Duas pesquisas divulgadas na quarta passada (25) demonstram uma explosão nos casos de pedofilia na Internet brasileira, ao mesmo tempo em que se observa um crescimento do uso da rede por crianças ainda na primeira infância. O problema gravíssimo dispara vários questionamentos sobre responsabilidades pelo seu crescimento e buscas por caminhos para a diminuição.
A primeira delas, da Safernet, organização que é referência no combate a crimes digitais no país, aponta que novos casos de imagens de abuso e de exploração sexual infantil chegaram a 54.840 entre 1 de janeiro e 30 de setembro desse ano, frente a 29.809 no mesmo período do ano passado: um crescimento de 84%.
Já a TIC Kids Brasil, levantamento feito pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da informação), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, indica que as crianças estão ficando online cada vez mais cedo e por mais dispositivos. Dos brasileiros com até 6 anos de idade, 24% já haviam acessado a Internet nesse ano. Em 2015, primeiro ano da pesquisa, eram 11%.
No dia anterior, 41 Estados e o Governo Federal americano iniciaram processos contra a Meta, dona do Facebook e do Instagram, alegando que essas plataformas prejudicam crianças com recursos “viciantes”. As ações representam o esforço mais significativo daquelas autoridades para controlar seus impactos na saúde mental de jovens.
A coincidência de datas evidencia o tamanho do desafio para proteger crianças e adolescentes no meio digital. Assim como acontece com adultos, ele é uma fonte de valor inestimável para realização de atividades e para entretenimento. Porém os jovens são muito mais suscetíveis a abusos e ao desenvolvimento de dependência que os mais velhos, especialmente quando não recebem as devidas orientações.
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Um destaque da Safernet preocupa particularmente: cresce a quantidade de crianças e de adolescentes que produzem e enviam fotos e vídeos com conteúdo sexual de si mesmos, em troca da promessa de dinheiro ou de presentes pelos predadores digitais.
Isso está em linha com dados da Polícia Federal sobre crimes cibernéticos vitimando crianças e adolescentes: foram 627 nesse ano, contra 369 no ano passado (aumento de 69,9%). Ao todo, 291 pessoas foram presas, 46% a mais que no ano anterior. Esses dados foram divulgados no dia 16 de outubro, no lançamento do programa “De Boa na Rede”, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, idealizado para orientar na criação de um ambiente digital seguro para crianças e adolescentes.
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A TIC Kids Brasil aponta também que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos estão online. Nas classes A e B, são 98%, mas o grupo que mais cresce é o das classes D e E, que passou de 56% em 2015 para 89% nesse ano. O celular é usado por 97% deles, mas aumenta o uso da TV (70%) e do videogame (22%). O único meio em queda é o computador, que era usado por 64% em 2015 e agora não passa de 38%.
A plataforma em que os jovens têm mais contas é o YouTube (88%), seguido pelo WhatsApp (78%), Instagram (66%), TikTok (63%) e Facebook (41%, o único em franco declínio). Mas, pelo uso, o líder é o Instagram (36%), seguido por YouTube (29%), TikTok (27%) e Facebook (2%).
A informação mais preocupante indica que 17% dos brasileiros entre 11 e 17 anos se sentiram incomodados com conteúdo sexual online: 14% meninos e 21% meninas. Do total, 16% receberam diretamente ou viram conteúdo sexual, 9% receberam pedidos de fotos ou vídeos sem roupa e 5% foram solicitados a falar sobre sexo.
A expressão “pornografia infantil” vem sendo substituída por “imagens de abusos contra crianças e adolescentes”. Nudez ou sexo com alguém com menos de 18 anos, por definição, não é consensual. Logo, não se trata de pornografia, que pressupõe a participação voluntária de pessoas maiores de 18 anos. A Safernet adverte que quem consome imagens de violência sexual infantil é cúmplice desse abuso.
Responsabilidades de cada um
Se o surgimento da Internet comercial na década de 1990 ampliou esse problema, a popularização das redes sociais o levou a um patamar altíssimo, com os mais jovens fazendo uso intenso e muitas vezes nocivo do meio digital.
Isso ganhou mais visibilidade no segundo semestre de 2021, quando a ex-gerente de integridade cívica da Meta Frances Haugen veio a público com milhares de documentos indicando que a empresa sabe desses problemas e que faz menos que poderia para combatê-los. O escândalo ficou conhecido como “Facebook Papers”.
Os processos da semana passada resultam de investigações surgidas dele. Em comunicado, a Meta disse que está “decepcionada com o fato de que, em vez de trabalhar de forma produtiva com empresas de todo o setor para criar padrões claros e adequados à idade dos muitos aplicativos que os adolescentes usam, os procuradores-gerais escolheram esse caminho”.
As empresas donas das redes sociais de fato criam mecanismos para mitigar o problema, como a possibilidade de pais e mães acompanharem o que seus filhos fazem nessas plataformas, limitadores de tempo de uso e identificação de atividades que podem estar associados a comportamentos de risco. Isso é bem-vindo, mas está longe de ser suficiente, podendo esconder a real intenção dessas companhias de fazerem pouco ou nada que ameace seus lucros ou o “vício” em seus produtos.
Recursos para alterar a própria imagem, em busca de um ideal de beleza inatingível, não são combatidos, sendo até incentivados por essas plataformas. Esses filtros são apenas um exemplo dos ganchos para atrair os mais jovens, de uma maneira intensa. Esse assunto, debatido recentemente nesse espaço, é reconhecidamente um gerador de problemas de saúde mental, especialmente entre meninas.
Ao oferecer essas ferramentas de controle parental, as empresas aparentemente querem repassar a responsabilidade de se evitar os problemas de crianças e adolescentes nas redes a seus pais e mães, livrando-se de seu papel nesse processo. Mas tal responsabilidade continua existindo e é imensa!
Pais e mães devem, claro, acompanhar de perto o que seus filhos fazem online. Isso deve ser feito com um olhar de acolhimento e orientação, nunca de repressão ou crítica. E não há espaço para indiferença: os predadores digitais estão à solta!
Mas as plataformas digitais também são profundamente responsáveis. A sua combalida ideia de que apenas criam recursos e as pessoas fazem maus usos deles, desculpa padrão dessas empresas até para não serem reguladas pelas autoridades, aparece aqui com força e perversidade. Até quando elas continuarão com essa liberdade anárquica?