imprensa livre

O absurdo de se usar o terror para comprovar um ponto de vista

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Foto: Giselle Garcia/Agência Brasil

Já nos bastasse o choque com os acontecimentos em Paris, fiquei muito triste ao ver que, mesmo diante dessa barbárie que comoveu o mundo, pessoas e instituições ainda encontraram lugar para usar a tragédia para fazer propaganda de seus ideais. E não me refiro a organizações terroristas, mas a jornalistas e veículos de comunicação se manifestando em redes sociais.

Há pouco mais de duas semanas, usei este espaço para fomentar o debate sobre como estar online afrouxa os limites morais de algumas pessoas. Naquela ocasião, eu me referia aos casos de assédio online contra uma participante do programa MasterChef Junior e a comentários infames postados contra o tema da redação do ENEM deste ano.

Desta vez, tive que ler coisas como “Entregue o destino das nações aos mercados; permita que instalem o caos e a incerteza; fomente o ódio; então se surpreenda: isso sangra e mata”, tuitado pela Carta Maior. Não foi a única (antes fosse), mas foi a que mais me chamou a atenção.

Sempre defendo em artigos, aulas e palestras que veículos de comunicação não apenas têm o direito de defender uma posição, como devem deixá-la clara para que o público consiga contextualizar adequadamente o que publicam. A Carta Maior faz isso muito bem.

Porém, da mesma forma, os mesmos veículos devem dar voz a posições contrárias, pois, por mais que defendam um lado do debate, devem fornecer elementos para que o público tenha uma visão mais ampla dos fatos (que sempre têm vários lados) e possam construir o seu próprio entendimento. Muitos poderiam argumentar que, em tempos de experiência informativa totalmente pulverizada pela abundância de oferta e distribuição pelas redes sociais, isso não seria mais necessário. Não concordo com isso: ter a grandeza de publicar posições contrárias só aumenta a credibilidade do veículo.

Agora definitivamente não é aceitável valer-se de uma tragédia para propagar sua ideologia.

 

A insensibilidade de um robô

Diante de um noticiário cada vez mais violento, tem-se a sensação de que todos estão anestesiados com o drama do outro. O sofrimento alheio no noticiário funciona quase como se aquilo reforçasse a “sorte” de não se partilhar daquela dor.

Nós, jornalistas, como agentes desse noticiário, corremos ainda mais o risco de passar por esse processo. Afinal, qual o peso de se noticiar mais um roubo, uma chacina, um desabamento, um acidente ecológico, um atentado terrorista? Em mentes viciadas em produzir reportagens, levanta-se os fatos, agrega-se números, escolhe-se uma imagem e o texto é parido. De cócoras!

A frieza, o distanciamento, a insensibilidade fazem com que o jornalista pareça um robô. Não é de se estanhar, portanto, que tantos textos jornalísticos sejam hoje produzidos autônoma e automaticamente por software. E muitas vezes, dentro do que se propõem, ficam melhores que os equivalentes produzidos por humanos.

A miopia jornalística e a insensibilidade capazes de gerar um tuíte como aquele são as mesmas que fazem colegas classificar a descomunal tragédia humana e ambiental de Mariana como “acidente”. Pelo que entendi, os supostos tremores de terra jamais poderiam ter causado o rompimento da barragem. Tampouco ela foi atingida por um meteoro ou por algum monstro japonês. Portanto, paremos com a cobertura chapa-branca, que poupa as empresas e o governo.

As boas escolas de jornalismo ensinam que a mídia tem duas funções principais: a de informar e a de formar o cidadão. Ela é o farol da sociedade, que ilumina as mentes e abre os olhos para um mundo que as pessoas muitas vezes não conseguem ver sozinhas. É por isso que, em países com uma mídia fragilizada, a sociedade sofre todo tipo de abuso político e econômico. É por isso que ditaduras sempre têm na imprensa livre um de seus primeiros e principais alvos.

Desgraçadamente nossa imprensa vem falhando nas duas funções. Os colegas precisam urgentemente parar de se guiar pela busca pela audiência, de se debater para agradar anunciantes, de tentar bajular seu público já embrutecido pela desinformação. E, com a mesma urgência, precisam reaprende a ter suas ações como jornalistas comandadas pelo seu cérebro e pelo seu coração.

Se não for assim, é melhor passar o bastão para os robôs de texto.

Afinal, de onde vem a imprensa livre?

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Hoje comecei o dia lendo um artigo de Emir Sader, no Comunique-se, que propõe discutir se é possível existir imprensa livre feita por empresas privadas. O sociólogo argumenta que, como qualquer empresa, as de comunicação são movidas pela busca do lucro e que, portanto, estariam vinculadas aos interesses das elites econômicas e de seus anunciantes, o que inviabilizaria a liberdade de imprensa em suas fileiras.

É um bom ponto, e bem exposto. Mas terminei de ler o artigo com uma pergunta que o autor não discutiu convincentemente: afinal, então de onde viria a assim chamada imprensa livre? O máximo que Sader disse foi, no penúltimo parágrafo, que ela “tem que ser pública, de propriedade social e não privada”.

Respeitosamente discordo. Iniciei a minha carreira há 16 anos na Folha de S.Paulo, que hoje passa, junto com outros nomões da imprensa, por uma vergonhosa crise de credibilidade (o que estaria de acordo com o proposto por Sader). Mas foi interessante trabalhar lá no momento em que ainda existia alguma inocência do “foca”, para poder ver, por baixo de toda a sujeirada, como é possível fazer jornalismo sério e –sim– livre em uma empresa privada, se assim você se propuser.

Ao contrário do que sugeriu Sader, o último lugar onde a imprensa será livre é nas mãos do poder público. Pode até ser de qualidade: a TV Cultura de São Paulo é um bom exemplo que se mantém há décadas, apesar de ter agonizado por falta de verbas há alguns anos. Mais recentemente, vemos a TV Brasil, outra boa iniciativa. Mas obviamente elas não são livres.

Uma alternativa interessante é a da britânica BBC: apesar de possuir 12 superdiretores indicados pelo governo, eles não têm função executiva, atuando como uma espécie de board. A empresa é comandada de fato por outros diretores, executivos, e é financiada por uma espécie de imposto pago por todos os domicílios do Reino Unido que possuem televisão, o que lhe garantiu polpudos 3 bilhões de libras em 2005, fora qualquer outra renda que tenha obtido.

Mas o ponto é: não há interferência governamental na programação da BBC, condição crítica para sua qualidade e independência, que se tornaram referência internacional. Quando essa ingerência acontece, a imprensa vira joguete político e peça de campanha, confundindo-se com publicidade oficial, como a que foi parodiada no vídeo acima, do governo da Bahia.

Uma imprensa apenas do governo ou submissa a ele consegue ser pior que uma imprensa em que isso seja equilibrado por uma versão privada, mesmo que, no meio dela, apareçam veículos vergonhosos, como a Veja. Pois, em repúblicas de bananas como as nossas, um governo sem limites se deteriora em ditaduras chavistas, destruindo o país aos poucos. Já andei por vários países da América Latina, e a relação entre uma imprensa frágil, governo forte (e populista) e país depauperado é gritante.

Existe ainda uma terceira via, que sequer foi cogitada por Sader, e que pode ser a resposta à pergunta que dá o título a esse post: o jornalismo-cidadão, que floresce cada vez mais na Internet. Só não o coloco ainda como A resposta, pois, como seria de se esperar, misturam-se na Grande Rede jornalismo de primeiríssima qualidade com iniciativas antijornalísticas. Afinal, qualquer um pode escrever nela o que bem entender, sem se preocupar com a seriedade da apuração ou da produção do material. E também aí existem interesses, como no caso das empresas e do governo. Mas nessa (imensa) pluralidade pode-se encontrar a verdade. E ferramentas como o Google News ou Wikinews podem servir para colocar ordem na “bagunça”. Sader passou longe disso.