Ela

Existe uma ética verdadeira nas redes sociais?

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Foto: reprodução

Quais os direitos e deveres que uma empresa tem sobre as informações que seus clientes lhe confiam? Em tempos em que as redes sociais ocupam um papel central em nossas vidas, essa pergunta é fundamental e serve como base para outras, como até que ponto ela pode se recusar a ajudar a Justiça, alegando proteção à privacidade dos seus usuários? Mais que isso: um sistema pode manipular as pessoas?

As empresas podem dizer que tudo está descrito nos seus “termos de uso”, documentos com os quais todos nós concordamos ao começar a usá-las. Mas sejamos sinceros: ninguém lê aquilo! E, caso leia, nem sempre fica claro o que está escrito ali. Por exemplo, você sabia que, de acordo com os termos do Facebook, ele tem direito a usar qualquer coisa que publiquemos na sua rede (incluindo fotos e vídeos), sem nos pagar nada?


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Há alguns dias, o WhatsApp anunciou que toda a comunicação entre seus usuários passou a ser criptografada de ponta a ponta. Em tese, isso significa que ninguém, além dos próprios interlocutores, podem entender o que está sendo dito, mesmo que a informação seja interceptada.

A empresa afirma que, com isso, nem ela mesma é capaz de decodificar essa informação. É um álibi técnico muito interessante contra as constantes determinações judiciais para informar às autoridades o conteúdo de conversas entre usuários que estão sendo investigados. O Facebook, dono do WhatsApp, tradicionalmente se recusa a cooperar, alegando respeito à privacidade dos usuários. E isso regularmente evolui para batalhas jurídicas, como a que tirou o WhatsApp do ar no Brasil por 12 horas, em dezembro passado.

O cuidado com a privacidade e a integridade dos dados de usuários é mais que bem-vinda: é fundamental! Então, se as empresas estão cumprindo a promessa de não os compartilhar com ninguém, nem mesmo com o governo, isso deve ser comemorado!

Entretanto, sem entrar no mérito de que podemos supor que nem todas fazem isso, é razoável perguntar: o que as próprias empresas fazem com tanta informação pessoal, inclusive muitas intimidades, que lhes entregamos graciosamente?

 

Apaixonando-se pelo sistema

Psicólogos diriam que qualquer relação em que apenas um dos lados sabe muito do outro é desequilibrada, e potencialmente condenada por isso. Mas é exatamente assim que nos relacionamos com as redes sociais, que provavelmente nos conhecem melhor que nossas próprias mães.

Isso foi brilhantemente ilustrado no filme “Ela” (“Her”, 2013), de Spike Jonze. Para quem não viu o filme (que recomendo fortemente), ele conta a história, que se passa em um futuro próximo, do romance entre o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) e Samantha (voz de Scarlett Johansson).

Acontece que Samantha não é uma pessoa: é o sistema operacional que controla o computador e o smartphone de Theodore, tendo acesso a todo tipo de informação dele. O humano se apaixona pelo sistema de inteligência artificial, e é correspondido por ela! Alguns podem achar isso impossível ou até mesmo uma perversão. Mas, ao assistir ao filme, é muito difícil não se apaixonar também! E não pense que Samantha faz tudo que Theodore queira: ela também diz não e demonstra sentimentos como insegurança, ciúmes e raiva. Mas tudo isso é feito de acordo com o que Theodore espera de uma mulher.

Pobre Theodore! Samantha sabe tudo sobre ele, e ele não sabe nada sobre ela.

 

Não é pessoal, são apenas negócios

De volta ao mundo real, várias empresas são candidatas a nossas “Samanthas”. Facebook e Google são, de longe, as que mais sabem sobre nós, mas Apple e Amazon não fazem feio nesse pelotão de elite. E há uma infinidade de outras empresas que também são capazes de traçar nossos perfis psicológicos e de consumo a partir de nossas pegadas digitais, que, cada vez mais abundantemente, deixamos por aí.

Essas empresas certamente podem nos influenciar para, por exemplo, comprar um produto, em uma nova e eficientíssima forma de marketing. E são capazes até de manipular algumas emoções nossas. Não como Samantha! Mas o Facebook já fez algo nessa linha.

Em 2012, Adam Kramer, pesquisador da empresa, demonstrou ser possível “transferir estados emocionais” a pessoas simplesmente manipulando o que elas veem online. Por análise semântica, os feeds de notícias de 689.003 usuários foram manipulados pelo sistema por uma semana. Metade deles ficou sem receber posts negativos; a outra metade não viu nada positivo. Ao final, o cientista concluiu que pessoas expostas a posts positivos tendiam a fazer posts mais positivos, enquanto as expostas a posts negativos tendiam a fazer posts mais negativos! Ou seja, Kramer atuou decisivamente no humor de quase 700 mil pessoas, apenas manipulando o que viam no Facebook! O estudo foi publicado na prestigiosa “Proceedings of the National Academy of Sciences of USA”.

Mas as empresas não querem que nos apaixonemos por elas: querem apenas que compremos os produtos e serviços que elas promovem.

Como diz o ditado, “não existe almoço grátis”. Todas essas empresas nos oferecem uma infinidade de produtos incríveis aparentemente sem nenhum custo. Mas não se engane, se você não está pagando, você não é o cliente: você é o produto!

Somos influenciados, conduzidos, e sabemos disso. Mas continuamos cedendo nossa informação e usando os produtos, pois não dá mais para imaginar a vida sem eles. Ou alguém deixará de usar o seu smartphone, a mais perfeita máquina de coleta de dados pessoais, que carregamos conosco o tempo todo?

Tais empresas estão erradas em fazer isso? Provavelmente não. Elas realmente nos oferecem produtos e serviços incríveis (e um outro tanto de quinquilharias) sem que tenhamos que explicitamente pagar por eles. Mas isso tem um custo. Pagamos contando-lhes o que somos.

Se existe realmente uma ética, tudo tem limite. E é esse limite que diz se o que elas fazem é certo ou errado. Não há problema em fazer uma publicidade muito assertiva. O que não é aceitável é a manipulação das pessoas.

Então, da próxima vez que estiver usando seu smartphone ou a sua rede social preferida, tente manter o controle da sua experiência e não acredite piamente em tudo que vir. Será que você consegue?


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Outra maneira de encarar a intangibilidade do amor

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“Apaixonar-se é uma coisa louca: é uma forma de insanidade socialmente aceitável.” Isso é matéria-prima recorrente para poetas, psicólogos e qualquer um que se proponha a tentar entender a mente humana. Mas é possível se apaixonar por um software? E ainda ser correspondido?

A frase é do filme “Ela” (“Her”, 2013), em cartaz nos cinemas brasileiros e cujo trailer pode ser visto acima. Esse post não é uma crítica cinematográfica, e prometo tentar não fazer “spoilers”, mesmo porque recomendo fortemente que você o assista. Quero “apenas” discutir o que é necessário para que alguém ame e seja amado, uma das inúmeras questões levantadas por este surpreendente filme de Spike Jonze.

Não é difícil entender por que o protagonista, Theodore (Joaquin Phoenix), se apaixona por Samantha, a persona que habita o novo sistema operacional de seu computador, movida por uma inteligência artificial estupenda em um futuro próximo. Ela é praticamente a encarnação da mulher perfeita, exceto pelo fato de que não tem um corpo. Aparece apenas na voz de Scarlett Johansson. Como diriam os psicólogos, ela é a materialização (ops, ato-falho) das projeções mais íntimas de Theodore.

Não, Samantha não faz cegamente tudo o que seu “dono” quer. Pelo contrário, ela é incrivelmente “humana”, com sensações e emoções, que você pode até questionar se são reais ou não, pois Samantha é um programa. Mas todos esses sentimentos estão alinhados com os de Theodore, de uma maneira como ele nunca encontrou em nenhuma mulher real, nem mesmo em sua ex-mulher, com quem cresceu junto. De repente, parece que todos na sala de cinema estão apaixonados também, e ele e Samantha seriam feitos um para outro.

Talvez fossem até demais. Como ela sabe de tudo sobre ele? Bem, Samantha tem a sua disposição todos os rastros digitais deixados por Theodore: seus e-mails, suas registros em todo tipo de redes sociais, seu trabalho… virtualmente todo tipo de informação parametrizada ou desconexa de sua vida, guardada para sempre na Internet. E, graças à autorização de Theodore, Samantha teve acesso a tudo isso, para lhe oferecer “alguém” que atendesse a todas as suas necessidades, de uma maneira tão possível quanto seria para uma “pessoa”.

De forma alguma, estou querendo transformar Samantha em uma espécie de “cybermonstro”, que manipulou Theodore a partir de seus dados. Admito que, por alguns segundos, enquanto assistia ao filme, eu pensei que o fabricante daquele sistema operacional estaria com a mão sobre a vida de todos os seus usuários, de uma maneira assustadoramente completa. Será que Samantha, tão meiga e dedicada, compartilhou toda essa informação valiosa e pessoal de Theodore com seus criadores? Mesmo depois de ela se apaixonar por ele?

Definitivamente essa não é a proposta do filme, mas –ok– ele me fez pensar no Facebook, no Google e em tantas empresas que parecem nos conhecer cada vez mais, às vezes aparentemente melhor que nós mesmos. Compartilhamos até nossos desejos mais íntimos com seus algoritmos, em troca de uma experiência digital mais e mais eficiente e até mesmo prazerosa. Estamos metidos nisso. E felizes.

Não é a primeira vez que a ficção recria emoções absolutamente humanas em máquinas. A belíssima refilmagem de 2003 de “Battlestar Galactica”, com seus cylons “humanos”, capazes de amar e serem mais religiosos que os verdadeiros humanos, a série derivada “Caprica” (2009), com avatares idênticos às pessoas que representam puramente criados a partir dos “rastros digitais” deixados por elas, ou os replicantes do cult “Blade Runner” (1982) são bons exemplos. Há até o divertido “Amores Eletrônicos” (1984), em que um computador se apaixona por uma bela violoncelista (você pode assistir ao filme completo, legendado em português).

Todos esses filmes e seriados questionam não apenas o que é a humanidade, mas também o que é o amor e quem tem o direito de sentir isso. Poderíamos argumentar que algo que nos torna humanos é justamente o fato de nunca encontrarmos uma pessoa cujos sentimentos estejam completamente alinhados a nós mesmos, ao contrário de Theodore e Samantha. Duas pessoas diferentes nunca serão totalmente compatíveis. Mais que isso: nós mudamos continuamente e de maneira independente daqueles que eventualmente já chamamos de nossa cara-metade.

Mas talvez estejamos caminhando para um futuro como o de “Caprica”, “Galactica” ou “Blade Runner”, em que os algoritmos oferecerão às máquinas as nossas virtudes e os nossos defeitos, nossos desejos e nossos medos, nossas crenças e nossas incertezas.

E então, afinal, talvez elas amem verdadeiramente.

Bônus musical:

Selecionei duas músicas de “Ela” e de “Amores Eletrônicos”, que, para mim, sintetizam essas histórias. Divirtam-se!

  • “Ela”:

“The Moon Song”

“Photograph”

  • “Amores Eletrônicos”:

“Electric Dreams”

“Love Is Love”