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Cresce a quantidade de pessoas que não querem falar com outras pessoas

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Assisto com curiosidade e uma certa apreensão a uma profunda mudança cultural: o aumento de pessoas que parecem não gostar de falar com outras pessoas. Ao consumir serviços das mais diferentes naturezas, preferem interagir com sistemas a conversar com atendentes em carne e osso.

Experiências ruins, que todos nós temos com esses atendimentos, encabeçam os motivos para isso. Mas há também mudanças comportamentais provocadas pelos meios digitais: estamos nos tornando uma geração de pessoas ansiosas e intolerantes, que querem tudo do seu jeito e no seu tempo.

Somos cada vez menos capazes de lidar com frustrações e rejeições. E isso é um problema muito sério, pois a vida sempre foi repleta disso. Na verdade, o confronto com esses dissabores nos ajuda a desenvolver resiliência e tolerância, duas habilidades cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho. Coincidência?

De olho nessas mudanças comportamentais, várias empresas lançam produtos que atendem essas “demandas” de seu público. A mais recente foi a Uber, que anunciou, no dia 4, seu serviço Comfort. Entre outros benefícios, as pessoas poderão controlar, pelo aplicativo, que o motorista fale apenas o indispensável com elas.

Será que precisamos de um aplicativo para isso? Se não pudermos ou não quisermos conversar com o motorista, não podemos simplesmente explicar e pedir isso a ele quando entrarmos no carro?

Para muitos, a novidade chega a ser bizarra; para outros, é muito bem-vinda. Em qual grupo você se encaixa? Assista a meu vídeo abaixo para entender melhor por que isso tudo está acontecendo. E depois explique o seu ponto de vista para todos nos comentários.



Se você quiser ver o artigo sobre o estudo das universidades de Stanford e do Novo México sobre a evolução nas maneiras como as pessoas se conhecem, mencionado no vídeo, ele está disponível em https://web.stanford.edu/~mrosenfe/Rosenfeld_et_al_Disintermediating_Friends.pdf


Quer ouvir as minhas pílulas de cultura digital no formato de podcast? Basta procurar por “O Macaco Elétrico” no Spotify, no Deezer ou no Soundcloud. Se preferir, pode usar seu aplicativo de podcast preferido. É só cadastrar nele o seguinte endereço: http://feeds.soundcloud.com/users/soundcloud:users:640617936/sounds.rss

Feliz Dia do Professor? Temos que falar sobre isso!

By | Educação | No Comments

Sempre admirei a profissão dos meus pais. Aos 14 anos, escrevi uma poesia, enaltecendo-a como a mais importante de todas, pois formava os demais profissionais.

Aos 18, ainda na faculdade de Engenharia, fui impactado pelo Mr. Keating, do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, interpretado pelo inesquecível Robin Williams (na foto). Decidi ali que, em algum momento, também seria professor. E as minhas aulas seriam daquele jeito, com muito conteúdo, inspiração e diversão.

Realizo esse sonho desde 2005, cada vez mais. Hoje leciono em seis turmas de pós-graduação de diferentes cursos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da PUC-SP, além de integrar cursos da Universidade Metodista de São Paulo, ESPM, e, em breve, Belas Artes. E ainda sobra tempo para aulas esporádicas em grandes escolas, como a Digital House, o Senac e a Damásio Educacional.

As pessoas me perguntam como consigo encaixar tudo isso na agenda, ainda mais porque não é a minha única atividade profissional. Simples: amo o que faço! É a minha maneira de contribuir para uma sociedade melhor, nem que seja com um aluno de cada vez.

Nos países mais desenvolvidos, o professor sempre é figura de destaque na sociedade. Infelizmente, no Brasil, nunca foi valorizado e, de uns tempos para cá, tornou-se quase um perseguido político, por governos que preferem a ignorância como ferramenta de manipulação.

Fico triste ao ver uma parcela da população defendendo um pensamento único nas escolas (o seu pensamento), em detrimento de todos os demais. Profissionais bem preparados e cidadãos conscientes só surgem quando eles são expostos a diferentes ideias e pensamentos, mesmo os que contrariam os de sua origem. Sempre tive a felicidade de ter professores que me mostraram tudo isso e, graças a eles, hoje vejo o mundo com todas as suas cores, e não apenas com um cinza inexpressivo e castrador. E, assim, posso passar um pouco do que sei aos meus alunos, com ética e liberdade.

Nunca seremos um país digno, sério e grande enquanto essa situação do professor não mudar. E as perspectivas infelizmente não são boas.

Portanto, hoje, aplaudo os colegas que resistem nesse ofício tão nobre e essencial. Eduquem e criem mentes livres! E você, o que acha?

Quem merece a sua confiança hoje?

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O Gato da animação “Alice no País das Maravilhas” (1951): “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve” - Foto: reprodução

O Gato da animação “Alice no País das Maravilhas” (1951): “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve”

Pela nossa natureza humana, nós precisamos viver com outras pessoas.  Somos seres gregários. Compartilhamos o que temos e o que sabemos com o outro, e, dessa forma, a sociedade e cada um de seus membros se desenvolvem. Mas isso só é possível quando existe confiança entre as partes.  Assim eu lhe pergunto: em quem você confia atualmente? Quais são seus modelos?

Essas não são perguntas retóricas, e não trazem nenhuma carga religiosa ou política. Entretanto são essenciais! Observo, com grande apreensão, um forte movimento de descrença global, e isso ganha contornos mais agudos no Brasil, devido à crise profunda que persiste há tantos anos. O problema é que, quando deixamos de acreditar, perdemos grande parte da nossa iniciativa, da capacidade de inovar, de sermos empáticos, de construirmos algo com quem estiver a nossa volta.

Esses questionamentos apareceram para mim com bastante força na semana passada, durante as primeiras aulas do meu mestrado na PUC-SP. Discutimos o impacto social e as causas das “fake news”, as infames notícias falsas que inundam as redes sociais, o conceito de “pós-verdade” e até mesmo o que define a verdade. Pois, em um mundo em que as versões valem mais que os fatos, em que nossa própria capacidade de escolha fica prejudicada, como é possível escolher qual caminho devemos seguir?

E como dizia o Gato de Cheshire, em “Alice no País das Maravilhas”, “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.”

 

Alguém sempre vai ocupar o espaço

Grande parte dessa nossa atual descrença se deve à falência moral de muitas instituições essenciais da comunidade. Nem vou falar da classe política, pois chutar cachorro morto não vale. Mas as pessoas também têm acreditado pouco na imprensa, justamente quem guarda o papel de fiscalizar diferentes grupos da sociedade, além de informar o cidadão. E, pelo ralo da confiança perdida, também descem religiões, empresas, escolas, entre outros pilares da civilização.

O curioso na nossa falta de confiança é que, por mais que ela cresça, paradoxalmente mantemos a necessidade de acreditar em alguém. Entretanto, se os atores acima não se prestam mais a isso, em quem acreditaremos?

Aí é que mora o perigo.

Nesse vácuo criado pela ausência daquele pessoal, surgem os aventureiros, os demagogos, a turma de fala vazia, porém encantadora. Nós compramos esses “cantos da sereia” e as redes sociais, a despeito de todos seus pontos positivos, têm um papel essencial em espalhar esse tipo de mensagem.

Por exemplo, tenho realizado palestras em eventos da área de saúde, e conversado com profissionais de diferentes especialidades desse segmento. De maneira geral, a maioria já percebeu a importância de se comunicar com o seu público, mas não sabe como fazer isso. Pior: muitos deliberadamente não querem fazer isso!

Esses mesmos profissionais estão em pé de guerra com blogueiras e youtubers “fitness”, que dão “dicas de saúde” ou que ensinam “dietas” ou “novas formas de alimentação”. O problema é que a maioria delas não tem qualquer formação para orientar ninguém nesse aspecto. Pior: quase tudo do que falam não tem nenhum embasamento científico, sua eficácia é questionável e -o mais grave- pode colocar a saúde das pessoas em risco. Mas elas falam com grande segurança e têm milhares (às vezes milhões) de seguidores, que espalham e repercutem o que disserem.

Resultado: aquelas versões ou ideias acabam se tornando “verdade’, por mais que sejam, em alguns casos, a mais rotunda porcaria!

A culpa principal do desserviço à saúde público é dessas meninas? Claro que não! A culpa vem daqueles que detêm a informação correta, mas se recusam a compartilhá-la! Entretanto as pessoas querem ter acesso à informação sobre isso, e consumirão o que estiver disponível. Quando o negócio der errado, toda a instituição pode perder o crédito. Se não for pela informação errada, será pela omissão.

 

Nem tudo está perdido

Recentemente a agência Edelman publicou o seu relatório anual “Trust Barometer”, onde analisa o grau de confiança das pessoas em diferentes instituições da sociedade. O levantamento foi feito a partir de mais de 33 mil questionários respondidos por cidadãos de 28 países (inclusive o Brasil) no final do ano passado. Interessantíssimo: vale olhar suas conclusões!

Algumas delas merecem destaque. Do ano passado para esse, a confiança no jornalismo subiu cinco pontos percentuais, enquanto que o conteúdo originado de “plataformas” (redes sociais e buscadores) caiu dois. A credibilidade de “pessoas como você” chegou ao menor nível desde que o estudo começou a ser feito, em 2001 (mas ainda marca expressivos 54 pontos), enquanto que a de “especialistas” aumentou: os jornalistas subiram 12 pontos (mas ainda marcam apenas 39) e os CEOs cresceram 7. Especialistas técnicos e acadêmicos (os mais confiáveis), analistas financeiros e empreendedores de sucesso ficaram todos com pelo menos 50% de aprovação.

O país em que a população mais perdeu a confiança foram os Estados Unidos: incríveis 37% de queda, claramente ligada ao presidente Donald Trump. O Brasil foi o terceiro país que mais perdeu entre os 28 pesquisados: queda de 17%. Quem mais ganhou foi a China, com 27% de crescimento.

E por falar em Brasil, apesar de a confiança nas “plataformas” ter caído cinco pontos, as pessoas ainda confiam ligeiramente mais nelas que no jornalismo (64 pontos versus 63). Dos países pesquisados, essa preferência só aparece também na Malásia, no México e na Turquia.

O “Barômetro da Confiança” indica uma interessante mudança em seu eixo: os chamados “especialistas” (inclusive a imprensa) ficam cada vez mais confiáveis que a turma que fala muito, mas contribui pouco para a sociedade. Mesmo entre os influenciadores digitais, observa-se uma crescente divisão entre os “especialistas” e os “populares”.

Isso é muito bem-vindo, especialmente graças ao avanço das “fake news”. Na verdade, pode-se atribuir pelo menos parte desse movimento ao crescimento explosivo das notícias falsas. As pessoas estão conscientes disso, e querem se proteger, mesmo porque 63% dos entrevistados disseram que não sabem como diferenciá-las de bom jornalismo e 59% acreditam que isso está cada vez mais difícil de ser feito. Como resultado, 59% dos entrevistados não sabem o que é verdade e o que não é, 56% não sabem em que políticos confiar e 42% sentem o mesmo quanto a empresas ou marcas.

Entretanto, nesse mar de incertezas, decepções e notícias falsas, não somos vítimas inocentes e passivas.

 

O que devemos fazer

Qual o nosso papel para melhorar o cenário geral? É importante ressaltar que o poder para resgatar a confiança está principalmente nas mãos de cada um. Peguemos como exemplo as “fake news”: elas só explodiram porque seus criadores perceberam que as pessoas disseminariam as mentiras se elas fossem habilmente construídas para atender aos anseios de parcelas da população, que fariam isso sem questionar o conteúdo.

Temos, todos nós, que desenvolver um aguçado senso de desconfiança saudável!

Desde a redemocratização do Brasil, nos anos 1980, assistimos ao crescimento constante dos demagogos, dos populistas e dos “salvadores da pátria”, tanto do lado de conservadores, quanto de liberais. Chegamos provavelmente ao seu ápice, no que eu chamo de “escala messiânica”.

Estamos em um ano de eleições. Em 2016, no pleito anterior, as notícias falsas promoveram uma polarização na sociedade brasileira sem precedentes, e isso só tem piorado. Um estudo do BuzzFeed do ano passado chegou a demonstrar que as notícias falsas sobre a Operação Lava-Jato geraram mais engajamento que as verdadeiras. Nos EUA, aconteceu o mesmo, com as fake news engajando mais que o jornalismo na reta final da campanha presidencial.

Portanto, prepare-se para um banho de sangue nesse ano. Mas prepare-se para fazer a sua parte para que seja, pelo menos, um pouco menos terrível. Sim, as instituições -especialmente a imprensa- precisam colocar de sua parte e fazer um trabalho (muito) melhor, mais transparente e comprometido com a verdade que o observado atualmente. Mas cabe a nós cobrar isso de todas elas. E premiar quem fizer isso bem, compartilhando seus conteúdos, ao invés de qualquer coisa.

Se não fizermos a nossa parte, podemos nos afundar ainda mais no perigoso fosso da descrença, em que nada parece bom, entrando em um ciclo destrutivo de nos tornarmos mais isolados, egoístas, e menos colaborativos. E ainda podemos contaminar quem estiver a nossa volta, prejudicando a sociedade como um todo.

Precisamos reverter esse ciclo de descrença. Preste atenção no que o Gato disse à Alice, e escolha o seu caminho conscientemente. Acredite e vá em frente!


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