chegam a dizer que foram os anos mais difíceis de suas vidas. Mas longe de julgar os motivos de cada um, será que foram mesmo? Ou os problemas vêm sendo amplificados por uma complexa combinação de sentimentos ruins e desinformações inoculadas pelas redes sociais, a intolerância decorrente disso e a perda do “norte” de cada um?
A humanidade já passou por períodos muito piores, como a Idade Média, a Inquisição, a Gripe Espanhola (que foi muito mais grave que a Covid-19) e as duas Grandes Guerras, só para citar alguns exemplos terríveis. Sobreviveu a todos eles e até prosperou, em vários aspectos impulsionada pelos males associados a essas crises.
Como diz o ditado, “depois da tempestade, vem a bonança”. Mas não dá para ficarmos esperando sentados que as nuvens se dissipem. Temos que fazer nossa parte, e isso inclui nos blindar da influência nefasta da lente de aumento do meio digital para o lado mais feio da vida.
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Claro que tivemos que enfrentar problemas sem precedentes para essa geração nos últimos anos, a começar pela pandemia de Covid-19, que afetou fortemente todo mundo. Não minimizo a gravidade disso ou do ódio que rachou nações inteiras, incluindo a brasileira. Mas precisamos colocar isso em perspectiva.
Hoje temos acesso a um volume de informações inimaginável há 20 anos. Os agentes que viabilizaram isso foram os smartphones e as redes sociais. Os primeiros atingiram uma quase onipresença, mantendo-nos permanentemente em contato com pessoas, serviços e conteúdos diversos. Já as redes sociais criaram uma eficientíssima plataforma para disseminar todo tipo de informação.
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Em um primeiro momento, isso parece ótimo: podemos fazer mais e melhor quando somos bem-informados. Mas justamente aí reside o problema: a imensa maioria desse conteúdo é de baixa qualidade ou propositalmente distorcido ou mentiroso, as infames fake news, que já debatemos nesse espaço incontáveis vezes.
A imprensa profissional deveria servir como um porto-seguro contra os efeitos nocivos desse coquetel. Mas apenas recentemente está aprendendo a se posicionar nessa nova realidade informativa, depois de muita autocrítica, sofrimento e estudo. Lamentavelmente parte dela ainda não encontrou esse caminho ou deliberadamente se rendeu aos métodos questionáveis das redes sociais, em busca de audiência.
Esse é um embate desigual! A verdade muitas vezes produz notícias monótonas e até incômodas, pois ela é o que é. Já a mentira pode produzir conteúdos suculentos e alinhados com o que cada indivíduo deseja, pois não tem compromisso com os fatos.
É aí que a verdade sucumbe e os problemas se agigantam.
“Certezas” sobre o desconhecido
Esse acesso desmedido a informações boas e ruins, misturadas e sem identificação, nos dá “certezas” sobre tudo, como os bastidores da política, a melhor maneira de nos proteger de doenças e até a receita do bolo de fubá perfeito.
Que saudades do tempo em que éramos “apenas 200 milhões de técnicos de futebol”! Poderíamos estar agora debatendo na mesa de um bar os motivos da desclassificação do Brasil e do triunfo da Argentina na Copa do Mundo.
Tanta “certeza sobre tudo” nos torna intolerantes, alimentando inconscientemente esses monstros do cotidiano. A necessidade de se opinar em qualquer tema, mesmo sobre o que não temos ideia, pode transformar um singelo calango no Godzilla.
E aí salve-se quem puder!
Temos que identificar o tamanho real dos problemas e, para isso, precisamos de informações confiáveis. Elas definitivamente não vêm das redes sociais, e sim da escola, da ciência e da imprensa séria.
Nisso reside outro desafio dessa geração, pois os grupos de poder que se beneficiam da desinformação conseguiram plantar firmemente em parte da sociedade a ideia de que esses três agentes informativos não são confiáveis e devem até ser combatidos. Como toda atividade humana, eles não são perfeitos e têm seus interesses. Mas eles estão muito mais alinhados com as reais necessidades do público que estão as redes sociais ou aqueles que as usam para se beneficiar do caos.
Basta ver que, na semana passada, Elon Musk, que comprou recentemente o Twitter para (segundo ele), “garantir a liberdade de expressão na rede”, bloqueou na plataforma jornalistas que criticavam seus questionáveis métodos de gestão.
Impossível não recordar de Umberto Eco nessa hora. Em junho de 2015, ele disse que as redes sociais haviam dado voz a uma “legião de imbecis”, que antes “eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel”. Para ele, “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”
Quando Eco disse aquilo, as redes sociais eram muito mais saudáveis, antes de se tornar o atual espaço de manipulação e ódio. O escritor e filósofo italiano parecia ter antecipado todos esses problemas que estavam por vir.
Mas podemos reverter isso tudo!
O fim de ano é um momento de reflexão e de recomeço. É uma pena, mas os problemas não desaparecerão. Ainda assim, temos a oportunidade de dar menos ouvido a “idiotas da aldeia” e olhar os problemas com atenção. Se os virmos menores que o que realmente são, não daremos a eles a importância devida. Se os pintarmos maiores que a realidade, nunca destinaremos recursos e atenção suficientes para sua solução.
Unidos e com consciência e serenidade, podemos resolvê-los de maneira melhor e mais justa para todos.