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Como a guerra entre Apple e o FBI pode acabar de vez com a sua privacidade

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Composição de imagens de divulgação/Apple e Federal Bureau of Investigation

Tim Cook, CEO da Apple (à esquerda), e agente do FBI:

No dia 16, a Justiça americana determinou que a Apple ajudasse o FBI a invadir um iPhone para recuperar informações nele, mas a empresa se recusou formal e publicamente. Pode parecer um pedido simples e uma recusa tola, mas o desenrolar desse caso pode abrir caminho para questões técnicas e judiciais que afetariam severamente a vida de qualquer pessoa no mundo com um celular, e não apenas iPhones. Isso inclui você!


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Para quem não sabe do que trata o caso, o telefone em questão pertencia a Syed Farook, um dos dois terroristas que mataram 14 pessoas na cidade americana de San Bernardino, no dia 2 de dezembro. O FBI acredita que os terroristas tinham ligações com o grupo Estado Islâmico, e que o telefone pode conter informações importantes para a investigação.

Um pouco de tecnicismo necessário: acontece que o iPhone, modelo 5C, está protegido por senha. E o iOS, sistema operacional dos iPhones e iPads, possui quatro importantes características de segurança a partir da sua versão 8, exatamente a que controla aquele aparelho: ele apaga todo o conteúdo no smartphone após dez tentativas de digitação de senha erradas em seguida, a senha só pode ser digitada manualmente na tela, toda a informação ali guardada é criptografada (ou seja, “embaralhada” a ponto de ficar ilegível sem a senha) e, talvez a mais importante de todas, a Apple afirma não ter nenhuma “chave” que lhe permita abrir um iPhone.

Colocando em termos simples, o FBI está com medo de forçar a fechadura e perder toda a informação do aparelho, e a Apple afirma que ela não tem meios para ajudar.

Na verdade, a coisa não é tão simples: trata-se de uma batalha tecnológica, jurídica e de marketing, com poder para impactar todo mundo.

O FBI exige que a Apple crie uma nova versão do iOS, que funcione apenas naquele iPhone e que derrube todos os entraves descritos acima, para que ele conecte o telefone a um supercomputador e, usando força bruta de processamento, acabe descobrindo a senha, sem correr riscos de perder os dados do aparelho. Especialistas em tecnologia afirmam que a empresa seria capaz de fazer isso. Portanto o FBI tem pontos válidos.

A Apple, por sua vez, diz que não, e que tais recursos de segurança foram incluídos para justamente nunca ser obrigada a atender a pedidos como esse. Mas a empresa vai mais longe! Afirma que não consegue atender ao pedido, mas que, caso conseguisse, isso criaria um “backdoor” (termo técnico para um sistema que permite invasão e controle de um computador à distância), e que não teria como garantir que o sistema não fosse depois usado a bel prazer pelo governo ou por hackers. A empresa também argumenta, com razão, que isso abriria um perigosíssimo precedente legal para que governos de todo o mundo começassem a exigir, de empresas de tecnologia, a invasão da privacidade de seus usuários. Tim, Cook, CEO da Apple, chegou a publicar uma carta aberta, em que termina afirmando que a exigência “poderia prejudicar a independência e a liberdade que nosso governo deve proteger.”

Em um mundo em que todos nós, cada vez mais, usamos nossos smartphones para realizar as mais diversas tarefas e guardar as informações mais íntimas e preciosas, um sistema que potencialmente permitisse a governos ou criminosos invadir qualquer telefone no mundo teria o mesmo efeito devastador da abertura da mitológica Caixa de Pandora.

Segundo a mitologia grega, sua abertura deixou escapar todos os males do mundo, permanecendo guardada nela apenas a esperança.

 

Duelo de titãs

Os dois lados têm, portanto, argumentos sólidos e válidos. A Apple possui, todavia, um supertrunfo que, na minha opinião, liquida todos os demais: o compromisso de manter a privacidade de seus usuários.

Não sejamos inocentes: a própria Apple, o Google, o Facebook e muitas outras empresas de tecnologia nos rastreiam cada vez mais, obtendo informações o tempo todo sobre quem somos e o que fazemos para ganhar dinheiro das mais diferentes formas com tais dados. Ainda assim, a Apple está se posicionando como uma defensora da privacidade de seus consumidores (na verdade, quase que se coloca como uma porta-voz de todas essas companhias) e, de quebra, escancara para o mundo que teria um celular tão seguro que nem o governo dos EUA conseguiria invadir. Jogada de mestre de marketing!

Mas o fato é que qualquer governo adoraria ter uma ferramenta de rastreamento e controle de seus cidadãos. E não me refiro apenas a ditadores, como o norte-coreano Kim Jong-un, ou ao governo chinês. Isso também acontece nas nações que se dizem as mais democráticas, como os próprios Estados Unidos em análise aqui, que sempre se colocam como os bastiões da liberdade e dos direitos civis. Está aí o Edward Snowden que não me deixa mentir!

E se você acha que isso acontece só longe de você, nos EUA, na China ou na Coreia do Norte, saiba que está acontecendo agora bem debaixo dos nossos narizes brasileiros. Como já foi discutido aqui nesse espaço, o Congresso Nacional se esforça continuamente para criar leis para nos rastrear e ampliar os privilégios de políticos, inclusive usando a tecnologia.

E você achando que o Big Brother era o máximo da arapongagem…

Sabemos que aquelas empresas estão o tempo todo ganhando dinheiro com as nossas informações continuamente coletadas, e que ainda não foi inventado nada melhor que os smartphones para essa tarefa. Mas recebemos delas uma infinidade de serviços em troca, que tornam nossas vidas muito mais fáceis e mais divertidas. E por isso, conscientemente ou não, pelo jeito achamos essa uma troca justa. Por isso ninguém vai abandonar seu smartphone.

Mas permitir que governos (sem falar no crime organizado) transformem os smartphones em máquinas de espionagem e controle a seu serviço, isso é inaceitável!

Acalento a esperança, justamente aquela que foi a única coisa que sobrou dentro da Caixa de Pandora, de que eles nunca ponham as mãos nesses códigos, pois sua voracidade faz o uso de nossos dados por empresas parecer coisa de criança.


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O que a “Green Dam” quer barrar

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Para o governo do premiê Wen Jiabao, a pornografia provoca "sérios desvios de conduta e de moral" nos jovens chineses, por isso, deve ser bloqueada

Para o governo do premiê Wen Jiabao, a pornografia provoca "sérios desvios de conduta e de moral" nos jovens chineses, por isso deve ser bloqueada, mas será só isso mesmo?

Hoje era a data definida pelo governo chinês para que todos os computadores domésticos vendidos no país viessem com o software “Green Dam-Youth Escort” pré-instalados. Pela explicação oficial, o programa impedirá que crianças e jovens tenham acesso a pornografia e outros “conteúdos impróprios” na Internet. Na prática, pode impedir que o internauta acesse qualquer tipo de conteúdo online que desagrade o governo, como sites que promovam a democracia, a libertação ao Tibete ou contrários ao Partido Comunista.

Desde que foi oficialmente anunciado no dia 9, o “Green Dam” (literalmente “barragem verde”) vem causado uma enorme gritaria. A única fabricante que confirmou que cumpriria a determinação foi a Acer. Os EUA, a Comunidade Européia e a OMC (Organização Mundial do Comércio) pediram que o governo chinês retirasse a exigência, que representaria um “sério risco à segurança, privacidade e direito de escolha do usuário”. Na sua véspera, a data-limite foi postergada, em data ainda não informada.

A pornografia é considerada crime na China. Ainda assim, estima-se que metade dos jovens consome algum tipo de pornografia online. O governo afirma que “graves desvios emocionais e de conduta” se devem a isso e ao uso de games violentos. Por isso, a “barragem” protegeria crianças e jovens.

Conversa fiada de ambos os lados! Privacidade, liberdade de expressão e de escolha são coisas que não existem na cabeça dos governantes de Pequim. Por outro lado, os 316 milhões de internautas chineses são um mercado em que qualquer empresa quer colocar as mãos. O que o indivíduo realmente quer pouco importa.

O usuário supostamente poderá desinstalar o “Green Dam”. Por outro lado, pais também poderão ampliar a lista de sites censurados para seus filhos. Mas, na prática, quantas pessoas são capazes de fazer isso?

Acho esse software mais uma aberração governamental contra as liberdades individuais. Sou fortemente contrário a ele, não por causa dessa conversinha dos EUA e da Europa, mas por um posicionamento filosófico, íntimo. Os chineses deveriam continuar navegando livremente, limitados apenas pela sua boa educação e moral. Mas receio que o seu governo prefira o jeito mais fácil –e confortável– e o “Green Dam” logo inundará os computadores do pais.

Uma ressalva final: não pensem que só o “gigante vermelho malvado” quer controlar a Internet. Nos anos 1990, o Congresso dos EUA, berço da liberdade e blá-blá-blá-etc., quase aprovou o “Ato de Decência nas Comunicações”, que, na prática, censuraria fortemente o conteúdo publicado na Internet. E, se quiser algo mais próximo e mais recente, olhemos para o nosso próprio umbigo, com o Congresso Nacional brasileiro tramitando aquela que é conhecida como “Lei Azeredo”, que determina várias ações que, no mínimo, ferem as liberdades individuais.

Pois é: liberdade e educação sempre amedrontam os donos do poder.