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A péssima educação brasileira deixa vagas abertas em um país cheio de desempregados

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Foto: ONU/Creative Commons

Na semana passada, foi divulgado o relatório “Analfabetismo no Mundo do Trabalho”, que aponta que só 8% dos brasileiros dominam o português e a matemática. Essa vergonhosa porcentagem explica o aparente paradoxo que vivemos, com um desemprego explosivo assolando o país, enquanto as empresas não conseguem preencher suas melhores vagas.

Evidentemente nada disso é fotografia de uma situação construída de uma hora para outra. O nível rasteiro da educação brasileira tem origem na época do Brasil Colônia, onde ela era virtualmente inexistente por aqui. Mesmo após a Independência, educação era coisa para homens e para ricos. No caso de universidade, implicava em conclusão de estudos na Europa.


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Evidentemente, nos últimos 200 anos, a educação se democratizou no Brasil. Homens e mulheres estudam –na verdade, as mulheres estudam, na média, até mais que os homens (7,3 anos delas contra 6,3 anos deles). Também temos pessoas de todas as classes sociais na escola e até na universidade, que agora também pode ser feita por aqui mesmo.

A situação está melhor que na época de Dom Pedro? Claro que sim! Mas também não precisa de quase nada para isso. A questão é: a educação brasileira é boa?

Claro que não!

Essa democratização se refere muito mais ao acesso às salas de aula que à qualidade. Temos poucas ilhas de excelência pedagógica cercadas por um mar de escolas que explicam os números acima. Isso foi brilhantemente captado no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo (88 minutos):

 

 

Essa situação vem evidentemente do nosso histórico de pouco apreço pela educação e pelos professores. Se, na Coreia do Sul, apenas os melhores podem exercer esse ofício, por aqui vivemos um cenário em que uns pouco iluminados abraçam o sacerdócio pelo chamado irresistível da vocação, enquanto a maioria acaba sendo composta por profissionais que “não deram certo” nos ofícios que tinham escolhido originalmente.

Como resolver isso?

 

Correção lenta, mas necessária

Sejamos sinceros: falar mal da educação no Brasil é como chutar cachorro morto. Ano após ano, estudo após estudo, relatório após relatório, confirmamos esse conhecido flagelo nacional. E muito pouco vem sendo feito para corrigi-lo. É como se acalentássemos o algoz do futuro do Brasil.

Não há mágica para solucionar o problema, e nada dará resultados positivos rapidamente. E talvez aí resida o maior desafio para a melhoria, pois as políticas educacionais por aqui não são consistentes e não têm continuidade. Governos vêm e vão, e adoram trocar como e o que nossos estudantes devem aprender.

Aliás, estamos justamente em um desses “momentos incríveis”, no meio do debate em torno da Base Nacional Comum Curricular, que acaba daqui a seis dias, no dia 15 de março. Ele está acontecendo a partir da proposta organizada por educadores contratados pelo MEC para criar as diretrizes para todo o Ensino Fundamental e Médio do país de agora em diante. Entretanto seu conteúdo é carregado com um pesado viés político com potencial para tornar a educação brasileira irrelevante. A proposta é tão ruim, que foi criticada pelo ex-ministro da Educação, o professor de ética e filosofia Renato Janine Ribeiro, que perdeu o posto na reforma ministerial feita pela presidente Dilma Rousseff no dia 2 de outubro passado.

Esse é um ótimo exemplo do que NÃO deve ser feito. Não nos enganemos: toda política educacional tem viés ideológico do grupo dominante. Mas isso não pode ser mais importante que os conteúdos relevantes para a formação do cidadão ou que a forma de se educar. E certamente não pode ser mais importante que a valorização da figura do professor, tão maltratado na sua formação, quanto no exercício da profissão.

Falei há pouco da Coreia. Em 1950, ela chegou a ser considerada o país mais pobre do mundo, bem abaixo do Brasil da época. Entretanto, vejam a situação da Coreia do Sul hoje. Qual foi o “truque”? Investimento sério e pesado em educação, e com continuidade. Demorou “apenas” uns 40 anos para passar da miséria para a posição de uma das economias mais pujantes do mundo.

Em algum momento, temos que parar de reclamar e de brincar, e começar a consertar a situação por aqui, pois o processo durará, no mínimo, uma geração. Caso contrário, corremos o risco de caminhar com confiança de volta ao Brasil Colônia, com empresas cheias de vagas abertas e uma multidão de analfabetos funcionais desempregados incapazes de preenchê-las.


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Imagem: divulgação

Três iniciativas, sem relação entre si, chamaram a minha atenção por carregar elementos de desobediência civil. Na madrugada da última sexta (18), ativistas invadiram o Instituto Royal, em São Roque (SP), e levaram quase 200 cães que eram usados em testes para as indústrias farmacêuticas e de cosméticos. No mês passado, um estudante catarinense autodeclarado “de direita até a medula, monarquista e budista” se recusou a fazer um trabalho universitário sobre Karl Marx. Atitude semelhante aconteceu no fim de 2012, quando um grupo de estudantes evangélicos amazonenses não fez uma tarefa sobre a influência dos negros e dos índios na literatura brasileira, alegando que, caso fizessem a atividade, estariam “compactuando com a ideia de que outros deuses existem”, contrariando a sua fé.

Nos três casos, indivíduos contestaram o que poderia ser chamado de “ordem estabelecida”. Se nos dois últimos o problema ficou na esfera educacional, no primeiro ela virou caso de polícia. Mais que simples questões de crenças (morais, políticas ou religiosas), os três atos embutem rebeldia em que as pessoas decidem “fazer justiça com as próprias mãos”, ignorando as instituições democráticas pelas quais elas não se sentem mais representadas, ainda que pontualmente.

Por “ordem estabelecida”, entenda-se o instituto realizando pesquisas consideradas necessárias e legítimas para benefício de seres humanos, e as escolas propondo atividades adequadas à formação acadêmica e até mesmo de cidadania dos estudantes. No primeiro caso, a comunidade científica afirma que não há alternativas viáveis aos testes com animais, regulamentados internacionalmente. Já os trabalhos escolares cumprem o papel de apresentar aos alunos elementos culturais e históricos importantes para sua formação. Em nenhum momento, propõem mudanças ou sequer ameaçam suas crenças (e honestamente não vejo como trabalhos escolares teriam esse poder).

A democracia só é viável quando os indivíduos concordam em viver harmoniosamente com as diferenças. As escolas particularmente devem ser espaço de tolerância a elas. Ninguém concorda com tudo o que acontece nesse mundo, mas, para cada uma das coisas que nele existem, por mais malucas que nos possam parecer, existe um grupo que gosta delas.

Os invasores do Instituto Royal e os estudantes fizeram coisas em que acreditavam, o que é um direito deles. Mas direitos implicam em deveres: os ativistas podem responder criminalmente e os alunos podem ficar sem as respectivas notas. É justo. Caso contrário, se cada um resolvesse moldar seu entorno egoistamente com base no que acredita ou gosta, a sociedade seria inviabilizada, pois sempre haveria outras pessoas que não estariam de acordo. E, se igualmente resolvessem resistir, seria a barbárie.