Hoje comecei o dia lendo um artigo de Emir Sader, no Comunique-se, que propõe discutir se é possível existir imprensa livre feita por empresas privadas. O sociólogo argumenta que, como qualquer empresa, as de comunicação são movidas pela busca do lucro e que, portanto, estariam vinculadas aos interesses das elites econômicas e de seus anunciantes, o que inviabilizaria a liberdade de imprensa em suas fileiras.
É um bom ponto, e bem exposto. Mas terminei de ler o artigo com uma pergunta que o autor não discutiu convincentemente: afinal, então de onde viria a assim chamada imprensa livre? O máximo que Sader disse foi, no penúltimo parágrafo, que ela “tem que ser pública, de propriedade social e não privada”.
Respeitosamente discordo. Iniciei a minha carreira há 16 anos na Folha de S.Paulo, que hoje passa, junto com outros nomões da imprensa, por uma vergonhosa crise de credibilidade (o que estaria de acordo com o proposto por Sader). Mas foi interessante trabalhar lá no momento em que ainda existia alguma inocência do “foca”, para poder ver, por baixo de toda a sujeirada, como é possível fazer jornalismo sério e –sim– livre em uma empresa privada, se assim você se propuser.
Ao contrário do que sugeriu Sader, o último lugar onde a imprensa será livre é nas mãos do poder público. Pode até ser de qualidade: a TV Cultura de São Paulo é um bom exemplo que se mantém há décadas, apesar de ter agonizado por falta de verbas há alguns anos. Mais recentemente, vemos a TV Brasil, outra boa iniciativa. Mas obviamente elas não são livres.
Uma alternativa interessante é a da britânica BBC: apesar de possuir 12 superdiretores indicados pelo governo, eles não têm função executiva, atuando como uma espécie de board. A empresa é comandada de fato por outros diretores, executivos, e é financiada por uma espécie de imposto pago por todos os domicílios do Reino Unido que possuem televisão, o que lhe garantiu polpudos 3 bilhões de libras em 2005, fora qualquer outra renda que tenha obtido.
Mas o ponto é: não há interferência governamental na programação da BBC, condição crítica para sua qualidade e independência, que se tornaram referência internacional. Quando essa ingerência acontece, a imprensa vira joguete político e peça de campanha, confundindo-se com publicidade oficial, como a que foi parodiada no vídeo acima, do governo da Bahia.
Uma imprensa apenas do governo ou submissa a ele consegue ser pior que uma imprensa em que isso seja equilibrado por uma versão privada, mesmo que, no meio dela, apareçam veículos vergonhosos, como a Veja. Pois, em repúblicas de bananas como as nossas, um governo sem limites se deteriora em ditaduras chavistas, destruindo o país aos poucos. Já andei por vários países da América Latina, e a relação entre uma imprensa frágil, governo forte (e populista) e país depauperado é gritante.
Existe ainda uma terceira via, que sequer foi cogitada por Sader, e que pode ser a resposta à pergunta que dá o título a esse post: o jornalismo-cidadão, que floresce cada vez mais na Internet. Só não o coloco ainda como A resposta, pois, como seria de se esperar, misturam-se na Grande Rede jornalismo de primeiríssima qualidade com iniciativas antijornalísticas. Afinal, qualquer um pode escrever nela o que bem entender, sem se preocupar com a seriedade da apuração ou da produção do material. E também aí existem interesses, como no caso das empresas e do governo. Mas nessa (imensa) pluralidade pode-se encontrar a verdade. E ferramentas como o Google News ou Wikinews podem servir para colocar ordem na “bagunça”. Sader passou longe disso.