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Você sabe proteger seus filhos da publicidade?

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Foto: Michael Christian Parker/Creative Commons

Crianças não têm poder de compra. Entretanto, elas têm grande influência nos gastos de uma família. Mas quem as influencia naquilo que elas desejam comprar? Apesar de a publicidade infantil estar virtualmente banida no Brasil desde 2014, não se engane: ela continua existindo, porém travestida de formatos novos e muito mais eficientes. Diante disso, você sabe como proteger as suas crianças dessa nova publicidade?

Estudos indicam que crianças até os seis anos não seriam capazes de diferenciar um conteúdo editorial, como um programa de televisão, de uma propaganda. Além disso, só após os 12 anos seriam capazes de compreender o caráter persuasivo da publicidade. Em outras palavras, crianças seriam vítimas indefesas de campanhas que diriam o que comer, com o que brincar, o que vestir e muito mais. Essa é uma das bases para as legislações contrárias à publicidade infantil.

O debate se aprofunda por todos os lados. Já participei inclusive do Jornal da Cultura Debate, em um programa destinado ao tema. A íntegra em vídeo pode ser vista abaixo (27 minutos):


Vídeo relacionado:


Defensores da publicidade infantil argumentam que ela é essencial para que empresas de produtos direcionados a crianças se mantenham, como qualquer outro negócio. Além disso, o fim da publicidade infantil também estaria eliminando programas de TV, revistas e outros conteúdos infantis, que não teriam como se viabilizar sem o dinheiro da publicidade. Por fim, os defensores argumentam que o papel de dizer “não” a um eventual consumo desenfreado dos filhos caberia aos pais, e que, com o fim da publicidade infantil, eles ficariam livres dessa obrigação.

É aí que a porca torce o rabo.

 

Pais despreparados

O argumento de que os pais têm a responsabilidade para educar seus filhos até mesmo no que diz respeito ao consumo é válido, mas ele esconde alguns problemas.

O primeiro deles é que os pais não estão preparados para isso. Ou -o que é pior- em muitos casos, não quere fazer isso! O outro é que as crianças são mesmo indefesas e elas podem encontrar maneiras de consumir determinado produto, de um jeito ou de outro.

No primeiro caso, muitos pais, devido à vida moderna, andam bastante permissivos. Portanto, não dão à paternidade a devida atenção. Como a atenção aos filhos é reduzida, têm dificuldade de dizer “não”.  Ou nem mesmo sabem como fazer isso: acham que amar os filhos significa evitar-lhes frustrações.

Portanto, sim, em um mundo ideal, os pais seriam os educadores que ensinariam a seus filhos até onde o consumo deve ir. Mas isso não acontece hoje em muitos -talvez na maioria- dos casos. Mas isso não os desobriga de aprender a fazer isso! Esse é o motivo por que esse assunto precisa ser debatido de novo e de novo e de novo em todos os fóruns possíveis. Até que o conceito finalmente seja compreendido por todos, por mais que demore.

Sobre o segundo caso, do ponto de vista cognitivo, as crianças são mesmo presas fáceis da propaganda. E, por mais que os pais tenham uma boa atuação doméstica, elas ganham relativa autonomia cada vez mais cedo, até mesmo para adquirir produtos. Logo, elas poderão comprar o que viram na propaganda por conta própria, quando não estiverem com os pais, como na cantina da escola.

E o poder de convencimento tem sido intenso!

 

Criança influencia criança

De qualquer forma, com a legislação vigente, se a publicidade não está terminantemente proibida, ela desapareceu por uma regulação do mercado.

Ou havia desaparecido.

De uns anos para cá, como aliás, pode ser visto no vídeo acima, a publicidade infantil invadiu o YouTube. E não da forma como existia antes. Agora temos os “youtubers mirins”, crianças que às vezes mal sabem falar, gravando vídeos recheados com todo tipo de produto (especialmente brinquedos) que são apresentados como uma criança mostrando a outra algo que acabou de ganhar. E isso seria algo legítimo: afinal, todo criança gosta de mostrar aos amigos seus brinquedos novos.

Mas, nesse caso, os “amigos” são legiões de seguidores no YouTube, que chegam a ser contadas aos milhões! E essas crianças ganham muitos, às vezes dezenas de brinquedos toda semana, que mostram alegremente em seus vídeos, em um fenômeno chamado de “unboxing” (tirar da caixa). Em alguns casos, isso é feito com a ajuda dos pais, pois as crianças são tão pequenas, que não conseguem abrir as caixas ou “perdem o foco”: resolvem brincar com um brinquedo mostrado, ao invés de continuar abrindo mais e mais caixas.

Os pais desses pequenos, aliás, estão no centro desse fenômeno, pois costumam atuar como equipe técnica e empresários dos filhos, junto às empresas, que descobriram uma maneira de burlar as restrições e ainda passar uma mensagem extremamente convincente a seu público. Afinal, uma criança brincando ou comendo algo “por si só” convence outra criança a fazer o mesmo de maneira melhor que o mais brilhante comercial de TV.

Alguns desses vídeos informam que foram criados por patrocínio de empresas, o que não resolve em nada o problema. Outros têm a desfaçatez de afirmar categoricamente que não são publicidade, o que chega a ser um escárnio ao bom senso em alguns casos. Tanto que o Google, dono do YouTube, foi acionado por uma ação civil pública do Ministério Público de São Paulo na virada do ano. A ação, movida pelo Instituto Alana, ONG que cuida do desenvolvimento de crianças, pede, entre outras ações, a retirada de 105 vídeos de sete youtubers mirins, que somam 13 milhões de inscritos em seus canais.

 

O que você pode fazer

Legislações e iniciativas com a acima são bem-vindas para melhorar essa situação. Mas vocês, como pais, avós, tutores ou educadores, têm um papel essencial nesse processo. E os ganhos são múltiplos: não apenas ajudarão suas crianças a lidar com essa situação, como melhorará -e muito- seu relacionamento com eles.

A primeira coisa a fazer é não proibir. Isso não funciona! Como diz o ditado, “tudo que é proibido é mais gostoso”! Então, diante disso, a criança encontrará meios de burlar a proibição, e o tiro sairá pela culatra.

Em segundo lugar, estabeleça, desde bem cedo um canal de diálogo franco com os pequenos. Mas, para que isso funcione, deve ser bilateral: as crianças devem ter abertura total para que confiem nos pais, mas os pais também precisam confiar nas crianças. E isso deve ser em tudo! Se for exigida confiança de apenas um dos lados, não funcionará.

Por fim, desenvolva o gosto de fazer junto com as crianças as coisas que elas gostam de fazer: brincar, contar histórias, ler livros, ver filmes e desenhos, participar de jogos e games e -claro- assistir a vídeos no YouTube (que não tem nada de errado por si só).

São três pilares simples de entender, mas admito que não tão simples de realizar, ainda mais para pais que trabalham fora. Mas, oras, a paternidade é isso! E essas tarefas não precisam consumir muitas horas do dia. Se bem feito, alguns minutos podem fazer a diferença entre crianças saudáveis, independentes, conscientes e felizes e pequenos tiranos, que crescerão como adultos irresponsáveis, sem limites, incapazes de ter uma vida saudável e construtiva na sociedade.

E qual dos futuros vale a pena investir seu tempo?

 

E aí? Vamos participar do debate? Role até o fim da página e deixe seu comentário. Essa troca é fundamental para a sociedade.


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As crianças enterraram a TV. E daí?

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A youtuber Kéfera Buchmann, do canal 5incominutos, que faz gigantesco sucesso  entre as adolescentes – Imagem: divulgação

A youtuber Kéfera Buchmann, do canal 5incominutos, que faz gigantesco sucesso entre as adolescentes

Nunca as crianças consumiram tanto vídeo quanto agora. O formato está cada vez mais consolidado, valendo também para os adultos. Só que, ao contrário do que acontece com eles, para os pequenos, ver vídeo virou sinônimo de YouTube. E, longe de ser apenas uma questão de mídia, isso é algo que também deve preocupar pais, educadores e profissionais de marketing e de negócios, pois traz questionamentos muito sérios e diversos.

Afinal, tanto YouTube pode alienar ou viciar as crianças? É a nova “babá eletrônica”? O serviço pode ameaçar as emissoras ou até mesmo os fabricantes de TV? Isso pode disfarçar publicidade infantil?

O fato é que, até setembro, crianças de zero a 12 anos brasileiras viram impressionantes 52,2 bilhões de vídeos no YouTube, considerando-se os 230 canais mais populares nessa faixa etária. Os números foram revelados pela segunda edição da pesquisa “Geração YouTube”, divulgada no dia 5 pelo ESPM Média Lab. Desde a sua primeira edição, publicada em novembro passado, o aumento nessas visualizações foi de 184%. Isso em um espaço de menos de um ano!

Nesta sexta, participei do JC Debate, da TV Cultura, onde pude conversar sobre isso com a jornalista Andresa Boni e com o advogado Márcio Mello Chaves. A íntegra do programa (30 minutos) pode ser vista abaixo:


Vídeo relacionado:


Além da audiência e do seu crescimento espantosos, o fenômeno inclui outra característica muito relevante: apesar de as crianças adorarem vídeos, elas simplesmente não os assistem no aparelho de televisão. Aquela tela enorme, normalmente na sala ou no quarto, não faz muito sentido para elas. E o mesmo vale para as emissoras.

Para as crianças, vídeo é vídeo, seja ele da TV aberta, da TV por assinatura ou de qualquer serviço digital. Mas todos eles, qualquer que seja sua origem, são vistos no YouTube. E o equipamento preferido é, de longe, o smartphone.

Isso explica em parte esse crescimento explosivo: as crianças, cada vez mais, têm acesso a esse aparelho, muitas vezes de sua propriedade (e não mais dos pais). Dessa forma, carregam o dito cujo para todo lugar e a todo momento, inclusive longe da supervisão paterna. E ver os vídeos passa a ser uma atividade constante, especialmente diante do aumento e da profissionalização dos tipos de canais preferidos: games, youtubers mirins  e youtubers teens.

É tudo uma questão de identificação!

 

“Eu falo como você fala!”

Todos nós consumimos conteúdos com os quais nos identificamos. Com as crianças funciona do mesmo jeito.

No caso dos canais de games, as crianças querem ver como outras crianças jogam os seus títulos preferidos, seja como um passatempo, seja para aprender a jogá-los melhor ou superar fases difíceis. E nada melhor que outra criança para explicar isso.

A identificação de linguagem e assunto é o que impulsiona os canais dos youtubers mirins e teens. Essa turma grava vídeos aparentemente sem uma pauta muito clara: falam para a câmera sobre suas experiências pessoais, alegrias, angústias, dúvidas relativas à idade. Sem filtros e, muitas vezes, até sem planejamento. Esse estilo despojado e natural, e os temas que também fazem parte das vidas do público são o segredo do sucesso. Alguns youtubers teens nem pertencem mais a essa faixa etária, mas continuam se relacionando muito bem com adolescentes, pois sabem como e o que falar com eles.

Portanto essa identificação confere a esses youtubers uma credibilidade que pais e educadores simplesmente não conseguem ter, o que muitas vezes deixa esses adultos de cabelo em pé, por desaprovarem o linguajar e o conteúdo dos vídeos.

E essa credibilidade pode ser usada também para objetivos questionáveis.

 

Publicidade eficiente e polêmica

A pesquisa do ESPM Media Lab também indicou um surreal crescimento de 975% nos canais da categoria “unboxing” desde a última pesquisa, de longe a que mais evoluiu. Para quem não sabe do que isso trata, são canais em que crianças e adolescentes, acompanhadas ou não por adultos, tiram produtos (normalmente brinquedos) das suas caixas diante das câmeras (daí o nome em inglês).

A atividade surgiu em canais estrangeiros de tecnologia, em que youtubers faziam análises técnicas de produtos, orientando compras de seu público. Mas rapidamente caiu no gosto das crianças, pois mostrar seus brinquedos aos amigos é uma atividade que os pequenos fazem naturalmente, desde sempre. A diferença é que, se antes a audiência dessas demonstrações ficava restrita a coleguinhas em casa ou na escola, com os vídeos digitais ela passa a ser potencialmente global.

Até aí, nenhum problema. Mas a coisa começou a complicar quando algumas empresas começaram a perceber que poderiam começar a “presentear” os youtubers mirins com seus produtos, para que eles fizessem seu “unboxing”. Trocando em miúdos, as crianças, que são formadoras de opinião nesse meio, passaram a fazer uma eficientíssima propaganda, o que caiu como uma luva para as companhias, especialmente em tempos de grande restrição à publicidade direcionada a crianças.

Isso tem gerado um caloroso debate. Apesar de alguns desses canais serem obviamente patrocinados, dada a incrível qualidade na sua produção, como diferenciar uma criança que está legitimamente exercendo seu direito de mostrar brinquedos de outra que está sendo usada como ferramenta de marketing? A BBC fez uma ótima reportagem sobre isso há alguns meses, para a qual fui entrevistado.

As crianças estão rompendo paradigmas. E a TV pode ser a próxima vítima.


Vídeo relacionado:


Adeus TV! Olá YouTube!

Nessa combinação incrível de YouTube com smartphones, a antiga dupla dinâmica formada pelas emissoras e pelos aparelhos de TV pode estar com os dias contados. Pois os adolescentes e especialmente as crianças, que deveriam ser seus futuros consumidores, simplesmente as ignoram. Para eles, aquilo é uma caixa anacrônica e pouco atraente.

O principal desalinhamento acontece em um ponto central do modelo de negócio das emissoras: a grade de programação. Os jovens não conseguem entender porque têm que esperar o “horário certo” para assistir um determinado programa. Para eles, o horário certo é aquele em que eles querem ver o programa, qualquer que seja.

As emissoras estão se mexendo, ainda que muito tardiamente, só porque sentiram a água gelada em seus fundilhos. A maioria delas já tem aplicativos para computadores e dispositivos móveis em que se pode ver a programação a qualquer momento. Mas é uma solução mambembe, pois o programa só é liberado online depois de ter passado na telona. Ou seja, não resolve o problema da grade. Por que preciso esperar uma semana para, por exemplo, assistir a um novo episódio de Game of Thrones no HBO Go, se a temporada inteira já está pronta?

Sei que não dá para fazer isso com uma novela, que chega a ter 200 capítulos, e o nível de liberação dos novos acontece apenas poucos dias após sua gravação. Mas para, por exemplo, séries de 10 ou 20 episódios, não faz o menor sentido. E justiça seja feita, a Globo tem feito alguns experimentos interessantes com o seu aplicativo Globo Play, mas ainda insuficientes para atender às demandas de um público cada vez mais exigente.

Outro ponto de discórdia entre a TV e os jovens é a interrupção dos programas para comerciais. Eles estão acostumados a novas formas de monetização, inclusive com um controle enorme sobre os próprios comerciais. E esse é outro ponto que bate de frente com o modelo de negócios cristalizado das emissoras.

Por fim, há ainda a questão da privacidade. Crianças e adolescentes querem assistir a seus vídeos em paz. Leia-se: sem que seus pais fiquem controlando o que consomem. Os smartphones são perfeitos para isso. Já as TVs, que estão, aliás, cada vez maiores, se tornam inadequadas.

Como se pode ver, é uma situação delicadíssima e muito difícil de ser resolvida, pois a TV atender essas demandas significaria matar um negócio que, a despeito de uma contínua queda na audiência, ainda vai muito bem, abocanhando mais de metade de todo o bolo publicitário entre todas as mídias.

Mas um dia essas crianças crescerão. E seus pais não estarão mais aqui para continuar vendo TV. Para elas, quem está mandando muito bem e indicando o caminho a seguir, desde já, é o YouTube.

E é como eu sempre digo: quer prever o futuro? Olhe para as crianças agora.


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