aprendizado tangencial

Por que não vemos games nas salas de aula como vemos vídeos?

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Cenas de O Patriota e de Assassin's Creed III - Imagens: divulgação e reprodução

Que melhor maneira de estudar sobre a Revolução Americana, que assistindo a um filme como O Patriota, ou -melhor ainda- atuando diretamente nos seus eventos históricos, como em Assassin’s Creed III?

Meus filhos assistiram a Avatar na escola ontem. O objetivo era preparar os alunos para discutir sobre o processo de colonização. Apesar de vídeos já serem bem aceitos como ferramenta pedagógica, eu sempre me pergunto: por que os games ainda não gozam do mesmo status na sala de aula? Os dois recursos têm muito em comum e os games podem ser até mais eficientes no aprendizado.

A exibição da história de James Cameron e o debate subsequente foram atividades de uma “semana diferenciada” da escola. Além de apresentar com riqueza de detalhes os interesses conflitantes dos nativos e dos colonizadores, normalmente extrativistas mais avançados tecnologicamente e bem armados, um filme como esse cria um ambiente imersivo, melhorando a compreensão do assunto estudado. Quando chegou o debate, a facilidade da turma em transpor a fictícia Pandora para a América ou a África colonizada pela Europa fez valer cada um dos 162 minutos do filme.

Imersão é a palavra-chave, porque leva ao engajamento. Quando alguém se sente envolvido com um assunto, ele naturalmente usa seus recursos cognitivos para aproveitar ao máximo a experiência que está vivenciando, inclusive as pedagógicas. E é por isso que os games deveriam ser mais bem explorados pelas escolas. Pela própria natureza do produto, eles são capazes de tirar o estudante da posição passiva do processo de aprendizagem da escola tradicional, um desejo de todos eles

Eu gosto de citar, como exemplo, o estudo da Revolução Americana. Lembro-me de ter aprendido sobre ela nos livros, como parte do processo de independências das colônias na América. Toda a independência dos EUA cabia em uma página, com um parágrafo para o evento conhecido como “Festa do Chá de Boston” e outro para a própria declaração da independência. É muito, muito pouco para entender um evento tão complexo e tão importante da história mundial. E só me lembro disso porque tenho uma memória de elefante.

Mas que tal usar Mel Gibson como professor por um dia? Sim, pois ele estrelou o filme O Patriota, que conta a história de um fazendeiro americano que se vê forçado a lutar contra os ingleses. Apesar de o filme se concentrar em eventos fictícios da Revolução Americana, ele é capaz de envolver os alunos com o tema ao ponto de que alguns quererem pesquisar sobre isso por seus próprios meios e iniciativa, um processo conhecido como “aprendizado tangencial”.

Mas e se você pudesse ser transportado para a América Colonial do século XVIII, interagir com personagens históricos, como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, e participar decisivamente de momentos-chave da história americana, como a própria “Festa do Chá de Boston” ou do “Grande Incêndio de Nova Iorque”? Bem, eu posso garantir que você passaria a entender a Revolução Americana de uma maneira definitiva e bem fixada. Longe de ser uma utopia, isso é perfeitamente possível, graças ao game Assassin’s Creed III, da Ubisoft. Em cada título dessa série, o jogador é capaz de reviver, como protagonista, eventos maiúsculos da história mundial, ricamente recriados.

Mais que imerso, o estudante estaria completamente fisgado pelo conhecimento.

 

“Por que game educativo tem que ser chato?”

Admito que provavelmente não verei Assassin’s Creed como material didático. Apesar dos inegáveis benefícios apontados, as ações da série são muito violentas, como o título leva a crer. Seria muito difícil para a equipe pedagógica justificar isso aos pais que não são gamers.

Tela da primeira versão do jogo "Where In The World Is Carmen Sandiego?"

Tela da primeira versão do jogo “Where In The World Is Carmen Sandiego?”

Felizmente, nem todo game que pode nos ensinar algo é violento. Muitos são bastante simples e até rudimentares para os padrões dos consoles atuais, mas sem deixar a diversão de lado. Um excelente exemplo é Where In The World Is Carmen Sandiego, lançado originalmente em 1985 para o finado Apple II. No game, você é um detetive que persegue vilões pelo mundo, enquanto aprende sobre a geografia dos países por onde passa. Tão simples quanto divertido, o game teve várias continuações, ganhou uma série em desenho animado e até está prevista uma adaptação para o cinema.

Mas o fato é que a maioria dos jogos educacionais são extremamente chatos. Afinal, quem é que tem que resolver uma equação de segundo grau para abrir uma simples porta? Esses desenvolvedores podem conhecer bem os Parâmetros Curriculares Nacionais, mas não sabem nada de diversão. Resultado: os alunos acham os livros mais divertidos que esses “games”.

Há alguns anos, fui convidado para uma mesa redonda sobre o uso de games em educação, como parte das comemorações do centenário do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Antes do debate, alguns alunos dos ensinos Fundamental e Médio apresentaram games educativos que eles próprios tinham desenvolvido usando ferramentas gratuitas. Naturalmente eram iniciativas limitadas, mas eles cumpriam as duas premissas que todo game educativo deveria ter: ensinavam e eram divertidos. Lembro-me claramente de um dos pequenos desenvolvedores, de 14 anos, perguntando ao público, quase como um desafio: “Por que game educativo tem que ser chato?”

Ele entendeu tudo!

 

Então o que falta?

Enquanto não vemos games educativos realmente divertidos em profusão no mercado, cabe aos educadores encontrar maneiras criativas de usar “games não-educativos” para engajar seus alunos. E há muita coisa disponível. Por exemplo, que tal usar Angry Birds para exercitar o conceito de lançamento balístico?

A grande diferença no volume de uso de vídeos e de games na sala de aula pode ser explicada pelo fato de que professores assistem a filmes regularmente, mas quantos deles são gamers? Portanto, não adotam esse recurso em suas aulas porque simplesmente não conhecem as opções.

De forma alguma eu os estou julgando por isso. Mas então como resolver isso?

Seria excelente que toda escola tivesse o seu “especialista em games” para trabalhar com os professores possibilidades de seu uso no projeto pedagógico. Pois eu aposto que essa figura já está lá, apenas aguardando para ser descoberta. Por ser um professor, um funcionário de outras áreas ou até mesmo um aluno! Aliás, envolver alunos dessa forma tem potencial para transformar a atividade em algo riquíssimo, se for bem conduzido.

Deixo, portanto, um apelo às equipes pedagógicas: tragam games para o processo de aprendizagem. Longe de ser um fator de distração, isso ajudará seus alunos a passar de fase.

Jogador, gostaria de lhe apresentar George Washington

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Cenas de O Patriota e de Assassin's Creed III

Que melhor maneira de estudar sobre a Revolução Americana, que assistindo a um filme como O Patriota, ou -melhor ainda- atuando diretamente nos seus eventos históricos, como em Assassin’s Creed III?

Há alguns dias, tive o prazer de conhecer “pessoalmente” George Washington, quando frustrei uma tentativa de assassiná-lo. Também andei pelas ruas e conversei com os habitantes de Boston e de Nova York do século 18, sentindo o calor de uma população que crescentemente se revoltava contra o domínio britânico sobre o que hoje são os Estados Unidos. Sim, eu estava lá e pude entender, sentir e participar da cadeia de eventos que culminou na Revolução Americana.

Isso tudo aconteceu, mas dentro de Assassin’s Creed III. Para quem não conhece essa séria de games da Ubisoft, seu roteiro se constroi sobre um personagem que consegue reviver as memórias de seus antepassados com o auxílio da tecnologia. Dessa forma, participa de eventos históricos, como as Cruzadas, a Renascimento e a própria Guerra da Independência dos Estados Unidos, como se realmente estivesse naquela época e local. E o jogador é convidado a interagir com esse mundo passado, garantindo que tudo aconteça como deve ser.

Além da impressionante qualidade técnica e de uma cuidadosa recriação de fatos e de ambientes, o que mais me chamou atenção no game foi a possibilidade de se “estudar” história (no caso, americana) com ele. Do que me lembro dos meus tempos de escola, o material didático que tinha disponível sobre o assunto se resumia a uns poucos parágrafos sobre a Festa do Chá de Boston e a própria Declaração da Independência. Agora pude participar ativamente não apenas desses dois eventos, como também de vários outros que os antecederam e sucederam e que, juntos, explicam e justificam a independência dos EUA.

Assassin’s Creed não é o primeiro jogo que coloca o jogador como protagonista de eventos históricos, favorecendo o aprendizado tangencial, já discutido neste blog. Mas é a bola da vez, com rumores de que pode até ser transformado em um longa-metragem hollywoodiano.

É uma maneira inovadora e muito eficiente de se ensinar um conteúdo acadêmico, que serve de fio condutor em um game cuja diversão a princípio não tem nenhum interesse educacional. Mais eficiente até que assistir a um filme como O Patriota, com Mel Gibson interpretando um fazendeiro que se vê forçado a participar da Revolução Americana. Que por sua vez é muito mais eficiente que os parágrafos do livro didático acima citado, pois traz muito mais informação, contexto e –claro– diversão associada ao aprendizado.

A vantagem do game é que o estudante-jogador abandona a posição passiva e participa ativamente dos fatos, algo que nem os filmes podem oferecer. No melhor estilo do “aprender fazendo”, a informação é, mais que decorada, assimilada e entendida por se ter participado dela, ainda que virtualmente.

Sei que é difícil sugerir que um game como esse seja adotado como material didático, pois o custo é elevado e a ação é extremamente violenta, do começo ao fim, como se pode imaginar pelo título. Mas o que proponho aqui é o uso criativo de ferramentas inusitadas e que fazem parte do cotidiano dos alunos para se atingir fins pedagógicos.

Há muito material para isso para história universal e ciências naturais, por exemplo. Infelizmente não há muitos games que retratem o Brasil e sua história, mas há bastante material assim na teledramaturgia, especialmente da Rede Globo. Fica o desafio às equipes pedagógicas de garimpar isso de acordo com seus planos de aula.

As editoras de material didático deveriam também investir nisso, mas elas têm uma enorme dificuldade de ousar nesse sentido. A começar porque a produção de um material como esse é caríssima, e dificilmente se pagaria vendendo às escolas que topassem adotá-lo. Talvez devessem então começar a pensar sob a ótica do aprendizado tangencial, e produzir games para um público muito além do escolar, ao invés de continuar apenas com suas iniciativas bastante… “limitadas” de conteúdo didático digital.

Ou daqui a pouco verão a indústria de games ganhando as licitações do MEC.

Isso é um livro ou alguma “outra coisa”?

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Como um livro deve ser para ser chamado de “digital”? Há alguns dias, investi US$ 4,99 no download do e-book “The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore” (Moonbot Studios LA), na verdade, um aplicativo para iPad, cujo trailer pode ser visto acima. Eu o conheci em uma discussão se aquilo poderia ainda ser considerado um livro ou se já se tratava de alguma “outra coisa”. E minha experiência com ele foi muito interessante.

A despretensiosa historinha despertou enorme interesse em todas as crianças a quem o mostrei, mesmo com seu texto em inglês. O aplicativo é uma evolução do conceito do livro-brinquedo, em que a criança é convidada a explorar, a cada página, recursos que ampliam a experiência da leitura. Nesse caso, isso se dá por uma belíssima mistura de animação digital, multimídia e interatividade, valendo-se da interface tátil do tablet. E o resultado com os pequenos é muito positivo.

Críticos dessa categoria de produto dizem que tanta riqueza sensorial elimina uma das belezas dos livros, que é a necessidade de o leitor imaginar as cenas que está lendo. Concordo com a importância disso, mas Morris Lessmore não “entrega tudo pronto”, como um filme. Em contrapartida, convida o usuário (que não é mais apenas um “leitor”) a interagir com a história, introduzindo novos elementos cognitivos que um livro tradicional não pode oferecer.

Claramente esse tipo de recurso não serve apenas para diversão ou para ser usado em contos infantis. Qualquer obra pode se valer dessa nova modalidade de publicação. Como exemplo, contarei um caso que me ocorreu hoje.

Enquanto ajudava meu filho com seus estudos, nos deparamos com a seguinte definição, em uma gramática que é best seller absoluta entre livros didáticos: “intencionalidade discursiva são as intenções, implícitas ou explícitas, existentes no discurso.”

Apesar de ele compreender perfeitamente as palavras, do alto dos seus dez anos não conseguiu entender plenamente a definição. Nesse sentido, o livro falhou em algo que explicou poucas páginas antes: “discurso é o processo comunicativo capaz de construir sentido.” Ou seja, o enunciado, por si só, não disse muita coisa a quem o leu. Mas, com uma breve contextualização minha, meu filho finalmente compreendeu tudo o que pregava a definição.

Vale ressaltar que o livro apresentava exemplos que ajudariam na compreensão, mas, para uma criança, eles estavam demasiadamente dissociados do objeto. Fiquei pensando na hora que Morris Lessmore teria feito diferente, e provavelmente o aprendizado teria sido muito mais eficiente. E divertido!

É provável que um “livro digital” de qualidade signifique subverter estruturalmente o conceito do que se conhece por livro. Em tempos em que o MEC pede crescentemente às editoras material didático digital, exemplos como esse deveriam ser considerados para “pensar fora da caixa”. A tecnologia deve ser usada criativamente a favor dos objetos de aprendizagem.

Os livros não devem mais ficar restritos a suas páginas (“páginas?”) ou mesmo ao jardim murado do conteúdo das editoras. Com suas versões digitais, as crianças devem ser estimuladas a ampliar sua aquisição de conhecimento de maneira tão ampla, criativa e divertida quanto possível. É assim que elas já adquirem qualquer conhecimento, e, quando têm esses recursos à mão, o fazem de maneira surpreendente e decisiva. Os professores já sabem disso e muitos tiram proveito disso para ajudar seus alunos.

O que me traz de volta à discussão que tive na semana passada: no final, Morris Lessmore ainda é um livro? Oras, quem se importa com isso?

Quando os games ensinam sem ensinar

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Um dos principais pontos de resistência ao uso de games de entretenimento na educação está no óbvio fato de que eles não foram criados para ensinar alguma coisa, e sim para divertir as pessoas. Como então pedir que os professores aproveitem seus recursos em seus planos de aula?

Tal resistência dos mestres, facilmente explicável pelo dito acima e sua natural dificuldade de adotar qualquer nova tecnologia nas aulas, é uma pena. O professor que consegue fazer o uso criativo de games pode experimentar resultados bastante expressivos. Mas como fazer isso?

 

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Esse vídeo, um dos vários sobre uso de games criados por Daniel Floyd, oferece uma excelente sugestão de como conseguir a proeza. Ele apresenta o conceito de “aprendizado tangencial”, baseado na ideia de que pessoas aprendem melhor quando estão envolvidas e interessadas com o tema estudado. Isso é particularmente importante para as escolas, pois os alunos atuais não conseguem achar as aulas atraentes, não se envolvem com elas e, portanto, não aprendem direito.

A beleza da coisa, no nosso caso, é que o objeto do estudo não precisa ser necessariamente o tema principal do game. O “truque” é escolher títulos que incluam referências ao que se deseja estudar. Floyd explica isso valendo-se do filme “300”, pois o aprendizado tangencial pode ser visto também em outros produtos, como filmes, música, entre tantos outros. “300” ou os quadrinhos que o inspiraram obviamente não foram criados com intuito educacional. Porém são de tal maneira envolventes, que despertaram, em boa parte de seu público, o desejo de saber mais sobre Esparta, seu rei Leônidas ou a Batalha das Termópilas. A partir daí, essas pessoas, valendo-se dos meios de sua escolha e por sua própria iniciativa, se “autoeducaram”, motivadas pelo envolvimento que o filme ou os quadrinhos lhes proporcionaram.

Isso é o aprendizado tangencial. Não é algo trivial de se adotar nos planos e aula, mas não é algo impossível de se pedir aos professores. O que precisa ser feito é dar-lhes recursos para que se apropriem dessa ferramenta –no caso, os games– e saibam extrair dela o que outras pessoas não conseguem enxergar.

Trata-se de algo que bons professores fazem desde sempre, para ir além dos recursos que as salas de aula ou laboratórios lhes oferecem. Assim envolvem seus estudantes para que eles transcendam seus ensinamentos e aprendam eficientemente. O vídeo abaixo, um trecho do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, exemplifica como o professor Keating (Robin Williams) usava métodos considerados bastante questionáveis (porém extremamente eficientes para se atingir os objetivos de aprendizagem) pela fictícia Academia Welton, em 1959:

 

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O personagem do professor envolvia seus alunos para que entendessem melhor o que queria na sala de aula, mas também para que ampliassem seu estudo usando seus próprios métodos (e eles usavam) fora dela. Na história, os resultados foram arrebatadores.

Mas o desafio não é só para os educadores (e, por que não, pais?). Outra peça-chave para a ampliação do uso do aprendizado tangencial são as editoras. Não as editoras de games, que já sabem fazer isso –e fazem– mesmo não sendo esse seu objetivo primário. Estou me referindo às editoras de material didático. Precisam alterar a sua ideia de produção, especialmente quando pensam em criar coisas que vão além dos livros (hmmm… isso não acontece exatamente muito por aqui).

Há três anos, conversava com a coordenadora do Ensino Fundamental de uma das principais escolas de São Paulo. Preservarei o seu nome e o da escola pelo comentário que ela teceu: “Temos um problema aqui: todos –todos– os nossos alunos têm PlayStation. Esses alunos têm demandas para as quais não estamos preparados. Quando chegam na sala de aula, isso aqui é um saco para eles! Não conseguimos captar a sua atenção e, quando isso acontece, a perdemos depois de cinco minutos.” Consequentemente, a aprendizagem é prejudicada.

As editoras precisam ajudar os professores, e estes precisam estar abertos a iniciativas inovadoras. Ou a escola se tornará, cada vez mais, um saco para seus clientes, os estudantes.