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Os personagens Theodore e Samantha (no smartphone em seu bolso), no filme “Ela” (2013) - Foto: divulgação

Inteligência artificial começa a substituir pessoas com suas ideias, personalidades e vozes

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Enquanto o mundo discute o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho, outra revolução, possivelmente mais profunda ainda, começa a tomar forma graças a essa tecnologia: pessoas estão criando representações digitais de si mesmas, simulando suas ideias, vozes e até suas personalidades.

O objetivo é usar esses avatares para conversar com muita gente, como se fossem o indivíduo em si. Isso é particularmente interessante para celebridades com enormes bases de fãs online, mas abre uma série de discussões éticas e até filosóficas sobre a substituição do ser humano por robôs.

Por um lado, eles podem representar um grande avanço no relacionamento com seguidores e clientes, criando uma experiência incrivelmente imersiva e convincente, o que pode ser ótimo para os negócios. Entretanto especialistas temem que esses chatbots hiper-realistas possam provocar estragos na saúde mental de algumas pessoas.


Veja esse artigo em vídeo:


No começo do mês, a influenciadora digital americana Caryn Marjorie, 23, que tem aproximadamente dois milhões de seguidores no Snapchat, lançou um desses avatares. Batizado de CarynAI, ele é construído sobre a tecnologia do GPT-4, motor do afamado ChatGPT.

Mas ele vai muito além de escrever textos a perguntas de seus fãs. O robô simula a voz, personalidade e até maneirismos de Caryn, conversando com os fãs sobre qualquer assunto. Para uma base de seguidores em que 98% são homens, ninguém se surpreendeu que muitas dessas conversas acabaram tendo cunho sexual, apesar de a influenciadora dizer que espera que esse não se torne o assunto principal.

Os fãs sabem que não estão falando com a verdadeira Caryn. Ainda assim não se importam de pagar US$ 1 por minuto de conversa. Não há limite de tempo, mas quando o papo se aproxima de uma hora, CarynAI sugere que o fã continue em outro momento.

Com isso, na primeira semana, o sistema rendeu nada menos que US$ 100 mil à influenciadora. Quando ela conseguir dar acesso a uma lista de espera de milhares de interessados, ela calcula que faturará algo como US$ 5 milhões por mês! Negócios à parte, Caryn disse que “espera curar a solidão de seus fãs” com a ajuda de seu avatar.

“Entrar na fantasia não é errado: isso nos proporciona criatividade, curiosidade, alegria”, explica Katty Zúñiga, psicóloga especializada em comportamento e tecnologia. “Mas, ao mesmo tempo, a gente precisa entrar em contato com nosso lado mais racional, mais consciente, para encontrar o equilíbrio, e não nos perdermos na fantasia, que é o que essa inteligência artificial está nos apresentando.”

 

Vencendo a morte?

CarynAI foi criada pela empresa Forever Voices. Seu CEO e fundador, John Meyer, disse ao The Washington Post que começou a desenvolver a plataforma no ano passado, para tentar “conversar” com seu pai, que faleceu em 2017. Segundo ele, conversar com o robô que tinha a voz e a personalidade do pai foi “uma experiência incrivelmente curativa”.

É inevitável lembrar do episódio “Volto Já” (2013), o primeiro da segunda temporada da série “Black Mirror”, conhecida por promover reflexões sobre usos questionáveis da tecnologia. Nessa história, a personagem Martha (Hayley Atwell) usa um serviço que cria um chatbot com informações, personalidade e trejeitos de seu recém-falecido marido, Ash (Domhnall Gleeson). Como aquilo parecia aplacar sua saudade e solidão, ela atualiza o serviço para uma versão em que o sistema conversa com ela com a voz dele.

Emocionada com os resultados, parte para um terceiro nível, em que compra um robô fisicamente idêntico a Ash, que passa a interagir com ela, até sexualmente. Claro que, nesse momento, a experiência desanda! Quanto mais ampla pretende ser a simulação, maior a chance de ela dar errado. Martha não consegue lidar com as diferenças, e decide tomar uma atitude extrema.

Impossível não pensar também no filme “Ela” (2013). Nele, Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor deprimido, se apaixona por Samantha (Scarlett Johansson), a “personalidade” do novo sistema operacional de seu computador e smartphone. Se isso não fosse estranho o suficiente, ela corresponde a seu amor. Aqui também a história não termina bem, pois, apesar de Samantha agradar a Theodore em tudo, ela ainda não consegue ser humana.

As duas histórias são muito impactantes. No caso de Samantha, é muito fácil se apaixonar por ela, mesmo não sendo Theodore. Afinal, ela é dona de uma ternura rara, sempre “ao lado” de Theodore, disposta a dar a ele o que ele precisa. Mas isso é amor ou apenas as ações estatisticamente mais relevantes para cada momento, envelopadas com muito carinho?

É nessa hora que essas plataformas podem se tornar um problema psíquico. A vida real é composta de contraposições entre coisas positivas e negativas, alegrias e tristezas, tensões e distensões. Ao enfrentarmos isso, amadurecemos. Mas se começarmos a viver relacionamentos que nos “protegem” de dissabores, isso pode prejudicar nosso desenvolvimento.

“A gente está vivendo em um mundo de adultos imaturos, por isso as pessoas não aceitam o diferente”, explica Zúñiga. “É como a criança, que vive despreocupada momentos de prazer o tempo todo, porque tem um adulto por trás para cuidar dela”, acrescenta. Mas a vida não funciona dessa forma.

Meyer acredita que, em poucos anos, todos terão um “assistente humanizado por IA” em seu bolso, que poderá ser um parceiro romântico, um personal trainer ou um professor. Resta saber até onde eles poderão ir e como poderemos nos proteger de “abusos” da tecnologia.

No dia 18, Sam Altman, CEO da OpenAI, criadora do ChatGPT, deu uma palestra no Rio de Janeiro. Contrariando o que muito poderiam pensar, ele defende que a inteligência artificial seja regulamentada logo e, de preferência, de maneira única em todos os países.

Infelizmente a chance de isso acontecer é mínima. Afinal, não conseguimos chegar a um consenso nem com o “PL das Fake News”. De qualquer jeito, o debate não pode ficar restrito aos interesses dos fabricantes, ou correremos o risco de parar de nos apaixonar por humanos chatos, preferindo avatares hipersedutores.

 

Videodebate: o robô vai substituir até o seu corpo

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A crise está brava! Se isso já não bastasse para criar incertezas e grandes dificuldades para todos, os robôs e os sistemas de inteligência artificial estão cada vez mais eficientes na execução de tarefas que antes eram exclusivas dos humanos. Em alguns casos, são até mesmo capazes de simular os corpos dos trabalhadores!

O que vai sobrar para nós fazermos?

Muita calma nessa hora! Sim, é verdade que a substituição de trabalhadores por robôs só cresce. Mas nem tudo está perdido.

Nesse cenário, despontam duas certezas: o que puder ser automatizado será, e não dá para continuar na zona de conforto. Quem quiser não apenas sobreviver a essa nova revolução, como ainda aproveitar o momento para se destacar precisa fazer as coisas de maneira diferente.

Quer saber como? Veja no meu vídeo abaixo! E depois compartilhe aqui com todos como você vê esse avanço da tecnologia sobre os trabalhos, e como superar isso.

Ou então fique continue na mesma, e aguente as consequências.


Você está pronto -e quer- viver para sempre?

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Zoe Greystone, personagem da série Caprica, cuja “essência” acaba sendo carregada no robô U-87, dando-lhe “vida” após a morte da menina - Imagem: divulgação

Zoe Greystone, personagem da série Caprica, cuja “essência” acaba sendo carregada no robô U-87, dando-lhe “vida” após a morte da menina

O bilionário russo Dmitry Itskov está investindo uma fortuna para criar um esquema tecnológico de se viver para sempre. Sim, é isso mesmo que você leu: imortalidade! Apesar de a proposta estar mais perto de uma piração que de algo viável, recursos digitais já podem oferecer, se não a vida eterna, uma boa recriação do que somos e até uma certa ubiquidade. Mas será que queremos mesmo viver para sempre? Estamos preparados para isso? E a tecnologia basta para tal?

Longe de ser uma novidade, a busca da vida eterna existe desde a Antiguidade, com os alquimistas e seu mítico “elixir da longa vida”. O que muda agora é a enorme e inédita quantidade de recursos investidos na epopeia da Iniciativa 2045, como é chamada a pesquisa de Itskov.


Vídeo relacionado:


A premissa do russo é simples: como nosso corpo inevitavelmente envelhece e morre, ele quer encontrar uma maneira de mapear nosso cérebro para que ele seja “carregado digitalmente” em um avatar robótico ou holográfico, semelhantes à pessoa. Tal mapeamento seria tão perfeito, que o novo “hospedeiro” se comportaria exatamente como o “original”, com sua personalidade, sua inteligência, suas memórias… Ou seja, depois que o corpo biológico morresse, seria possível continuar “vivendo” em um novo corpo tecnológico. Mais que isso: a nossa “essência” estaria preservada indefinidamente: se acontecesse um acidente com o avatar, bastaria “carregá-la” para um novo.

Além das dificuldades tecnológicas virtualmente intransponíveis, a iniciativa levanta evidentes questões éticas e até religiosas. Para começar, os neurocientistas simplesmente ainda não sabem –nem de longe– como atingir o mapeamento do cérebro humano. No momento, estão tentando fazer isso com hydras, animais extremamente primitivos. Além disso, não há nenhuma garantia que, caso se consiga atingir essa incrível tarefa, o mapeamento carregará traços de personalidade, inteligência, memórias.

Não é de se estranhar, portanto, que o tema seja fartamente explorado por obras de ficção. Na verdade, a série “Caprica” (2009), um spin-off de “Batllestar Galactica” (2003 a 2009), é toda montada em cima de uma tecnologia que é praticamente idêntica à proposta pela Iniciativa 2045: em uma sociedade tecnologicamente muito mais avançada que a nossa, a menina-gênio Zoe Greystone consegue fazer um mapeamento de sua “essência” como a que Itskov busca. Após sua morte, essa informação é carregada em um robô que seu pai vinha desenvolvendo, o que lhe dá “vida”. Apesar do horrível corpo mecânico, a “essência” de Zoe tem autonomia e consciência a ponto de acreditar que ela realmente está ali e viva.

Esse é um dos questionamentos centrais da série: “aquilo” é mesmo Zoe e ela continua viva?

 

Criado a nossa imagem e semelhança

Incontáveis outras obras já tentaram tapear a morte, seja por magia, como em “O Retrato de Dorian Gray” (de Oscar Wilde, 1890), ou pela ciência, como em Frankenstein (de Mary Shelley, 1818). Mais recentemente, o assunto foi abraçado pela cultura pop no cinema e até pelos quadrinhos. O aspecto macabro deu lugar a todo tipo de sentimento, inclusive heroísmo, alegria e esperança.

Bem mais recente que essas obras, a série “Black Mirror” já tratou da vida após a morte pela tecnologia em dois episódios: “San Junipero” e “Volto já”. E esse último, de tudo que já foi falado aqui, é o que está mais próximo de acontecer. Na verdade, assustadoramente próximo.

Sem querer dar muitos “spoilers”, a protagonista do episódio volta a conviver com seu falecido esposo usando recursos digitais. Isso só é possível porque o sistema cria uma representação relativamente fiel da personalidade e das memórias do morto a partir de sua presença digital, por exemplo redes sociais e e-mails. Quanto mais a esposa dava acesso a informações do morto, mais seu “pós-vida digital” ficava parecido a ele.

Acha tudo isso uma “viagem”? Pense de novo.

Vários serviços online se propõem a identificar quem, o que e como somos a partir de nossas pegadas digitais. Um dele é o Apply Magic Sauce, criado pelo Psychometrics Centre da Universidade de Cambridge (Reino Unido). Entre vários testes, o mais destacado é um que, a partir apenas de nossas curtidas no Facebook, busca traçar nosso perfil psicológico em segundos. Os resultados, apesar de imperfeitos, são impressionantes, considerando que a limitada origem da informação.

Aí eu me pergunto: se um experimento acadêmico é capaz de obter tal resultado a partir apenas de nossas curtidas, imagine o que o próprio Facebook (ou o Google, ou a Amazon, ou a Apple ou tantas outras empresas) são capazes de conseguir com o oceano de dados que lhes entregamos o tempo todo e cada vez mais.

Entende por que “Volto já” pode estar logo ali, dobrando a esquina?

 

Até onde devemos ir?

Se a realidade flerta com a ficção como acabamos de ver, talvez Itskov seja, afinal, mais um visionário que um desvairado. Mas supondo que ele realmente obtenha sucesso em sua pesquisa, será que isso é algo que realmente devemos almejar?

Em seu histórico discurso para a turma de formandos de Stanford em 2005 (que pode ser visto na íntegra abaixo), Steve Jobs diz (aos 9’27’’ do vídeo), “lembrar que logo estarei morto é a ferramenta mais importante que eu encontrei para fazer grandes escolhas na vida”.



O que acontecerá se Itskov tiver sucesso com sua tecnologia? Nem estou entrando na questão de se o que será carregado em seus avatares realmente estará vivo, mas sim o que será de nós enquanto ainda estivermos ocupando o nosso corpo biológico, aquele que a natureza nos concedeu. Se tivermos a possibilidade de “viver para sempre”, será que continuaremos lutando para viver a vida da melhor maneira possível? Qual a chance de essa segunda (ou terceira, quarta, quinta…) chance estragar justamente a nossa humanidade, transformando-nos em uma raça preguiçosa e desleixada consigo mesma e com o mundo. Afinal, se “algo der muito errado” –ou seja, se você morrer– será como um game do Mario Bros: você renascerá no último “checkpoint”.

Há ainda o aspecto da “alma”, do “espírito” ou seja lá qual for o nome que sua religião dê para esse… “sopro divino”. Creio que Itskov não leve isso em consideração, pois seria necessário iniciar uma nova linha de pesquisa, para que isso também seja transferido com o cérebro mapeado.

Muita gente pode achar tudo isso incrível, um universo de possibilidades que se descortina diante da humanidade. Não estou aqui para julgar ninguém, mesmo porque eles podem estar certos, e eu errado. Mas acho que Jobs dá, no discurso acima, uma dica de valor inestimável de como devemos viver nossa vida. E morrer depois.

E já que citei tantas obras de ficção, gostaria de citar mais uma: o filme “O Homem Bicentenário” (1999), que conta a história de um robô chamado Andrew (vivido por Robin Williams). Com o passar dos anos, ele começa a desenvolver emoções e altera seu próprio corpo para que ele fique “humano”, sintetizando órgãos. Seu grande desejo: ser reconhecido pela sociedade como humano. Mas, ao final, percebe que isso só será possível no momento em que ele justamente abrir mão de sua imortalidade robótica. Colocando de maneira bem direta, Andrew só poderia ser humano se ele morresse.

Bastante emblemático, não acham?


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Por que não vemos games nas salas de aula como vemos vídeos?

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Cenas de O Patriota e de Assassin's Creed III - Imagens: divulgação e reprodução

Que melhor maneira de estudar sobre a Revolução Americana, que assistindo a um filme como O Patriota, ou -melhor ainda- atuando diretamente nos seus eventos históricos, como em Assassin’s Creed III?

Meus filhos assistiram a Avatar na escola ontem. O objetivo era preparar os alunos para discutir sobre o processo de colonização. Apesar de vídeos já serem bem aceitos como ferramenta pedagógica, eu sempre me pergunto: por que os games ainda não gozam do mesmo status na sala de aula? Os dois recursos têm muito em comum e os games podem ser até mais eficientes no aprendizado.

A exibição da história de James Cameron e o debate subsequente foram atividades de uma “semana diferenciada” da escola. Além de apresentar com riqueza de detalhes os interesses conflitantes dos nativos e dos colonizadores, normalmente extrativistas mais avançados tecnologicamente e bem armados, um filme como esse cria um ambiente imersivo, melhorando a compreensão do assunto estudado. Quando chegou o debate, a facilidade da turma em transpor a fictícia Pandora para a América ou a África colonizada pela Europa fez valer cada um dos 162 minutos do filme.

Imersão é a palavra-chave, porque leva ao engajamento. Quando alguém se sente envolvido com um assunto, ele naturalmente usa seus recursos cognitivos para aproveitar ao máximo a experiência que está vivenciando, inclusive as pedagógicas. E é por isso que os games deveriam ser mais bem explorados pelas escolas. Pela própria natureza do produto, eles são capazes de tirar o estudante da posição passiva do processo de aprendizagem da escola tradicional, um desejo de todos eles

Eu gosto de citar, como exemplo, o estudo da Revolução Americana. Lembro-me de ter aprendido sobre ela nos livros, como parte do processo de independências das colônias na América. Toda a independência dos EUA cabia em uma página, com um parágrafo para o evento conhecido como “Festa do Chá de Boston” e outro para a própria declaração da independência. É muito, muito pouco para entender um evento tão complexo e tão importante da história mundial. E só me lembro disso porque tenho uma memória de elefante.

Mas que tal usar Mel Gibson como professor por um dia? Sim, pois ele estrelou o filme O Patriota, que conta a história de um fazendeiro americano que se vê forçado a lutar contra os ingleses. Apesar de o filme se concentrar em eventos fictícios da Revolução Americana, ele é capaz de envolver os alunos com o tema ao ponto de que alguns quererem pesquisar sobre isso por seus próprios meios e iniciativa, um processo conhecido como “aprendizado tangencial”.

Mas e se você pudesse ser transportado para a América Colonial do século XVIII, interagir com personagens históricos, como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, e participar decisivamente de momentos-chave da história americana, como a própria “Festa do Chá de Boston” ou do “Grande Incêndio de Nova Iorque”? Bem, eu posso garantir que você passaria a entender a Revolução Americana de uma maneira definitiva e bem fixada. Longe de ser uma utopia, isso é perfeitamente possível, graças ao game Assassin’s Creed III, da Ubisoft. Em cada título dessa série, o jogador é capaz de reviver, como protagonista, eventos maiúsculos da história mundial, ricamente recriados.

Mais que imerso, o estudante estaria completamente fisgado pelo conhecimento.

 

“Por que game educativo tem que ser chato?”

Admito que provavelmente não verei Assassin’s Creed como material didático. Apesar dos inegáveis benefícios apontados, as ações da série são muito violentas, como o título leva a crer. Seria muito difícil para a equipe pedagógica justificar isso aos pais que não são gamers.

Tela da primeira versão do jogo "Where In The World Is Carmen Sandiego?"

Tela da primeira versão do jogo “Where In The World Is Carmen Sandiego?”

Felizmente, nem todo game que pode nos ensinar algo é violento. Muitos são bastante simples e até rudimentares para os padrões dos consoles atuais, mas sem deixar a diversão de lado. Um excelente exemplo é Where In The World Is Carmen Sandiego, lançado originalmente em 1985 para o finado Apple II. No game, você é um detetive que persegue vilões pelo mundo, enquanto aprende sobre a geografia dos países por onde passa. Tão simples quanto divertido, o game teve várias continuações, ganhou uma série em desenho animado e até está prevista uma adaptação para o cinema.

Mas o fato é que a maioria dos jogos educacionais são extremamente chatos. Afinal, quem é que tem que resolver uma equação de segundo grau para abrir uma simples porta? Esses desenvolvedores podem conhecer bem os Parâmetros Curriculares Nacionais, mas não sabem nada de diversão. Resultado: os alunos acham os livros mais divertidos que esses “games”.

Há alguns anos, fui convidado para uma mesa redonda sobre o uso de games em educação, como parte das comemorações do centenário do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Antes do debate, alguns alunos dos ensinos Fundamental e Médio apresentaram games educativos que eles próprios tinham desenvolvido usando ferramentas gratuitas. Naturalmente eram iniciativas limitadas, mas eles cumpriam as duas premissas que todo game educativo deveria ter: ensinavam e eram divertidos. Lembro-me claramente de um dos pequenos desenvolvedores, de 14 anos, perguntando ao público, quase como um desafio: “Por que game educativo tem que ser chato?”

Ele entendeu tudo!

 

Então o que falta?

Enquanto não vemos games educativos realmente divertidos em profusão no mercado, cabe aos educadores encontrar maneiras criativas de usar “games não-educativos” para engajar seus alunos. E há muita coisa disponível. Por exemplo, que tal usar Angry Birds para exercitar o conceito de lançamento balístico?

A grande diferença no volume de uso de vídeos e de games na sala de aula pode ser explicada pelo fato de que professores assistem a filmes regularmente, mas quantos deles são gamers? Portanto, não adotam esse recurso em suas aulas porque simplesmente não conhecem as opções.

De forma alguma eu os estou julgando por isso. Mas então como resolver isso?

Seria excelente que toda escola tivesse o seu “especialista em games” para trabalhar com os professores possibilidades de seu uso no projeto pedagógico. Pois eu aposto que essa figura já está lá, apenas aguardando para ser descoberta. Por ser um professor, um funcionário de outras áreas ou até mesmo um aluno! Aliás, envolver alunos dessa forma tem potencial para transformar a atividade em algo riquíssimo, se for bem conduzido.

Deixo, portanto, um apelo às equipes pedagógicas: tragam games para o processo de aprendizagem. Longe de ser um fator de distração, isso ajudará seus alunos a passar de fase.