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Sameer Samat, diretor de produtos do Android, apresenta novidades de segurança do sistema durante o Google I/O 2024 - Foto: reprodução

Criminalidade brasileira transforma smartphones e inteligência artificial

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A semana passada foi pródiga em lançamentos na área de tecnologia, fortemente impulsionados pela inteligência artificial. Em meio a tantas novidades, alguns recursos de cibersegurança me chamaram atenção, porque podem ajudar muito no combate à criminalidade digital no Brasil ou até foram explicitamente criados para atender a demandas de usuários de nosso país.

Na terça (14), o Google anunciou, durante seu evento anual Google I/O, um grande pacote de novidades na sua plataforma de inteligência artificial Gemini e no sistema operacional Android. No dia anterior, a OpenAI mostrou o novo cérebro do ChatGPT, o GPT-4o, que se aproxima incrivelmente da capacidade conversacional humana, incluindo reconhecimento em tempo real de texto, áudio e vídeo.

As referidas novidades de segurança fazem parte do novo Android. Uma delas automaticamente travará o smartphone no caso de roubo pelas infames “gangues de bicicleta”, que assombram os brasileiros, especialmente em São Paulo. A outra tentará identificar, em chamadas por voz, possíveis golpes, avisando imediatamente a vítima para que não acredite na mentira. A IA é o motor de ambos os recursos.

Fiquei feliz ao saber dessas funcionalidades! Tristemente, há anos o brasileiro se obriga a limitar o uso de tecnologias revolucionárias pela ação de criminosos. É o caso de restrições ao Pix, de andar com smartphones sem todos os aplicativos e até de não poder usar caixas eletrônicos de madrugada.

Já passa da hora de as big techs se envolverem na solução desses problemas!


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O nome do recurso contra as “gangues de bicicleta” é “Bloqueio de Proteção Contra Roubo” (“Theft Protection Lock”). Durante o Google I/O, Sameer Samat, diretor de produtos do Android, disse que esteve no Brasil no ano passado para conversar com a equipe local da empresa e com autoridades sobre essa modalidade de roubo, que faz um número assombroso de vítimas, especialmente para usar aplicativos bancários para desvio de valores e redes sociais para aplicar golpes em nome das vítimas.

Com a novidade, quando a IA do smartphone identificar uma mudança brusca de movimento, seguida de um padrão que indique um deslocamento por bicicleta, o smartphone será bloqueado. Essa identificação acontece por uma combinação de sensores do aparelho, inclusive do seu acelerômetro.

Já a ferramenta contra golpes telefônicos funciona com a inteligência artificial monitorando continuamente as conversas do usuário com alguém ligando de um número desconhecido, procurando por frases suspeitas. No palco do Google I/O, Dave Burke, vice-presidente de engenharia do Android, simulou uma conversa em que o interlocutor dizia ser funcionário do seu banco, sugerindo que ele transferisse seu dinheiro para outra conta por supostas atividades suspeitas na sua. Nesse momento, o aparelho tocou um alerta sonoro e a tela exibiu uma mensagem que dizia que “bancos nunca pedirão para transferir seu dinheiro para sua segurança.”

Outro recurso de segurança apresentado oculta mensagens e notificações com informações sensíveis, senhas ou autenticações em dois fatores. O objetivo é evitar que, no caso de o smartphone ser clonado ou de sua tela estar espelhada em outros dispositivos, criminosos tenham acesso a essas informações confidenciais.

Burke disse que as pessoas perderam mais de US$ 1 trilhão em golpes digitais no ano passado, em todo o mundo. Esse número astronômico faz sentido: apesar de os bandidos ainda poderem ser presos eventualmente, a chance de isso acontecer é muito menor que em assaltos a bancos, além de muito menos arriscados.

Esses novos recursos de segurança farão parte da versão 15 do sistema operacional Android, que deve ser lançada no final do ano, mas também devem chegar a smartphones com Android a partir da versão 10. Ainda não foi definida a data para essa atualização.

 

Proteção pela IA

Os golpes digitais crescem a olhos vistos: a toda hora, surge uma nova modalidade, aproveitando-se de falhas dos sistemas e especialmente da inocência e inexperiência dos usuários. E os smartphones são o principal canal para sua execução.

Os bancos ficam em uma situação bastante cômoda diante desse gravíssimo problema. Argumentam que a culpa é do seu cliente e raramente ressarcem os valores. Na verdade, a pessoa é a vítima e os aplicativos dos bancos fazem pouco para protegê-la. Essa postura se assemelha a dizer que o correntista seria culpado por fazer um saque no caixa em uma agência com um bandido lhe apontando uma arma para sua cabeça.

As autoridades tratam o problema como caso de polícia, mas isso é insuficiente para eliminá-lo pelo absurdo volume de ocorrências. Adotam também medidas paliativas, como impedir o uso de caixas eletrônicos de madrugada, pelos sequestros-relâmpago.

As big techs, particularmente o Google e a Apple, criadoras dos sistemas operacionais de todos os smartphones do mundo, há anos lançam recursos para minimizar o problema, mas eles também são claramente insuficientes. Os cibercriminosos conseguem superar muitas dessas barreiras tecnológicas, o que chega a ser assustador, considerando os milhões de dólares investidos no seu desenvolvimento desses recursos.

Agora a inteligência artificial desponta como uma esperança para equilibrar essa balança. De fato, ela consegue oferecer aos smartphones habilidades até então inimagináveis, em diversas atividades.

As big techs desempenham um papel absolutamente central na solução do cibercrime, pois ele acontece usando suas tecnologias e plataformas. Mas isso não desobriga as autoridades e os bancos de se empenharem muito mais na busca por saídas, assumindo a responsabilidade que têm na segurança do cidadão e dos próprios clientes. Jogar a culpa no outro é uma atitude preguiçosa e vergonhosa!

Já não é de hoje que os smartphones se tornaram o centro de nossas vidas, pois fazemos uma grande quantidade de atividades com eles. Sem segurança, todas essas ferramentas ficam comprometidas. Por isso, esses recursos agora anunciados são muito bem-vindos. Esperamos apenas que os cibercriminosas não consigam superar também essas proteções.

 

Inteligência artificial pode deixar o mundo mais seguro e também perigoso

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Como de qualquer ferramenta, os resultados da inteligência artificial dependem das ações de quem a utiliza. Pessoas que fazem usos positivos dela produzirão bons frutos. Já as de má índole podem causar danos profundos. Com seu poder disruptivo, essas consequências podem ser críticas! Esse foi o tema de um dos principais painéis do Web Summit Rio, um dos mais importantes eventos globais de tecnologia, mídia e inovação, que aconteceu no Rio de Janeiro, de terça a quinta da semana passada.

Um dos problemas deriva de a IA oferecer mecanismos para se alterar a realidade ou criar mentiras muito convincentes. Isso abre incontáveis possibilidade de golpes, ameaçando indivíduos, empresas e sociedades inteiras, como no caso de eleições. “Se a confiança for perdida, ficará muito difícil continuar inovando em coisas boas na IA”, disse no painel o estoniano Kaarel Kotkas, CEO da empresa de segurança Veriff.

Felizmente a mesma IA oferece recursos para combater essas ameaças. “A gente precisa pensar que seremos cada vez mais uma sociedade baseada em tecnologia”, me disse no evento Cesar Gon, CEO da empresa de tecnologia CI&T. “É importante acompanhar para onde a tecnologia vai e criar limites, mas garantindo que a ciência e a tecnologia continuem evoluindo para resolver os problemas humanos”, explicou, ressaltando que a IA deve sempre estar alinhada com os interesses da sociedade.

Diante de tanto poder computacional, chega a ser irônico que a maioria dos golpes não envolva invasão de sistemas. O elo mais frágil na segurança continua sendo o ser humano, enganado de diferentes maneiras para que repasse informações pessoais (como senhas) ou realize ações prejudiciais, uma técnica chamada de engenharia social. O que muda nisso com a IA é que os procedimentos para confundir as pessoas se tornam mais convincentes, difíceis de se identificar, e agora atingem muita gente, para aumentar a chance de fazerem suas vítimas.


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Esse é um dos grandes desafios da sociedade atualmente. Qualquer pessoa, mesmo alguém que domine a tecnologia, pode cair em golpes. Sua solução passa necessariamente pela educação dos usuários, mas também pelo comprometimento de empresas –de big techs a startups– para um desenvolvimento responsável dessas soluções, e de autoridades que criem regras claras para garantir isso.

Nesse cenário, técnicas tradicionais de proteção digital perdem eficiência. Mesmo autenticações em dois fatores –quando, além da senha, o usuário se autentica por um segundo método– podem expor pessoas e empresas. As companhias precisam adotar abordagens em camadas e usar múltiplas tecnologias, como autenticação avançada, verificação de dispositivos e incorporação preventiva de IA para detectar fraudes.

Os dados dos usuários valem ouro para os bandidos, mas também são importantes para sua identificação mais precisa. As empresas precisam ser transparentes sobre como serão usados, para que as pessoas se sintam confortáveis em compartilhá-los.

“Quando elas entendem esse valor, podem tomar uma decisão muito melhor sobre se querem compartilhar seus dados, para terem mais segurança”, disse no mesmo painel André Ferraz, CEO da empresa de identificação Incognia. “Se nós não formos capazes disso, as pessoas poderão deixar de acreditar na Internet”, concluiu.

As grandes empresas de tecnologia têm um papel decisivo na construção dessas boas práticas e na educação do mercado, até mesmo porque elas têm muito a perder se a situação se deteriorar para um cenário de desconfiança generalizada. “É essencial para elas perceberem que ignorar a importância de construir confiança e segurança em seus sistemas poderia prejudicar sua capacidade de implementar amplamente a tecnologia no futuro”, me explicou Kotkas. “Negligenciar isso poderia resultar em grandes repressões regulatórias e interromper o progresso na criação de novas tecnologias.”

A inteligência artificial também potencializa muito outro câncer social que se disseminou pelas redes sociais: a desinformação. O assunto foi abordado em diversas apresentações no Web Summit Rio, e ganha muita força em nesse ano, quando as maiores democracias do mundo realizarão eleições, incluindo municipais no Brasil, presidenciais nos EUA e gerais na Índia, país mais populoso do mundo, cujo pleito começou na semana passada e se estenderá por seis semanas.

 

Absurdos possíveis

As plataformas atuais de inteligência artificial tornaram muito mais fáceis, rápidas e baratas as confecções de deep fakes, técnica capaz de criar áudios, fotos e vídeos de pessoas realizando ações e dizendo coisas que nunca fizeram. Ela já existe há alguns anos, mas antes exigia equipamentos caros e bom conhecimento técnico, o que a tornava uma aplicação de nicho. Agora não é mais assim!

“Nas próximas eleições, o maior desafio não são as imagens, mas os áudios”, advertiu em outro painel Renata Lo Prete, editora-chefe do Jornal da Globo. “Com apenas um ou dois minutos da voz real de alguém, é possível criar um áudio falso perfeito, por menos de US$ 5 e em menos de cinco minutos, uma questão crítica, especialmente no Brasil, líder em trocas de mensagens pelo WhatsApp”, explicou.

Isso já acontece! Na eleição presidencial argentina, as equipes dos candidatos que foram ao segundo turno, o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei, fizeram amplo uso da IA para atingir as imagens dos adversários. Em outro caso internacional, americanos receberam ligações com a voz do presidente Joe Biden dizendo para que não votassem nas eleições primárias. E por aqui, um áudio com a voz do prefeito de Manaus, David Almeida, fazia ofensas contra professores. Tudo isso era falso!

Os diversos agentes da sociedade precisam se unir para que a IA seja usada de maneira positiva, sem “cortinas de fumaça” que mascaram interesses de um ou outro grupo. “Esse debate se misturou com uma visão bastante ingênua de fim do mundo, que nos afasta de discutir os reais impactos, que são a natureza do trabalho, os empregos, segurança, privacidade, ética e os algoritmos viciados”, explicou Gon.

“Nesse momento, talvez alguns humanos estejam procurando algo mágico”, disse o americano Todd Olson, CEO da empresa de software Pendo, em outro painel. “Não precisamos de mágica, mas de saber exatamente o que acontece, para que possamos aumentar a confiança na tecnologia”, concluiu.

Não dá para fugirmos desse debate, que nos envolve a todos cada vez mais. Gostemos ou não, a inteligência artificial se tornou nossa parceira. Por isso, ela precisa ser confiável e segura.


Assista e esse vídeo relacionado:

Íntegra da entrevista com Cesar Gon, CEO da CI&T

 

Cena de “Black Mirror”, em que se vê o implante ocular digital que aparece em vários episódios, com usos diversos - Foto: Reprodução

IA traz as coisas mais legais e mais sinistras de “Black Mirror” para o nosso cotidiano

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Você gostaria de ter a sua disposição algumas das tecnologias de “Black Mirror”, que praticamente dão “superpoderes” a seus usuários, mesmo que isso possa lhes trazer algum risco? Se a reposta for positiva, prepare-se, pois a inteligência artificial pode fazer algo parecido àquilo se tornar realidade em breve, com tudo de bom e de ruim que oferece.

A série britânica, disponível na Netflix, ficou famosa por mostrar uma realidade alternativa ou um futuro próximo com dispositivos tecnológicos incríveis, capazes de alterar profundamente a vida das pessoas. Mas, via de regra, algo dá errado na história, não pela tecnologia em si, mas pela desvirtuação de seu uso por alguns indivíduos.

Os roteiros promovem reflexões importantes sobre as pessoas estarem preparadas para lidar com tanto poder. Com as novidades tecnológicas já lançadas ou prometidas para os próximos meses, os mesmos dilemas éticos começam a invadir nosso cotidiano, especialmente se (ou quando) as coisas saírem dos trilhos. Diante de problemas inusitados (para dizer o mínimo), quem deve ser responsabilizado: os clientes, por usos inadequados dos produtos, ou seus fabricantes, que não criaram mecanismos de segurança para conter isso?


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Provavelmente o dispositivo mais icônico de “Black Mirror”, que aparece em vários episódios, com diferentes aplicações, é uma espécie de implante ocular capaz de captar tudo que a pessoa vê em sua vida, que fica armazenado em um chip implantado atrás da orelha. Essa memória eterna e detalhada pode ser recuperada a qualquer momento, sendo projetada diretamente no próprio olho ou em uma tela.

Não é difícil imaginar como isso pode ser problemático, especialmente quando outras pessoas têm acesso a memórias alheias. Algumas coisas deveriam ser simplesmente esquecidas ou jamais compartilhadas!

A privacidade se torna um bem cada vez mais valioso em um mundo em que nossas informações pessoais viram dinheiro na mão de empresas que as transformam em dados comercializáveis. Um bom exemplo são equipamentos que vestimos (os chamados “wearables”) que captam informações sobre nossa saúde, muitas delas compartilhadas com os fabricantes. Mas para que esse envio é necessário?

Os relógios inteligentes (os “smart watches”) são o exemplo mais popular desses equipamentos. Mas uma nova geração de dispositivos melhorados pela inteligência artificial aprendem como nosso corpo funciona e nos oferecem informações personalizadas para uma vida melhor.

É o caso do Whoop 4.0, uma pulseira com diversos sensores biométricos, como batimentos cardíacos, oxigênio no sangue, temperatura e taxa de respiração, que afirma ajudar em atividades físicas e até em como dormimos. Já o Oura Smart Ring oferece algo semelhante, porém “escondido” em um simples anel.

Alguns são mais radicais, como a pulseira Pavlok 3. Ela promete ajudar a desenvolver hábitos mais saudáveis, como dormir melhor e até parar de fumar. Quando o dispositivo detecta algo ruim (como fumar), ele emite uma vibração e, se necessário, dá um choque elétrico na pessoa, para associar desconforto ao mau hábito.

Mas dois outros dispositivos lembram mais “Black Mirror”: o Rewind Pendant e o Humane AI Pin. Ainda não são os implantes oculares da série, mas prometem gravar o que acontece a nossa volta e muito mais. Eles pretendem inaugurar a era da “computação invisível”, em que não mais dependeremos de telas, nem mesmo as de celulares ou de óculos de realidades virtual ou aumentada.

O Rewind Pendant é um pequeno pingente que grava tudo que o usuário fala ou ouve. A partir daí, é possível dar comandos simples como “resuma a reunião de ontem” ou “o que meu filho me pediu hoje de manhã”. Como o sistema identifica a voz de quem está falando, o fabricante afirma que só grava alguém se essa pessoa explicitamente autorizar isso por voz.

Já o Humane AI Pin é um discreto broche que funciona como um assistente virtual que conhece nossos hábitos, grava e até projeta imagens em nossa mão. Comunica-se com o usuário por voz e sua inteligência artificial pode até desaconselhar que se coma algo, porque aquilo contém algum ingrediente a que a pessoa seja intolerante.

 

“Babaca digital”

Impossível não se lembrar do Google Glass, óculos inteligentes que a empresa lançou em 2013. Ele rodava diferentes aplicativos e as informações eram projetadas em sua lente, que se tornava uma tela para o usuário.

Apesar de cobiçado, acabou retirado do mercado por questões de privacidade. Ele tirava fotos e filmava sem que os outros soubessem. Além disso, fazia reconhecimento facial de interlocutores, que poderia ser usado para coletar informações adicionais. As pessoas que faziam maus usos do produto passaram a ser chamadas de “glassholes”, um trocadilho que junta “Glass” a “asshole” (algo como “babaca” em inglês).

Isso nos remete novamente a “Black Mirror”. Nenhum desses produtos foi criado para maus usos, mas as pessoas podem fazer o que bem entenderem com eles. E depois que são lançados, fica difícil “colocar o gênio de volta na lâmpada”.

Estamos apenas arranhando as possibilidades oferecidas pela inteligência artificial, que ainda revolucionará vidas e negócios. Tanto poder exigiria grandes responsabilidades, mas não podemos esperar isso das pessoas, e os fabricantes tampouco parecem muito preocupados.

Como exemplo, na semana passada, vimos o caso de alunos do 7º ao 9º ano do Colégio Santo Agostinho, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro, usando a inteligência artificial para criar imagens de suas colegas sem roupa. Desenvolvedores desses sistemas proíbem que sejam usados para esse fim, mas é inocência achar que isso será atendido. Tanto que já foram criadas plataformas especificamente para isso.

Quem deve ser responsabilizado por esses “deep nudes”: os alunos, os pais, a escola, o fabricante? Não se pode mais acreditar em qualquer imagem, pois ela pode ter sido sintetizada! Isso potencializa outros problemas, como os golpes de “sextorsão”, em que pessoas são chantageadas para que suas fotos íntimas não sejam divulgadas. Com a “computação invisível”, isso pode se agravar ainda mais!

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 – 2017) era mesmo o filósofo de nosso tempo, com obras como “Modernidade Líquida” (1999), “Amor Líquido” (2004) e “Vida Líquida” (2005). Não viveu para experimentar a IA ou esses dispositivos, mas seu pensamento antecipou como tudo se tornaria descartável e efêmero na vida, nos relacionamentos, na segurança pessoal e coletiva, no consumo e no próprio sentido da existência.

A inteligência artificial está aí e ela é incrível: não dá para deixar de usá-la! Mas precisamos encontrar mecanismos para não cairmos nas armadilhas que nós mesmos criaremos com seu uso indevido.

 

Entramos no ano mais digital de nossas vidas

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Este promete ser o ano mais digital de nossas vidas. Por isso, entender o que aconteceu nesse setor em 2021 pode nos ajudar a aproveitar melhor o que a tecnologia tem de bom a nos oferecer e a fugir de enormes arapucas que já armaram para todos nós. E a maioria das pessoas não tem esse conhecimento.

Por exemplo, no final de novembro, o dicionário Collins escolheu NFT como a “palavra do ano”. Como toda seleção assim, ela é controversa, mas essa representa bem os efeitos da digitalização galopante de nossas vidas, dando o tom do ano que começa. Essa sigla indica um conceito que poucos conhecem e que, mesmo entre os que já ouviram falar dele, muitos não entendem. E há ainda uma multidão completamente de fora, por não ser tão digital assim.

A pandemia acelerou incrivelmente esse processo, abrindo oportunidades para empresas e indivíduos, mas aumentando o risco de se criar “cidadãos de segunda categoria” entre os “menos digitalizados”. Governos, instituições e companhias precisam ajudar para que isso não ocorra, e cada um de nós deve abraçar o digital com consciência, evitando, de um lado, o deslumbramento e, do outro, o medo.


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Para quem nunca ouviu falar, NFT é a sigla em inglês para “tokens não-fungíveis”, uma comercialização de arte digital que combina tecnologia e mudança cultural. Com ela, ao comprar uma obra, a pessoa passa a ser sua legítima dona, mas isso não lhe garante nenhum controle ou remuneração por qualquer reprodução do material. Além disso, os direitos autorais continuam sendo do autor da obra.

É como o Museu do Louvre ser dono da Mona Lisa, mas ele não tem como impedir que as pessoas fotografem o quadro, e usem isso como quiserem. Mas, se algum dia quiser vender o original, o Louvre receberá uma fortuna.

O que dificulta o entendimento do NFT é que o original pode ser algo simplório como um meme famoso, facilmente reprodutível com um clique do mouse. Ainda assim, em maio, o meme “Disaster Girl” foi vendido por incríveis R$ 2,5 milhões.

NFT venceu, entre os pesquisadores do Collins, a palavra metaverso, outro conceito digital que certamente impactará muito mais nossas vidas em breve. Se bem usado, esse mundo virtual abrirá uma infinidade de oportunidades de trabalho, aprendizagem e diversão. Trata-se de um ambiente digital em que as pessoas entrarão com seus avatares para interagir mesmo com quem estiver do outro lado do mundo e com ferramentas que só existem ali.

Apesar de não ser algo novo, o metaverso ganhou holofotes em 2021 pela disposição do Facebook de investir pesadamente nessa tecnologia. Mas o que a torna tão incrível também inspira muitos cuidados. Por ser um ambiente completamente imersivo, há um enorme risco de manipulação dos usuários, muito maior que o já visto nas redes sociais. Além disso, por exigir equipamentos poderosos para ser usado, ele pode ampliar o abismo digital entre os mais ricos e os mais pobres.

Mas a virtualização de nossas vidas já acontece com força de outras formas. Desde que a Internet comercial foi lançada, em 1994, realizamos cada vez mais atividades de nosso cotidiano pelo meio online. A popularização dos smartphones, há uma década, acelerou muito esse processo.

Mas foi a pandemia que definiu um novo patamar aí.

 

Tudo de casa

Possivelmente a mudança mais profunda e permanente que o vírus nos apresentou foi o home office. Antes do lockdown (aliás, a palavra de 2020 para o mesmo dicionário Collins), trabalhar de casa era algo inimaginável ou pelo menos visto com enorme desconfiança por gestores de empresas de todo tipo. Mas hoje isso se tornou tão aceito, que muitas empresas adotaram, mesmo com a retomada das atividades nos escritórios, o trabalho híbrido, em que os profissionais desempenham suas tarefas de casa em alguns dias da semana. Há casos em que o trabalho remoto se tornou definitivo. Dessa forma, os escritórios ficaram menores ou simplesmente desapareceram.

Primo dessa mudança é o crescimento explosivo do ensino a distância. O tempo em casa permitiu que as pessoas experimentassem e gostassem desse jeito de aprender, vencendo muitos preconceitos contra o EAD. Agora, muita gente faz cursos que antes eram inacessíveis pela distância ou por horários inflexíveis.

Mas tanto o home office quanto o EAD reforçam as diferenças entre a população digitalizada e a “nem tanto assim”. Afinal, para participar dessas atividades é preciso ter uma boa conexão com a Internet e um computador, pois a experiência pelo celular acaba sendo de pior qualidade. E nem todos têm isso.

O e-commerce também se enquadra nessa mudança de comportamento. Apesar de crescer consistentemente na casa dos dois dígitos percentuais desde que surgiu, as vendas online praticamente dobraram seu faturamento nos primeiros 12 meses da pandemia. Com a reabertura das lojas físicas, esse crescimento perdeu um pouco de fôlego, mas o e-commerce permaneceu em um patamar muito superior ao que tinha antes da Covid-19. Graças a isso, muitas entregas, que antes levariam dias para serem feitas, passaram a acontecer em algumas horas.

O e-commerce pelo menos é um pouco mais democrático: funciona bem em praticamente qualquer smartphone.

 

Virtualização de valores

O Pix, sistema de transferências e pagamentos instantâneos do Banco Central, também poderia concorrer à palavra do ano, se não fosse restrito ao Brasil. Ele já é usado por 71% dos brasileiros, com aprovação de 85% deles, segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Já há mais Pix que TED, DOC e cheque juntos! Entre os jovens de 18 a 24 anos, a aprovação chega a 99%, semelhante aos 96% da faixa seguinte (de 25 a 44 anos). A maior resistência fica entre as pessoas de baixa renda e os de menor escolaridade, mas ainda com adesão superior a 50%.

Muita gente tem medo do Pix devido aos incontáveis golpes que usam essa tecnologia. Essa, aliás, é outra coisa que explodiu nesses dois anos e que infelizmente deve se ampliar em 2022. Vale lembrar que o ano passado começou com o maior vazamento de dados da história do Brasil e terminou com um suspeito “ataque hacker” aos sistemas do Ministério da Saúde que gerenciam os dados relativos à Covid-19 e à vacinação, que demoraram semanas para serem restabelecidos.

As pessoas precisam de orientação para escapar desses problemas, que acabam atingindo mais os de renda inferior ou os menos informados. O que nos leva a um último flagelo digital que vem crescendo com força nos últimos anos e deve chegar às raias da loucura em 2022: a desinformação. O que me faz lembrar que, em 2016, outro importante dicionário, o de Oxford, elegeu pós-verdade como a palavra daquele ano.

Ela explica que importam menos os fatos e mais as versões construídas a partir deles (ou da ausência deles). Assim, quem elaborar as versões mais “palatáveis” para o público convencerá as pessoas com suas ideias, por mais bizarras que sejam.

Isso fica particularmente mais grave em anos de eleições, como esse que estamos começando. Políticos sempre mentiram, mas a combinação da pós-verdade com as redes sociais criou as fake news, que se tornaram a ferramenta suprema de manipulação da sociedade. E políticos que mais dominam esse recurso vêm se elegendo.

Por isso, se puder desejar algo a todos nesse ano que se inicia, minha escolha é conhecimento e informação, para que possamos usar o mundo digital que tivermos a nossa disposição –seja muito, seja pouco– da melhor maneira possível. Ele deve ser usado para melhorarmos (e muito) nossa vida, e não para sermos controlados por quem quer que seja.

 

Os ladrões da sua identidade

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Você já deve ter ouvido falar do aumento de casos de golpes virtuais no Brasil. Talvez conheça alguém que tenha caído em um deles. Quem sabe você mesmo foi vítima de um desses pilantras?

Ou você acha que jamais cairia em uma maracutaia dessas?

Se esse for o seu caso, lamento acabar com as suas ilusões: ninguém está totalmente seguro dos meliantes virtuais. Até mesmo profissionais experientes podem cair nessa. Portanto, todo cuidado é pouco!


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Um acontecimento recente demonstra o poder dos bandidos.

No dia 15 de julho, o Twitter foi vítima da maior falha de segurança de sua história. E nenhum sistema deles foi comprometido por problemas de software. A invasão aconteceu a partir de funcionários que foram enganados e forneceram aos hackers seus dados de acesso à rede interna e a sistemas de gerenciamento de contas de usuários.

Em minutos, os cibercriminosos conseguiram os dados de 130 contas, e enviaram tuítes a partir de 45 delas, acessaram mensagens diretas de 36 e baixaram os dados de 7. E não eram quaisquer contas! Entre outras, estavam as do ex-presidente americano Barack Obama, do candidato à presidência dos Estados Unidos Joe Biden, do fundador da Microsoft Bill Gates, do CEO da Amazon, Jeff Bezos, e do empresário Elon Musk. Essa ação rápida convenceu pessoas que seguem essas contas a fazer doações, que teriam chegado a US$ 100 mil.

No dia 31 de julho, a polícia prendeu três homens acusados do crime. O líder da gangue é um adolescente de 17 anos, da Flórida.

Os funcionários de uma das empresas mais badaladas do Vale do Silício foram vítimas de uma técnica chamada “spear phishing”, uma versão mais elaborada do “phishing”.

O “phishing” convencional consiste no disparo de uma grande quantidade de e-mails e mensagens de SMS e WhatsApp que tentam convencer a vítima de que se trata de uma comunicação oficial de uma empresa ou instituição. Os bancos são os preferidos pelos criminosos para tentar enganar as pessoas. Se a vítima instala o programa ou clica no link, cai em um ambiente que simula o do banco, para que informe sua senha e até faça pagamentos.

Mas essas mensagens são enviadas para todo mundo sem qualquer personalização. Daí fica mais fácil perceber o golpe.

Já o “spear phishing”, que enganou os funcionários do Twitter, é bem mais elaborado. Antes de entrar em contato com a vítima, os bandidos fazem uma pesquisa sobre ela, para que a comunicação seja personalizada, tornando-se mais convincente.

No caso do ataque ao Twitter, a quadrilha fez a lição de casa. Conheciam exatamente quais funcionários atacar e o que falar para eles. Eles se passaram por membros da área de TI e sabiam o que dizer para convencer os profissionais a entrar em um site falso de acesso ao ambiente corporativo, idêntico ao da empresa.

Os bandidos precisavam ser incrivelmente convincentes na sua conversa. E foram!

Mas, se os funcionários do Twitter caíram nessa, imagine um cidadão comum, que não tem nenhum preparo e experiência para evitar esse tipo de golpe!

Em casos específicos, criminosos usam até sistemas que sintetizam a voz de alguém conhecido pela vítima, como um diretor da empresa. Ou seja, no “spear phishing”, os criminosos pesquisam nas redes sociais a sua vida, seu trabalho, sua família, seus amigos, seus gostos.

Golpes “viralizaram” com o Covid-19

Para você ter uma ideia do tamanho do “phishing” por aqui, nos primeiros meses da pandemia de coronavírus, o Brasil foi o quinto país no mundo nesse tipo de golpe. Ficamos atrás apenas da Venezuela, de Portugal, da Tunísia e da França.

Segundo a empresa de cibersegurança Kaspersky, um a cada oito brasileiros sofreu tentativas de ataque entre abril e junho. A consultoria Refinaria de Dados calcula que, entre 20 de março e 18 de maio, a busca de informações pessoais e bancárias de brasileiros na “Dark Web” cresceu 108%, passando de 19 milhões por dia! Já a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) informa que o “phishing” aumentou 70% no pós-Covid-19.

Temas ligados à pandemia estão no centro dos ataques, especialmente o auxílio emergencial do governo. Por isso, o nome da Caixa Econômica Federal vem sendo muito usado. Golpes de sites de leilão falsos com o nome da Caixa também cresceram muito no período.

O que podemos fazer para nos proteger desses golpes?

No caso de empresas, é muito importante que treinem seus funcionários frequentemente contra ataques da chamada “engenharia social” feitos por mensagens digitais, ligações telefônicas e até pessoalmente.

Do lado do usuário final, não entre em sites que dizem ser do banco a partir de links enviados por e-mail, WhatsApp ou SMS. Bancos não mandam links, nem pedem senhas nunca! Aliás, jamais informe senhas a ninguém!

Tampouco entregue, em hipótese nenhuma, seu cartão de débito ou de crédito cortado a ninguém. E quando for jogar fora um cartão velho, corte o chip e a tarja magnética mais de uma vez. E não deposite os pedaços no lixo reciclável.

Não coloque dados pessoais e de cartões em sites de origem duvidosa. Ative o serviço do seu banco para receber um SMS a cada transação com cartões de crédito e débito, para identificar imediatamente alguma indevida.

Evite expor seu telefone nas redes sociais e sites. O mesmo vale para anúncios que fizer em sites de vendas: prefira os canais de comunicação da plataforma para falar com possíveis compradores. E desconfie se receber ligações ou mensagens de pessoas em nome desses sites, de bancos ou operadoras de cartão. Tampouco dá para confiar no número de quem está ligando, pois sistemas conseguem alterar essa identificação, para que apareça o número de alguém conhecido.

Se, ao ligar a um telefone, especialmente do banco ou operadora de cartão, aparecer automaticamente no celular um programa que diz ser da empresa, para continuar o atendimento por ali, desconfie! Prefira fazer a chamada por voz no número oficial da empresa. Se não houver essa opção, ligue de outro telefone, se possível, de um fixo.

O uso de frases informais e até gírias em conversas, e erros de ortografia, no caso de mensagens escritas, são suspeitos!

Desconfie de ligações oferecendo brindes, trabalho ou outro convite em nome de um amigo ou colega. E jamais confirme números que são enviados a você por SMS, WhatsApp ou e-mail. Esse é o método preferido para sequestrar o seu WhatsApp, para os criminosos depois mandarem mensagens a seus contatos, pedindo dinheiro em seu nome.

Aliás, ative a verificação em duas etapas no WhatsApp e outras plataformas. É uma camada a mais de segurança. Mesmo que o criminoso obtenha o código de verificação, vai precisar também de uma senha extra criada por você, e isso pode impedir que sua conta seja sequestrada.

Por fim, nunca instale aplicativos que venham por e-mail, WhatsApp ou SMS. Faça isso sempre a partir das lojas de aplicativos oficiais.

Então, faça um favor a você mesmo: não pense que isso nunca acontecerá com você! Ninguém está imune a esses ataques.

Desenvolva uma saudável desconfiança e preserve a sua identidade e os seus bens.

Não existe almoço grátis!

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Não olhe agora, mas há um monte de gente querendo enrolar você!

Como diz o ditado, “não existe almoço grátis”. Essa máxima sugere que sempre pagaremos, de alguma forma, por algo que recebermos, mesmo que aparentemente pareça de graça.

Só que, de uma década para cá, um outro conceito ganhou muita força: o “freemium”, um neologismo que combina as palavras em inglês “free” (grátis) e “premium”. Segundo ele, podemos consumir gratuitamente uma versão simplificada de um produto ou serviço. E depois, se gostarmos daquilo, pagamos pela versão completa.

Infelizmente, alguns autoproclamados “gurus” têm juntado e distorcido os dois conceitos para criar uma espécie de estelionato digital.


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O “feemium” ganhou muita força com a popularização dos smartphones e dos modelos de negócios de suas lojas de aplicativos. A maioria desses programas têm uma versão gratuita. Ela remunera o desenvolvedor pela exibição de anúncios, de vendas de recursos adicionais no próprio aplicativo (chamadas de “in-app purchase”) ou pelo modelo “freemium”. Nesse último, se a pessoa gosta da versão gratuita, ela pode comprar a versão premium, com mais recursos, depois.

Ele é diferente da amostra grátis. Nessa última, a pessoa consome o produto de fato, mas recebe apenas uma pequena quantidade sem pagar, para que o experimente. Já no “freemium” o que se consome de graça é uma versão simplificada, reduzida, mas que pode ser usada sem pagar indefinidamente.

Não há absolutamente nada de errado com qualquer um desses modelos.

Entretanto, isso deu origem a uma profunda transformação cultural, em que pessoas decidem viver apenas com o grátis e suas limitações. E, apesar de isso poder limitar o crescimento do indivíduo, pois nunca terá acesso a um serviço completo, ainda não há nada de errado nisso.

O problema surgiu quando espertalhões perceberam que poderiam se valer desse novo comportamento para ganhar clientes facilmente. Criaram fórmulas em que prometem “almoços grátis” para todo mundo, mas entregam apenas pão amanhecido para os que participarem. Enquanto as pessoas mastigam as migalhas, eles vendem o almoço, normalmente um almoço de baixa qualidade, que é o que eles têm a oferecer.

Quem nunca participou de uma live que prometia uma grande revelação, um ensinamento importante para sua vida pessoal ou profissional, mas que, depois de uma, duas horas de fala, o suposto guru não entregou mais que uns 15 minutos de obviedades bem empacotadas, daquelas que você mesmo poderia encontrar em uma pesquisa no Google? Em todo o resto do tempo, ele ficou despejando gatilhos mentais para seduzir a plateia a comprar um curso ou uma mentoria composta por encontros mensais online ao longo de um ano? E essa mentoria não costuma ser nada barata! E não raro continua sendo um apanhado de conteúdos rasteiros, porém bem empacotados.

Essa é uma distorção do conceito do “freemium”. Ele consegue arrancar dinheiro de pessoas que se sentem confortáveis com a versão gratuita, sem entregar nada que, ao final, possa ser chamado de premium.

As redes sociais estão inundadas com esse tipo de vivaldino. E a sociedade perde com ele de diferentes maneiras.

A primeira, mais óbvia, é que pessoas são convencidas a pagar por algo que não entrega o que promete. O segundo é que essas pessoas deixam de se aprimorar pessoal ou profissionalmente, pois consomem esse conteúdo de baixa qualidade, e depois muitas vezes usam tais ideias no seu cotidiano. Por fim, esse enorme barulho feito por essa turma vem “escondendo” profissionais verdadeiramente capacitados, que, por valores éticos mais elevados, não entram nesse “esquema”.

No final, o nível médio da sociedade cai muito!

Usos legítimos

Não quer dizer que o “freemium” não possa ser usado em aulas e palestras abertas para captar clientes. Isso existe e é feito por profissionais bastante sérios e capacitados. Mas existem algumas diferenças entre os “picaretas” e os profissionais, que qualquer um pode identificar para não ser enganado.

A primeira diferença é que o profissional de alto nível não usa esse recurso o tempo todo. Essa não é a sua única forma de captação de clientes e nem é a principal.

Mas principalmente a grande diferença entre um profissional de alto nível e um oportunista é que a aula grátis, a palestra, a live do bom profissional sempre entregarão muito conteúdo de alta qualidade o tempo todo. Qualquer “malho de vendas” ocupará um tempo reduzido do encontro.

Isso é, antes de mais nada, respeito com o público. Ninguém assiste a seja lá o que for para ficar sendo soterrado de propaganda. As pessoas assistem para aprender algo, se entreter, se divertir.

Portanto, se você cair em uma live em que a pessoa fica só você enrolando com pouco conteúdo, obviedades e uma “fala mansa” para se autopromover, corra, porque é uma cilada! Aproveite que foi grátis mesmo e feche a janela do seu navegador. Assim você, no mínimo, economiza seu tempo!

É preciso lembrar ainda que o trabalho de um bom profissional tem valor! Ele estudou e trabalhou muito para chegar onde chegou. Por isso, consegue justamente trazer ensinamentos de alta qualidade, que o diferenciam da mesmice do mercado.

Como tal, merece ser remunerado adequadamente, pois sua entrega trará valor a quem estiver com ele. Existe uma história em torno da Cacilda Becker, umas das melhores atrizes brasileiras, que ilustra bem isso. Quando alguém lhe pedia ingressos grátis para assistir a suas peças, ela dizia: “não me peça para dar de graça a única coisa que tenho para vender.”

Ela estava certíssima! E podia dizer isso, pois assistir a Cacilda Becker era uma experiência memorável.

Portanto, antes de embarcar em mais uma “aventura grátis”, verifique as credenciais de quem está oferecendo aquilo. Veja se a pessoa tem uma formação acadêmica sólida e uma experiência profissional realmente diferenciada. Não caia no “canto da sereia” de quem exibe números exuberantes, mas que nunca construiu nada sólido na vida.

Quando há muita coisa grátis, tudo que é cobrado parece caro, mesmo que seja pouco. Mas pagar por algo pode lhe trazer benefícios que jamais viriam com algo gratuito. E é isso que pode verdadeiramente melhorar a sua vida pessoal e profissional.

Enganou a mídia, conquistou mulheres, ganhou dinheiro, mas era tudo mentira: como não ser vítima dos “fakes”

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Eduardo Martins supostamente posa ao lado de combatentes na Somália: só que a foto é uma montagem sobre uma foto e identidade roubadas - foto: reprodução

Eduardo Martins supostamente posa ao lado de combatentes na Somália: só que a foto é uma montagem sobre uma foto e identidade roubadas

Eduardo Martins suicidou-se. Virtualmente. Na semana passada, o destemido fotógrafo paulistano, surfista bonitão, correspondente de guerra da ONU, apagou todas as suas contas e sumiu do mapa. Mas não antes de vender muitas fotos a veículos de comunicação de grande renome, como The Wall Street Journal e BBC, derreter corações de muitas mulheres e angariar mais de 130 mil seguidores no Instagram. Mas, com tanto sucesso, por que ele decidiu desaparecer subitamente?

Acontece que o talentoso fotógrafo de 32 anos nunca existiu. Era um estelionatário aplicando um sofisticado golpe que, em outras variações, pode enganar qualquer um na Internet. Depois de quase três anos, acabou sendo desmascarado (mas não pego). Diante disso, é natural se perguntar: como isso é possível e como se proteger?

O suposto fotógrafo era um “fake”, um personagem que só existia na Internet. As fotos que ele vendia eram roubadas de outros fotógrafos e depois “maquiadas” no Photoshop, para que a tramoia não fosse descoberta. Nem a “sua” própria imagem, que aparece em algumas fotos, é dele mesmo: na verdade, são do surfista inglês Max Hepworth-Povey, que só descobriu recentemente que a imagem do seu corpo havia sido usurpada.

“Fakes” surgiram como uma maneira de personificar outras pessoas no mundo digital. Às vezes, não passam de brincadeiras ou atividades sem maiores consequências. Existem ainda perfis criados para homenagear ídolos.

Mas há cada vez mais casos de golpes associados a essa prática. E existem vários tipos deles. O “case Eduardo Martins” demonstra um alto nível de sofisticação, capaz de ludibriar profissionais tarimbados e até mesmo algoritmos antifraude. Mas a maioria dessa bandidagem usa artifícios bastante simples, valendo-se quase sempre de “engenharia social”. Ou seja, os “cyberestelionatários” se aproveitam de fragilidades, descuidos ou pegadas digitais que todos deixam no meio online, para tornar suas histórias mais críveis, e assim conseguir mais vítimas.

Para entender isso melhor, conversei com Katty Zúñiga, psicóloga especializada em como o ser humano interage com diferentes tecnologias. Ela explica que essas pessoas são normalmente muito inteligentes e sabem muito bem como usar os recursos digitais para selecionar suas vítimas e construir histórias incríveis para cada caso.

“Eles descobrem e falam o que a vítima quer ouvir”, explica. As histórias contêm elementos que despertam a empatia dela e atendem a alguns de seus anseios. Além disso, os “fakes” manipulam até mesmo as redes sociais (como se tornar amigo de amigos ou integrar círculos de interesse) para aumentar ainda mais a sua credibilidade. Diante de tanta coisa “combinando”, as vítimas acabam comprando a história sem fazer até mesmo verificações básicas.

Não é para qualquer um, e dá um trabalhão! Mas, se a coisa é bem feita, como no caso acima, isso pode render dinheiro e muito mais.

E ninguém está totalmente imune.

 

“Fakes do mal”

Eduardo Martins era um ponto fora da curva, que enganou profissionais de grandes empresas. Mas a maioria das vítimas é mesmo gente comum. E um filão particularmente apetitoso para eles são mulheres carentes, muitas vezes viúvas.

O padrão da abordagem é muito conhecido. Normalmente o estelionatário se apresenta como um estrangeiro, quase sempre americano ou de algum país árabe, que passa pela dor de uma separação ou é recém-viúvo. Usando uma identidade falsa, envolve a vítima ao longo de vários contatos por e-mail ou comunicadores instantâneos, recheados de atenção, carinho, fotos e uma história rica em detalhes, porém totalmente falsa. Extremamente hábeis, fazem com que elas se apaixonem por eles. E, quando isso acontece, finalmente vem o golpe, que invariavelmente inclui coisas como envio de dinheiro ou compartilhamento de dados bancários ou de crédito para algum “bom motivo” (“quero ir ao Brasil para me casar com você”, “preciso ajudar a minha filha pequena com uma cirurgia” ou outra coisa comovente).

Você pode estar pensando: “eu JAMAIS cairia em algo assim!” Pois saiba que muita gente muito instruída cai! Afinal, todo mundo tem algo que essa turma do mal pode explorar. E, se descobrirem, é exatamente isso que farão.

Mas não são só pessoas que criam “fakes”. Empresas também podem fazer isso.

O Spotify tem sido acusado de criar artistas fictícios para incrementar suas playlists mais populares. As músicas são verdadeiras e inéditas, mas especialistas no ramo não conseguem identificar seus autores em nenhum outro lugar: aparentemente eles existem apenas dentro da própria plataforma de streaming de música.

Se isso se confirmasse, a prática permitiria que a empresa ampliasse a sua oferta musical sem ter que pagar royalties aos donos da música, pois ela mesma seria a proprietária de tudo. Reduzindo suas despesas, diminuiria o tamanho de seu prejuízo, que, no ano passado, foi de 349 milhões de euros. A empresa, que afirma já ter pago mais de US$ 5 bilhões em direitos autorais desde que foi criada em 2006, nega categoricamente que crie “fakes”.

Não estou dizendo que o Spotify esteja cometendo esse crime, mas o mecanismo na suspeita dos especialistas descreve muito bem como é possível ganhar dinheiro com “fakes” de diferentes maneiras. Nesse caso, não seria dinheiro indevidamente entrando, mas indevidamente deixando de sair.

 

“Fakes do bem”

Mas todos os “fakes” são ruins?

É verdade que a maioria desses casos está ligada a atividades criminosas. Mas também existem “fakes” criados com objetivos nobres. É o caso da francesa Louise Delage (foto acima), de 25 anos, que possui 110 mil seguidores no Instagram, cifra que não para de crescer, apesar de ela não postar mais nada há quase um ano.

Praticamente todas as suas fotos possuem um item em comum, além de um estilo de vida “glamourizado”: ela aparece com algum tipo de bebida alcoólica. Depois de 149 postagens, um vídeo foi publicado explicando que Louise nunca existiu: ela foi criada para uma campanha de prevenção ao alcoolismo entre jovens franceses, da organização Addict Aide.

Sim, a causa era nobre. Mas as pessoas também foram enroladas por Louise.

 

Como se proteger?

Há um velho ditado que diz que “na Internet, todos os gatos são pardos”. Então como não ser enganado por um “fake do mal”?

Alguns cuidados simples, que sempre tomamos no “mundo presencial”, podem ajudar. Começando por um outro ditado popular: “quando a esmola é grande, até o santo duvida”.

Zúñiga explica que devemos desconfiar sempre de ofertas muito boas, principalmente quando elas vêm muito perfeitas ou de fontes desconhecidas. Não custa nada dar uma pesquisada usando a própria Internet. Muitos dos “fakes” não resistem a uma rápida “googlada” por mais informações sobre o sujeito ou a oferta.

Além disso, não podemos dar sorte ao azar! Como muitos dos criminosos usam nossas próprias informações para deixar suas histórias mais convincentes, nunca é demais tomarmos cuidado com o que publicamos na Internet. Informações muito pessoais ou sensíveis jamais devem ser expostas publicamente online. E isso é algo bastante crítico, pois as pessoas estão cada vez mais descuidadas com o que publicam em redes sociais.

Outra boa prática é não deixar smartphones e notebooks desbloqueados e sozinhos, especialmente em locais públicos. Esses equipamentos são uma fonte gigantesca de informações úteis aos criminosos. Da mesma forma, nunca se deve usar computadores públicos para realizar tarefas como transações bancárias, compras ou entrar nas redes sociais.

Muitos desses cuidados parecem óbvios –e são mesmo. Mas, mesmo assim, as pessoas continuam escorregando nas mesmas cascas de banana! A vida online não é um lugar em que tudo se pode e onde o que é feito não implica em consequências sérias. Não existe essa história de “vida online” e “vida presencial”: é tudo a única vida que cada um de nós tem.

Se não nos cuidarmos, podemos acabar comprando fotografias roubadas, nos apaixonado por alguém que não existe ou chorando pelo desfalque em nossas contas correntes. Qual será sua postura?


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O papel da Imprensa e da Justiça na crise brasileira

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Dilma conversa com Lula em cerimônia em que ele foi empossado como ministro-chefe da Casa Civil, no dia 17 de março - Foto: José Cruz/Agência Brasil

Dilma conversa com Lula em cerimônia em que ele foi empossado como ministro-chefe da Casa Civil, no dia 17 de março

Nos últimos dias, especialmente depois que as conversas telefônicas de Lula vieram a público, tenho visto uma enorme gritaria contra a Imprensa e contra o Judiciário. O que mais me assusta é perceber que as críticas vêm escoradas em uma ideologia maniqueísta que tenta transformar verdades escancaradas em versões pueris e reduzir aqueles que defendem a sociedade a simples “golpistas”.

Este artigo não tem objetivos partidários e não defenderei nenhum dos lados. Tampouco negarei que existem excessos de apoiadores e de críticos ao governo. A proposta é analisar desdobramentos que levaram o Brasil a uma polarização ideológica inédita e a uma movimentação política que não era vista desde os fatos que culminaram na renúncia de Collor, em 1992.


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A matéria-prima da Imprensa são os fatos, a verdade; do Judiciário, as leis, a justiça. Dentro desses limites, não podem ser condenados pelo resultado de seu trabalho incomodar alguém, especialmente porque, por definição, sempre incomodam.

No caso do Judiciário, a maior parte das reclamações recai sobre o juiz Sérgio Moro, por ter exposto repetidamente o Governo Federal e membros dos partidos da base governista na operação Lava Jato. Os críticos acusam o juiz de abuso de sua autoridade, por supostamente cercear direitos dos acusados e exagerar nos pedidos de prisão preventiva para obter delações premiadas.

O caso que jogou um tambor de gasolina em uma fogueira, que já estava bastante grande, foi a liberação, no dia 16 de março, de escutas em telefones usados por Lula, nas quais ele conversa com diferentes autoridades, inclusive a presidente Dilma Rousseff.

Como todos devem estar carecas de saber depois de uma semana de noticiário, os dois lados procuram se apoiar em leis para defender ou acusar Moro. Mas evidentemente não há nenhum “golpe” em curso pela Justiça, como muitos, até mesmo a própria presidente da República, insistem em dizer.

Moro está fazendo seu trabalho de juiz. Não é nenhum estagiário e está jogando o jogo com as peças que tem. Seus movimentos são, de fato, muito mais ousados que o que se costuma ver no Brasil. Mas seu baralho não tem cinco ases. Se ultrapassou os limites, a própria Justiça se encarregará de puni-lo. Por outro lado, se ele estiver dentro das regras, expondo ações criminosas de quem for, presta um inestimável serviço ao país. A gritaria dos descontentes não é, portanto, nada além de gritaria.

Mas ainda tem o “Partido da Imprensa Golpista”.

 

Imprensa preservando segredos?

No caso da Imprensa, vemos em diferentes veículos, tanto apoiadores quanto detratores do governo, a distorção da realidade para fazer valer seus pontos de vista. Qualquer título pode (e deve) ter seu alinhamento político, mas nunca, jamais pode faltar com a verdade e a pluralidade para valorizar o seu lado. Mas não vou dar audiência para essa turma que faz antijornalismo. Eu simplesmente não leio mais essas páginas da “direita” ou da “esquerda”. O que quero discutir aqui é a tentativa do governo de desqualificar o trabalho da Imprensa séria. E ele existe em profusão.

O principal argumento da turma do contra é dizer que ela se presta a publicar “vazamentos seletivos” e apenas notícias contra o governo. Eu nunca vi argumentos mais estúpidos e oportunistas, criados para confundir a população.

A fantasia de qualquer governo é ter uma Imprensa dócil, que lhe apoie incondicionalmente. Mas, se ela fizesse isso, não seria Imprensa: seria relações públicas. E o governo, por si só, já tem mecanismos mais que suficientes para se promover, como as mais gordas verbas de publicidade do país e a força da própria máquina governamental.

A Imprensa vem veiculando coisas boas e coisas ruins de governos federal, estaduais e municipais, suficientes até para municiar as diferentes oposições de cada um, que usam material dos veículos de comunicação em seus dossiês e em posts raivosos nas redes sociais.

Alguns podem dizer que agora só se fala nos escândalos que jogam Lula, Dilma e seu governo na lama. Acontece que a quantidade de notícias sobre esse tema, que tem a mais alta relevância jornalística, parece não ter fim. E isso nos leva aos tais “vazamentos seletivos”.

A Imprensa séria não faz, nem publica “vazamentos”. Ela publica reportagens, com verdades apuradas. A turma da gritaria, incluindo a presidente da República, vocifera ao dizer que ela jamais poderia divulgar informações sigilosas, pois isso seria ilegal. Mas a função da Imprensa não é guardar segredos: é revelá-los! Quem tem que guardar segredos são os responsáveis por tais informações. Se elas foram “vazadas”, por incompetência ou de propósito, a função da Imprensa é apurar a verdade, ampliá-la com informações adicionais e publicar tudo com o maior destaque possível. E isso tem acontecido.

Alguns podem dizer que a Imprensa é irresponsável ao divulgar isso tudo, pois estaria criando uma gigantesca instabilidade política. Mas não é ela que está jogando o país no caos. Não são sequer as pessoas que fazem os vazamentos. Os responsáveis pela crise são aqueles que cometeram os crimes, que agora estão sendo desmascarados.

As fontes dos tais vazamentos são sempre pessoas imaculadas, livres de interesses pessoais, pensando apenas no país? Claro que não! Na verdade, o padrão é que seja o contrário disso. Como esquecer de Pedro Collor, que jogou o próprio irmão-presidente na fogueira, motivado por ciúmes? É por isso que os vazamentos nunca podem ser a única fonte da Imprensa, mas são ótimos pontos de partida para as reportagens.

Por isso, quem afirma que ela é golpista não sabe o que é Imprensa, não sabe o que é golpe ou é mal-intencionado. Ilegalidades do Judiciário ou da Imprensa devem ser coibidos. Qualquer outra atitude ousada e que mostre a verdade, deve ser aplaudida.

Nesse cenário, o governo enche a boca para bradar que nossa democracia é plena e madura, por isso temos tantas investigações em curso, inclusive dos próprios governantes. Isso é uma meia-verdade. Esse argumento funciona para quem cresceu sob a truculência militar, com a polícia atirando e jogando a cavalaria sobre manifestantes, para quem aprendeu que um país é “mais estável” quando tem sua Imprensa e seu Judiciário amordaçados e acovardados.

Temos uma cultura construída em cima de 516 anos de rapinagem da nação por aqueles que estão no poder. Nossa democracia é, na verdade, jovem, imperfeita e frágil. Estamos no caminho certo para que ela amadureça de fato, mas isso só será possível com o Judiciário e a Imprensa desempenhando livremente os seus papeis. Assim, qualquer tentativa de impedir isso é uma manobra para debilitar a democracia. E é o que não pode ser tolerado.


 

 

Lula diz que a Internet enfraquece a imprensa e, por isso, fortalece a liberdade

By | Jornalismo, Tecnologia | 5 Comments

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=7nEbBfsHQEo]

Em sua fala no 10º Fórum de Software Livre, em Porto Alegre, no dia 26, o presidente Lula afirmou que a imprensa perdeu poder graças à Internet e que, por isso, vivemos um momento inédito de liberdade de informação. Não satisfeito, ainda insinuou que isso protegeria o país contra golpes perpetrados pelos grupos de mídia. O trecho do discurso onde solta essa pérola pode ser visto no vídeo chapa-branca acima, a partir dos 35 segundos:

“Finalmente este país está tendo o gosto da liberdade de informação. Sabe que eu penso que nós estamos vivendo um momento revolucionário da humanidade, em que a imprensa já não tem mais o poder que tinha alguns anos atrás. A informação já não é mais uma coisa seletiva, em que os detentores da informação podem dar golpe de Estado. A informação não é uma coisa privilegiada. O jornal da noite já ‘tá’ velho diante da Internet. O programa de rádio, se não for ao vivo, for gravado, já fica velho diante da Internet. O jornal fica hipervelho diante da Internet, e fica tão velho que todo jornal criaram (sic) blog para informar junto com os internautas do mundo inteiro.”

Desde então, tenho lido e ouvido coleguinhas esperneando contra mais essa declaração infeliz de Lula, ainda “magoados” pelo fim da exigência do diploma para exercício da nossa profissão.

Bom, como diz o ditado, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Apesar de seu carisma, nosso presidente tem uma clássica dificuldade de expor idéias. É claro que Lula (e qualquer governo) prefere uma imprensa dócil, submissa e palaciana, coisa que ele nunca teve. E ainda bem, pois “nunca antes na história desse país” vimos tanta bandalheira no poder. Por mais que os grandes grupos de mídia tenham seus interesses econômicos e políticos (e eles tem), não podem ser configurados como golpistas por publicar os desmandos governamentais.

Acho sensacional que a Internet dê voz ao cidadão comum, de uma maneira “revolucionária”. Isso realmente é uma mudança de paradigma que não se via desde os tempos de Gutenberg, quando, graças a sua prensa, a informação deixou de ser “de poucos para poucos” e passou a ser “de poucos para muitos”. Agora, a coisa é “de muitos para muitos”. Mas, mesmo assim, apenas grupos de mídia fortes e organizados editorialmente são capazes de impedir que o governo faça o que bem entender. Lula falou demais…