Enciclopédia Britannica

O que ainda resta às editoras de livros didáticos?

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Tela do iBooks Author, software recém-lançado pela Apple que permite a qualquer um publicar livros digitais

Tela do iBooks Author, software recém-lançado pela Apple que permite a qualquer um publicar livros digitais

Segundo Arnaldo Saraiva, um dos maiores publishers do segmento, não lhes resta nada. Em carta publicada no blog de Luis Nassif ontem, ele constata que o advento do livro digital e a facilidade crescente para sua publicação permitem que o próprio autor crie as suas obras. E, segundo ele, “com qualidade superior aos das editoras”.

“O que uma editora de livros didáticos tem agora pra oferecer a seus autores”, pergunta o criador da área de didáticos da Editora Saraiva (além da Nova Geração e da AJS). Ele mesmo responde: “NADA, absolutamente NADA” (as letras maiúsculas são dele).

Bastou a carta ser publicada para acalorados debates pipocarem aqui e ali. Saraiva está sendo fatalista? Exagerado? As editoras nunca sumirão?

É curioso observar que as pessoas tanto mais discordavam dele quanto mais eram ligadas a essa mesma indústria. E não precisa ser gênio para explicar esse sentimento de autopreservação: ele está associado à resistência ao novo, especialmente quando quem está chegando se transforma em uma ameaça real. Isso se observa em todos os negócios e, no caso da indústria editorial, não apenas nos livros didáticos.

No caso específico da educação, algo que sempre me chamou a atenção é como as editoras menosprezam de maneira decisiva a Wikipedia, como se essa enciclopédia fosse totalmente constituída por verbetes escritos por trogloditas. E infelizmente os seus departamentos de marketing conseguiram incutir essa ideia nos educadores.

O fato é que a Wikipedia não é nada disso. Muito pelo contrário: apesar de, como qualquer obra, possuir imprecisões, ela é incrivelmente confiável, sem falar no volume inigualável de verbetes (normalmente mais completos que os de qualquer enciclopédia tradicional). Além disso, seus erros são equivalentes aos da aclamada Enciclopédia Britannica. E quem disse isso não fui eu: foi a Nature, provavelmente a publicação científica mais séria do mundo, que concluiu isso em estudo comparativo entre as duas enciclopédias.

O que está acontecendo com as editoras de livros didáticos acontece desde sempre. Toda nova tecnologia abre espaço para a substituição, com vantagens, de modelos aparentemente inabaláveis. Quem precisava de monges copistas depois que Gutenberg aperfeiçoou a prensa de tipos móveis? Ou de artesãos, quando os teares se uniram à máquina à vapor?

Ainda acompanhamos a tecnologia promovendo a queda inexorável de uma indústria extremamente sólida e lucrativa até há poucos anos: a fonográfica. Esse pessoal resiste bravamente a abandonar seu tradicional modelo de negócios, por mais anacrônico e ineficiente que tenha se tornado. Diante do seu imobilismo, preferem processar seus consumidores, ao invés de aprender com eles a se modernizar. Resultado: se já haviam sido abandonados pelos seus consumidores, agora começam a ser abandonados também pelos artistas, que podem viver melhor sem as gravadoras.

Reconheço e valorizo o trabalho dos profissionais que adequam os livros didáticos aos Parâmetros Curriculares Nacionais e às draconianas regras de aprovação para os Programas Nacionais do Livro Didático. Aposto que o Arnaldo também! Mas talvez o autores comecem a desenvolver essas habilidades, ou contratem diretamente os editores para lhes ajudar nessas tarefas. As empresas ficam de novo em xeque.

Em março de 2010, conversava sobre isso com um então diretor da Abril Educação. Lembro-me claramente de uma frase que disse: “se as editoras não se mexerem agora, em dez anos ninguém mais precisará de nós”.

Com a velocidade imposta pela tecnologia, talvez dez anos seja muito. Falou Saraiva.

Internet, essa “coisa malvada”

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O Culto do Amador, que sugere que a Internet vai acabar com tudo

O Culto do Amador, que sugere que a Internet vai acabar com tudo

A Veja desta semana publicou uma resenha sobre o livro “O Culto do Amador”, do cientista político britânico Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a ferrenho crítico da Internet. Na obra, tenta demonstrar como a Internet e especialmente o que se convencionou chamar de Web 2.0 se transformaram em um Caixa de Pandora do século XXI, capaz de, como diz logo na capa, “destruir nossa economia, cultura e valores”.

Pelo raciocínio de Keen, a possibilidade de qualquer indivíduo ser capaz de publicar conteúdo na Internet é aterrador. Essa liberdade toda destruiria coisas boas que nossas sociedades construíram ao longo da História, colocando um palpiteiro em pé de igualdade com especialistas. E mais: a rede aparece como destruidora do direito autoral e até como responsável pela crise dos jornais nos EUA.

Bem, como diria uma velha professora, “calma com o andor, que o santo é de barro”. A Internet é uma ferramenta que de fato nos dá poder para amplificarmos tudo o que somos. E isso vale para o bem e para o mal. Mas o bem e o mal não foram criados pela Internet: colocamos nela apenas o que somos (toda a sociedade). A Grande Rede funciona apenas como um espelho disso.

Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a crítico da Internet

Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a crítico da Internet

Keen cita a Wikipedia como o exemplo acabado da vitória da massa ignorante sobre os especialistas. E isso é absolutamente tendencioso! Não quero parecer um deslumbrado que acha que a Wikipedia é a “perfeição pelas mãos de todos”, mas todas as enciclopédias erram. O autor não citou (talvez tenha se esquecido) estudo feito pela Nature, a revista científica mais séria do mundo (e conduzida por especialistas), que concluiu que a Wikipedia e a Enciclopédia Britannica possuem proporcionalmente a mesma incidência de erros e imprecisões. Também conta meias verdades quando diz que as pessoas navegam completamente anônimas, livres para cometer todo tipo de crime e barbaridade.

Qual seria a “solução” para isso? Aceitar a idéia que Elton John teve em 2007, propondo o fim da Internet, pois ela estaria “destruindo a indústria musical e as relações interpessoais”? Acho que não. Gosto das músicas dele e lamento que ele esteja vendendo menos CDs, mas sempre temos -todos nós- que nos adaptar a mudanças. A Internet é só mais uma.

Para arrematar, Keen compara a Web 2.0 ao conceito de que, se um grupo de macacos batucasse infinitamente sobre máquinas de escrever, eventualmente comporiam uma obra coerente algum dia. Bom, prefiro 30 obras coerentes de um milhão de macacos que apenas uma feita por cem biólogos do zoológico. É um direito dos macacos e eles têm algo a dizer.

Mas talvez eu seja um pouco suspeito ao defender macacos 😉