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IA pode agravar situação de pessoas já marginalizadas digitalmente - Foto: Freepik/Creative Commons

A desigualdade social faz com que a mesma IA que impulsiona carreiras tire empregos

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A inteligência artificial pode maximizar nossas habilidades, mas também amplia contradições de nosso tempo. Isso aparece com muita força no âmbito profissional.

Já se tornou quase um mantra do mercado dizer que as pessoas que não abraçarem essa tecnologia perderão os empregos para colegas que o fizerem, e é verdade. Mas ironicamente quem a usar também pode ir para o olho da rua, se não fizer isso direito.

Cria-se então uma zona de contato bastante estreita, entre um “superpoder” para voar aos céus da carreira e a queda em um abismo profissional resultante de uma má educação no uso da IA. E esse não é um mero exercício intelectual. Ela já aumenta, agora mesmo, as vantagens de muitos profissionais e empresas. Do outro lado, vemos cerca de 14% da população brasileira sem qualquer acesso à Internet.

Surgem alguns dilemas sociais profundos. Talvez algumas pessoas gostariam de simplesmente não usar essa tecnologia, e esse seria um direito legítimo. Mas ainda dá para se almejar isso? Na ponta oposta, outras desejariam aproveitá-la, mas estão completamente alijadas desses recursos. Como lhes garantir isso, que já se configura como um direito fundamental?

Quem está no topo da pirâmide social deve parar de olhar para a sociedade como se todos estivessem na mesma situação frente à IA. Existe uma muralha a ser transposta para que se tenha pelo menos algum acesso digital, mas o presente nos empurra para uma desigualdade ainda mais ostensiva. Esse é o dilema que precisa ser solucionado.


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Estudo da consultoria Gallup divulgado em outubro indicou que 45% dos profissionais que usam a IA disseram que ela melhorou sua produtividade e eficiência, 26% se disseram mais criativos e inovadores e 23% apontaram melhora nas suas entregas. Apesar disso, 67% dos profissionais entrevistados disseram que nunca usaram a IA no trabalho, e apenas 4% fazem isso diariamente.

Infelizmente o “buraco é mais embaixo”. A pesquisa TIC Domicílios 2023, publicada em novembro passado pelo Cetic.br, órgão de pesquisas ligado ao CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), indicou que, apesar de os 156 milhões de usuários de Internet representarem um recorde de brasileiros conectados, 29,4 milhões de pessoas nunca ficaram online em nosso país.

É importante ressaltar que não basta apenas dar acesso à Internet e à IA: é preciso ensinar as pessoas a fazerem bom uso desses recursos. O levantamento do Cetic.br apontou uma clara correlação entre o uso da Internet e os graus de educação e de renda: dos 29,4 milhões de pessoas desconectadas no Brasil, 24 milhões têm apenas até o Ensino Fundamental e 17 milhões são das classes D ou E.

Os pesquisadores apontaram que o pleno aproveitamento das oportunidades online depende ainda da qualidade da conexão e de dispositivos adequados. Ele é maior entre quem fica online tanto pelo computador quanto pelo smartphone, frente aos que se conectam só por dispositivos móveis. E se 99% dos domicílios da classe A têm computador, isso acontece apenas em 11% dos das classes D e E.

Para se colocar isso na devida perspectiva, é preciso entender que a inteligência artificial generativa não se trata de só mais uma tecnologia, como tantas outras que são lançadas a todo momento. Ela efetivamente oferece a possibilidade de se ampliar as capacidades de qualquer um que esteja disposto a fazer um uso consciente dela.

Mas tanto poder também guarda armadilhas.

 

Benefícios e riscos

A IA generativa embute recursos muito bem-vindos. Certamente o que a distingue de todo o resto é a capacidade de nos entender e dar suas respostas em linguagem natural, como se estivéssemos falando com outra pessoa. Além disso, ela é capaz de processar quantidades imensuráveis de informação para encontrar respostas e padrões. Por fim, ela efetivamente aprende e melhora com o uso.

Essa combinação a torna extremamente poderosa e flexível. Mas nesse funcionamento quase mágico, reside um de seus maiores riscos.

Quando o ChatGPT foi lançado e assombrou o mundo há dois anos, muitos diziam que ele poderia gerar uma “geração de preguiçosos”. Passado esse breve período, esse medo pode estar se concretizando em algumas pessoas.

Assim como uma simples calculadora agiliza as operações matemáticas que fazemos, mas não nos dispensa de sabermos como realizá-las, a inteligência artificial, por mais incrível e eficiente que seja, não pode tirar de nós a compreensão do que está sendo feito e principalmente as decisões que tomemos a partir desses resultados.

Além disso, as entregas em si da IA generativa normalmente têm uma qualidade mediana (na melhor das hipóteses), sofrendo de repetições e estilos limitados. E há ainda o maior de seus problemas: as “alucinações”, quando, diante de não saber o que dizer, entrega absurdos como se fossem verdades, sem qualquer ressalva.

Outra grave falha é a privacidade dos dados, pois essas plataformas podem aprender e depois replicar para estranhos informações confidenciais que usemos com elas. E isso flerta com outro conhecido problema dessa tecnologia: a violação de direitos autorais de conteúdos usados durantes suas etapas de treinamento.

Entre os que já usam a IA profissionalmente, a maioria se descuida em pelo menos um desses problemas, quando não em todos. É nessa hora que a IA deixa de ser uma poderosa aliada e passa a ser uma ameaça. Apesar de serem falhas intrínsecas da tecnologia, os riscos vêm da má utilização pelas pessoas. A revolução da IA invadiu nossas vidas sem manual de instrução, e por isso usos indevidos aparecem a toda hora.

Pior que isso são aqueles que terceirizam sua criatividade e decisões para os robôs: esses profissionais se colocam na posição de dispensáveis. Afinal, se eles não acrescentam nada sobre o que a IA faz, então basta a máquina para fazer o trabalho!

Antes vistos em obras de ficção científica, esses agora são dilemas da vida real! As pessoas precisam ser educadas não apenas para aproveitar os incríveis benefícios da IA, mas também para não cair em suas armadilhas.

Empresas, escolas, mídia, governo devem cuidar disso, mas não podem esquecer daqueles que já são marginalizados digitais. Caso contrário, teremos, em bem pouco tempo, uma “casta” com “superpoderes da IA” e uma massa de pessoas cada vez mais inabilitadas profissionalmente pela mesma tecnologia.

 

Desigualdade digital escancara uma perversa exclusão no Brasil

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Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre a importância maiúscula da Internet em nossas vidas, a pandemia de Covid-19 acabou com ela. Especialmente no período de mais distanciamento social, trabalhar, estudar, comprar e até se divertir dependiam dela. Mesmo agora, com tudo reaberto, muitas práticas online que desenvolvemos naquele momento permanecem, pois descobrimos enormes ganhos. Mas isso também jogou luz sobre a profunda desigualdade digital na população brasileira.

A pesquisa “O abismo digital no Brasil”, publicada recentemente pela consultoria PwC e pelo Instituto Locomotiva, coloca isso em números. De um lado, temos 29% dos brasileiros “plenamente conectados”; do outro, 20% sem conexão alguma. Isso traz enormes prejuízos às pessoas e ao país, criando “cidadãos de segunda categoria”.


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O acesso à Internet se transformou em um item essencial de infraestrutura, assim como energia elétrica, água, saneamento básico e telefonia. Pessoas com acesso a esses serviços com boa qualidade desenvolvem uma enorme vantagem. Além disso, quanto mais cidadãos assim, mas um país se torna competitivo internacionalmente.

Mas não se trata apenas disso. A guerra na Ucrânia, cuja infraestrutura vem sendo arrasada pela Rússia, mostrou ao mundo como o acesso à Internet pode desenterrar verdades inconvenientes e incomodar poderosos, de maneira que a vida de pessoas pode chegar a depender disso. Tanto que o bilionário Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, liberou na Ucrânia o acesso à Internet a partir de sua rede de satélites Starlink.

O estudo identifica, entre os 29% “plenamente conectados”, mais moradores das regiões Sul e Sudeste, com celular pós-pago, acesso por notebook, bem escolarizados, integrantes das classes A e B e brancos. Do outro lado, os 20% “desconectados” são compostos principalmente por homens, idosos, não-alfabetizados, das classes C, D e E. Entre eles, estão os 26% “parcialmente conectados”, que são majoritariamente do Sudeste, negros, menos escolarizados e das classes C, D e E, e os 25% “subconectados”, principalmente do Norte e do Nordeste, com celular pré-pago, negros, menos escolarizados e das classes D e E.

Isso desenha um panorama sombrio para o Brasil nos próximos anos. O estudo demonstra que profissões tradicionais, que respondiam por 15,4% da força de trabalho em 2020, encolherão para 9% até 2025. Já as ligadas à tecnologia passarão de 7,8% a 13,5%. E isso é algo que já sentimos em nosso país. O setor de tecnologia demandará 800 mil profissionais de 2021 a 2025, mas o déficit deve ficar em 530 mil vagas não preenchidas. Isso em um cenário de desemprego explosivo!

Outro estudo, feito pela escola de negócios francesa Insead, coloca o Brasil como 75º no ranking de competitividade global de talentos, entre 134 países. Ele se baseia na capacidade de os países desenvolverem pessoas para o mercado e de atrair e reter os melhores profissionais. Na América Latina, estamos na 9ª posição.

O Brasil precisa dar recursos para que os jovens adquiram as habilidades exigidas, e isso passa necessariamente por um bom acesso ao meio digital. Hoje, 81% da população com 10 anos ou mais usam a internet, mas só 20% têm acesso de qualidade.

 

Reflexos na educação e no trabalho

Durante a fase mais aguda do distanciamento pela pandemia, vimos diversos casos de profissionais que foram enviados para trabalhar de casa, mas não conseguiram exercer adequadamente suas tarefas: sua Internet era ruim, sendo que a empresa não lhes ofereceu um plano de dados decente e às vezes nem computador, ficando restritos ao smartphone.

Mais grave ainda foi o observado entre os estudantes. Com acesso precário ou nulo e restritos muitas vezes a um único celular na casa, muitas crianças ficaram sem estudar por quase dois anos. O estudo informa que 21% dos alunos das redes municipais e estaduais estão em escolas sem acesso à banda larga. Isso se reflete em uma pesquisa da organização Todos pela Educação divulgada em fevereiro, que mostrou que o número de crianças entre 6 e 7 anos que não sabia ler ou escrever no Brasil saltou de 25,1% em 2019 para 40,8% em 2021.

Não é de se estranhar, portanto, que o Brasil tenha um dos dez piores desempenhos do mundo em matemática e um fraco resultado em leitura no Pisa, a avaliação feita pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre a educação em 79 países. Com isso, 67% dos nossos estudantes de 15 anos não conseguem diferenciar fatos de opiniões na leitura de textos, algo particularmente problemático em um país em que as pessoas adoram se “informar” por redes sociais.

Segundo a PwC, os principais causadores desse abismo digital são deficiências da infraestrutura de conexão (e aqui entram a qualidade do sinal e custos), limitações de acesso a equipamentos e deficiências do sistema educacional. São problemas profundamente enraizados em nosso país, mas que precisam ser resolvidos, sob risco de termos cada vez mais informalidade do mercado de trabalho, redução da já baixa produtividade do país, atraso no desenvolvimento das pessoas e redução do acesso a serviços públicos.

Para reverter essa situação dramática, a PwC e o Fórum Econômico Mundial sugerem a atuação coordenada de governos, educadores e empresas, com papéis e responsabilidades bem definidos para fortalecer as competências digitais da população.

O governo tem um papel fundamental no processo, com a criação de políticas para impulsionar as iniciativas nacionais de qualificação digital, trabalhando junto com a sociedade civil. As empresas, por sua parte, precisam adotar a capacitação digital da força de trabalho como princípios fundamentais do seu negócio, enquanto as instituições de ensino devem repensar as iniciativas de qualificação profissional, com o conceito de aprendizagem ao longo da vida.

A desigualdade de acesso à Internet vem da desigualdade socioeconômica, e a reforça! Em um mundo hiperconectado, uma nação não pode se dar ao luxo de ter cidadãos desprovidos dos meios necessários para seu desenvolvimento digital, pois dele derivam os demais.

O problema é estrutural e não será resolvido com medidas paliativas, pontuais ou desestruturadas. Trata-se de um gravíssimo problema social, que já impacta pesadamente nossa população. E, se tudo continuar como está, o problema se tornará cada vez maior, empurrando o Brasil para o fosso das nações irrelevantes.

 

A péssima educação brasileira deixa vagas abertas em um país cheio de desempregados

By | Educação | 7 Comments

Foto: ONU/Creative Commons

Na semana passada, foi divulgado o relatório “Analfabetismo no Mundo do Trabalho”, que aponta que só 8% dos brasileiros dominam o português e a matemática. Essa vergonhosa porcentagem explica o aparente paradoxo que vivemos, com um desemprego explosivo assolando o país, enquanto as empresas não conseguem preencher suas melhores vagas.

Evidentemente nada disso é fotografia de uma situação construída de uma hora para outra. O nível rasteiro da educação brasileira tem origem na época do Brasil Colônia, onde ela era virtualmente inexistente por aqui. Mesmo após a Independência, educação era coisa para homens e para ricos. No caso de universidade, implicava em conclusão de estudos na Europa.


Vídeo relacionado:


Evidentemente, nos últimos 200 anos, a educação se democratizou no Brasil. Homens e mulheres estudam –na verdade, as mulheres estudam, na média, até mais que os homens (7,3 anos delas contra 6,3 anos deles). Também temos pessoas de todas as classes sociais na escola e até na universidade, que agora também pode ser feita por aqui mesmo.

A situação está melhor que na época de Dom Pedro? Claro que sim! Mas também não precisa de quase nada para isso. A questão é: a educação brasileira é boa?

Claro que não!

Essa democratização se refere muito mais ao acesso às salas de aula que à qualidade. Temos poucas ilhas de excelência pedagógica cercadas por um mar de escolas que explicam os números acima. Isso foi brilhantemente captado no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo (88 minutos):

 

 

Essa situação vem evidentemente do nosso histórico de pouco apreço pela educação e pelos professores. Se, na Coreia do Sul, apenas os melhores podem exercer esse ofício, por aqui vivemos um cenário em que uns pouco iluminados abraçam o sacerdócio pelo chamado irresistível da vocação, enquanto a maioria acaba sendo composta por profissionais que “não deram certo” nos ofícios que tinham escolhido originalmente.

Como resolver isso?

 

Correção lenta, mas necessária

Sejamos sinceros: falar mal da educação no Brasil é como chutar cachorro morto. Ano após ano, estudo após estudo, relatório após relatório, confirmamos esse conhecido flagelo nacional. E muito pouco vem sendo feito para corrigi-lo. É como se acalentássemos o algoz do futuro do Brasil.

Não há mágica para solucionar o problema, e nada dará resultados positivos rapidamente. E talvez aí resida o maior desafio para a melhoria, pois as políticas educacionais por aqui não são consistentes e não têm continuidade. Governos vêm e vão, e adoram trocar como e o que nossos estudantes devem aprender.

Aliás, estamos justamente em um desses “momentos incríveis”, no meio do debate em torno da Base Nacional Comum Curricular, que acaba daqui a seis dias, no dia 15 de março. Ele está acontecendo a partir da proposta organizada por educadores contratados pelo MEC para criar as diretrizes para todo o Ensino Fundamental e Médio do país de agora em diante. Entretanto seu conteúdo é carregado com um pesado viés político com potencial para tornar a educação brasileira irrelevante. A proposta é tão ruim, que foi criticada pelo ex-ministro da Educação, o professor de ética e filosofia Renato Janine Ribeiro, que perdeu o posto na reforma ministerial feita pela presidente Dilma Rousseff no dia 2 de outubro passado.

Esse é um ótimo exemplo do que NÃO deve ser feito. Não nos enganemos: toda política educacional tem viés ideológico do grupo dominante. Mas isso não pode ser mais importante que os conteúdos relevantes para a formação do cidadão ou que a forma de se educar. E certamente não pode ser mais importante que a valorização da figura do professor, tão maltratado na sua formação, quanto no exercício da profissão.

Falei há pouco da Coreia. Em 1950, ela chegou a ser considerada o país mais pobre do mundo, bem abaixo do Brasil da época. Entretanto, vejam a situação da Coreia do Sul hoje. Qual foi o “truque”? Investimento sério e pesado em educação, e com continuidade. Demorou “apenas” uns 40 anos para passar da miséria para a posição de uma das economias mais pujantes do mundo.

Em algum momento, temos que parar de reclamar e de brincar, e começar a consertar a situação por aqui, pois o processo durará, no mínimo, uma geração. Caso contrário, corremos o risco de caminhar com confiança de volta ao Brasil Colônia, com empresas cheias de vagas abertas e uma multidão de analfabetos funcionais desempregados incapazes de preenchê-las.


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