Em agosto de 2007, Elton John sugeriu que a Internet fosse fechada por cinco anos, pois ela estaria prejudicando a qualidade das músicas. Segundo o artista britânico, isso aconteceria porque as pessoas não saíam mais de casa para interagir entre si, piorando as composições. Vale lembrar que o “Rocket Man” sempre se disse avesso à tecnologia. Ainda assim, hoje usa as plataformas digitais, onde tem milhões de seguidores, para se relacionar com seu público.
Apesar de despropositada, há um ponto que merece ser considerado na ideia do cantor com o avanço da tecnologia. Da mesma forma que as redes sociais nos deram o poder de dizermos o que quisermos, elas mudaram a relação entre artistas e seus fãs. Se antes esses últimos eram passivos e devotados, hoje ocupam um papel que chega a ser determinante na obra e até na vida de seus ídolos, que se veem extremamente expostos.
Cresce o número de pessoas que afirmam que essa exposição constante e inescapável pode prejudicar a criatividade e a diversidade cultural. Com suas “curtidas”, os consumidores não apenas de música, mas de todo produto podem determinar seu sucesso ou sua derrocada.
Involuntariamente cria-se uma “ditadura dos fãs”, que indica o que é “bom” e o que é “ruim” em tudo. Muitos autores, para continuar vendendo, passam a alterar e até a “piorar” suas entregas para seguir tais determinações. E isso vem provocando diversas mudanças em nossas vidas, muito além da música.
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Os fãs sempre foram essenciais para o sucesso de qualquer artista, mas, até pouco tempo atrás, não tinham como realizar a interferência vista hoje. O artista seguia sua intuição, suas vivências e seu estilo para compor, e o público gostava ou não do resultado.
Hoje muitos artistas trabalham seguindo diretrizes de algoritmos: as músicas dos próximos shows, as cidades das turnês, o estilo e a duração das canções e até aspectos da vida pessoal do artista são influenciados por dados extraídos das plataformas de música. Elas informam em tempo real o que está agradando, e isso oferece aos autores informações para estratégias para se conectar com sua audiência.
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Essa é uma informação riquíssima, especialmente porque ninguém mais ganha dinheiro vendendo álbuns há muito tempo. As plataformas de streaming, por sua vez, pagam uma miséria pelas faixas reproduzidas, mas elas são essenciais para manter uma celebridade ativa e para o surgimento de novos nomes.
O dinheiro dos artistas agora vem de apresentações ao vivo. Por isso, a exposição e os dados das plataformas digitais se tornaram essenciais para sua sobrevivência, criando uma relação simbiótica muito maior que a existente com as antigas gravadoras.
Questiona-se se atualmente o artista não pode continuar sendo “apenas um artista”. Anitta nada de braçada nesse cenário. Por outro lado, a cantora americana Halsey desabafou recentemente, criticando sua gravadora, que a estaria impedindo de lançar uma música como single, pois ela não seria “boa para o TikTok”.
Será que grandes sucessos do passado, apesar de longos e fora do convencional, como “Bohemian Rhapsody”, do Queen, ou “Stairway to Heaven”, do Led Zeppelin, “dariam certo” hoje?
“Audição ansiosa”
A pergunta é legítima!
Produtores pedem que os artistas agora criem músicas com menos de três minutos de duração. O motivo é simples: o público atual não “toleraria” canções mais longa que isso, abandonando a faixa antes do fim, o que diminui sua relevância perante os algoritmos. Com isso, ela passa a ser menos sugerida pelas plataformas a outros ouvintes, o que é ruim para os negócios.
Essa mudança de comportamento já tem até um nome: “audição ansiosa”. E ela determina que é melhor ter uma música de dois minutos tocada três vezes que uma música de seis minutos ouvida uma vez ou –pior– nenhuma vez.
Tradicionalmente as músicas se dividem em uma introdução, uma melodia crescente e um auge, como uma história. Pelos novos parâmetros, elas devem ser “diretas”, criando um impacto logo no início. Seguindo o mesmo raciocínio, é melhor lançar uma música de cada vez, no lugar de um álbum inteiro, pois as pessoas não teriam paciência para absorver tantas faixas em um único pacote.
Isso tudo pode parecer absurdo, mas o Spotify recebe, por dia, mais de 40 mil novas músicas do mundo todo. Como competir com tudo isso? É como se houvesse mais músicas disponíveis que pessoas para ouvi-las, especialmente se considerarmos que as preferidas do algoritmo acabam sendo muito privilegiadas.
Chegamos a um dilema do tipo “ovo e galinha”: as pessoas estão ansiosas por influência dos algoritmos ou os algoritmos refletem a ansiedade de nosso tempo? Afinal, as plataformas digitais vivem de nos manter excitados e ansiosos. O excesso de estímulos e de informações fazem com que tenhamos que gastar muita energia para “dar conta de tudo”.
Mas temos mesmo que fazer isso?
Como gestor de customer experience, sempre defendo que coletemos os dados de nossos usuários de maneira ética e legal, para oferecermos produtos e modelos mais alinhados com seus desejos. Mas há limites! Se o público for convencido, por alguma bizarrice nas redes sociais, que salva-vidas de concreto são mais eficientes, os fabricantes de coletes não podem abraçar isso, pelo simples fato de que é absurdo!
Criou-se um perigoso círculo vicioso! Estamos nos tornando pessoas ansiosas e rasas, pois essa dinâmica digital dificulta que nos aprofundemos em qualquer assunto. Queremos tudo e queremos agora!
As empresas, assim como os artistas, tentam satisfazer essa demanda insana, retroalimentando o processo. Mas isso precisa ser interrompido, pelo resgate do valor da qualidade em tudo que se oferece.
Claro que sempre existiram produtos de qualidade mais baixa, destinados a atender uma parcela da população que, por qualquer motivo, prefere isso. Mas eles não podem ser o modelo a ser replicado.
O poder que o meio digital concedeu ao público está, portanto, criando uma “ditadura”. Mas nenhuma ditadura é boa! Mesmo que, a curto prazo, possa parecer que está trazendo benefícios ao povo, não tarda para a verdade transparecer, com resultados piores para todos.