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Quem nunca disse “para que eu estou estudando isso mesmo”?

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O improvável professor Dewey Finn (Jack Black), do filme “Escola de Rock”, conseguiu engajar seus alunos ao redefinir uma disciplina para algo que lhes fizesse sentido - Foto: divulgação

O improvável professor Dewey Finn (Jack Black), do filme “Escola de Rock”, conseguiu engajar seus alunos ao redefinir uma disciplina para algo que lhes fizesse sentido

O Governo Federal causou enorme alvoroço na educação brasileira ao anunciar, há alguns dias, profundas alterações no Ensino Médio. Mais que algo que impacte apenas a vida de estudantes, as novidades afetam decisivamente o futuro de todo o país. Entretanto, apesar de as mudanças estarem sendo muito criticadas, pouca gente tocou em um ponto essencial da miséria da nossa educação: o que afasta os estudantes da escola não é O QUE os eles aprendem, mas COMO eles aprendem.

Um dos motivadores das medidas anunciadas é justamente diminuir a evasão escolar. Isso seria conseguido permitindo que os alunos escolhessem um eixo temático entre cinco disponíveis (formação técnica e profissional, linguagens, matemática, ciências da natureza ou ciências humanas). Dessa forma, a partir da metade do segundo ano do Ensino Médio, cada estudante estudará majoritariamente disciplinas das quais gosta mais. As únicas que serão comuns a todos os eixos são Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa. Na primeira metade do curso, continuam sendo estudadas as 13 disciplinas atuais.

O governo argumenta que esse modelo está de acordo com o praticado em países que normalmente são referência de bom sistema educacional, especialmente os Estados Unidos. Se o aluno estudará majoritariamente conteúdos com os quais têm mais afinidade, isso aumentaria a chance de gostar mais da escola, melhorando seu aprendizado e abrindo caminho para um bom desempenho em um curso universitário na mesma área. Em tese, faz sentido.

Mas quem é educador ou tem filhos adolescentes está cansado de ouvir deles a célebre frase: “mas para que eu estou estudando isso mesmo?” E, de maneira geral, essa pergunta se aplica à maioria dos conteúdos, distribuídos entre todas as disciplinas. Portanto, pouco adianta segmentar o Ensino Médio para o aluno escolher qual percurso quer seguir, se nenhum deles FAZ SENTIDO para ele.

O verdadeiro problema é que a escola, há muito tempo, deixou de falar a língua dos estudantes.

 

Professor Mario Bros

Se puxarmos pela memória, podemos lembrar que nós mesmos, quando cursávamos o ensino de 2º grau (o “colegial”), também fazíamos essa mesma pergunta, pois aquilo tampouco fazia muito sentido para nós. Mas ainda assim enfiávamos a cara nos livros e aprendíamos. Pois, por mais que eventualmente achássemos o jeito dos professores falarem antiquado, conseguíamos nos comunicar com os elementos no ambiente escolar.

O professor ainda era o detentor do conhecimento: ele falava, os alunos ouviam. O aprendizado acontecia em uma única direção. Toda a informação didática estava organizada em livros e as pesquisas eram feitas em enciclopédias. Os alunos faziam uma tarefa de cada vez e de maneira sequencial, e o pensamento era organizado dessa forma. E quando a lousa de giz era substituída por um quadro branco, achávamos aquilo um grande avanço tecnológico.

Trinta anos depois, a introdução da tecnologia digital de maneira ubíqua em nossas vidas provocou mudanças culturais dramáticas em todos nós, especialmente nos mais jovens. E isso soterrou com uma pesada camada de questionamentos todo aquele sistema de ensino.

A primeira grande mudança é que os estudantes hoje são efetivamente capazes de fazer mais de uma coisa simultaneamente. E eles fazem isso o tempo todo. Essa habilidade multitarefa entre em choque com o estilo sequencial sobre o que a educação brasileira ainda está calcada.

A tecnologia onipresente e oferecida em cada vez mais dispositivos permite que os alunos acessem todo tipo de informação que quiserem, a qualquer hora e em qualquer lugar. Mas a maioria das instituições e dos professores insistem em barrar a entrada da tecnologia na escola, não porque não a conheçam, mas porque não sabem ao certo como tirar proveito pedagógico dessas ferramentas. Sem falar no temor (nada infundado) de que os alunos dominarão a ferramenta muito mais eficientemente que eles mesmos.

Afinal, são poucos os professores que conseguem ver um videogame como material pedagógico.

 

Mudança de papeis

Os estudantes têm, portanto, acesso a uma infinidade de informações de todo tipo. Não quer dizer que sejam todas de boa qualidade, mas eles absorvem o bom e o ruim como uma esponja. Em muitas ocasiões, chegam à sala de aula com mais informação sobre o tema da aula que o próprio professor. E aí acontece um grande cisma da educação atual.

Diante de tantas informações e tantos estímulos, os adolescentes vêm crescendo com grande carga argumentativa. São, portanto, questionadores natos, muito mais que o que se observava nas gerações anteriores.  Mas a maioria dos professores ainda quer manter o modelo de detentores únicos do conhecimento, no estilo de sala de aulas que eles conheceram como alunos e no qual foram formados profissionalmente. Os alunos, claro, não aceitam mais isso.

Os professores precisam entender que perderam o título de única fonte do saber, e que agora precisam se comportar muito mais como tutores, mediadores que conduzirão seus estudantes na sua jornada da construção do conhecimento dentro de seus próprios termos, incluindo uma relação de igual para igual com o mestre, pensamento não-linear, colaboração entre pares e uso intenso de todo tipo de tecnologia que tiverem à mão.

Como os professores não conseguem fazer isso, chegamos ao problema que serve de título para este artigo. Os alunos simplesmente não entendem por que estão aprendendo os conteúdos escolares, qualquer que seja a disciplina. Aquilo não lhes fala ao cérebro, e muito menos ao coração. E aí não aprendem. E se desestimulam. E a evasão escolar cresce.

Tudo o que a proposta do governo quer combater. Mas cujas causas sequer foram abordadas por ela.

 

Um novo modelo de escola

Não precisa ser gênio para perceber que a solução dos problemas da péssima educação brasileira e da evasão escolar não se resolverão simplesmente aumentando a carga horária ou segmentando o ensino em eixos temáticos. As essências do problema, que são a dificuldade de os professores se comunicarem com os estudantes e o fato de eles não verem sentido no que aprendem, permanecem intactos.

A solução só pode surgir com uma grande reforma nesses pontos, algo que provavelmente surtiria efeitos muito melhores que o que está sendo debatendo agora em torno da proposta federal.

Como exemplo, aproveito algo que já apresentei aqui: o modelo bastante ousado da escola Quest to Learn, que fica em Nova York e que construiu uma maneira completamente nova de ensinar todo o conteúdo do currículo nacional: usando apenas jogos (eletrônicos, de tabuleiro, de interpretação, e por aí vai). Cheguei a fazer o vídeo abaixo, onde detalho sua proposta:


Vídeo relacionado:


Muita gente pode achar que os alunos lá passam o dia brincando e não aprendem nada. Eles estão certos na primeira parte, mas rotundamente enganados na segunda. Os alunos da Quest to Learn apresentam resultados acadêmicos incríveis: a escola foi campeã na olimpíada de matemática de Nova York nos últimos três anos e seus indicadores pedagógicos são superiores aos da média das instituições da cidade. Além disso, o índice de faltas e de evasão escolar são ínfimos (6% e quase zero, respectivamente), os professores adoram trabalhar no local (90% não a deixam) e os pais a apoiam fortemente (88% de aprovação).

Tudo o que o governo quer.

Claro que implantar uma escola dessa é difícil. Exige uma mudança completa da maneira de pensar de professores e coordenadores, com uma tal profundidade que possivelmente a maioria não seria capaz de realizar. A estrutura da escola também precisa ser modificada para acomodar o novo formato. Além disso, muitos pais provavelmente resistiriam ao novo formato, por não acreditar que ele possa dar resultado.

Mas o caminho não precisa ser trilhado de uma só vez. Mudanças podem ser feitas de maneira gradativa e contínua, verificando as características de cada público e como os resultados vão sendo atingidos. E sempre discutindo com todos os atores envolvidos: alunos, pais, professores, academia e autoridades da área.

A única coisa que não podemos fazer é ficar parados. O governo federal está certo quando afirma que nossos resultados escolares são péssimos e precisam ser melhorados com urgência.  Mas as mudanças precisam ser tomadas no caminho certo, com coragem e com a participação de todos.

Portanto, querer impor uma proposta goela abaixo, por Medida Provisória, como está sendo feito agora, não funcionará. Educação é algo construído a muitas mãos.


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Como destruir uma nação usando apenas livros

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Foto: John-Mark Kuznietsov/Creative Commons

O Ministério Público Federal decidiu enfiar o dedo na ferida e investigar se os livros usados nas escolas brasileiras estariam doutrinando politicamente nossas crianças. Apesar do ineditismo da ação, ela toca em um ponto que educadores conhecem como a palma da mão: é claro que sim!

O fato é que poucas coisas são tão incrivelmente eficientes para controlar um povo quanto a educação. E isso acontece de uma maneira tão perversa quanto produtiva. Afinal, crianças e adolescentes não costumam questionar o conhecimento dos professores nas disciplinas que ministram, muito menos quando ele é corroborado pelos livros didáticos. Sem um contraponto de mesmo peso (que seria a família, mas que raramente discute questões acadêmicas com os filhos), ideias bem plantadas na sala de aula florescem viçosas nas cabeças jovens. Mesmo que sejam as mais pestilentas ervas daninhas.


Vídeo relacionado:


A ação do Ministério Público Federal do Mato Grosso foi motivada por artigo do professor Fernando Schüler, publicado na Época, no dia 29 de fevereiro. Nele, o autor transcreve exemplos escandalosos de como livros de História de algumas das principais editoras nacionais se prestam a endeusar o governo federal a partir da eleição de Lula e demonizar o de Fernando Henrique Cardoso.

Quero deixar claro aqui que esse artigo não tem qualquer objetivo partidário. O que quero discutir é a ética de se usar a sala de aula para destruir o senso crítico dos futuros cidadãos em nome de uma visão política. Citei os exemplos acima porque eles estão lá nas páginas, editadas com uma atroz visão maniqueísta do mundo. Nossos alunos são doutrinados a crer que tudo que um fez é lindo e perfeito, e o que o outro deixou é miséria e destruição. Naturalmente isso não é verdade nem para um, nem para o outro, pois isso simplesmente não acontece em governo algum.

Por uma coincidência, a ação do MPF foi aberta na semana passada, no mesmo dia em que fiz aqui uma discussão sobre como o Brasil vive o absurdo paradoxo de conviver com um alto desemprego enquanto as empresas por aqui não conseguem preencher os seus melhores postos de trabalho, por falta de mão de obra qualificada. A responsável por essa triste realidade? A péssima qualidade de nossa educação.

Em outra coincidência, ontem terminou a consulta pública sobre a proposta para a Base Nacional Comum Curricular, diretrizes que determinarão tudo que as quase 200 mil escolas brasileiras deverão ensinar de agora em diante. O documento apresentado pelo MEC foi amplamente criticado por especialistas, por carregar todo seu conteúdo com um pesado viés ideológico, especialmente na disciplina de História, um verdadeiro desrespeito com os fatos que formaram o mundo, como também já discutimos aqui.

O que se pode esperar disso?

 

Coitada da democracia

Somos seres humanos e, como tal, somos movidos por paixões. Entre elas, uma das mais poderosas é a nossa inclinação política. Quando acreditamos em uma corrente, estamos piamente convictos de que ele é o melhor para todos. E, assim sendo, qualquer esforço vale para fazer mais pessoas pensarem da mesma forma.

Mas isso nunca foi verdade e nunca será! Não há regime, filosofia, proposta que seja a melhor para todos os cidadãos, simplesmente porque as pessoas são diferentes, têm desejos e crenças próprias. Dessa forma, tentar impor um pensamento eliminando ou difamando as alternativas é algo, no mínimo, tirano e egoísta.

Nossos líderes políticos adoram encher a boca e ficam com olhares cândidos ao afirmar que defendem a democracia. Mas, na prática, o que se vê, em todos os lados, é uma luta cada vez mais selvagem para eliminar seu opositor. Mas isso é justamente o contrário da democracia, que é, por definição (pelo menos nos termos atuais), a elaboração de uma nação melhor a partir de pontos de vista diferentes e até conflitantes, porém convivendo de maneira organizada e construtiva.

Não é fácil aceitar isso, mas alguns profissionais têm o dever de superar as suas paixões e lutar pela isenção no que fazem.

Aprendi isso, em teoria, na faculdade de Jornalismo, mas coloquei esse conceito à prova no dia a dia da profissão, inclusive vendo muito colegas falhando miseravelmente nessa tarefa. É verdade: a imprensa é imperfeita, mas ela é fundamental para o crescimento de um país. Porque, como jornalista, procuro ouvir todos os lados envolvidos em um fato, duvido sempre de tudo que vejo, e publico com a maior isenção possível, mesmo quando eu não concorde com o tema.

Educadores, autores de livros didáticos e paradidáticos, gestores pedagógicos e os responsáveis pelas políticas educacionais deveriam seguir também essas mesmas três regras de ouro. Mas, com honrosas exceções, não vejo o menor emprenho nisso. Salas de aula e órgãos educacionais vêm se tornando redutos de doutrinação política, e isso é algo que vem se aperfeiçoando ao longo de décadas!

Mas isso não pode continuar assim! Estamos vivendo um vale-tudo ideológico destrutivo, alimentado justamente pelo oportunismo de alguns e pela ignorância dos demais. Se continuarmos entregando nossas crianças e jovens a essa deseducação, eliminando uma visão pluralista e destruindo seu senso crítico, o crescimento do país e a própria democracia correm sérios riscos.


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A péssima educação brasileira deixa vagas abertas em um país cheio de desempregados

By | Educação | 7 Comments

Foto: ONU/Creative Commons

Na semana passada, foi divulgado o relatório “Analfabetismo no Mundo do Trabalho”, que aponta que só 8% dos brasileiros dominam o português e a matemática. Essa vergonhosa porcentagem explica o aparente paradoxo que vivemos, com um desemprego explosivo assolando o país, enquanto as empresas não conseguem preencher suas melhores vagas.

Evidentemente nada disso é fotografia de uma situação construída de uma hora para outra. O nível rasteiro da educação brasileira tem origem na época do Brasil Colônia, onde ela era virtualmente inexistente por aqui. Mesmo após a Independência, educação era coisa para homens e para ricos. No caso de universidade, implicava em conclusão de estudos na Europa.


Vídeo relacionado:


Evidentemente, nos últimos 200 anos, a educação se democratizou no Brasil. Homens e mulheres estudam –na verdade, as mulheres estudam, na média, até mais que os homens (7,3 anos delas contra 6,3 anos deles). Também temos pessoas de todas as classes sociais na escola e até na universidade, que agora também pode ser feita por aqui mesmo.

A situação está melhor que na época de Dom Pedro? Claro que sim! Mas também não precisa de quase nada para isso. A questão é: a educação brasileira é boa?

Claro que não!

Essa democratização se refere muito mais ao acesso às salas de aula que à qualidade. Temos poucas ilhas de excelência pedagógica cercadas por um mar de escolas que explicam os números acima. Isso foi brilhantemente captado no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo (88 minutos):

 

 

Essa situação vem evidentemente do nosso histórico de pouco apreço pela educação e pelos professores. Se, na Coreia do Sul, apenas os melhores podem exercer esse ofício, por aqui vivemos um cenário em que uns pouco iluminados abraçam o sacerdócio pelo chamado irresistível da vocação, enquanto a maioria acaba sendo composta por profissionais que “não deram certo” nos ofícios que tinham escolhido originalmente.

Como resolver isso?

 

Correção lenta, mas necessária

Sejamos sinceros: falar mal da educação no Brasil é como chutar cachorro morto. Ano após ano, estudo após estudo, relatório após relatório, confirmamos esse conhecido flagelo nacional. E muito pouco vem sendo feito para corrigi-lo. É como se acalentássemos o algoz do futuro do Brasil.

Não há mágica para solucionar o problema, e nada dará resultados positivos rapidamente. E talvez aí resida o maior desafio para a melhoria, pois as políticas educacionais por aqui não são consistentes e não têm continuidade. Governos vêm e vão, e adoram trocar como e o que nossos estudantes devem aprender.

Aliás, estamos justamente em um desses “momentos incríveis”, no meio do debate em torno da Base Nacional Comum Curricular, que acaba daqui a seis dias, no dia 15 de março. Ele está acontecendo a partir da proposta organizada por educadores contratados pelo MEC para criar as diretrizes para todo o Ensino Fundamental e Médio do país de agora em diante. Entretanto seu conteúdo é carregado com um pesado viés político com potencial para tornar a educação brasileira irrelevante. A proposta é tão ruim, que foi criticada pelo ex-ministro da Educação, o professor de ética e filosofia Renato Janine Ribeiro, que perdeu o posto na reforma ministerial feita pela presidente Dilma Rousseff no dia 2 de outubro passado.

Esse é um ótimo exemplo do que NÃO deve ser feito. Não nos enganemos: toda política educacional tem viés ideológico do grupo dominante. Mas isso não pode ser mais importante que os conteúdos relevantes para a formação do cidadão ou que a forma de se educar. E certamente não pode ser mais importante que a valorização da figura do professor, tão maltratado na sua formação, quanto no exercício da profissão.

Falei há pouco da Coreia. Em 1950, ela chegou a ser considerada o país mais pobre do mundo, bem abaixo do Brasil da época. Entretanto, vejam a situação da Coreia do Sul hoje. Qual foi o “truque”? Investimento sério e pesado em educação, e com continuidade. Demorou “apenas” uns 40 anos para passar da miséria para a posição de uma das economias mais pujantes do mundo.

Em algum momento, temos que parar de reclamar e de brincar, e começar a consertar a situação por aqui, pois o processo durará, no mínimo, uma geração. Caso contrário, corremos o risco de caminhar com confiança de volta ao Brasil Colônia, com empresas cheias de vagas abertas e uma multidão de analfabetos funcionais desempregados incapazes de preenchê-las.


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Notebook versus lápis

By | Educação, Tecnologia | 6 Comments
Tendência aponta que estudantes preferem escrever em notebooks a usar o lápis

Tendência aponta que estudantes preferem escrever em notebooks a usar o lápis

A Folha publicou nesta segunda uma reportagem sobre como escolas já permitem que alunos levem notebooks pessoais para a sala de aula, como parte de seu material escolar. A reportagem me chamou a atenção em dois pontos: primeiramente porque foi a primeira vez que vi isso fora do ensino superior; em segundo lugar, e mais inusitado, porque os alunos começam a questionar o porquê de se escrever à mão.

Esse questionamento pode parecer absurdo -e é, pelo menos enquanto não dispusermos de infra-estrutura tecnológica que nos permita dispensar de vez papel e lápis-, mas é perfeitamente compreensível para alguém que manipula um PC com a mesma naturalidade que a TV. Esses membros da “Geração Z” realizam os seus trabalhos escolares -mesmo os mais prosaicos- em PowerPoint ou em sequências em Flash.

Além disso, a moderna pedagogia prega que as crianças hoje aprendam primeiro a letra bastão (ou, com se costumava dizer, “de forma”) em maiúsculas, passando depois para as minúsculas e apenas então passam à escrita cursiva (as “letras de mão”). Isso parece estar alinhado com o fato de que o mundo não é mais cursivo. Qualquer PC vagabundo com Windows oferece ao usuário dezenas de famílias de fontes para que experimente em seus escritos, e as crianças estão expostas a essa realidade. Dentro desse novo mundo, as pessoas, de todas as faixas etárias, escrevem e lêem mais que nunca. A questão deixa de ser se se deve escrever “à mão ou com letra de forma” e passa a ser se se deve escolher Arial ou Times New Roman para compor o texto.

Não estou advogando pelo fim da escrita à mão: muito pelo contrário. Mas os fatos estão postos. A questão é saber como pais, escolas e editoras lidarão com isso. Todos estão preparados para isso, pedagógica e até psicologicamente? Pais, professores e demais profissionais de educação conseguirão lidar com essa onda inovadora que ganha volume a cada dia, podendo chegar logo à escala de tsunami?

Não estão. Mas essa onda pega!