Flipboard

Jeff Bezos mostra o caminho ao Washington Post (e à “mídia tradicional”)

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Fachada da sede do Washington Post, na capital dos EUA

Fachada da sede do Washington Post, na capital dos EUA

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” A frase (incorretamente) atribuída a Albert Einstein ajuda a explicar os frutos que o Washington Post vem colhendo sob a batuta de Jeff Bezos, dono da Amazon.

Quando anunciou a compra do jornalão em agosto de 2013 (concluída em outubro), o executivo disse que não se intrometeria na linha editorial, promessa que aparentemente cumpriu. Mas isso não quer dizer que ele não faria mudanças no Post: afinal, havia colocado US$ 250 milhões do próprio bolso em um negócio que estava naufragando pela incompetência de seus antigos gestores. E Bezos não é do tipo que joga dinheiro fora.

Uma das mudanças aconteceu justamente na redação. Ao contrário do que se vê em quase todos os jornais, o Post começou a contratar mais jornalistas –e bons jornalistas. Bezos não colocou o dedo no editorial, mas sabe que um conteúdo de qualidade é condição necessária (mas não suficiente) para o sucesso de um produto dessa indústria.

Em compensação, o criador da Amazon parece ter colocado todos os dedos em outras áreas do jornal, transformando um negócio moribundo em uma empresa revigorada. A primeira e mais importante das mudanças é uma marca da Amazon: “preste mais atenção em seus consumidores que em seus concorrentes”. Isso pode parecer óbvio para quem tem a cultura digital no sangue, mas os veículos tradicionais ainda se preocupam demais com os outros veículos. Esquecem-se que os verdadeiros concorrentes hoje nem sempre são eles; E pouco ou nada sabem de seu público. Quem são eles? O que gostam em seu produto? Como o consomem? Onde está o valor dele para cada pessoa (e cada um tem a sua preferência)?

Dessa forma, sob a orientação de Bezos, a equipe de tecnologia começou a alimentar a redação com uma infinidade de dados sobre seus leitores para a tomada de decisões outra característica da Amazon. Não se trata apenas de ajustar a pauta das edições, mas também como esse conteúdo será entregue para cada um de seus usuários.

Ubiquidade

Nesse ponto, vemos uma outra mudança interessante no Post: hoje é possível encontrar o seu conteúdo em uma grande variedade de devices e ambientes. A ideia é que o público tenha a sensação de que ele está em todos os lugares. Além de seu site e seus aplicativos, o Post hoje é distribuído por agregadores, como o Flipboard, e por portais, como a MSN. E –claro– o Post tem ótimo destaque nos devices Kindle, da própria Amazon. Versões digitais a um precinho camarada ou simplesmente de graça, de acordo com o caso.

O melhor conhecimento e entendimento de seu público também permitiu à equipe editorial refinar a promoção dos conteúdos, a exemplo de players nativamente digitais, como BuzzFeed, Vox e Vice. E pode apostar que ele também estará disponível nos Artigos Instantâneos do Facebook e no Apple News, quando esses estiverem amplamente disponíveis.

Os mais puritanos podem torcer o nariz para isso, dizendo que o jornal se rendeu “chamadas caça-cliques”. Isso é puro preconceito com novos formatos! Afinal, o que diferencia um post capaz de gerar engajamento de uma boa chamada na primeira página de um jornal exposto em uma banca? Os dois têm o mesmo objetivo: captar a atenção do leitor e convencê-lo a ler o conteúdo. Mas o formato das chamadas tradicionais tem pouco apelo nos meios digitais, especialmente nas redes sociais. Logo, não se trata de “caça-cliques”, e sim de adaptar a linguagem ao formato esperado nessa mídia.

Bezos quer que as pessoas leiam o Post, de um jeito ou de outro. Uma jogada comercial interessante foi a criação de uma rede de mais de 300 jornais regionais que dão acesso gratuito ao conteúdo digital do Post a seus assinantes. Não há troca de dinheiro entre o Post e os outros títulos, mas essa é uma combinação que aumenta o valor percebido das assinaturas desses títulos e injeta muita gente nova nas propriedades digitais do Washington Post. Fazendo uma “conta de padaria”, se apenas 5% dos mais de 10 milhões de assinantes desses jornais visitarem o Post, isso significa mais de 500 mil novos usuários.

Para receber toda essa gente, além dos usuários tradicionais do Post, muito investimento em tecnologia vem sendo feito. Não apenas em infraestrutura, mas também na construção de seus produtos para atender todos os formatos descritos anteriormente. Até o carregamento das páginas ficaram incrivelmente mais rápidas, se comparado ao da era pré-Bezos. Tudo para melhorar a experiência do público.

“Construa e eles virão”

O Washington Post não divulga informações financeiras, mas a sua audiência vem crescendo rápida e continuamente, como pode ser visto no gráfico abaixo, com dados da Comscore:

NYTxWP unique visitors

Além de praticamente dobrar a quantidade de pessoas que visitam seu site desde que Bezos assumiu a companhia, o Washington Post colou no antigo rival New York Times nessa métrica. Se as tendências de crescimento de ambos se mantiverem, o Post pode passar o Times no ano que vem.

Nesse cenário, vale destacar dois pontos importantes. O primeiro é que o Times acabou de comemorar a marca de um milhão de assinantes de sua versão digital, um feito memorável. O outro, favorável ao Post, é que seus usuários usam mais o celular para consumir seu conteúdo que os do Times. E isso é excelente, pois as pessoas usam cada vez menos desktops e notebooks, e cada vez mais smartphones e tablets.

Muitos podem questionar que audiência por si só não significa receita, ou pelo menos não o suficiente para manter a operação. Esse, aliás, é o dilema da maioria dos veículos de comunicação tradicionais, cujas receitas digitais crescem, mas estão longe de ser suficientes para compensar a queda dramática nas receitas “tradicionais”.

Mas Bezos é um empresário que sabe valorizar a visão de longo prazo. Sabe investir sem a ânsia de obter resultados rapidamente, para fortalecer suas empresas e viabilizar suas estratégias. Foi assim que construiu a Amazon. E pode estar fazendo o mesmo com o Post.

Ele sabe que a única maneira de atrair o público é oferecendo algo que eles queiram, da maneira que gostem, até que faça sentido o pagamento. E assume o risco que nem sempre acertará. Mas, como costuma dizer, “se você dobra seus experimentos, você duplica sua inventividade”.

A única coisa inaceitável é manter tudo do mesmo jeito e esperar um resultado diferente. Exatamente o erro que a mídia tradicional insiste em cometer. Aposto mais no modelo Amazoniano.

O conteúdo tem que tomar seu rumo. Ou por que as bancas de jornal morreram

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Telas do Apple News (à esquerda) e do Flipboard

Telas do Apple News (à esquerda) e do Flipboard

Quando foi a última vez que você foi até uma banca para comprar um jornal? As respostas da maioria das pessoas que estiverem lendo isso provavelmente variarão de “há muito tempo” a “nem me lembro”.

Várias são as causas disso, mesmo entre aqueles que já foram ávidos consumidores de jornais. Mas uma delas é fundamental e crescente: apesar de nunca terem consumido tanta notícia como agora, cada vez menos as pessoas ativamente buscam por esse conteúdo. Acontece exatamente o contrário: a notícia precisa encontrar o caminho até seu público e se apresentar a ele da melhor maneira possível.

E não vale qualquer conteúdo. As pessoas querem consumir um noticiário que lhes interesse, sem ter que levar junto um monte de coisas “desinteressantes”. O problema é que o conceito de “interessante” varia de indivíduo para indivíduo e, mais que isso, varia dentro do mesmo indivíduo, de acordo com o seu momento.

Por exemplo, alguém que goste de futebol (não um fanático) fica mais interessado no noticiário esportivo nos dias dos jogos do seu time, e eventualmente dos times rivais. Notícias dos demais times não lhe são tão interessantes. Além disso, a relevância desse assunto diminui nos outros dias.

Outra mudança de comportamento interessante é a flexibilidade sobre a origem do noticiário. Os leitores costumavam assinar um jornal ou uma revista porque se identificavam com sua linha editorial. Hoje as pessoas misturam, dentro da sua experiência informativa, conteúdos da Veja e da Carta Capital sem o menor problema, desde que isso lhes faça sentido naquele momento.

Apenas no meio digital podemos encontrar conteúdos de fontes tão distintas lado a lado, como se fossem de uma mesma revista.

O renomado Pew Research Center publicou, no dia 14, um estudo que coloca em números como as pessoas mais e mais usam redes sociais como fonte de noticiário jornalístico: o Twitter e Facebook servem para isso para 63% dos americanos (era respectivamente 52% e 47% há dois anos).

O Facebook percebeu isso, com os “artigos instantâneos”. O Twitter também, com seu “Projeto Lightining”. E, mais recentemente, a Apple sacou que o futuro não está em ficar distribuindo edições digitais de publicações consagradas, e sim em entregar seus conteúdos de maneira desintegrada, com foco na experiência do consumidor.

Ruim para as marcas, salvação para os veículos

A novidade recém-anunciada pela empresa da maçã é o Apple News, um aplicativo que integrará a próxima versão do sistema operacional dos iPhones e iPads, o iOS 9. Seu design e sua tecnologia lembram as do consagrado Flipboard, criando uma elegante publicação dinâmica e totalmente individualizada, misturando conteúdo de diferentes fontes, selecionados e organizados de acordo com os gostos de cada usuário.

Seu modelo de negócios é o mesmo dos também recém-lançados “artigos instantâneos” do Facebook. Assim como nesses, apesar de suas páginas serem inteiramente construídas com noticiário de outros veículos, elas não exibirão nenhum dos anúncios que estiverem em seus sites de origem, apenas peças vendidas especificamente para o Apple News. Se o vendedor for o próprio veículo, ele fica com 100% da receita; se a venda tiver sido feita pela Apple, ela abocanha 30%.

A diferença fundamental entre os serviços da Apple e do Facebook é que o primeiro rodará encapsulado em um aplicativo, considerando as preferências do indivíduo, enquanto o segundo funciona dentro do próprio Facebook, com seus diversos critérios de relevância e uma presença quase ubíqua na vida dos internautas. O serviço do Zuckerberg leva vantagem.

Mas há também uma semelhança fundamental: nos dois casos, a percepção do usuário é que ele está consumindo o noticiário “no Apple News” ou “no Facebook”, ao invés de “no Estadão”, “na Globo”, “na Folha”, “na Veja”, “na Carta Capital”, “no The New York Times”.

Crescemos aprendendo a confiar e até a gostar dessas marcas. Eram referências de confiabilidade e sabíamos, de alguma maneira, o que encontraríamos em suas páginas. Mas quanto isso é realmente importante hoje para o usuário?

Essas mudanças no comportamento das pessoas são devastadoras para as marcas das empresas de comunicação, mas pode ser a salvação para os veículos tradicionais, que estão caindo um a um, como castelos de cartas (nesta sexta, 17, mais um jornal deixou de circular: o Brasil Econômico). E isso acontece não porque a qualidade de seu produto piorou (ok, isso também aconteceu em muitos deles), mas porque seus antigos leitores hoje estão consumindo noticiário de outras fontes, especialmente de algumas que sequer existiam há alguns anos. Como explicaria Darwin, sobrevive não o mais forte, e sim o mais adaptado às mudanças.

Os veículos correm, portanto, riscos ao publicar nessas plataformas. Mas eles simplesmente não têm alternativa, dada a sua incompetência em se adaptar aos novos tempos: terão que se render aos fatos para continuar vivos.

Continuam achando que suas marcas e sua história são suficientes para atrair os usuários. Continuam achando que a cobrança pelo conteúdo e a venda de publicidade do impresso podem ser transferidos com pequenas mudanças para o meio digital e dar certo. Continuam achando que um “paywall poroso”, como o do The New York Times pode salvar suas operações. Mas nada disso é verdade, e até o aclamado paywall só deu certo no NYT porque ele é apenas uma engrenagem de uma sofisticada estratégia de produto que conseguiu até mesmo angariar novos assinantes para o jornal impresso. O paywall sozinho não funciona.

Ponto sem retorno

Os veículos há muito tempo passaram do “ponto sem retorno” da migração para o digital. Parece ridículo dizer isso a essa altura do campeonato, mas deixa de ser se vemos que insistem em fazer tudo como antes e achar que as coisas vão se acertar magicamente.

Esses veículos não morreram, não ainda, e podem se salvar. Mas precisam primeiramente aceitar que nunca mais ganharão dinheiro como ganhavam antes, e certamente não com os mecanismos de antes. Tampouco voltarão a ter a relevância e a influência que tiveram.

Nessa realidade que vivemos, precisam aprendem a abraçar genuinamente o meio digital, e pulverizar e superdistribuir seu conteúdo, ganhando migalhas por cada exposição, mesmo daquelas que apareçam lado a lado às do seu mais ferrenho concorrente. E assim, de grão em grão, a galinha pode voltar a encher o papo.

“O conteúdo é rei” é uma tremenda balela

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Redação de The New York Times em 1942 - Foto: Marjory Collins/Biblioteca do Congresso dos EUA

Redação de The New York Times em 1942

Há quase vinte anos, eu ouço a tese do “conteúdo é o rei”, que um bom editorial seria suficiente para levar um veículo ao sucesso, dito pelos coleguinhas quase desprezando outras áreas da empresa, como o comercial e a estratégia. Mas um extenso documento interno de The New York Times, que vazou na semana passada, mostra que isso é um engodo, mentira, bullshit.

Não estou dizendo, jamais diria, que o conteúdo editorial não é importante. Porém a queda contínua dos veículos tradicionais, principalmente os impressos, diante de produtos digitais inovadores escancara a realidade de que um ótimo conteúdo está longe de ser suficiente para o sucesso. Nem mesmo The New York Times, casa de um jornalismo premiadíssimo, escapa dessa verdade.

O referido documento do Times, que muito bem serve para praticamente todos os grandes veículos impressos, pinta uma empresa que sofre para se adaptar à realidade digital, e experimenta grandes perdas em audiência e receita por conta disso. Mais dramático ainda, o relatório demonstra que o fato de o jornal se preocupar muito com o seu jornalismo, relegando a um segundo plano a evolução de uma estratégia digital robusta e consistente, corroi a sua credibilidade e ameaça sua sobrevivência.

Produzido por um grupo liderado por Arthur G. Sulzberger, filho de Arthur Ochs Sulzberger, publisher do NYT, o documento coloca o dedo em várias feridas, começando pelo fato que toda a sua estrutura de produção continua girando em torno da versão impressa. A ideia de ser “digital first”, que muitos veículos enchem a boca para promover em eventos e peças de marketing, não passa de um discurso vazio, que não encontra eco no dia a dia. E a resistência maior vem da Redação, que encara propostas de mudança em seu produto e na maneira de realizá-lo como uma “ameaça a sua independência”, o que poria em risco a qualidade.

O relatório chega a mencionar a dificuldade de integrar as equipes editoriais, técnicas e de estratégia, quase como se fossem concorrentes. O velho mantra da “separação igreja-estado” é invocado. Para quem nunca ouviu falar disso, o conceito visa impedir que interesses comerciais interfiram nos editoriais. O exemplo clássico é garantir à Redação a prerrogativa de publicar notícias ruins sobre uma empresa, mesmo que ela seja o maior anunciante do jornal.

Mas, nesse caso, isso não se aplica. Ninguém está propondo que a qualidade do jornalismo seja minimamente ameaçada por interesses “obscuros” de outros departamentos da empresa. Pelo contrário, os jornalistas precisam ter, antes de tudo, a humildade de aceitar que outros profissionais podem indicar o caminho que toda a empresa deve trilhar, diante de movimentos não apenas dos concorrentes, mas também de seus próprios clientes: os leitores.

Curiosamente, a única grande inovação do NYT nos últimos anos não veio da Redação, e sim da área de negócios: o seu “paywall poroso”. Resumidamente, permitindo que qualquer um tenha acesso gratuito a uma quantidade restrita de notícias a cada mês, eles propuseram uma maneira criativa que garantiu que 90% de seus internautas continuassem acessando suas páginas sem qualquer mudança (o que garantiu a manutenção da receita publicitária vinculada à audiência), enquanto aumentou consideravelmente o total de assinaturas digitais e até mesmo do jornal impresso.

O problema é que, de março de 2011 para cá, o conceito de assinatura, que já andava bem mal das pernas, se enfraqueceu ainda mais. Com a consolidação do consumo ubíquo de conteúdo em dispositivos móveis, as pessoas não querem mais se sentir “aprisionadas” a um veículo, pagando antecipadamente por muita coisa que não usarão. O consumidor de conteúdo atual, que absorve isso vorazmente como nunca, quer que tudo chegue a ele com qualidade, onde estiver, quando quiser e ainda referenciado pelos seus amigos. Se essas exigências forem atendidas, pouco importa a origem do conteúdo: pode ser o NYT ou um completo desconhecido que domine o assunto.

Não é de se espantar, portanto, o sucesso de agregadores, como o Flipboard. Da mesma forma, não é nenhuma surpresa a derrocada dos veículos tradicionais. E a culpa disso não cabe à Internet, aos agregadores, ao Google ou ao Facebook. Cabe aos próprios veículos, que continuam produzindo e distribuindo seu conteúdo como nos tempos em que eram a única fonte de conteúdo de qualidade.

Felizmente (para os usuários) ou infelizmente (para os veículos tradicionais), esse tempo é passado.O jornalismo do NYT é algo memorável e espero sinceramente que a “dama cinzenta” consiga reagir e promover as mudanças necessárias para continuar existindo. Cabe apenas a eles mesmos –e a todos os veículos agonizantes– a solução.

O incômodo charme dos agregadores

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Conteúdo do Estadão exibido no Flipboard

Conteúdo do Estadão exibido no Flipboard

Quando o Flipboard foi eleito o aplicativo do ano de 2010 pela própria Apple, muita gente torceu o nariz. Não pelo programa em si, que se transformou em um símbolo do iPad, mas porque é apresentado como um “aplicativo de notícias”. A turma da gritaria são as empresas de comunicação, e o motivo é o fato de o Flipboard não produzir nenhum conteúdo.

Oras, como um produto que apenas exibe material noticioso de outras fontes poderia ser classificado como “aplicativo de notícias”? Daí a dizer que o Flipboard “rouba conteúdo” foi um pulo. E a acusação não é nova: o primeiro grande produto a ser chamado de “ladrão de notícias” foi o Google News.

Mas ninguém está roubando nada de ninguém. O Flipboard é o que se convencionou chamar de “agregador”, ou seja, um programa que agrega conteúdos de diferentes fontes escolhidas pelo usuário, exibindo-as de maneira conveniente para ele. O agregador não “invade” sistemas das fontes de conteúdo para obtê-lo: apenas se vale de recursos oferecidos por elas mesmas, como seu Twitter ou RSS.

Enquanto esses programas exibiam tais conteúdos seguindo os critérios definidos pelos seus autores, estava tudo bem. O que a nova geração de agregadores, que tem no Flipboard a sua estrela mais brilhante, faz –e isso incomoda– é reorganizar esse conteúdo seguindo critérios próprios e com um visual refinado, normalmente muito melhor que produtos dos donos dos conteúdos. Dessa forma, cada usuário ganha uma edição só sua, com os conteúdos organizados conforme o seu interesse e popularidade dentro de sua rede de amigos.

Trocando em miúdos, os agregadores distribuem o conteúdo jornalístico de maneira muito mais eficiente que as fontes desse conteúdo. E assim as pessoas passam a ler tais conteúdos nos agregadores, e não nos sites ou aplicativos dos veículos originais. Isso causa um problema editorial e um problema econômico. O primeiro acontece porque o agregador desmantela toda a estrutura noticiosa e hierarquia definida pelos editores e as recria seguindo seus próprios critérios, normalmente baseados em relevância social. O segundo se deve ao fato de muitas vezes o usuário se bastar com o lide da notícia exibida no próprio agregador, não chegando a clicar no link oferecido pelo programa para a notícia no site de origem, que perde em suas métricas (não conta page views, unique visitors e afins) e no dinheiro, pois seus banners não são exibidos.

E então os veículos batem o pé e posam de vítimas, como velhas cujas bolsas são continuamente levadas por trombadinhas, dia após dia. Reclamam do sintoma, mas se recusam a atuar na causa do problema: alguém faz parte do seu trabalho –a distribuição– melhor.

Com o Google, os grandes jornais fizeram um acordo para que o Google News parasse de usar seu conteúdo. Isso de fato aconteceu, mas tais sites também perderam completamente a sua relevância no buscador da empresa, seu carro-chefe. Ao fazer um busca pelos 18 anos da morte de Ayrton Senna, completados ontem, a página de resultados destaca notícias da “Tribuna do Norte”, “Paraíba.com.br”, “Portal AZ”, “Gazeta de Alagoas”, “Região Noroeste”… Nada de “Estadão”, “Folha”, “O Globo”, por exemplo. Perde o usuário, que não recebe um resultado com conteúdo potencialmente melhor, perde o veículo, que não ganha a audiência oferecida pelo navegador.

As empresas de comunicação sofrem, portanto, do que eu chamo de “síndrome de Vera Cruz”, referência ao estúdio de cinema brasileiro, que brilhou nos anos 1950. Apesar da qualidade de suas produções, com filmes premiados internacionalmente, o estúdio durou míseros quatro anos. Entrou em decadência justamente por não ter uma boa distribuição, que acabava ficando nas mãos das empresas norte-americanas. Produzia um ótimo conteúdo, mas ficava apenas com uma parcela menor da receita.

As empresas de comunicação precisam, portanto, reaprender a distribuir o que produzem. E isso significa subverter uma logística cujas origens remontam ao século XIX. Precisam ser mais Flipboard e menos Vera Cruz.

O fim da mídia em edições

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Foto: Melbeans

Entre debates no palco do Itaú Cultural e animadas conversas com colegas que também participaram do MediaOn 2011, que lá aconteceu entre os dias 22 e 24, um conceito começou a tomar uma forma mais consistente: talvez a mídia como conhecemos, organizada em edições, esteja chegando ao fim.

A divisão do noticiário em exemplares bem delimitados e organizados por um período de tempo é tão antiga quanto o jornalismo formal. Tanto que jornais e revistas são conhecidos por “periódicos”. E isso sempre fez sentido, para que o produto tivesse tempo de ser produzido. No caso de impressos, ainda é necessário, para que haja tempo para que os exemplares saiam da gráfica sejam entregues. Também funciona bem para rádio e telejornais, que têm que se enquadrar nas grades da programação.

Mas por que teria que ser assim no jornalismo digital? Uma coisa que a Web decretou há mais de uma década foi o fim do conceito de “fechamento”. Ou seja, não há mais uma edição formalmente definida para os produtos jornalísticos na Internet: sempre que o usuário chega a um veículo digital, potencialmente encontra um noticiário renovado, mesmo que o visite várias vezes no mesmo dia. Por isso, da mesma forma que as edições fazem sentido para as outras mídias, elas não fazem na Internet. E quem sai ganhando com isso e o usuário, que tem no digital um jornalismo que, pela primeira vez, combina a agilidade do rádio com a profundidade do impresso.  Qualidades que tornam o jornalismo na Web incomparável e que já estão totalmente incorporadas no cotidiano de usuários e profissionais.

Mas desde que o fenômeno dos tablets se consolidou, tenho observado paradoxalmente uma retomada das edições, agora em formato digital. Começou com os aplicativos das revistas, o que até dá para ser explicado: os publishers viram no iPad um dispositivo com formato e tamanho compatível com suas edições em papel. Sem pensar muito, simplesmente transpuseram seus produtos em papel para os tablets.

O problema é que essa “mania” se disseminou e hoje se vê todo tipo de publicação para tablets organizada dessa forma. A quem interessa isso? Eu apostaria que não ao usuário, pois, apesar de uma diagramação supostamente criada para esses dispositivos (o que é uma falácia), invariavelmente esses produtos são piores que os websites dos mesmos veículos. Vejamos:

  • no caso de jornais, o conteúdo é atualizado apenas uma vez por dia; em revistas, a atualização é semanal (ou quinzenal, mensal ou ainda pior); nos websites dos mesmos veículos, isso acontece continuamente;
  • os arquivos das edições costumam ser enormes e o usuário é obrigado a baixá-la integralmente (mesmo que não as leia inteiras), o que exige muito tempo para download e ocupa grande espaço na memória do tablet; os websites carregam quase instantaneamente e apenas o que o usuário se interessa, sem ocupar a memória;
  • apesar do enorme download, o conteúdo dessas edições digitais costuma ser limitado, enquanto os websites têm um conteúdo muito mais amplo que o “veículo-mãe”;
  • esses aplicativos oferecem pouca ou nenhuma integração com redes sociais, dificultando o compartilhamento de conteúdo e qualquer tipo de interação entre os usuários; os websites, por outro lado, são amplamente “comunitários”, o que cria uma experiência muito mais rica (e, de quebra, aumenta a audiência do próprio site);
  • as edições digitais também costumam oferecer muito menos conteúdo multimídia ou interativo que o website;
  • o navegador Web do tablet está ali, a um clique, oferecendo ao usuário toda a Web, inclusive o site do veículo.

Parece que um monte de coisas muitíssimo interessantes que foram aprendidas em 17 anos de jornalismo na Web está sendo relegado ao ostracismo.

Dá para cobrar?

O fato é que os publishers veem nos tablets uma maneira interessante de voltar a cobrar pelo seu conteúdo, uma capacidade que perderam ao longo desses anos. E as edições digitais ajudam nessa tarefa, pois é mais fácil cobrar por algo delimitado, que claramente seja entregue, que por algo amorfo e ilimitado, como é o caso do noticiário na Web.

A questão é: as pessoas pagam por isso? Os produtos nesse novo formato apontam para uma resposta negativa. Mesmo o The Daily, filhote de um impressionante esforço conjunto da News Corp e da própria Apple, e anunciado como o primeiro veículo jornalístico criado especialmente para o iPad, vem acumulando prejuízos.

Confesso que eu acreditava que o diário fosse dar certo, por ser bem construído (bem acima da média do que se vê por aí), além de oferecer uma assinatura relativamente barata: US$ 0,99 por semana ou US$ 39,99 por um ano inteiro. Mas essas virtudes não foram suficientes para convencer as pessoas.

Mais bem sucedido é o The New York Times, com seu “paywall”, lançado em março. Resumindo o seu funcionamento, por US$ 35 por mês, você tem acesso a todo o conteúdo digital do website e também aos aplicativos para smartphones e tablets. Usuários não-pagantes podem ver apenas 20 páginas por mês. E, se assinar o jornal impresso pelos mesmos US$ 35 mensais, também tem acesso irrestrito a todos os conteúdos digitais. O resultado: um expressivo aumento nas assinaturas digitais… e também do impresso!

Não há nenhuma novidade nessa história: como sempre as pessoas pagam apenas por aquilo que elas veem valor.

Edições X experiência informativa

Esse imbróglio foi debatido exaustivamente no Media On e no seminário internacional da INMA (International Newsmedia Marketing Association), que também aconteceu em São Paulo na semana passada. Ambos eventos apontaram para um futuro que implica na criação de uma nova experiência informativa para os leitores.

Para Meg Pickard, diretora de engajamento digital do britânico The Guardian e responsável pela melhor palestra do MediaOn, tal experiência passa por um noticiário contínuo e permanente, construído junto com o usuário. No Guardian, todo o processo é aberto para o público, que tem chance de participar, a ponto de a pauta que está sendo trabalhada ser divulgada na Web. Pickard até deu um nome para esse formato: “mutualização”.

Earl Wilkinson, diretor executivo da INMA, sugere que os veículos devem se preocupar em ampliar a experiência do produto em torno de sua marca. Não se trata apenas de re-empacotar um veículo já existente dentro de um novo formato, e sim criar produtos jornalísticos completamente novos em torno da marca. Novos e –por que não?– desagregando o conteúdo, substituindo as edições por material empacotado automaticamente para os gostos de cada usuário ou segmentados por assunto.

As oportunidades estão diante de todos, ao alcance das mãos. Não é de se admirar que agregadores como o Flipboard, Zite ou Pulse façam tanto sucesso entre usuários dos tablets: as pessoas não querem edições, buscam comodidade, compartilhamento, personalização e noticiário realmente quente.