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Nos EUA, uma patente só pode ser concedida se um humano fizer uma “contribuição significativa” - Foto: Freekpik/Creative Commons

Proibição de IA registrar patentes abre debate sobre seus limites criativos

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No dia 13, o Gabinete de Marcas e Patentes dos Estados Unidos determinou que patentes não podem ser registradas em nome de plataformas de inteligência artificial, apenas por pessoas. Essa tecnologia pode, entretanto, ser usada intensamente no desenvolvimento de invenções: basta seres humanos terem feito uma “contribuição significativa” para que a patente possa ser concedida.

A questão que salta aos olhos é: quem é o verdadeiro inventor nesse caso?

Apesar de bem-intencionada, a determinação possui falhas conceituais. A proposta de garantir que a propriedade intelectual continue sob domínio de pessoas é bem-vinda. Mas ao permitir que a IA seja usada na pesquisa (e não faz sentido proibir isso hoje), cria-se uma brecha para que ela seja vista como coautora do processo.

Como a tal contribuição humana não precisa ser comprovada, pode acontecer ainda de a IA fazer todo o trabalho e depois não ser “reconhecida” pelos pesquisadores. O aspecto tecnológico então dá lugar a outros, éticos e filosóficos: a máquina trabalha para nós ou o contrário, quando lhe fornecemos comandos e ela se torna coautora?

Como diz o ditado, “é nos detalhes que mora o diabo”.


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A inteligência artificial não é verdadeiramente criativa, pelo menos, não ainda. Ela é capaz de trazer grandes ideias ao processo por analisar e encontrar padrões que respondam a questionamentos ao analisar uma quantidade gigantesca de informações, de uma maneira que nem o melhor cientista conseguiria. Mas por enquanto ela precisa que alguém lhe faça as perguntas corretas, porque, se para os humanos, suas experiências pessoais lhes permitem transcender para novas ideias, para as máquinas, seu arcabouço de conhecimento funciona como um limitador.

“A máquina fica como um apêndice seu, porque é você que está no comando do diálogo”, explica Lucia Santaella, professora da PUC-SP e autoridade global em semiótica. “Mas se você não sabe o que procura, se você não exercita a sua vida intelectual, você vira um apêndice da máquina”, provoca.

“Independentemente de quão avançada seja a IA, você precisa de algum humano para falar o que tem que inventar: aí que eu vejo uma ‘contribuição significativa’”, afirma Matheus Puppe, sócio especialista em novas tecnologias do Maneira Advogados. Para ele, essas brechas na decisão do Gabinete de Marcas e Patentes podem funcionar até como um freio ao progresso. “Essa decisão mostra que eles estão reagindo apenas, e não pensaram muito bem sobre os detalhes de como isso seria aplicável”, acrescenta.

A característica essencial da IA de extrair informações de grandes massas de dados traz uma preocupação em registro de patentes, pois, no processo, ela pode infringir outras existentes, de onde aprendeu algo. Tanto que diversas empresas de comunicação e produtores de conteúdo estão processando desenvolvedores dessas plataformas por infração de direitos autorais. Mas Puppe acredita que, em nome do progresso tecnológico e dos benefícios derivados da IA, o uso de fragmentos anonimizados de informações devem ser flexibilizados para o treinamento da IA.

Tudo ficará diferentes se (ou quando) chegarmos à chamada “inteligência artificial geral”, que se parece muito mais com o cérebro humano, deixando de ser especialista em apenas um tema e até possuindo iniciativa para tomar ações. Nesse caso, a máquina dispensaria os humanos e suas “contribuições significativas”.

Para Puppe, nesse caso, talvez tenha que ser criada uma personalidade jurídica de uma “pessoa digital”, que poderia ser detentora de direitos específicos, inclusive monetários. Enquanto isso não chega, ele sugere que patentes criadas com apoio de IA tenha a tecnologia (e seus desenvolvedores) como coautores, ou pelo menos que exista uma copropriedade, com pagamentos de royalties por isso.

 

A “sociedade do prompt

Ainda que imprecisa, a decisão do Gabinete de Marcas e Patentes reflete uma profunda mudança social que a IA vem impondo desde o ano passado. Cada vez mais, muitas tarefas passam a se resumir à criação de um prompt, um comando eficiente para a inteligência artificial realizar a tarefa com precisão.

Ela não substituirá as pessoas, mas elas poderão ser gradativamente substituídas por quem a use. Isso aumenta o abismo profissional entre os que têm acesso e dominam a tecnologia e os que não têm, pois o robô assumirá não apenas tarefas braçais, como processará grandes volumes de dados, com uma percepção sobre-humana, melhorando as entregas desses profissionais.

A IA também é capaz de realizar produções de conteúdo, incluindo obras artísticas. E isso tem desafiado a sociedade a redefinir o papel tanto de um cientista, quanto o de um artista. “O que define um escritor, um músico é a criatividade da ideia”, sugere Puppe. “Isso é o importante, e não a sua habilidade de executá-la”, conclui.

O grande risco dessa capacidade de produção e de simular a realidade que a IA oferece é que não consigamos mais distinguir o que é real. Somos uma civilização que aprendeu a confiar no que vemos, mas agora somos desafiados continuamente a duvidar de nossos olhos pelas diferentes telas, vivendo em uma insustentável “incerteza perceptiva”.

“O que nos constitui é a linguagem, e ela está crescendo”, afirma Santaella. “Com a IA generativa, produzimos imagens, vídeo, sons, essa tecnologia simula o humano!”

Temos que nos apropriar de todo esse poder com consciência e ética! Não devemos temer a IA, nem tampouco nos deslumbrarmos com ela! Sempre a máquina deve trabalhar para nós, e não nós para ela ou para seus desenvolvedores.

Por isso, talvez até seja justo que eles sejam remunerados por uma patente ou qualquer outra produção comercial criada com forte apoio da IA. Mas não podem ser classificados como coautores, pois isso implica uma responsabilidade que a máquina não tem (e que essas empresas não querem ter), especialmente no caso de algo dar errado.

Nessa “sociedade do prompt”, devemos sempre recordar que nós estamos no controle, e que a máquina é apenas uma ferramenta. E por mais fabulosa que seja, ela não deve ser usada de uma maneira que nos torne intelectualmente preguiçosos.

“Eu só acredito na educação e no crescimento através da aprendizagem”, afirma Santaella.” Não a educação no sentido formal, mas a educação no sentido de não deixar morrer a curiosidade pelo conhecimento!”

Afinal, a nossa humanidade é o nosso grande diferencial para não sermos substituídos de vez por um robô. Precisamos continuar cultivando tudo que a faz ser o que é.

 

Para Salvador Dalí, “você tem que criar a confusão sistematicamente; isso liberta a criatividade” - Foto: Allan Warren/Creative Commons

Não “terceirize” sua criatividade para as máquinas!

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Quando o ChatGPT foi lançado, em 30 de novembro de 2022, muita gente disse que, com ele, as pessoas começariam a ficar “intelectualmente preguiçosas”, pois entregariam à inteligência artificial até tarefas que poderiam fazer sem dificuldade. De lá para cá, observamos mesmo muitos casos assim, inclusive com resultados desastrosos. Mas o que também tenho observado é algo mais grave, ainda que mais sutil: indivíduos “terceirizando” a sua criatividade para as máquinas.

Quando fazemos um desenho, tiramos uma foto, compomos uma música ou escrevemos um texto, que pode ser um singelo post para redes sociais, exercitamos habilidades e ativamos conexões neurológicas essenciais para o nosso desenvolvimento. Ao entregar essas atividades à máquina, essas pessoas não percebem o risco que correm por realizarem menos essas ações.

Há um outro aspecto que não pode ser ignorado: a nossa criatividade nos define como seres humanos e como indivíduos. Por isso, adolescentes exercitam intensamente sua criatividade para encontrar seu lugar no mundo e definir seus grupos sociais.

A inteligência artificial generativa é uma ferramenta fabulosa que está apenas dando seus passos iniciais. Por mais que melhore no futuro breve (e melhorará exponencialmente), suas produções resultam do que essas plataformas aprendem de uma base gigantesca que representa a média do que a humanidade sabe.

Ao entregarmos aos robôs não apenas nossas tarefas, mas também nossa criatividade, ameaçamos nossa identidade e a nossa humanidade. Esse é um ótimo exemplo de como usar muito mal uma boa tecnologia. E infelizmente as pessoas não estão percebendo isso.


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Assim como nossa carga genética, algo que nos diferencia dos outros indivíduos são nossas ideias. Apesar de fazermos isso naturalmente, ter uma ideia original é um processo complexo, que combina tudo que aprendemos em nossa vida com os estímulos que estivermos recebendo no momento. Além disso, ela é moldada por nossos valores, que são alinhados com os grupos sociais a que pertencemos. E nossa subjetividade ainda refina tudo isso.

Mesmo a mais fabulosa inteligência artificial possui apenas a primeira dessas etapas para suas produções, que é o que aprendeu de sua enorme base de informações coletadas das mais diferentes fontes. É por isso que a qualidade do que produz depende implicitamente da qualidade dessas fontes.

Alguns argumentam que a inteligência artificial também pode desenvolver valores a partir de sua programação, dos dados que consome e da própria interação com os usuários. De fato, um dos maiores problemas dessa tecnologia são os vieses que acaba desenvolvendo, o que piora suas entregas.

Com valores, a máquina se aproxima mais do processo criativo humano. Mas a inteligência artificial ainda não pode ser chamada de criativa, justamente pela etapa final, conduzida pela nossa subjetividade. Os padrões que aprendemos em nossa história de vida única nos permitem ir além de simples deduções lógicas no processo criativo. Para as máquinas, por outro lado, esses mesmos padrões tornam-se limitadores.

Gosto de pensar que o processo criativo é algo que nos conecta com algo sublime, alguns diriam com algo divino. Quando escrevo, por exemplo, um artigo como esse, combino grande quantidade de informações que coletei para essa tarefa com o que aprendi ao longo da minha vida. Mas a fagulha criativa que faz com que isso não seja uma composição burocrática e chata (assim espero) só acontece ao me abrir intensamente para minha sensibilidade.

Jamais entregaria isso a uma máquina, pois isso me define e me dá grande prazer!

 

Nós nos tornaremos máquinas?

Em seu livro “Tecnologia Versus Humanidade” (The Futures Agency, 2017), Gerd Leonhard questiona, anos antes do ChatGPT vir ao sol, como devemos abraçar a tecnologia sem nos tornarmos parte dela. Para o futurólogo alemão, precisamos definir quais valores morais devemos defender, antes que o ser humano altere o seu próprio significado pela interação com as máquinas.

Essas não são palavras vazias. Basta olhar nosso passado recente para ver como a nossa interação incrivelmente intensa com a tecnologia digital nos transformou nos últimos anos, a começar pela polarização irracional que fraturou a sociedade.

O mais terrível disso tudo é que as ideias que nos levaram a isso não são nossas, e sim de grupos que se beneficiam desse caos. Eles souberam manipular os algoritmos das redes sociais para disseminar suas visões, não de maneira óbvia e explícita, mas distribuindo elementos aparentemente não-relacionados (mas cuidadosamente escolhidos) para que as pessoas concluíssem coisas que interessavam a esses poderosos. E uma vez que essa conclusão acontece, fica muito difícil retirar essa ideia da cabeça do indivíduo, pois ele pensa que ela é genuinamente dele.

Se as redes sociais se prestam até hoje a distorcer o processo de nascimento de ideias, a inteligência artificial pode agravar esse quadro na etapa seguinte, que é a nutrição dessas mesmas ideias. Como uma plantinha, elas precisam ser regadas para que cresçam com força.

Em um artigo publicado na semana passada, a professora da PUC-SP Lucia Santaella, autoridade global em semiótica, argumenta que o nosso uso da inteligência artificial generativa criou um novo tipo de leitor, que ela batizou de “leitor iterativo”. Afinal, não lemos apenas palavras: lemos imagens, gráficos, cores, símbolos e a própria natureza.

Com a IA generativa, entramos em um processo cognitivo inédito pelas conversas com essas plataformas. Segundo Santaella, o processo iterativo avança por refinamentos sucessivos, e os chatbots respondem tanto pelo que sabem, quanto pelos estímulos que recebem. Dessa forma, quanto mais iterativo for o usuário sobre o que deseja, melhores serão as respostas.

Isso reforça a minha proposta original de que não podemos “terceirizar” nossa criatividade para a inteligência artificial. Até mesmo a qualidade do que ela nos entrega depende do nível de como nos relacionamos com ela.

Temos que nos apropriar das incríveis possibilidades da inteligência artificial, uma ferramenta que provavelmente potencializará pessoas e empresas que se destacarão nos próximos anos. Mas não podemos abandonar nossa criatividade nesse processo. Pelo contrário: aqueles que mais se beneficiarão das máquinas são justamente os que maximizarem a sua humanidade.

 

A Bruxa dá a maçã envenenada à Branca de Neve, no primeiro longa-metragem animado da história (1938) - Foto: reprodução

Quem matou a veia criativa da Disney?

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Desde que lançou “Branca de Neve e os Sete Anões” em 1938, Walt Disney elevou o conceito das animações a um patamar altíssimo, sendo responsável por algumas das maiores obras-primas do gênero. Seu sucesso se deve a sua obsessão pela excelência.

Infelizmente não dá para manter a barra no alto o tempo todo: de vez em quando, o estúdio fazia algo que não fosse tão incrível. Mas isso é diferente do que se observa agora: uma aparente decisão de trocar a qualidade pela quantidade.

Já faz muito tempo que a Disney não faz nada que seja realmente memorável. A empresa está se especializando em “live actions” –filmes com atores humanos que reproduzem antigos sucessos de animações– sem nenhuma criatividade, até piorando a história para que fique mais palatável ao mercado. Um exemplo disso foi o remake de “Mulan” (2020).

A mais recente vítima da nova política é a recém-lançada animação da outrora brilhante Pixar, “Elementos”, que teve a pior bilheteria de estreia da história do estúdio. Depois de custar US$ 200 milhões, rendeu “míseros” US$ 29,5 milhões nos EUA no fim de semana de estreia. Para comparação, “The Flash”, da Warner Bros, que também está decepcionando, rendeu US$ 55,1 milhões na estreia por lá.

Esse resultado é emblemático, porque a Pixar foi comprada pela Disney em 2006, em uma época em que a última passava por uma seríssima crise criativa, com lançamentos como os pavorosos “Nem Que a Vaca Tussa” (2004) e “O Galinho Chicken Little” (2005). Naqueles anos, a Pixar lançava os fabulosos “Os Incríveis” (2004) e “Carros” (2006).

A compra provocou uma transferência de cérebros para a casa do Mickey, especialmente de John Lasseter, que havia sido demitido da própria Disney em 1983 por querer apostar em animação computadorizada. Voltou como diretor criativo da Pixar e da Walt Disney Feature Animation (depois rebatizada como Walt Disney Animation Studios). Aquilo foi um sopro de inteligência e criatividade, gerando bons títulos para a Disney, como “Enrolados” (2010), “Detona Ralph” (2012) e “Frozen” (2013).

A empresa fez outras duas mega-aquisições para seu portfólio nos anos seguintes: comprou a Marvel (2009) e a Lucasfilm (2012), duas marcas que pareciam ter um “toque de Midas”, produtoras de enormes sucessos em sequência.

E então a coisa começou a desandar de novo.

 

Sai a qualidade, entra a quantidade

Sou um fã histórico de “Star Wars”, daqueles que faz citações dos filmes no cotidiano. Ou fazia: sob o comando da Disney, a saga da família Skywalker pariu filmes enlatados de consumo fácil e qualidade sofrível.

Quando o primeiro deles saiu em 2015, “Episódio VII: O Despertar da Força”, trouxe ideias interessantes: uma protagonista jedi, um stormtrooper negro que mostrava o rosto (literalmente) e com crise de identidade, o resgate dos velhos heróis e cenários mais realistas. Infelizmente pouco disso foi bem desenvolvido, sofrendo ainda com um vilão fraco e um roteiro com buracos. Era o prenúncio para o catastrófico “Episódio VIII: Os Últimos Jedi” (2017) e o fraco “Episódio IX: A Ascensão Skywalker” (2019).

Como resultado, aconteceu o inimaginável: perdi o interesse que tinha em “Star Wars”.

Algo semelhante aconteceu com a Marvel. Depois de anos com uma enxurrada de sucessos, começando pelo “Homem de Ferro” (2008) e culminando em “Vingadores: Ultimato” (2019), o selo tem lançado títulos que não empolgam a base de fãs como antes.

Várias coisas levaram a essa relativa queda da Pixar, da Lucasfilm, da Marvel e da própria Disney. Em primeiro lugar, há um êxodo de cérebros da empresa, que a deixam reclamando de más condições de trabalho. Os prazos ficaram tão exíguos, que os artistas estão tendo que piorar a qualidade dos efeitos especiais, pois não há tempo para os computadores gerá-los como gostariam.

Mas há claramente a política da quantidade a qualquer custo. E aí entra um outro fator determinante: o serviço de streaming Disney+, lançado em 2019. Sua principal força é também seu calcanhar de Aquiles: ele possui todo o conteúdo da Disney, da Pixar, da Marvel, de Star Wars e da National Geographic. E só!

Ele chegou tarde a um mercado amplamente dominado por rivais estabelecidos, liderados pela Netflix. Com força bruta, cavou o seu espaço entre eles. Mas, para isso, precisou iniciar uma corrida frenética de produção de filmes e principalmente séries dessas marcas, muitas delas descartáveis.

Outra decisão polêmica tem afastado o público que não assina a Disney+: a decisão de lançar longas-metragens apenas no streaming, ignorando as salas de cinema. Foi o caso de três títulos da Pixar seguidos: “Soul: Uma Aventura com Alma” (2020), “Luca” (2021) e “Red: Crescer É uma Fera” (2022).

De todas as marcas da casa, a Pixar é justamente a que vem se esforçando mais para manter o nível. Tanto que, apesar da bilheteria decepcionante, “Elementos” conseguiu do público uma nota A nas pesquisas do CinemaScore e ficou com 91% no índice Rotten Tomatoes, na manhã de domingo de estreia. É bom, mas está abaixo do índice na estreia de grandes sucessos da Pixar. E precisamos verificar se se manterá quando o público “menos fã” começar a votar.

O mercado cultural e até Wall Street estão preocupados com essas decisões da Disney. O primeiro lamenta a queda na qualidade média das produções a um nível abaixo da crítica. Já a turma dos investimentos quer saber como isso impactará os negócios desse colosso do entretenimento.

Walt Disney criou seu império apostando na qualidade e fazendo o que os outros não conseguiam para encantar o público. Deve estar se revirando no túmulo ao ver que as ainda existentes boas ideias vêm sendo diluídas em um oceano de filmes e séries de fórmulas fáceis e decisões de negócios que afastam o público de suas produções.

Para uma empresa que nasceu com histórias baseadas em contos de fadas, seus gestores deveriam prestar atenção na fábula de Esopo sobre a “galinha dos ovos de ouro”. Ela conta a história de um casal de camponeses que tinha uma galinha que diariamente botava um ovo de ouro! Movidos pela ganância e achando que no interior do animal haveria grande quantidade do metal, eles a matam. Só para descobrir que, nas entranhas, era como qualquer outra galinha, ficando sem sua dose diária de ouro.

Do jeito que está, sinto que os executivos da Disney já estão amolando a faca…

 

Quer saber como a Internet nasceu no Brasil? Pergunte a quem estava lá (e o que isso pode lhe ensinar)!

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O personagem Dino da Silva Sauro, de “A Família Dinossauro”: quem chega primeiro pode ter uma visão privilegiada dos fatos – Foto: divulgação

O personagem Dino da Silva Sauro, de “A Família Dinossauro”: quem chega primeiro pode ter uma visão privilegiada dos fatos

Esse é o depoimento de um dinossauro da Internet. Sim, eu estava lá quando o acesso à Grande Rede foi liberado à população em geral. Entretanto, apesar de 1994 parecer tão distante quanto o período Jurássico, algumas coisas que aprendi desbravando aquela atmosfera primitiva podem ser incrivelmente úteis a qualquer negócio hoje, inclusive o seu, em temas como inovação e gestão de negócios.

A primeira grande lição é acreditar e seguir seus instintos, mesmo quando a manada inteira diz não. E aprendi isso graças a uma certa impetuosidade minha. A Internet foi liberada em caráter experimental ao público brasileiro em novembro de 1994. Na época, eu era repórter da Folha de S.Paulo, meu primeiro emprego. Em janeiro de 1995, quem escrevia sobre Internet no jornal era a editoria de Ciência, onde atuava: o assunto estava ainda tão distante do cidadão comum, que nem era ainda domínio do caderno de Informática. Foi quando eu sugeri colocar a Folha na Grande Rede.


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Isso só aconteceu alguns meses depois: a FolhaWeb, primeira experiência da Folha na Internet só foi ao ar no dia 9 de julho de 1995, com a página abaixo, cujo código eu editava em Word (!!!):

Primeira home page da Folha de S.Paulo na Internet - Imagem: reprodução

Depois de um mês fazendo a jornada dupla de fechar o jornal impresso e depois a versão online, decidi ficar só com a segunda. Foi quando uma coisa incrível aconteceu: meus colegas, com as melhores intenções, tentaram me demover da ideia. Ouvi de vários que eu estaria enterrando uma carreira brilhante no jornal, que estava decolando, para abraçar um “modismo”, pois “esse negócio de Internet não vai dar em nada!” Felizmente segui adiante, e construí minha carreira em cima do desenvolvimento de produtos digitais.

Temos que aprender a dar crédito a nós mesmos! Quando muita gente a nossa volta, especialmente pessoas que admiramos, diz não, é comum que abandonemos até mesmo nossos sonhos. E isso é um grande erro!

Primeiramente porque os sonhos dão cor e sabor à vida. Se ficarmos o tempo todo apenas “tocando a obra”, fazendo só “o que tem que ser feito porque sim”, vamos nos tornando cinzas. Enterramos a nossa parte mais nobre, capaz de transformar nossas carreiras e os negócios em que estivermos envolvidos em algo incrível, capaz de se destacar da concorrência.

Portanto, como profissional ou empreendedor, não esmoreça quando as pessoas a sua volta não compartilharem de seus sonhos. E, se você é gestor, incentive seu time a olhar além do óbvio.

 

Olhos abertos e orelhas em pé

Muitas vezes, a grande revolução de nossas vidas pode estar bem diante do nosso nariz e não a vemos. Foi exatamente o que aconteceu com a Internet naquela época.

A coisa estava ali, estava acontecendo e o potencial para mudar o mundo era imenso, como de fato mudou! Se você tiver mais que 30 anos, consegue se lembrar da sua vida antes da Internet? Como conversava, se informava, trabalhava, estudava, se divertia, comprava e até paquerava?

O fato é: o mundo mudou completamente desde 1994, e essa mudança se tornou dramática na última década, depois que o iPhone foi lançado, seguido pelos smartphones Android.

Mesmo assim, quase ninguém conseguia enxergar isso. Até mesmo Bill Gates, quando lançou a MSN em 1995, a concebeu como um serviço fechado, pois afirmava que a Internet era “uma moda passageira”.

Talvez por estar online desde 1987, em um sistema fechado (um BBS) da Telebrás chamado Projeto Ciranda, quando vi a Internet (primeiramente como estudante da USP, depois como repórter da Folha), aquilo me deixou louco! Como as outras pessoas não conseguiam enxergar o mesmo que eu?

É normal que, diante das tarefas do cotidiano, com trabalho, escola, família, a rotina diária, entremos em uma espécie de “modo automático”. Não paramos para olhar o que está a nossa volta. Não nos permitimos pensar de maneira pouco convencional. Ficamos na obviedade, porque não há tempo para olharmos tudo o que o mundo nos oferece.

E ele nos oferece muitas coisas o tempo todo!

Por isso, deixo aqui uma sugestão: se a rotina impede você de dar essa parada, coloque isso na sua agenda. Sim, encare esse momento de reflexão como uma tarefa a cumprir regularmente, se necessário for. Não precisa de muito, umas poucas horas por semana. E, se possível, chame as mentes mais inquietas a sua volta para participar. Coisas incríveis podem surgir desse ato simples.

 

Não pare a inovação

Não é exagero dizer que quem desbravou a Internet no Brasil foi a mídia. Nos primeiros anos da Internet comercial, os grandes nomes do mercado eram o UOL –que surgiu da FolhaWeb, propriedade da Folha e da Abril– e o ZAZ –cujo dono era a RBS, e que depois foi vendido à Telefonica para se tornar o Terra.

Um dos motivadores daquelas empresas era dominar a Internet, porque aquilo poderia “acabar com o impresso algum dia” (sim, ouvi isso incontáveis vezes desde aquela época). Mas curiosamente, apesar de essas operações online terem sido pioneiras nesse mercado, muitas das empresas que eram suas proprietárias não foram contaminadas com esse ímpeto de inovação. E hoje pagam um preço alto por essa imobilidade.

Duas lições que se podem tirar disso. A primeira é que a inovação é um caminho sem volta. A outra é que, uma vez que o público tem acesso à inovação, ele não aceita mais os antigos modelos.

As mesmas empresas de mídia que financiaram a popularização da Internet no Brasil, hoje sofrem por insistir em modelos de negócios que não se sustentam mais. Por exemplo, não adianta querer insistir que seus veículos de comunicação sobrevivam com a dobradinha “assinatura mais publicidade”. O público não quer mais isso e, sem audiência, a publicidade foge. Resultado: infelizmente (mas sem surpresa) vários títulos estão quebrando.

Não se pode ter medo de inovar. É claro que nem sempre dará certo, mas a inovação é o melhor caminho para se chegar lá. E, se já está trilhando esse caminho, não faz o menor sentido voltar para trás. Aliás, rejeitar a inovação, especialmente uma que nasceu dentro de casa, pode ter consequências terríveis.

A Kodak que o diga com a fotografia digital!

 

Aprender fazendo de tudo

Naqueles primórdios de FolhaWeb e UOL, tínhamos que fazer literalmente de tudo. Não havia modelos consolidados, não havia concorrência, não havia formação, não havia literatura, nada! Por isso, lidar profundamente com questões editoriais e técnicas era o básico do dia a dia. Mas também tínhamos que pensar quase tudo! Cheguei até mesmo a apagar de madrugada um incêndio na secretaria administrativa da Folha. E digo isso literalmente: incêndio com labaredas, e não apenas as urgências que apareciam na minha mesa.

Em um primeiro momento, isso pode passar uma sensação de desamparo: afinal, você precisa se desdobrar em coisas que vão muito além da sua formação. Não entre nessa onda! Isso é, na verdade, uma tremenda oportunidade para se desenvolver em áreas distintas da sua, além de permitir que se criem vínculos poderosos com outros profissionais. Além disso, permite que se desenvolva uma visão privilegiada do negócio como um todo. Como resultado, você se torna um profissional muito mais completo.

Além disso, o fato de ter participado de tudo isso no começo me permitiu ajudar da construção de alguns dos alicerces de toda essa indústria. Muita coisa que se vê hoje espalhada por sites e aplicativos em todo lugar surgiu daquela efervescência criativa contínua e incansável.

 

O valor da equipe

Naturalmente eu não fiz nada daquilo sozinho. Ainda que fôssemos poucos (e quase sempre incompreendidos), a turma que iniciou a FolhaWeb e o UOL –e alguns anos depois a AOL, onde também trabalhei e ajudei na sua vinda ao Brasil– era composta de um grupo multidisciplinar incrível. As pessoas ali sabiam realmente o que era trabalhar em equipe, pois –talvez até mesmo pelo descrito acima– todos estavam dispostos a oferecer seu melhor não apenas para suas tarefas pessoais, mas também para ajudar seus companheiros no que tinham que fazer.

Sim, aquilo era trabalho, mas não era “apenas trabalho”. Em maior ou menor grau, sabíamos que algo genial estava nascendo ali. Costumo dizer que, já na America Online, o grupo pioneiro de profissionais não ia ao escritório para trabalhar, mas sim para mudar o mundo um pouco a cada dia, todos os dias.

O fato é que nada daquilo teria acontecido se cada um resolvesse fazer apenas o seu. Nunca temos sozinhos todos os recursos necessários para fazer uma grande ideia alçar voos mais altos. Precisamos do outro e do que ele sabe. Temos que estar dispostos a falar e a ouvir, a dar e a receber.

Se não fosse assim, aquele começo da Internet teria sido muito mais difícil. E, quem sabe, aquilo que meus amigos disseram, que não passava de um “modismo”, ganhasse ares mais verdadeiros.

Ainda bem que escolhemos todos o melhor caminho. E você, que caminho quer escolher?


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A inovação não vem da tecnologia: vem das pessoas (e o que você faz sobre isso?)

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Imagem: Visual Hunt (Creative Commons)

“Inovação” é uma dessas palavras que está na boca de todo bom profissional e de qualquer empreendedor que se preze. Em tempos em que a concorrência é imensa e o consumidor tem cada vez maior poder, isso verdadeiramente deixou de ser um luxo para se tornar uma questão de sobrevivência. Então eu lhe pergunto: você sabe o que precisa para inovar?

A pergunta é legítima: na prática, vemos poucas empresas inovadoras. Essa escassez se deve a algumas ideias equivocadas, como a de que a inovação depende de grandes investimentos em tecnologia, que não passa de uma ferramenta. Verdade seja dita, uma ferramenta cada vez mais poderosa e acessível, mas ainda só uma ferramenta. O que realmente faz a inovação acontecer são as pessoas.


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Nós nascemos com todas as habilidades necessárias para inovar. Além disso, a tecnologia digital onipresente faz com que hoje quase todo mundo tenha pelo menos uma noção do que pode fazer para usar essa ferramenta criativamente.

Isso ficou muito claro em dois grandes eventos de tecnologia do qual participei nas últimas semanas: o Red Hat Forum e o SAP Forum, do qual fui Mentor de Conteúdo. Apesar de o melhor da tecnologia estar presente em toda parte ali, nada daquilo adiantaria sem a fagulha que nasce em cada um de nós. Tanto que o slogan do Red Hat Forum era “o impacto do indivíduo”. Perguntei a Gilson Magalhães, presidente de Red Hat Brasil, o porquê dessa frase. E ele explicou que a inovação depende de dois ingredientes básicos: a criatividade e a liberdade.

A primeira das duas é o que transforma necessidades em ideias, em produtos! Foi assim que a dificuldade para se conseguir um táxi deu origem ao Uber ou o desejo de compartilhar vídeos com amigos criou o YouTube, por exemplo. Hoje são duas operações multimilionárias, mas surgiram de necessidades muito simples, que todos nós temos, que foram conduzidas criativamente e com liberdade para se tentar. E veja só onde chegaram!

Todos nós temos necessidades não atendidas como essas o tempo todo. Então por que não temos muito mais exemplos assim por aí?

 

Os riscos da zona de conforto

Acontece que as pessoas e, ainda mais, as empresas têm medo da inovação.

Todos nós buscamos a nossa “zona de conforto”, um espaço em que temos a sensação de que dominamos todas as variáveis e onde não somos ameaçados. Nesse lugar, somos os senhores absolutos da situação.

Pena que isso não passe de uma ilusão.

Nunca somos os senhores absolutos do castelo: sempre algo está além do nosso controle, da nossa visão. Por isso, ao contrário de ser uma fortaleza, a “zona de conforto” é uma tremenda vulnerabilidade, pois, quando achamos que estamos “tranquilos”, ficamos cegos ao que está acontecendo a nossa volta. Perdemos a chance de identificar novas tendências e novos concorrentes. Ou pior: identificamos, mas não damos a devida atenção, até que seja tarde demais, e já estejamos sendo chutados para fora do mercado.

Mas o grande problema da “zona de conforto” é que ela inibe a inovação.

Sabe aquele ditado que diz que “em que que está ganhando não se mexe”. Profissionais e empresas que pensam assim estão condenados a desaparecer. Pois vejamos ou não, queiramos ou não, a concorrência sempre está se mexendo. Nosso próximo concorrente pode estar sendo criado nesse exato momento na mesa de um café qualquer. Essa nova empresa, inovadora e disposta a correr riscos, chegará ao mercado com potencial de destronar negócios consolidados há décadas, pelo uso criativo da tecnologia e modelos de negócios ousados.

Não podemos nos dar ao luxo de não correr riscos. Temos que estar prontos para isso o tempo todo, pois o mercado já não comporta quem quer ficar sempre igual. Não se enganem: a inovação chegará mais cedo ou mais tarde.

A questão que fica é: você estará no grupo inovador ou no que foi colocado para fora dos negócios?

 

A delícia de se correr riscos

Sim, temos medo de inovar, de correr riscos. É o nosso instinto de autopreservação gritando em nossos ouvidos, tentando evitar que quebremos a cara. Mas a única maneira de ter essa garantia é não tentando nada.

Oras, mas, se não tentarmos, nunca chegaremos a lugar nenhum. Nunca progrediremos. Nunca atingiremos o sucesso. Nunca conseguiremos sair do lugar medíocre em que a vida tende a colocar aqueles que ficam imobilizados por muito tempo.

Em resumo: nunca inovaremos.

Como disse o presidente da Red Hat Brasil, a inovação depende da criatividade e da liberdade. A primeira delas é mais fácil de entender. Precisamos pensar coisas novas, mas também pensar de um jeito diferente coisas que já existem, como nos exemplos do Uber e do YouTube. Já a liberdade é um conceito ainda mais nobre.

Liberdade não é a porta da gaiola aberta. É ter a garantia de poder ser criativo, sem que possíveis falhas no percurso da inovação sejam punidas. Como as empresas não conseguem garantir isso aos funcionários (mas ainda querem se dizer inovadoras), elas criam os famigerados “departamentos de inovação”. Esse é um jeito bonitinho de colocar a inovação dentro de quatro paredes, deixando-a bem controlada.

Nada mais equivocado!

A inovação não pode ser controlada, não pode ser parametrizada, não pode jamais ser restrita! Todos os funcionários de uma empresa devem ser incentivados a inovar, inclusive naquilo que não faz parte do seu trabalho. Pois a criatividade mais brilhante pode brotar nos lugares mais inesperados, como uma flor que escolhe nascer na rachadura de uma parede de concreto.

Querer restringir isso aos poucos escolhidos do “departamento de inovação” não faz o menor sentido. Da mesma forma, cabe a cada um querer ampliar os seus horizontes e fazer esses movimentos. Isso o tornará um profissional e uma pessoa melhor.

Em tempos de grande desemprego, isso pode ser decisivo.

 

Continue faminto!

Vivemos um momento riquíssimo em que a tecnologia digital está barata e fácil de usar como nunca, inclusive tecnologia de ponta! Felizes aqueles que conseguem aproveitar isso com criatividade e liberdade para criar produtos que podem redefinir o mercado. Precisamos resgatar aquela mente livre com a qual todos nascemos, mas que, com o passar dos anos, vai sendo aprisionada, primeiramente por um sistema educacional tacanho, depois por empresas acovardadas, ambos intolerantes a falhas e contrários à colaboração genuína.

Isso me lembra do histórico discurso de Steve Jobs para a turma de formandos de Stanford em 2005 (que pode ser visto na íntegra abaixo). O fundador da Apple, uma das pessoas mais inovadoras da história, termina sua fala com uma recomendação: “stay hungry, stay foolish’.


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Em uma tradução livre, isso poderia significar algo como “continue faminto, continue inocente”. Jobs não sugeria ser inocente para ser feito de bobo, mas sim para continuar acreditando em suas ideias, mesmo quando todo mundo diz que é ruim ou que simplesmente você não pode querer inovar. E ser faminto no sentido de que nunca saberemos o suficiente: sempre há espaço para aprender mais, para querer mais, para crescermos e sermos ainda melhores.

Portanto, se você é um executivo, não crie “departamentos de inovação” na sua empresa: dê liberdade para que todos os seus funcionários queiram -e sejam- criativos. Não tenha medo de correr riscos, ou você matará seu negócio. E, se você é um profissional de qualquer área, de qualquer nível, mantenha essa chama acesa dentro de você.

Em outras palavras, “continue faminto, continue inocente”.


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