jeitinho

Você força a barra pelos seus interesses comerciais?

By | Educação, Jornalismo | No Comments
Comercial do KFC satiriza Neymar, um movimento muito visto na mídia internacional - Foto: reprodução

Comercial do KFC satiriza Neymar, um movimento muito visto na mídia internacional

A pergunta desse título não é uma provocação barata. Quem nunca passou dos limites, ficou com vontade de passar dos limites ou pelo menos viu alguém passando dos limites para atingir um objetivo comercial? Em um país assolado pela corrupção e com a moral destruída pelo nefasto “jeitinho brasileiro”, provavelmente todos já se enquadraram em pelo menos um desses casos. Isso é terrível para a evolução de toda a sociedade e, ao fazer isso, pode-se ter uma vantagem comercial imediata, mas, a longo prazo, todos –todos mesmo– saem perdendo. Mas, se está tão arraigado em nossa cultura, como escapar disso?

Uma coisa que venho discutindo nos últimos dias em casa, com os amigos, com os alunos, com colegas, com clientes (é, o assunto esteve em toda parte mesmo!) representa bem isso: as encenações de Neymar nos jogos da Copa do Mundo, especialmente nos dois primeiros. A competição está chegando ao fim, o Brasil já voltou para casa, mas o assunto continua rendendo.

Que fique claro: esse não é um artigo sobre futebol, nem sobre o Neymar, apesar de eu achar que a “catimba” é um jeito (bem) velho e abominável de se “jogar” futebol (afinal, isso não passa de “jeitinho sobre o gramado”). Mas o caso é perfeito para discutirmos a questão do título usando o comportamento da mídia sobre o tema como exemplo.


Vídeo relacionado:


Enquanto o mundo criticava pesadamente o comportamento da estrela máxima da Seleção Brasileira (com direito a ser satirizado em comerciais, como o visto acima, da cadeia de fast food KFC), parte da mídia brasileira, especialmente alguns canais de TV detentores dos direitos de transmissão “blindavam” o jogador. Se, para o resto do mundo, os adjetivos associados a ele giravam em torno de “grotesco”, “infantil” e “vergonhoso”, por aqui esses veículos o classificavam como “caçado”, “dedicado” e “brilhante”.

Oras, não se trata de uma diferença sutil de percepção: é diametralmente oposta! Como justificar isso?

É aí que a porca torce o rabo!

 

Garantindo o investimento

No Brasil, Globo (TV aberta), SporTV e Fox Sports (TV por assinatura) pagaram pelo direito de transmitir a Copa da Rússia. A Globo também assegurou direito de transmitir pela Internet (exclusiva) e pelo rádio. Ou seja, a Vênus Platinada estava com a Copa em todos os meios. Não foi divulgado quanto pagou à FIFA por isso, mas as seis cotas de patrocínio da Globo giraram em torno de R$ 180 milhões.

Não precisa ser gênio para entender que era fundamental para a empresa que a Copa fosse um sucesso de público e de crítica. Sim, as cotas já estavam vendidas, mas, como os direitos da próxima já estão assegurados, eles precisarão vender novamente daqui a quatro anos. E, se a principal estrela do time não brilhasse, isso seria ruim para os negócios. Pior ainda se fosse visto como um mau exemplo, pois levantaria críticas ao time, diminuindo o interesse pelo evento como um todo.

Era preciso, portanto, transformar tudo aquilo em um espetáculo ainda maior! O resultado disso foi ver toda a equipe de entretenimento e de jornalismo se contorcendo para tentar defender o indefensável.

Pode-se argumentar que futebol é espetáculo mesmo, e que, portanto, não precisa ter compromisso com a verdade.

Permita-me discordar.

 

“Fake entertainment”

Para o bem e para o mal, poucas coisas movimentam o brasileiro tanto quanto o futebol. E em tempos de Copa do Mundo, em que tudo parece estar (às vezes literalmente) vestido de verde e amarelo, se os principais veículos de comunicação (ou pelo menos os mais massificados) vão juntos para um único lado, as versões acabam se tornando “verdades”.

Portanto, distorções como essas são equiparáveis às infames “fake news”, as notícias falsas que tanto combato aqui, em minhas palestras e em minhas aulas. Senão vejamos: criaram mentiras usando elementos reais para manipular a opinião pública, com objetivos econômicos (ou políticos ou ideológicos).

Oras, essa é a definição de “fake news”.

Se os jornalistas e a turma do entretenimento da Globo falassem as coisas como são, qual seria o impacto para os negócios?

Provavelmente a audiência cairia, o que desagradaria os anunciantes, diminuindo a sua disposição para futuros investimentos. Isso se sustenta pelo fato de que o interesse do brasileiro pela Copa na Rússia foi o mais baixo já registrado em qualquer Copa. Para piorar, isso é ainda mais verdadeiro nas regiões mais ricas do país, exatamente onde os anunciantes mais querem aparecer bem.

Então dá-lhe mais brilho ainda no Canarinho Pistola!

 

Sociedade contaminada

Como disse acima, a mídia na Copa é só um exemplo bem vivo na cabeça de todos.  Mas infelizmente esse “vale tudo” nos negócios está bastante disseminado no nosso jeito de fazer negócios.

Lembro-me de certa empresa gigantesca em que trabalhei, onde todos os profissionais eram obrigados a passar por um treinamento de “compliance” em todos os semestres. E o treinamento era sempre o mesmo, com as mesmas regras, normas, diretrizes de como o negócio deveria ser conduzido. Em determinado momento, comecei a achar aquela repetição estranha e um tanto exagerada. Até que ouvi de outros colegas, durante o próprio treinamento, a seguinte frase: “se eu seguir isso, a concorrência me come!”

Em outras palavras, aqueles profissionais deliberadamente não seguiriam as regras, pois sabiam que a concorrência não faria isso. Então partia-se para o “vale-tudo’: às favas com os limites morais e legais.  O fim justificava os meios!

Apesar de chocante, aquilo não me surpreendeu. Pois vejo esse tipo de coisa todos os dias, desde os desvios bilionários noticiados em horário nobre, até pequenas corrupções, como furar uma fila ou “molhar a mão do guarda”;

Sim, pois “jeitinho” e corrupção são dois nomes para o mesmo desvio ético.

Ele infesta a nossa sociedade devido a nossa falência educacional e a cinco séculos de “querer se dar bem em cima do outro”, desde a troca de toras de pau-brasil por espelhinhos. Nossa história criou uma sociedade em que, para se ter muito, vale ferir todos os limites morais e legais, desde que não seja descoberto.

É uma pena, pois o resultado disso é um círculo vicioso em que se continua errando para continuar nos negócios. Pior: quem deseja fazer a coisa certa, sofre grandes dificuldades (isso quando não é simplesmente taxado de “otário”). Com consequência maior, temos uma sociedade que não consegue progredir, cujos valores são cada vez piores. Que acha lindo como “as coisas funcionam no Primeiro Mundo”, mas que não percebe que isso é tão mais verdade, quanto menos corrupto é a população do país.

Para escaparmos disso, todos temos que nos envolver. Não há ética pela metade!

Calculo que o tempo para revertermos essa situação é de uma geração inteiro, se o trabalho for muito bem feito desde o começo. No mínimo! E os dois principais instrumentos são a mídia (jornalismo e entretenimento) e a educação (no sentido amplo da palavra).

A primeira porque tem o papel de informar e de formar o cidadão. Qualquer jornalista estuda (ou deveria estudar) isso no primeiro ano da faculdade. Ela é o farol da sociedade, ajudando a moldar nossos valores. Por isso, é muito fácil comprovar que as sociedades mais desenvolvidas têm mídias mais desenvolvidas.

A educação, por sua vez, é o que nos dará instrumentos para sermos cidadãos mais críticos, mais completos e mais íntegros. Precisamos de uma educação de alta qualidade e para todos (todos mesmo, sem demagogia), um sistema que ensine bem os conteúdos acadêmicos necessários, mas que também seja inclusivo, igualitário, democrático. E desgraçadamente estamos bem longe disso tudo.

É possível construirmos tanto uma quanto outra ferramenta. Basta querermos. E começar combatendo as malandragens cotidianas.

Quando conseguirmos atingir esse objetivo, não precisaremos de “catimba” para ganharmos o jogo. Nem no futebol, nem nos negócios, nem na nossa vida em sociedade.


Artigos relacionados:


Dá para melhorar o Brasil?

By | Educação | 3 Comments
O deputado Jean Wyllys (de vermelho) cospe no deputado Jair Bolsonaro (com braços levantados) em plena Câmara dos Deputados - Foto: reprodução

O deputado Jean Wyllys (de vermelho) cospe no deputado Jair Bolsonaro (com braços levantados) em plena Câmara dos Deputados

Há dez dias, assistimos a um espetáculo de fanfarronice de deputados governistas e oposicionistas na votação do impeachment na Câmara. Transformaram seus segundos de fama diante de uma enorme audiência em um palanque grotesco. Mas aquilo pode nos ensinar muito sobre o caminho para melhorar o Brasil.

Desde aquele fatídico domingo, as redes sociais têm sido tomadas por todo tipo de manifestação a favor ou contra tudo que foi visto lá. Naturalmente alguns deputados acabaram ganhando mais destaque, infelizmente menos pelas suas ideias e mais por cenas bizarras que protagonizaram. Diante disso, nós nos indignamos, rimos e até ridicularizamos alguns. Mas, assim como os deputados, muitos fizeram isso levados pela emoção e por seguir o clamor popular, em um verdadeiro efeito-manada político, sem a devida reflexão.


Vídeo relacionado:


Será que não estamos ridicularizando a nós mesmos?

Apesar de toda repulsa que isso nos causa, não podemos esquecer que aquele circo representa as crenças da população.

Sei que pode parecer horrível dizer isso e muito difícil admitir tal coisa. Mas todas aquelas pessoas foram eleitas pelo que pensam ou pelo que representam na sociedade. Para comprovar isso, basta considerar os deputados Jean Wyllys e Jair Bolsonaro. Ambos habitam extremos opostos da sociedade e estão constantemente entrando em conflito na Câmara. Na votação acima, Bolsonaro provocou Wyllys logo após ele ter votado e recebeu, em troca, uma cusparada.

As atitudes de ambos são condenáveis. Não obstante, é bem fácil encontrar grupos que os defendem, mesmo depois de mais esse confronto. E não poderia ser diferente, pois seus posicionamentos são os mesmos desses grupos sociais. Por isso, essas pessoas os elegeram e os continuam apoiando.

Bolsonaro e Wyllys são apenas dois exemplos, mas a Câmara é povoada por seres que representam os ideais de grupos específicos, que podem parecer aberrações ao resto da população. Mas esse é o jogo democrático.

O que me leva à pergunta fatídica: por que o Congresso Nacional, a exemplo da sociedade que o elege, se transformou em um circo de horrores?

 

“Espelho mágico, espelho meu”

O Congresso Nacional –e na verdade os três poderes nas três esferas– representam o povo. Precisamos então pensar no que levou a sociedade a esse ponto e como melhorar isso.

Vivemos um vale-tudo cuja raiz está no Brasil Colônia. Nesse cenário, ganha quem é mais forte, grita mais alto, é mais malandro ou simplesmente porque “está pagando”.

Como poderia ser diferente se a história brasileira começou com a Coroa Portuguesa despachando a escória da sua sociedade para colonizar suas novas terras? Some-se a isso o completo desprezo da Metrópole pelo desenvolvimento da Colônia, escravidão e uma completa falta de acesso à educação, e você tem elementos de nossa cultura que foram cultivados ao longo de séculos. Como resultado, temos a corrupção endêmica, o “jeitinho brasileiro” (que, a despeito do romantismo que lhe conferem, também é corrupção), o suborno ao guarda, o pouco caso com leis e instituições, a “Lei do Gerson”, o “você sabe com quem está falando” e muitos outros comportamentos da mesma estirpe.

De uns tempos para cá, a situação só vem piorando. Em uma sociedade em que é muito mais importante “ter” que “ser”, o vale-tudo descambou para a população querendo se armar e tendo mais medo da polícia que dos bandidos em algumas regiões, os falidos serviços essenciais do Estado sendo substituídos por versões privadas (o que enfraquece ainda mais o Estado), a busca inconsequente por todo tipo de prazer e a vontade de fazer justiça com as próprias mãos. Afinal, hoje se mata por muito pouco (ou por nada) no Brasil. Desse caldo, florescem o ódio, o radicalismo e a inconsequência.

 

A única saída

Naturalmente, todas essas medidas só fazem piorar ainda mais a situação. A sociedade brasileira é como uma enorme roda girando cada vez mais rapidamente no sentido da intolerância autodestrutiva. E tudo o que foi dito acima acelerará mais e mais essa roda, até um ponto em que não será mais possível detê-la. E então o Brasil estará condenado. Viveremos em um “Mad Max” cotidiano.

Claramente o que temos que fazer é desacelerar a roda, forçando uma rotação contrária. E isso implica em, primeiramente, parar de fazer tudo o que foi dito acima. O vale-tudo, o “jeitinho brasileiro”, a “Lei do Gerson” e a justiça pelas próprias mãos são cânceres que estão matando o Brasil.

Mas isso ainda não será suficiente. Outro fator essencial para “curarmos” nossa sociedade é investir pesadamente em educação. Educação séria, de qualidade, ampla e para todos.

Simples, não é? Nem tanto, infelizmente…

O primeiro obstáculo é convencer a população a abandonar esses maus hábitos. E isso significa lutar contra um sentimento de que, se deixar de fazer isso, acabará sendo “passado para trás” pelos que não fizerem o mesmo. E desgraçadamente isso acontecerá em muitos casos. Mas é necessário resistir e não ter uma recaída para o “lado negro”. E sempre contagiar o próximo para o que é certo.

A segunda grande barreira é convencer o governo a levar a educação com seriedade, melhorando a formação e as condições de trabalho dos professores, devolvendo-lhes autoridade e autoestima, criando uma base curricular realmente de excelência e trazendo a sociedade para dentro da escola. E isso para todos os brasileiros! Mas os políticos preferem uma massa ignorante e fácil de manipular. Portanto o governo não faz isso direito desde… bem, desde sempre.

Gosto muito do exemplo da Coreia do Sul. Em 1950, a Coreia era considerado o país mais pobre do mundo, muito mais pobre que o Brasil da época. Após o fim da guerra que consolidou a divisão do país entre o norte socialista e o sul capitalista, este último começou um intenso e consistente programa de educação de toda a população. Com resultado, depois de 35 anos, a Coreia do Sul saiu da miséria para figurar entre os Tigres Asiáticos. Hoje é considerada a 13º maior economia do mundo, com o 17º melhor Índice de Desenvolvimento Humano.

E foram necessárias apenas algumas décadas…

Portanto, se fizermos tudo o que precisamos, não teremos resultados no ano que vem. Nem na década que vem. Afinal, temos que arrumar uma bagunça de 516 anos! Portanto, temos que ser persistentes, sem esmorecer diante dos obstáculos que certamente surgirão. E aí, daqui a uns 50 anos, o brasileiro poderá bater no peito e dizer que vive em um dos melhores países do mundo.

Não há outro jeito. Sem fórmulas mágicas.

A alternativa é continuar do jeito que está. Assim poderemos seguir rindo de deputados se agredindo em pleno Congresso Nacional. E rindo também da nossa própria incompetência.


Artigos relacionados: