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Crianças leem livros entregues pelo Programa Nacional do Livro Didático ¬ Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Tirar livros de escolas paulistas representa enorme retrocesso disfarçado de modernidade

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Na semana passada, uma decisão do governo do Estado de São Paulo causou revolta em educadores: o secretário da Educação, Renato Feder, determinou que, a partir do ano que vem, os alunos da rede estadual no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e no Ensino Médio não usarão mais livros impressos. Ao invés disso, os professores ministrarão as aulas com slides criados pela equipe da Secretaria de Educação, projetados em telas.

Um outro aspecto da medida igualmente problemático é a decisão do governo paulista de abandonar o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) nessas faixas etárias. Por esse mecanismo, há mais de 80 anos o Governo Federal compra e entrega os livros para todos os alunos das escolas públicas do país, depois de os professores de cada instituição ou rede escolherem os títulos que preferem.

Feder disse que o conteúdo dos livros do PNLD estão “rasos e superficiais”, uma afirmação leviana e questionável. Para ele, o material digital do governo paulista é “mais assertivo”.

Dificilmente uma decisão poderia estar mais errada e desagradar tanta gente. Ela contraria as pesquisas de ponta em educação e as práticas adotadas em países com os melhores sistemas de ensino do mundo.

Tanto que, depois dos protestos dos educadores, o governo de São Paulo recuou e disse, no sábado, que também oferecerá seu material digital impresso em apostilas. Isso só demonstra que eles ainda não entenderam onde está o gritante retrocesso na “modernidade” que estão impondo.


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A simples digitalização do material didático é um erro por diferentes motivos. O primeiro é que, contrariando o que muitos pensam, crianças necessariamente não sabem estudar em telas. Por mais que sejam nativos digitais e usem computadores e celulares em seu cotidiano, estudar em uma tela é muito diferente de usar uma rede social ali. Além disso, o estudo em meios digitais exige uma disciplina que crianças e adolescentes não têm, o que ficou evidente durante a pandemia.

Diversos relatórios internacionais atestam que o uso intensivo de tecnologia piora o processo de aprendizagem, ao invés de melhorá-lo. Com base nisso, estudo recente da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) recomenda seu uso moderado, sempre como complemento, nunca como substituição a outras estratégias em sala de aula.

No Pisa, avaliação internacional de desempenho escolar organizado pela OCDE, entre os 79 países participantes, os melhores resultados vêm daqueles que usam moderadamente a tecnologia em sala de aula. Entre os que fazem uso mais intensivo, os resultados pioraram.

Isso é tão verdadeiro que os países com melhor educação no mundo vêm diminuindo a adoção de material didático digital, que passa a ser apenas um complemento. Vale dizer que, nesses países, essa adoção foi feita de maneira gradual, sem eliminar livros e com a participação dos professores, bem diferente da decisão paulista, abrupta e tomada no gabinete do secretário.

“Nessa era digital, o que a gente mais precisa recuperar no estudante é a capacidade de concentração”, afirma Ana Lúcia de Souza Lopes, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em tecnologia na educação. “A escola ainda é um lugar para isso.”

 

E o professor?

Se a intensa digitalização da sala de aula é ruim para o aluno, precisamos também considerar o professor. Ele foi formado sem esses recursos, portanto, em primeiro lugar, precisa aprender a ensinar com eles. Não se trata de mera transposição de conteúdo entre mídias. E ele não foi consultado se esse material atende a suas necessidades e às de seus alunos, que variam muito de escola para escola.

Esse é mais um prego no caixão da autonomia e do reconhecimento social desses profissionais. Suas funções e sua liberdade vêm sendo tolhidas há muitos anos e, com a decisão do governo paulista, ele parece ficar reduzido a um mero aplicador de apostila digital, que pode até melhorar os indicadores da prova que os alunos de São Paulo fazem, mas que piora sua formação.

É de se perguntar que tipo de professores que desejamos: o que resulta desse achatamento profissional ou um verdadeiro educador? Da mesma forma, que escola desejamos: uma que se concentra em “passar a matéria” ou aquela que, além disso, forma cidadãos preparados para usar esse conhecimento e transformar o mundo?

Tenho debatido longamente nesse espaço o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho. Fica cada vez mais claro que as máquinas substituirão os profissionais mais operacionais, enquanto darão mais poder àqueles com uma visão ampla da sociedade. Se a escola se limita a aspectos técnicos, está formando pessoas que, em breve, não terão mais espaço no mundo.

Nesse sentido, o abandono do PNLD por São Paulo é emblemático. Apesar do desdém do secretário, as obras oferecidas pelo programa seguem rigorosos padrões para serem produzidas e aprovadas. Tanto que também são usadas pelas melhores escolas particulares do país, inclusive em São Paulo. Além disso, elas oferecem algo que a “obra única” do governo local não tem: diversidade e validação de sua qualidade por pares.

Isso não quer dizer que o PNLD seja perfeito: há controvérsias em torno dele, e isso faz parte de uma democracia. “Se por acaso não considera o PNLD adequado, São Paulo tem que contribuir para melhorá-lo, e não se retirar”, sugere Lopes. Para ela, o maior risco disso tudo é querer uniformizar a educação, pois ela não é assim, inevitavelmente são realidades diferentes em cada caso e isso precisa ser respeitado.

Ainda há tempo para o governo paulista reverter essa insanidade arbitrária. Quando se fala de educação, os professores continuam sendo os principais atores, e precisam ser ouvidos. A simples digitalização de processos jamais garantiu sua melhora, em nenhuma área. Uma transformação digital só faz sentido se solucionar os verdadeiros problemas dos clientes, que precisam ser conhecidos e considerados.

Nesse caso, os clientes são os alunos e os professores. Mas a proposta do governo paulista ignora a realidade dos primeiros e passa ao largo dos reais desafios que os últimos enfrentam, como salários indecentes, enorme desprestígio social, formação limitada, infraestrutura pedagógica ruim e políticas educacionais ultrapassadas.

Nada disso está sendo sequer tocado! Esse “verniz digital” não serve nem para deixar os problemas mais bonitos.

 

Enquanto big techs e e-commerce demitem aos milhares, livrarias vivem renascimento

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De um lado, “unicórnios”, big techs e gigantes do varejo digital demitem sem parar. Do outro, livrarias físicas, para muitos condenadas, mostram sinais de um inusitado ressurgimento. Naturalmente não são todas, mas o fato de algumas estarem com esse vigor merece uma análise. Afinal a raiz desse sucesso pode ser replicado em outros negócios: oferecer uma boa experiência ao cliente e uma administração responsável.

O cenário do primeiro grupo é desolador. Os demitidos nas empresas de tecnologia nos últimos 12 meses giram em torno de 100 mil em todo mundo, inclusive no Brasil. Entre as causas, acabou o “dinheiro fácil” de investidores, usado para crescer rapidamente: a crise global moveu esses recursos para negócios mais estáveis. Há também um realinhamento após volumosas contratações durante o distanciamento social, para dar conta da repentina digitalização de nossas vidas. Por fim, essas empresas estão efetivamente fazendo menos dinheiro no pós-pandemia.

Algumas livrarias, por outro lado, colhem os frutos de mudanças em seus modelos de negócios e na própria visão do que fazem, atualizando empresas com muita história. Com isso, não apenas estão fazendo dinheiro, como estão crescendo.


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Talvez o caso mais emblemático seja o da cadeia de livrarias americana Barnes & Noble. Fundada em 1886, em 2008 chegou a ter 726 lojas em todos os estados do país. O setor já vinha sofrendo forte concorrência do e-commerce e dos leitores de livros digitais, e isso só aumentou de lá para cá. Ainda assim, em meio a concorrentes tradicionais fechando as portas, a empresa conseguiu se segurar e terminou o ano passado com 600 lojas. Mas o sinal mais interessante é que pretende abrir 30 novos endereços em 2023.

O “bicho-papão” do setor, a quem se atribui grande parte dessa quebradeira, é a também americana Amazon, com sua máquina de vender de tudo –inclusive livros, aliás sua origem– e seu leitor eletrônico Kindle. Ela provocou grandes mudanças no comportamento do consumidor. As pessoas estão lendo mais, com o digital ganhando mais espaço, tanto no formato, quanto na forma de comercialização. Livrarias e editoras que não conseguiram se adaptar a isso foram colocadas para fora do mercado.

As 600 lojas das Barnes & Noble podem passar a falsa impressão de que os problemas da rede não são tão grandes. Eles são e cresceram à medida que a empresa tentou bater a Amazon em seu terreno. Chegou até a lançar seu próprio leitor de livros eletrônicos, o Nook, em 2009. Mas em 2018 a empresa perdeu US$ 18 milhões e demitiu 1.800 funcionários, inclusive seu CEO, Demos Parneros, sob acusações de assédio sexual.

A virada aconteceu com James Daunt, um britânico conhecido por fazer “mágica” no setor de livros, que assumiu o posto de CEO em agosto de 2019. Ao chegar lá, disse que as lojas eram “crucificantemente chatas”. E então começou seu trabalho, que, de mágico não tem nada, apesar de contrariar o que executivos do setor defendem.

Ele eliminou descontos, com a crença de que diminuem o valor percebido dos livros. Além disso, não aceita dinheiro das editoras para promover títulos, pois não quer ser forçado a empurrar obras ruins goela abaixo dos leitores. Pelo contrário, faz questão que seus vendedores sejam amantes da literatura, e ofereçam livros realmente bons para cada cliente, mesmo que não sejam best-sellers.

Na pandemia, com lojas fechadas, Daunt determinou que vendedores reorganizassem as lojas segundo critérios que achassem que favoreceriam livros e leitores, eliminando espaço de produtos “concorrentes”, como brinquedos e bugigangas. Agora, ironia das ironias, algumas das novas Barnes & Noble podem ocupar lojas onde recentemente a Amazon tentou sem sucesso vender livros nos EUA.

Para muitos, Daunt pode apenas ter sorte. Mas não é nada disso e não está sozinho!

 

Respeite o cliente

Essa mudança bem-sucedida sugere o fim das megalivrarias, que reuniam incontáveis serviços para atrair o público, desde café até eventos musicais. Era como se os livros não fossem mais suficientes para atrair clientes.

Quando isso se alastrou pelo mundo há 30 anos, muitas boas livrarias sucumbiram àquele novo poder impulsionado pelo dinheiro. Isso aparece no filme “Mensagem para Você” (1998), em que Tom Hanks interpreta o dono de um conglomerado (que poderia ser a Barnes & Noble da época) que quebra uma livraria de bairro, sem saber que a dona, vivida por Meg Ryan, era a mulher por quem havia se apaixonado online.

Se são necessários café e brinquedos para vender livros, talvez o negócio não seja… livros. Como em qualquer caso, a boa venda acontece quando se conhece o produto e o cliente, e quando se é capaz de se oferecer o produto certo para cada necessidade, sem forçar a “bola da vez”. Por mais que exista “dinheiro de incentivo”, a longo prazo as pessoas comprarão mais daqueles que os atenderem genuinamente bem.

Esse é o segredo da Amazon. Sim, é de amplo conhecimento que a empresa tem práticas consideradas abusivas contra fornecedores e funcionários, problemas que precisam ser resolvidos. Mas seus algoritmos e seus atendimento focam no cliente.

Na época em que a Amazon se preparava para operar no Brasil, eu trabalhava para uma grande editora nacional. E ficava chocado quando, nas reuniões semanais da diretoria, a preocupação era buscar mecanismos para atrapalhar ao máximo a chegada da gigantesca concorrente. Em nenhum momento eram propostas soluções para a experiência dos clientes passar ser melhor que a oferecida pela Amazon.

Resultado: hoje a Amazon está bem estabelecida no Brasil, enquanto aquela marca nacional é uma pálida sombra do que era há uma década.

Muitas livrarias brasileiras, outrora fantásticas, também tiveram destino semelhante, como a Cultura e a Saraiva. Por outro lado, é uma alegria ver que muitas outras, como a Livraria da Vila, a Travessa e a Curitiba, escolheram caminhos mais alinhados com o de Daunt. Elas estão crescendo, mesmo com a crise, mesmo com a pandemia, mesmo em um país conhecido por ter cidadãos que leem pouco. E elas conseguem isso porque atendem bem o público no seu negócio, que é vender livros.

Isso é respeito e até uma forma de amor pelas pessoas e pelo que se faz. A ideia pode ser aplicada a qualquer negócio. Não há nada de errado em querer diversificar, desde que isso não o tire do seu foco e o afaste de seu público. Eu tenho muitas atividades, mas amo jornalismo, e por isso estou aqui “conversando” com vocês, e espero fazer isso sempre bem.

Talvez seja o caso de gestores perguntarem o que amam.

 

Blockchain vai muito além de criptomoedas e pode até ajudar a combater “fake news”

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“Vai falar de Bitcoin?”

A provocação de José Luiz Goldfarb, diretor da EDUC (Editora da PUC-SP), reflete a visão limitada que a população tem sobre a tecnologia blockchain. Isto, quando se tem qualquer noção sobre ela!

É verdade que, de longe, o uso mais popular do blockchain recai sobre as chamadas “criptomoedas”, métodos de troca de valores descentralizados, cujo maior expoente é o Bitcoin. Mas, como ficou claro na transmissão moderada por Goldfarb no dia 15, essa tecnologia possui muitas outras aplicações, tão ou mais interessantes que essas moedas digitais.

O evento marcou o lançamento do livro “A Expansão Social do Blockchain” pela EDUC. A obra foi organizada por Lucia Santaella, coordenadora do programa de pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP.

“Embora o tema seja jovem, penetrar em seus meandros se torna imperativo, quando seus efeitos começam a se fazer sentir na vida”, justificou Santaella. “A expectativa era que essa tecnologia fosse capaz de criar um novo modelo de internet, porque esse que está aí, principalmente no que diz respeito a redes sociais, fracassou”, explicou.

A obra aborda usos do blockchain em áreas como a crise de confiança da sociedade, “fake news”, integridade de dados pessoais nas redes, aprendizagem e –claro– criptomoedas e meios de pagamento digitais. Trata-se de uma compilação de artigos dos membros do grupo Sociotramas, organizado por Santaella, que reúne pesquisadores de diferentes áreas e instituições para discutir temas ligados a redes sociais (conheça aqui os coautores e detalhes da publicação).

Quatro dos coautores participaram da transmissão, abordando o tema de seus respectivos artigos. Magaly Prado, por exemplo, falou sobre como o blockchain pode ser usado para combater as “fake news”, as infames notícias falsas. “Uma plataforma descentralizada visando usar a tecnologia blockchain em nome do jornalismo é louvável e torna as informações de uma rede independente de redações mais confiáveis, preponderante em tempos de reputação baixa por conta da desinformação desembestada”, explicou.

 

Confiança, “fake news” e integridade

Marcelo de Mattos Salgado trouxe uma análise sobre a crise de confiança que afeta, de modo geral, o mundo ocidental –e como o blockchain se encaixaria neste cenário. Segundo ele, “talvez a crise de confiança seja movida, pelo menos em parte, pela referida automatização dos processos de segurança, como o blockchain, que efetivamente substitui os elos de confiabilidade, tão humanos”.

O combate às “fake news” também foi abordado por Kalynka Cruz-Stefani. “O meu trabalho tem uma visão analítica sobre esse sistema de propagação de ‘fake news’”, explicou. “Estudos mostram que, a partir de 2023, 30% delas serão descobertas e combatidas pelo blockchain”,

Por fim, Paulo Silvestre esclareceu como essa tecnologia pode ajudar na integridade de informações pessoais nas redes, hoje totalmente pulverizadas e controladas por grandes empresas e instituições. “Nós garantimos, usando o blockchain, não só a integridade dos dados, como também que temos o controle de nossa própria informação”, explicou. Além disso, usos criativos fazem com que isso esteja de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que entrou em vigor no Brasil em setembro.

O livro já está disponível como e-book ou para ser lido no leitor eletrônico Kindle. A versão impressa estará disponível a partir de janeiro, pela EDUC.

“A inteligência humana tem caminhos misteriosos”, disse Santaella. Em linha com os outros autores, ela acrescentou que “o grande afetado pelas redes sociais, “fake news” e pós-verdade é o jornalismo, e nós não podemos viver sem jornalismo”. A professora concluiu dizendo que “quando nós perdemos a confiança nele, o que nos resta para conhecer o que de fato aconteceu?”

Você pode acompanhar a íntegra em vídeo do lançamento do livro “A Expansão Social do Blockchain” na TV PUC. Ainda, saiba como foi a apresentação de Maria Collier de Mendonça sobre o livro no XIII Simpósio Nacional da ABCiber.


* colaborou Marcelo de Mattos Salgado

O que os livros impressos da Amazon representam

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Caixa padrão da Amazon - Foto: divulgação

Na última quinta-feira (21), a Amazon começou a vendar livros impressos em sua operação brasileira, antes restrita a livros digitais, aplicativos e seus e-readers Kindle. Isso detonou uma gritaria acusando a gigante do varejo de práticas draconianas contra editoras e de descontos agressivos, o que liquidaria os pequenos livreiros. Mas ninguém está falando daquilo que a entrada da empresa no varejo de produtos físicos realmente representa: a desconstrução dos modelos de negócios das editoras e das livrarias.

A Amazon de fato pratica preços baixos, mas eles não são necessariamente os mais baixos do mercado. Peguemos, como exemplo, o livro de não-ficção mais vendido no Brasil de 11/8 a 17/8, segundo o Publishnews: “Destrua Esse Diário”, de Keri Smith. No momento em que esse texto está sendo escrito, a Amazon o vende a R$ 16,20, mais caro (segundo pesquisa no Buscapé) que Ponto Frio.com (o mais barato, a R$ 14,85), Saraiva.com e Livraria da Folha, e empatado com a Fnac.com.

A empresa também é reconhecida por um atendimento e respeito ao consumidor excepcionais, indo muito além do que a lei exige. Um bom exemplo é o prazo de devolução do produto: 30 dias, quando o Código de Defesa do Consumidor prevê apenas 7 (para os quais a maioria dos varejistas torce o nariz e “esconde” essa informação). Traz também soluções comerciais e técnicas muito interessantes, como entregas rápidas e o serviço “Leia enquanto enviamos”, que permite a leitura da versão digital do livro comprado enquanto ele não chega. Sem falar no uso do “big data”, para criar ofertas realmente diferenciadas para cada consumidor.

É difícil ir contra qualquer uma das coisas ditas acima: em tese, elas obrigarão o mercado como um todo a elevar a qualidade de seu atendimento. Então qual é o “problema”?

A Amazon realmente causa estragos tornando modelos de negócios obsoletos. Ela impõe ao varejo e ao mercado editorial mudanças que outras indústrias já enfrentam (não raro sem sucesso), como a fonográfica.

No caso do varejo, os preços baixos são o menor dos problemas dos concorrentes. Qualquer e-commerce é uma operação de varejo, que entrega produtos físicos (muitas vezes grandes e pesados, em lugares distantes). Não basta, portanto, ter um site bacaninha e vender a preços mais baixos que as lojas físicas. Práticas comerciais e logística deficientes, aliadas à queima de preços, geram operações altamente deficitárias, e temos gente muito grande no e-commerce brasileiro tomando prejuízo por isso.

A turma de Jeff Bezos não costuma cometer esses erros. No caso do varejo de livros, outros e-commerces e livrarias do tipo “megastores” são os grandes prejudicados, pois seu diferencial de mix de produtos e preços baixos desaparece. O impacto é menor em livrarias com gestões mais inteligentes, como a Cultura e a Livraria da Vila (e até algumas livrarias de bairro), onde o simples comércio evoluiu para uma experiência rica de compras, com lojas transformadas em espaços de eventos e vendedores transformados em consultores editoriais.

No caso das editoras, a situação é mais grave. A Amazon realmente aperta seus pescoços para que os preços caiam. E essa é uma briga mundial, como pode ser visto em várias batalhas jurídicas entre o varejista e editoras nos EUA e em países da Europa. Porém o mais grave, que atinge o coração das editoras, é a oferta aos autores para que eles editem e publiquem, por sua conta, seus livros. A própria Amazon, a Apple e outros oferecem sistema de “autopublicação” poderosos e fáceis de usar, que tornam a publicação de um livro uma tarefa que dispensa a figura da editora. De quebra, esses players promovem e vendem as obras em suas lojas virtuais, garantindo aos autores royalties incrivelmente mais alto que o oferecido pelas editoras tradicionais.

Não é de hoje que esse tema frequenta “O Macaco Elétrico”. Editoras e livrarias tentam encontrar maneiras de perpetuar seus modelos moribundos, normalmente tentando aprovar leis que contrariam os interesses dos consumidores, e se organizando para enfrentar as exigências dos varejistas mais exigentes. Mas agora a Amazon finalmente chegou para essa queda de braço.

Como pode ser visto, não é uma questão simplória de preço. Trata-se de modernizar o negócio de livros. Não dá para continuar tapando o sol com a peneira.

Em time que está empatando, não se mexe?

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Foto: Manuel de Sousa/domínio público

O mercado de livros impressos no Brasil teve um crescimento inexpressivo em 2013, enquanto as receitas com e-books mais que triplicaram no mesmo período. Mesmo assim, as iniciativas digitais de editoras e livrarias continuam extremamente tímidas, para não dizer que há um boicote deliberado para tentar retardar o quanto puderem a migração para os meios digitais.

Os índices acima são da pesquisa Produção e Venda do Setor Editorial, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), encomendada pela CBL (Câmara Brasileira do Livro) e pelo Snel (Sindicato Nacional de Editores de Livros), divulgada nesta terça (22). Segundo o estudo, o mercado de livros impressos cresceu 7,52% em 2013, com vendas de R$ 5,3 bilhões. Porém, se descontarmos a inflação do período (5,91%), o crescimento real foi de mísero 1,52%. O resultado, que já não é alentador, fica pior se descontarmos as gordas compras do governo, de R$ 1,4 bilhão. Nesse caso, o crescimento foi nulo. Já as receitas com e-books cresceram 225%, saltando para R$ 12,7 milhões.

Não é grande coisa: a participação dos livros digitais é de apenas 2,3% do negócio de livros brasileiro. Como comparação, o e-commerce já passa de 10% do faturado pelo comércio como um todo. E, comparando conteúdo com conteúdo, o mercado de música digital já supera metade do total faturado pela indústria fonográfica.

Essa participação tão pequena dos livros digitais se deve mais ao desinteresse das editoras que dos autores. Foram produzidos 30.683 títulos digitais em 2013, sendo 26.054 e-books e 4.629 app-books, livros digitais que são, na verdade, aplicativos e oferecem recursos mais avançados (exemplos: Frankie for Kids e The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore). Muitos desses títulos vêm de publicadores independentes ou pelo menos não ligados às grades casas editoriais. Isso ficou ainda mais fácil com os sistemas de autopublicação, como o iBooks Author e o Kindle Direct Publishing –que permitem que qualquer pessoa edite e publique sozinho seus e-books.

A reação das editoras vem sendo a pior possível. Ao invés de fomentar o mercado de livro digital, cujo custo de produção é muito mais baixo que o equivalente impresso, tentar cercear o seu crescimento, com iniciativas como amarrar em contrato que os e-books não sejam vendidos por menos que 70% dos equivalentes em papel. Dessa forma, desestimulam a migração para o novo formato. Impossível não comparar com o que ocorreu nos EUA, especialmente graças à Amazon, que vende livros digitais a valores muito mais baixos que os impressos. Dessa iniciativa, vieram dois resultados: as vendas dos títulos explodirem e as receitas dos livros digitais já superaram as dos impressos.

Mas a Amazon é varejo. Só conseguiu isso usando sua massiva força de venda para pressionar as editoras. Aqui no Brasil, entretanto, as livrarias têm um comportamento ainda pior que as editoras, capitaneadas pela ANL (Associação Nacional de Livrarias), que encara o livro digital como uma ameaça ao segmento. Não dá para esquecer a carta aberta que Ednilson Xavier, presidente da entidade, publicou em dezembro de 2012 com quatro propostas para proteger seus afiliados. Além do teto de 30% de desconto para as versões digitais dos livros, ele também propôs que esse desconto seja uniforme para todos os canais de venda, que, caso as editoras ou as distribuidoras vendam diretamente ao consumidor, esse desconto despenque para 5% e –pasmem– que livros sejam lançados na versão digital apenas depois de 120 dias da versão em papel.

Ednilson está, claro, fazendo o seu papel (sem trocadilhos). O livro digital ameaças as livrarias ainda mais que as editoras. Nos EUA, as livrarias digitais já vendem mais livros (incluindo os impressos) que as suas concorrentes “tradicionais”: US$ 7,54 bilhões contra US$ 7,12 bilhões.

Atitudes como as acima só demonstram o desespero de alguém incapaz de se adaptar a uma nova realidade em que pessoas compram e leem cada vez mais livros digitais em seus tablets, smartphones e e-readers, mesmo com preços artificialmente majorados. Para se manterem vivas, editoras e livrarias colocam o interesse do leitor em segundo plano.

Não estou sugerindo que caminhem graciosamente para seu fim sem fazer nada. Estou propondo que façam justamente algo, mas que seja construtivo. E isso significa uma mudança real de paradigmas. Aos que não se modernizarem, ainda lhes restará a venda de livros em papel, que continuarão existindo por muitos anos, principalmente em um país com uma grande deficiência de infraestrutura tecnológica como o nosso.

O que é inaceitável é manter a postura de “tapar o sol com a peneira”, “impedir a chegada do futuro” (que, por sinal, já é presente). Essa tática de não mexer em time que está empatando é coisa de técnico de futebol medíocre. Logo, logo, acabarão tomando uma goleada de 7 a 1.

A hora e a força das autopublicações

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Foto: Maximilian Schönherr

A combinação de sistemas como o iBooks Author e o Kindle Direct Publishing –que permitem que qualquer pessoa edite e publique sozinho seus e-books– com a chegada oficial no Brasil das grandes livrarias virtuais –no dia 6 de dezembro, a Amazon e o Google Play se juntaram ao iTunes e ao Kobo– pode fazer de 2013 um ano marcante para quem quiser lançar suas obras dispensando editoras, os “autopublicadores”. Mas há algumas pedras no caminho.

Até havia bem pouco tempo, publicar um livro era algo que exigia o apadrinhamento de uma editora ou –na imensa maioria dos casos– o pagamento antecipado de uma tiragem mínima, normalmente 500 exemplares. No primeiro caso, a editora cuidava de tudo, mas ficava com a parte do leão, restando ao autor royalties diminutos. No outro, o investimento na composição e impressão da obra não era pequeno para quem estava começando. Além disso, com os livros nas mãos, cabia ao autor a tarefa de vendê-los, o que muitas vezes terminava em um grande encalhe de exemplares –e consequente prejuízo.

Há poucos anos, surgiram no Brasil empresas especializadas em impressão sob demanda: o exemplar do livro só é impresso depois de ser vendido. Dessa forma, elimina-se o problema do encalhe, mas, em contrapartida, a impressão de cada exemplar fica muito mais cara.

Agora, editar e publicar sua obra são quase tão fáceis quanto escrever o seu texto em um processador eletrônico. E os novos sistemas ainda permitem a inclusão de recursos interativos e de multimídia poderosos, fazendo com que as obras compostas pelos próprios autores não fiquem devendo nada às criadas pelas grandes editoras.

Restava ainda solucionar a questão da distribuição, que normalmente restringia as vendas dos autores-empreendedores a poucas dezenas de exemplares. Grandes livrarias não dão destaque a autores desconhecidos –isso quando sequer reservam algum espaço em suas prateleiras a eles. A Amazon e afins resolvem esse problema com sua capacidade virtualmente infinita de comercializar a quantidade de obras que quiser.

E aí o conceito de “cauda longa”, onde qualquer título, por mais específico que seja, encontra o seu público, ganha força. Uma prova disso aconteceu na própria Amazon brasileira nos primeiros dias de sua operação: durante dois dias, o livro mais vendido foi “Organizando a Vida com o Evernote”, do desconhecido Vladimir Campos. Ok, pode-se argumentar com razão que isso resultou de peculiaridades do início da operação. Mas Campos jamais repetiria o sucesso –em dois meses, vendeu quase 1.500 e-books a R$ 16– na abertura de uma nova loja física de uma grande livraria. Possivelmente não venderia nenhum exemplar no mesmo período.

Outro exemplo interessante é “Frankie for Kids”, uma versão (em português e inglês) de Frankenstein encapsulada dentro de um aplicativo com ilustrações e interatividade para crianças. Primeira iniciativa no mercado de livros do casal de jornalistas Fernando Tangi e Samira Almeida, chegou a encabeçar a lista de mais vendidos da categoria no iTunes logo após seu lançamento.

Por tudo isso, há uma grande chance de experimentarmos no Brasil algo que já se nota em alguns países há alguns anos: a força dos autopublicadores. Erika Leonard James, autora da coqueluche do momento, a trilogia “Cinquenta Tons de Cinza”, começou assim. Os três títulos da sequência viraram um sucesso primeiramente como e-books e impressão sob demanda (as versões digitais inclusive garantiam a discrição de suas leitoras na hora da compra e da leitura, importante para muitas delas, pela natureza erótica da obra). Apenas no ano seguinte, uma grande editora comprou os direitos e relançou a obra (já um sucesso), para inundar onipresentemente as vitrines das livrarias físicas.

Turma do contra

A combinação dos sistemas de autoria e as livrarias virtuais democratizam a leitura e facilitam o surgimento de novos autores, que podem lançar obras cobrando menos e ganhando mais, por eliminar custos típicos das obras impressas e das editoras. Isso é uma excelente notícia, especialmente em um país em que as pessoas leem pouco, em parte pelos altos preços dos livros.

Mas nem todo mundo está feliz. Os primeiros a torcer o nariz são as próprias editoras. Há quase um ano, repercuti uma carta aberta do publisher Arnaldo Saraiva, em que ele afirmou categoricamente que as editoras de livros (no caso, didáticos) não têm mais nada a oferecer a seus autores. As reações ao post (e à carta) foram mistas: os leitores concordaram; as editoras estrilaram.

Outros que naturalmente têm a perder são as livrarias. Se os leitores começarem a comprar e-books (ou mesmo livros impressos) das livrarias virtuais, seja pela comodidade, seja pelos preços mais baixos, como fica sua situação?

As editoras brasileiras conseguiram amarrar em contrato que os e-books não sejam vendidos por menos que 70% dos equivalentes em papel, apesar de os custos serem muitíssimo mais baixos nas versões digitais, o que permitiria descontos ainda maiores. Isso já é bastante questionável. Mas o pior mesmo tem sido a reação das livrarias.

No início de dezembro, a ANL (Associação Nacional de Livrarias) divulgou uma carta aberta com quatro propostas para proteger seus afiliados. Além do teto de 30% de desconto para as versões digitais dos livros, Ednilson Xavier, presidente da ANL, que assinou a carta, também quer que esse desconto seja uniforme para todos os canais de venda, duas práticas totalmente contrárias aos interesses do consumidor. Pior que isso: outro ponto propõe que, caso as editoras ou as distribuidoras vendam diretamente ao consumidor, que esse desconto seja de ridículos 5%.

O último ponto é o mais grotesco de todos: a ANL sugere que livros sejam lançados na versão digital apenas depois de 120 dias da versão em papel. Diante de tudo que foi exposto acima, isso é evidentemente uma tentativa de impedir o futuro (na verdade, o presente) para preservar um negócio à custa dos consumidores e dos autores.

Xavier evoca as regras do mercado cinematográfico, em que um filme sai primeiro nos cinemas, para depois seguir a mídias domésticas e só então à TV (fechada e depois aberta). Quanto a esse ponto, vale ressaltar que, na época do surgimento do VHS, quando muitos decretaram a breve morte das salas de cinema, elas eram desconfortáveis, com imagem e som ruins. Diante da ameaça que lhes foi apresentada, os cinemas passaram por uma incrível transformação de infraestrutura e de tecnologia, criando uma nova experiência com a qual nem mesmo os atuais discos blu-ray podem se equiparar. Reinventaram seu negócio e não apenas mantiveram sua relevância, como a ampliaram. E isso foi mais importante que qualquer regulamentação.

Propostas como essa me fazem lembrar da famigerada “Lei da Informática”, que vigorou no Brasil de 1984 a 1992. Em resumo, ela impediu a entrada de fabricantes internacionais de computadores no país, em nome de fortalecer a então recém-criada indústria brasileira de informática. Na prática, o que se viu foi o consumidor brasileiro sendo obrigado a comprar equipamentos nacionais obsoletos e a preços abusivos (ou recorrendo ao contrabando), sem que a indústria se preparasse para a competição internacional. De fato, após o fim da reserva de mercado, o que se viu foram os fabricantes brasileiros abandonando seus projetos para se transformarem em revendas ou montadores dos mesmos produtos estrangeiros até então proibidos.

“Libertas Quae Sera Tamen”

Sou um liberal e, dessa forma, condeno intromissões governamentais que, por mais que ajudem um segmento econômico, sejam contrárias ao interesse da maioria. Isso é típico de países que querem até impedir, por força de lei, que sua língua sofra influência de outros idiomas, um disparate em tempos de Internet onipresente.

É importante ressaltar que os pequenos livreiros já sofrem uma concorrência brutal, quase desleal: a das redes de livrarias, que compram das editoras grandes lotes de obras a preços mais baixos. Para esse pessoal, o drama já está posto há muitos anos, e novas tecnologias e players pouco impactarão em suas vendas já espremidas.

As grandes livrarias –essas sim– podem sofrer mais, pois seus clientes são justamente os consumidores de tablets e de e-readers, e já estão comprando obras digitais. Porém, assim como eles forçaram as pequenas livrarias a se posicionar para sobreviver, devem agora transformar seu negócio para que ele não pereça. Fica o exemplo da Cultura, que já é a representante nacional do Kobo e transformou suas lojas em espaços de convivência cultural.

A única coisa que não se pode admitir ou tolerar são controles contra a liberdade, que impeçam a queda no preço das obras e o surgimento de novas E. L. James. Eles atrapalham que a sociedade evolua e progrida.

Isso é um livro ou alguma “outra coisa”?

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Como um livro deve ser para ser chamado de “digital”? Há alguns dias, investi US$ 4,99 no download do e-book “The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore” (Moonbot Studios LA), na verdade, um aplicativo para iPad, cujo trailer pode ser visto acima. Eu o conheci em uma discussão se aquilo poderia ainda ser considerado um livro ou se já se tratava de alguma “outra coisa”. E minha experiência com ele foi muito interessante.

A despretensiosa historinha despertou enorme interesse em todas as crianças a quem o mostrei, mesmo com seu texto em inglês. O aplicativo é uma evolução do conceito do livro-brinquedo, em que a criança é convidada a explorar, a cada página, recursos que ampliam a experiência da leitura. Nesse caso, isso se dá por uma belíssima mistura de animação digital, multimídia e interatividade, valendo-se da interface tátil do tablet. E o resultado com os pequenos é muito positivo.

Críticos dessa categoria de produto dizem que tanta riqueza sensorial elimina uma das belezas dos livros, que é a necessidade de o leitor imaginar as cenas que está lendo. Concordo com a importância disso, mas Morris Lessmore não “entrega tudo pronto”, como um filme. Em contrapartida, convida o usuário (que não é mais apenas um “leitor”) a interagir com a história, introduzindo novos elementos cognitivos que um livro tradicional não pode oferecer.

Claramente esse tipo de recurso não serve apenas para diversão ou para ser usado em contos infantis. Qualquer obra pode se valer dessa nova modalidade de publicação. Como exemplo, contarei um caso que me ocorreu hoje.

Enquanto ajudava meu filho com seus estudos, nos deparamos com a seguinte definição, em uma gramática que é best seller absoluta entre livros didáticos: “intencionalidade discursiva são as intenções, implícitas ou explícitas, existentes no discurso.”

Apesar de ele compreender perfeitamente as palavras, do alto dos seus dez anos não conseguiu entender plenamente a definição. Nesse sentido, o livro falhou em algo que explicou poucas páginas antes: “discurso é o processo comunicativo capaz de construir sentido.” Ou seja, o enunciado, por si só, não disse muita coisa a quem o leu. Mas, com uma breve contextualização minha, meu filho finalmente compreendeu tudo o que pregava a definição.

Vale ressaltar que o livro apresentava exemplos que ajudariam na compreensão, mas, para uma criança, eles estavam demasiadamente dissociados do objeto. Fiquei pensando na hora que Morris Lessmore teria feito diferente, e provavelmente o aprendizado teria sido muito mais eficiente. E divertido!

É provável que um “livro digital” de qualidade signifique subverter estruturalmente o conceito do que se conhece por livro. Em tempos em que o MEC pede crescentemente às editoras material didático digital, exemplos como esse deveriam ser considerados para “pensar fora da caixa”. A tecnologia deve ser usada criativamente a favor dos objetos de aprendizagem.

Os livros não devem mais ficar restritos a suas páginas (“páginas?”) ou mesmo ao jardim murado do conteúdo das editoras. Com suas versões digitais, as crianças devem ser estimuladas a ampliar sua aquisição de conhecimento de maneira tão ampla, criativa e divertida quanto possível. É assim que elas já adquirem qualquer conhecimento, e, quando têm esses recursos à mão, o fazem de maneira surpreendente e decisiva. Os professores já sabem disso e muitos tiram proveito disso para ajudar seus alunos.

O que me traz de volta à discussão que tive na semana passada: no final, Morris Lessmore ainda é um livro? Oras, quem se importa com isso?

Vivemos em tempos exponenciais

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Vivemos em tempos exponenciais. A capacidade de se adaptar à forma e principalmente à velocidade com que a tecnologia modifica a vida de todos nós é a nova seleção natural darwiniana.

O post em que fiz uma análise da carta aberta de Arnaldo Saraiva, em que o livreiro sugeriu que as editoras de livros didáticos serão brevemente substituídas (com vantagem) pelos próprios autores, que se valerão da tecnologia para publicar seus livros, despertou algumas reações nervosas de profissionais dessa indústria. Repito aqui o que disse a todos que vieram até mim para discutir a proposta: nem Saraiva nem eu sugerimos que os diferentes profissionais envolvidos deixaram de ter sua importância. Quem tem um problema são as editoras como instituições, pela sua dificuldade de se adaptar à velocidade das mudanças. Por outro lado, os profissionais que resistirem ao tsunami que já chegou à praia de cada um, também serão engolidos por essa onda.

O fato é: todas as profissões e negócios estão sendo dramaticamente impactados pela tecnologia. E isso sempre foi assim. Ou alguém acha que os monges copistas da Idade Média acharam a prensa de tipos móveis de Gutemberg bacana, enquanto assistiam o invento criar a imprensa e torná-los obsoletos? Lentamente eles desapareceram. E alguém hoje chora por eles ou critica Gutemberg e sua prensa? Claro que não! A tecnologia do alemão revolucionou a humanidade, ainda que tenha destruído um modelo sedimentado havia séculos.

A diferença é que a velocidade agora parece atropelar a todos. Nesta segunda, reportagem publicada no UOL jogou um pouco de luz nas mudanças que a Internet vem provocando na Psicologia. Entre os entrevistados, estava uma psicóloga do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática, da PUC de São Paulo. O grupo realiza pesquisas pioneiras sobre o tema há mais de uma década, não apenas em como pode ser um atendimento psicológico online, mas também como psicólogos precisam se adaptar a pacientes que chegam a seus consultórios com queixas totalmente ligadas à tecnologia, impensáveis até poucos anos atrás e jamais discutidas em sua formação acadêmica. Mas esses temas hoje são não apenas reais, como corriqueiros, denotando uma mudança dramática nessa profissão. Tolice querer resistir a isso.

O vídeo abaixo, de onde saiu o título deste post, não chega a ser novo: já tem quatro anos. Ele traz algumas estatísticas que reforçam o que está dito acima, e pelo menos um item que ficou desatualizado desde então apenas comprova a sua tese: ao ser produzido, o MySpace era a rede social dominante no mercado, enquanto o Facebook era apenas um recém-chegado.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=cL9Wu2kWwSY]

Para quem não sabe, a derrocada do MySpace se deve basicamente a sua incapacidade de se adaptar às mudanças (o que chega a ser surpreendente para uma grande rede social) e a um novo ritmo imposto por quem chegou depois.

Como o vídeo também sugere, o conhecimento técnico aprendido por um estudante no início da universidade estará ultrapassado antes mesmo de ele concluir seu curso. Como resolver esse dilema? A velocidade de nossa inovação tecnológica levará a humanidade a um beco sem saída?

Obviamente não. Mas ela certamente não deixa mais espaço para quem resiste a mudanças. As escolas, de todos os níveis, devem se preocupar menos em despejar sobre seus alunos formulas prontas e conteúdos fechados. Ao invés disso, precisam desesperadamente ensinar seus alunos a resolver problemas usando todas as tecnologias que tiverem a seu alcance, sem medo de errar.

Afinal, o erro é componente do acerto. A única forma garantida de não errar, em absolutamente qualquer tema, é não tentar. Mas, sem tentativa, não há sucesso.

O que ainda resta às editoras de livros didáticos?

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Tela do iBooks Author, software recém-lançado pela Apple que permite a qualquer um publicar livros digitais

Tela do iBooks Author, software recém-lançado pela Apple que permite a qualquer um publicar livros digitais

Segundo Arnaldo Saraiva, um dos maiores publishers do segmento, não lhes resta nada. Em carta publicada no blog de Luis Nassif ontem, ele constata que o advento do livro digital e a facilidade crescente para sua publicação permitem que o próprio autor crie as suas obras. E, segundo ele, “com qualidade superior aos das editoras”.

“O que uma editora de livros didáticos tem agora pra oferecer a seus autores”, pergunta o criador da área de didáticos da Editora Saraiva (além da Nova Geração e da AJS). Ele mesmo responde: “NADA, absolutamente NADA” (as letras maiúsculas são dele).

Bastou a carta ser publicada para acalorados debates pipocarem aqui e ali. Saraiva está sendo fatalista? Exagerado? As editoras nunca sumirão?

É curioso observar que as pessoas tanto mais discordavam dele quanto mais eram ligadas a essa mesma indústria. E não precisa ser gênio para explicar esse sentimento de autopreservação: ele está associado à resistência ao novo, especialmente quando quem está chegando se transforma em uma ameaça real. Isso se observa em todos os negócios e, no caso da indústria editorial, não apenas nos livros didáticos.

No caso específico da educação, algo que sempre me chamou a atenção é como as editoras menosprezam de maneira decisiva a Wikipedia, como se essa enciclopédia fosse totalmente constituída por verbetes escritos por trogloditas. E infelizmente os seus departamentos de marketing conseguiram incutir essa ideia nos educadores.

O fato é que a Wikipedia não é nada disso. Muito pelo contrário: apesar de, como qualquer obra, possuir imprecisões, ela é incrivelmente confiável, sem falar no volume inigualável de verbetes (normalmente mais completos que os de qualquer enciclopédia tradicional). Além disso, seus erros são equivalentes aos da aclamada Enciclopédia Britannica. E quem disse isso não fui eu: foi a Nature, provavelmente a publicação científica mais séria do mundo, que concluiu isso em estudo comparativo entre as duas enciclopédias.

O que está acontecendo com as editoras de livros didáticos acontece desde sempre. Toda nova tecnologia abre espaço para a substituição, com vantagens, de modelos aparentemente inabaláveis. Quem precisava de monges copistas depois que Gutenberg aperfeiçoou a prensa de tipos móveis? Ou de artesãos, quando os teares se uniram à máquina à vapor?

Ainda acompanhamos a tecnologia promovendo a queda inexorável de uma indústria extremamente sólida e lucrativa até há poucos anos: a fonográfica. Esse pessoal resiste bravamente a abandonar seu tradicional modelo de negócios, por mais anacrônico e ineficiente que tenha se tornado. Diante do seu imobilismo, preferem processar seus consumidores, ao invés de aprender com eles a se modernizar. Resultado: se já haviam sido abandonados pelos seus consumidores, agora começam a ser abandonados também pelos artistas, que podem viver melhor sem as gravadoras.

Reconheço e valorizo o trabalho dos profissionais que adequam os livros didáticos aos Parâmetros Curriculares Nacionais e às draconianas regras de aprovação para os Programas Nacionais do Livro Didático. Aposto que o Arnaldo também! Mas talvez o autores comecem a desenvolver essas habilidades, ou contratem diretamente os editores para lhes ajudar nessas tarefas. As empresas ficam de novo em xeque.

Em março de 2010, conversava sobre isso com um então diretor da Abril Educação. Lembro-me claramente de uma frase que disse: “se as editoras não se mexerem agora, em dez anos ninguém mais precisará de nós”.

Com a velocidade imposta pela tecnologia, talvez dez anos seja muito. Falou Saraiva.

Quando os games ensinam sem ensinar

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Um dos principais pontos de resistência ao uso de games de entretenimento na educação está no óbvio fato de que eles não foram criados para ensinar alguma coisa, e sim para divertir as pessoas. Como então pedir que os professores aproveitem seus recursos em seus planos de aula?

Tal resistência dos mestres, facilmente explicável pelo dito acima e sua natural dificuldade de adotar qualquer nova tecnologia nas aulas, é uma pena. O professor que consegue fazer o uso criativo de games pode experimentar resultados bastante expressivos. Mas como fazer isso?

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=rN0qRKjfX3s]

 

Esse vídeo, um dos vários sobre uso de games criados por Daniel Floyd, oferece uma excelente sugestão de como conseguir a proeza. Ele apresenta o conceito de “aprendizado tangencial”, baseado na ideia de que pessoas aprendem melhor quando estão envolvidas e interessadas com o tema estudado. Isso é particularmente importante para as escolas, pois os alunos atuais não conseguem achar as aulas atraentes, não se envolvem com elas e, portanto, não aprendem direito.

A beleza da coisa, no nosso caso, é que o objeto do estudo não precisa ser necessariamente o tema principal do game. O “truque” é escolher títulos que incluam referências ao que se deseja estudar. Floyd explica isso valendo-se do filme “300”, pois o aprendizado tangencial pode ser visto também em outros produtos, como filmes, música, entre tantos outros. “300” ou os quadrinhos que o inspiraram obviamente não foram criados com intuito educacional. Porém são de tal maneira envolventes, que despertaram, em boa parte de seu público, o desejo de saber mais sobre Esparta, seu rei Leônidas ou a Batalha das Termópilas. A partir daí, essas pessoas, valendo-se dos meios de sua escolha e por sua própria iniciativa, se “autoeducaram”, motivadas pelo envolvimento que o filme ou os quadrinhos lhes proporcionaram.

Isso é o aprendizado tangencial. Não é algo trivial de se adotar nos planos e aula, mas não é algo impossível de se pedir aos professores. O que precisa ser feito é dar-lhes recursos para que se apropriem dessa ferramenta –no caso, os games– e saibam extrair dela o que outras pessoas não conseguem enxergar.

Trata-se de algo que bons professores fazem desde sempre, para ir além dos recursos que as salas de aula ou laboratórios lhes oferecem. Assim envolvem seus estudantes para que eles transcendam seus ensinamentos e aprendam eficientemente. O vídeo abaixo, um trecho do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, exemplifica como o professor Keating (Robin Williams) usava métodos considerados bastante questionáveis (porém extremamente eficientes para se atingir os objetivos de aprendizagem) pela fictícia Academia Welton, em 1959:

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=UARKoD7j3uU]

 

O personagem do professor envolvia seus alunos para que entendessem melhor o que queria na sala de aula, mas também para que ampliassem seu estudo usando seus próprios métodos (e eles usavam) fora dela. Na história, os resultados foram arrebatadores.

Mas o desafio não é só para os educadores (e, por que não, pais?). Outra peça-chave para a ampliação do uso do aprendizado tangencial são as editoras. Não as editoras de games, que já sabem fazer isso –e fazem– mesmo não sendo esse seu objetivo primário. Estou me referindo às editoras de material didático. Precisam alterar a sua ideia de produção, especialmente quando pensam em criar coisas que vão além dos livros (hmmm… isso não acontece exatamente muito por aqui).

Há três anos, conversava com a coordenadora do Ensino Fundamental de uma das principais escolas de São Paulo. Preservarei o seu nome e o da escola pelo comentário que ela teceu: “Temos um problema aqui: todos –todos– os nossos alunos têm PlayStation. Esses alunos têm demandas para as quais não estamos preparados. Quando chegam na sala de aula, isso aqui é um saco para eles! Não conseguimos captar a sua atenção e, quando isso acontece, a perdemos depois de cinco minutos.” Consequentemente, a aprendizagem é prejudicada.

As editoras precisam ajudar os professores, e estes precisam estar abertos a iniciativas inovadoras. Ou a escola se tornará, cada vez mais, um saco para seus clientes, os estudantes.

Dividir para conquistar

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Entrei recentemente em uma discussão sobre se seria possível obter ISBN para conteúdos publicados na Web. O objetivo de quem perguntava era, de alguma maneira, garantir os direitos autorais sobre esse conteúdo. Argumentei que a única maneira de impedir que ele seja copiado é não o publicando, especialmente na Web. Mas a questão estava posta e era pertinente.

Para garantir a autoria (o que não tem nada a ver com impedir a cópia), sugiro Creative Commons. O ISBN, por sua vez, não garante absolutamente nada justamente quando o assunto é cópia do conteúdo. Já não garantia quando os livros eram apenas impressos, que dizer agora que eles estão digitalizados, algo que viabiliza cópias rigorosamente fiéis, de maneira extremamente simples e a custo zero.

O grande desafio que a Web coloca em pauta é encontrar modelos de negócios para esta nova realidade. Não acredito que vá acontecer o que alguns arautos do apocalipse pregam, de que a cópia de conteúdos vai matar o interesse dos autores dos mais diferentes tipos de obras, e que, portanto, estaríamos rumando para uma espécie de nova Idade das Trevas.

Vários autores já estão aí no mercado me impedem de dizer o contrário. Curiosamente, esse movimento é notado especialmente em nomes distantes dos medalhões acadêmicos, mas não necessariamente desconhecidos do público. O melhor exemplo que me ocorre é a banda tecno-brega Calypso, popularíssima (mas não entre a classe intelectual), que eliminou a figura da indústria fonográfica, produzindo inteiramente os seus CDs e os vendendo em camelôs a preços baixíssimos. Quanto ao download de suas músicas, eles querem mais é que isso prospere!

Não, eles não enlouqueceram, apenas perceberam -e entenderam- os movimentos do mercado e estão surfando neles agora. As gravações -em discos ou em arquivos- passam a ser apenas agentes promotores de seu trabalho, que é música. Sim, eles ganham dinheiro também com os seus CDs e DVDs baratos (inclusive porque eliminaram vários “custos” da cadeia, principalmente a indústria fonográfica tradicional), mas ganham muito mais arrastando multidões apaixonadas a seus shows. Ah, também produzem discos e shows patrocinados, outro belo filão que exploram muito bem.

Voltando ao mercado de livros, onde a conversa começou (ISBN é só para livros, em papel ou e-books), vejo cada vez mais autores que oferecem -eles mesmos- o download da íntegra de seus livros de graça, enquanto vendem (e vendem!) o mesmo livro em papel. Outro fenômeno cada vez mais comum são ofertas gratuitas de livros para download -inclusive de autores consagrados- para promover a venda de outros títulos do mesmo autor. E -claro- os livros digitais obrigatoriamente têm que ser (muito) mais baratos que a mesma edição em papel.

Com essas mudanças nos modelos de negócios e as facilidades de produção e de custo que a mesma tecnologia oferece aos autores, quem caminha rumo ao ostracismo são as editoras (não apenas de livros). E isso acontece não porque elas não tenham nada de positivo a oferecer ao processo, e sim por sua teimosia em resistir ao inevitável. Essa visão obtusa dos fatos dilui todos os seus referidos benefícios, que acabam ficando muito caros aos autores e principalmente aos consumidores. E acreditem: os autores preferem ter consumidores a editores.

Há dois meses, conversei com um diretor da Abril Educação sobre esse assunto e ele me confidenciou que, se as editoras não mudarem já, em dez anos ninguém mais precisará delas. Eu acho que elas já estão atrasadas! E, quando isso acontecer, elas serão as únicas culpadas pela sua derrocada. Exatamente a situação em que a indústria fonográfica se colocou e da qual não consegue mais sair. Tentaram segurar uma locomotiva desgovernada com advogados nos trilhos, processando os seus próprios consumidores. Resultado: CDs se transformando em itens de museu. Mas a música vai muito bem! Só que sem eles.

Essa nova era, que tanto amedronta, é na verdade uma incrível oportunidade para as pessoas que realmente são boas. Elas terão uma possibilidade inédita de despontar e ganhar muito dinheiro com isso. Mas farão isso compartilhando, não restringindo. Não há nenhuma nova Idade das Trevas no horizonte, e sim um novo Renascimento.

As TICs e o construtivismo

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Rubem Paulo Saldanha, gerente de educação da Intel Brasil, fala no seminário de Tecnologia Educacional da Interdidática

Rubem Paulo Saldanha, gerente de educação da Intel Brasil, fala no seminário de Tecnologia Educacional da Interdidática

“Frente a um mundo cada vez mais colaborativo, protagonista e autor, na escola o aluno ainda recebe as informações como ouvinte, passivo, memorizando mecanicamente os conteúdos, depositando-os divididos em caixas de acordo com a matéria do momento, sem fazer relação entre elas e entre estas e a realidade do seu dia a dia, numa autêntica educação bancária.”

A frase acima, retirei da palestra de Rubem Paulo Saldanha, gerente de educação da Intel Brasil, que aconteceu no segundo dia do seminário de Tecnologia Educacional da Interdidática. Mas a fala não é dele, e sim de Paulo Freire. Diante dela, fiquei pensando, pensando… Obviamente Freire não estava se referindo ao uso das TICs quando escreveu isso em 1983. Mas, se antes ela era uma afirmação essencialmente teórica, com base em suas observações e propostas, hoje ela ganha uma enorme força justamente pelos recursos que a tecnologia coloca à disposição dos professores. Com ela, o aluno pode deixar de ser “ouvinte, passivo, memorizando mecanicamente os conteúdos”, como observava Freire, para ser “colaborativo, protagonista e autor”, exatamente o que vive cada vez mais na Internet. E o professor, antes senhor absoluto do conhecimento, que o despejava uniformemente a todos os seus alunos, passa também a aprender, podendo dar aulas –pelo menos parcialmente– personalizadas para seus diferentes alunos.

Corte para ontem, quando caiu na minha mão um artigo do economista Claudio de Moura Castro, publicado na Veja de 21 de abril. Com o título “construtivismo e destrutivismo”, o autor afirma que “o construtivismo é uma hipótese teórica atraente e que pode ser útil na sala de aula”, mas aponta o que chama de “quatro tipos de equívoco”: “pensar que teria o monopólio da verdade”, “achar que todo o aprendizado requer os andaimes mentais descritos pelo construtivismo”, “aceitar uma teoria científica como verdadeira” e “supor que, como cada um aprende do seu jeito, os materiais de ensino precisam se moldar infinitamente”.

O economista bate forte nos quatro, às vezes de uma maneira que chega a ser quase tão intransigente quanto aqueles que ele critica no seu texto. Mas, a grosso modo, ele apresenta bons argumentos, particularmente no último dos “equívocos”. De fato, observo professores cada vez mais compelidos a produzir o seu próprio material didático em detrimento dos produzidos “em massa” pelas editoras. Mesmo quando um livro didático é adotado, a aula é complementada pela produção interna da escola, que supostamente estaria mais alinhada ao momento de seus alunos.

Existe certa “crueldade” ao se cobrar essa produção dos professores. Assim como diz Castro, por mais que estejam bem intencionados e sejam bons educadores, eles têm pouco tempo e não foram preparados especificamente para produção de material didático. Não são autores e não têm o apoio editorial necessário. Logo, esse tiro pode sair pela culatra.

Por outro lado, as editoras têm culpa no cartório, pois não conseguem se livrar de suas fórmulas, que são consagradas, porém cada vez mais dissociadas das necessidades desses professores e principalmente dos alunos “colaborativos, protagonistas e autores”. A própria tecnologia é usada mínima e negligentemente por essas casas editoriais. E isso é uma pena, pois já temos todo o arcabouço intelectual, técnico e de infra-estrutura para produzir materiais didáticos digitais que satisfariam Paulo Freire, Claudio de Moura Castro e até o mais “fundamentalista” construtivista. O que falta às editoras é coragem para correr riscos e sair de sua zona de conforto.

Uma Alice melhor que a de Tim Burton

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Com a aproximação da estréia do filme de Tim Burton sobre Alice, fica cada vez mais difícil se safar da avalanche de informações relacionadas à menina de vestido azul criada por Lewis Carroll em 1865. Mas, exatamente no espaço de uma semana, uma sequência incrível delas veio até mim, culminando no vídeo acima, capaz de tirar o fôlego de qualquer pessoa que adore tecnologia e consiga enxergar possibilidades incríveis onde a maioria dos mortais não vê nada (ou pior: vê “perdas de tempo”).

Vou colocar os fatos em ordem cronológica, para explicar a construção desta minha tese. Há uma semana, comprei um desses “livros-brinquedo” muito interessante para apresentar Alice a meus filhos. Enquanto lia e explorava as “surpresas” em cada página, pensava: “caramba, por que não existe algo digital aqui? Seria uma experiência muitíssimo mais rica e ajudaria ainda mais a entender essa obra tão louca!”

Corte para quinta passada, para um fato não relacionado a Alice: o Jornal da Globo fez uma reportagem muito competente sobre como o recém-lançado iPad está sacudindo o mercado editorial, não apenas por se apresentar como a primeira ameaça real ao domínio do Kindle, mas por unir todas as virtudes do modelo de negócios desse último com um hardware muito superior e a devoção à marca da Apple. Mas o que mais me chamou a atenção na reportagem foi justamente como algumas editoras lá fora estão usando os e-readers para promover autores desconhecidos ou revitalizar antigos sucessos: elas oferecem de graça o download de obras inteiras dessas pessoas, na esperança de captar “e-leitores” que depois poderiam eventualmente pagar por outras obras do mesmo autor. Ainda segundo a reportagem, sempre se encontra livros gratuitos no alto da lista dos mais baixados e, de fato, as pessoas compram depois livros da mesma fonte. Ou seja, a estratégia está dando certo.

No dia seguinte, Alice voltou à minha história. Fiz uma pesquisa informal sobre os temas dos dois parágrafos acima com diretores de algumas editoras de livros do país. Como já sabia, ouvi que existem discussões internas se as empresas devem ou não investir em livros digitais como o que eu tinha pensado. Mas também ouvi, com muita tristeza, casos de alguns arautos do ostracismo contrários à iniciativa, que argumentam que isso estaria pervertendo a experiência leitora, ao transformar o livro em “outra coisa”.

Oras, francamente: sei que algumas dessas pessoas pensam com uma cabeça da época de Gutenberg, mas até esses produzem livros que já são “outra coisa” em relação à famosa Bíblia, primeiro exemplar que saiu da prensa do referido tipógrafo alemão. Por que então resistem a evoluir o seu produto para algo realmente melhor, que vai oferecer uma experiência incrivelmente mais rica a seus leitores. Será que é porque têm medo da tecnologia digital ou porque simplesmente não sabem como fazer isso? Em qualquer um dos casos, esses diretores não merecem os salários que recebem mês após mês: impedem que sua empresa prospere e causam um grande desserviço a seus consumidores (que cada vez mais procurarão a concorrência, felizmente).

Escutem o Chapeleiro Louco: ele sabe como os novos livros devem ser

Escutem o Chapeleiro Louco: ele sabe como os novos livros devem ser

E então, dois dia depois, cheguei onde esse post começou: ao vídeo com o teaser do produto Alice for the iPad, da empresa Atomic Antelope. Assisti o vídeo. Assisti de novo! E de novo! E mais uma vez! Caramba, eu tinha “pedido” isso há menos de uma semana e, de repente, estava ali vendo exatamente o que eu queria: um livro (sim, aquilo ainda é um livro, apesar de ser um app para o iPad) que amplia enormemente a experiência cognitiva do consumidor permitindo que ele efetivamente interaja com a obra, atuando quase como um co-autor. Ah,e tudo isso custa apenas US$ 9. Ah, se você quiser uma versão demo, o download é grátis.

Um viva aos rapazes da Atomic Antelope e uma sonora vaia aos vetustos diretores locais! Qual desses dois grupos vai prosperar nesse novo cenário? Deixo que o camarada ao lado, Johnny Depp na pele do Chapeleiro Louco de Tim Burton responda: “dizem que para sobreviver, você tem que ser louco como um chapeleiro, o que, por sorte, eu sou.”

Schwarzenegger quer trocar livros didáticos por conteúdo digital na Califórnia

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Entre as propostas para substituir o livro didático, Schwarzenegger menciona o Facebook, o Twitter e até o conceito de open source, tudo para diminuir o déficit de US$ 24 bilhões do Estado

Entre as propostas para substituir o livro didático, Schwarzenegger menciona o Facebook, o Twitter e até o conceito de open source, tudo para diminuir o déficit de US$ 24 bilhões do Estado

O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, mais conhecido pelos seus papéis no cinema que por suas ações políticas (pelo menos para os moradores de fora do mais populoso Estado americano), anunciou uma iniciativa que visa substituir os livros didáticos usados nas escolas californianas por conteúdo estritamente digital. Em uma palestra a alunos na cidade de Sacramento, o ex-Conan republicano classificou os livros como “antiquados, pesados e caros”. “A Califórnia é sede do Vale do Silício. Somos líderes mundiais de tecnologia e inovação, por isso devemos ter isto em mente”, afirmou.

A idéia não é uma iniciativa pedagógica: é uma maneira para se tentar reduzir o gigantesco déficit orçamentário do Estado, que bateu nos US$ 24 bilhões. Nos EUA, o preço médio de um livro didático gira entre US$ 75 e US$ 100. A Califórnia gastou US$ 350 milhões em livros no último ano letivo. A ideia é começar a substituição já no início do próximo ano letivo, que lá começa em agosto.

“As crianças estão familiarizadas com a música digital, além de assistirem a televisão e a filmes online, entrando no Twitter e participando do Facebook”, disse Schwarzenegger. Ele chegou a sugerir o uso de ferramentas como essas no processo pedagógico, mas sem dizer como. A iniciativa está sendo supervisionada pela CLRN (sigla em inglês para Rede de Recursos de Aprendizagem da Califórnia). As obras substitutas podem até mesmo ser criadas sob o conceito do open source, com a autoria sob responsabilidade de voluntários.

Não sei… Isso pode funcionar bem na criação de notícias e até de enciclopédias, cujo maior exemplo de sucesso é a Wikipedia, mas, considerando-se o altíssimo nível de exigência para o material didático, algo nessa linha dependeria de uma supervisão muito forte. É efetivamente difícil de ser produzido. Que o diga o Governo do Estado de São Paulo, diante das recentes mancadas, que custaram a cabeça da secretária da Educação anterior, Maria Helena Guimarães de Castro. Há também uma questão pedagógica que –quero crer– os educadores californianos estejam atentos: é muito importante para os alunos –especialmente os menores– “registrar”, escrever em papel de verdade.

Por outro lado, simpatizo com a ideia do governador-Mr. Universo. É verdade que os livros didáticos custam muito dinheiro, não apenas para os Estados, mas também para os pais dos alunos que têm que desembolsar anualmente uma boa grana antes do começo das aulas. Para a classe média, que vive no fio da navalha, isso chega a abalar o orçamento doméstico. Qualquer iniciativa que reduza essa conta é, portanto, digna de análise. Do lado do aluno, os livros pesam… literalmente. Eu me lembro do exercício diário que eu fazia para carregar esse conhecimento de casa para escola e vice-versa. As mochilas com rodinhas atenuam o problema e algumas escolas oferecem armários individuais para que seus alunos deixem lá seus livros, mas eles continuam “antiquados, pesados e caros”.

Assim, por mais bizarra que possa parecer à primeira vista, a idéia tem seus méritos. Tomara que dê resultados ou pelo menos indique um caminho até um novo formato de conteúdo didático. A escola precisa se modernizar –e muito!– tanto do ponto de vista pedagógico quanto organizacional. Nesse sentido, os livros como os conhecemos realmente podem perder o seu lugar.

Colocando mais lenha na banheira

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O problema não está nos livros em si, e sim no fato de eles seram indicados para crianças de nove anos de idade

O problema não está nos livros em si, e sim no fato de eles seram indicados para crianças de nove anos de idade

Pouco mais de uma semana da barulheira causada pela distribuição –seguida de recolhimento– do livro “Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol” (da Via Lettera) a alunos da 9 anos da rede estadual de ensino, outra obra, distribuída a alunos da mesma faixa etária, está causando mais dor de cabeça ao tucanato de José Serra. Dessa vez, a polêmica gira em torno de “Poesia do Dia: Poetas de Hoje Para Leitores de Agora” (Ática). Se o primeiro era uma coletânea de quadrinhos recheada de palavrões e até insinuações ao PCC, a reunião de poesias abusa de ironias adultas.

Assim como no primeiro caso, o problema não está nas obras, e sim em sua distribuição a crianças, que dificilmente conseguiriam processar adequadamente frases como “nunca ame ninguém: estupre.” Por mais que faça parte do poema “manual de auto-ajuda do supervilão”, o que podemos esperar de uma criança de 9 anos ao ler isso?

No dia 22, Marcelo Tas fez um post em seu blog sugerindo que toda a gritaria em torno de “Dez na Área” é puritanismo demais. Na verdade, ele comentava artigo de Xico Sá na Folha que pregava a mesma coisa. Sugerem que palavrões e futebol estão intimamente ligados. Nas palavras do Xico, “em uma pelada, mesmo de criança, fala-se mais palavrões do que na última casa de tolerância da Vila Mimosa”.

Sim, pode ser. E de fato as crianças estão amadurecendo cada vez mais rápido, inclusive na boca suja. Mas tenho um filho de oito anos, que não é nenhum santo imaculado. Mas não acredito que, dentro de um ano, ele dirá “chupava ela todinha!” (que aparece nos referidos quadrinhos), sabendo ou não o que estaria dizendo.

Ademais, como já disse acima, a culpa não é das obras, e sim do fato de elas serem oferecidas à molecada na escola. A linguagem da turma mudou, mas tudo tem limites. Não proponho que a escola seja careta –pois ela já é bem chata– mas o material didático pode ser moderno sem ser grosseiramente inadequado.

A culpa não é de José Serra, mas é de seus subordinados. Ele quer ser presidente, mas, para isso, é bom que já vá preparando o discurso para rebater o que a oposição lhe dirá sobre esses (e outros) episódios ligados à educação estadual no seu mandato