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Algoritmos criam novas tribos urbanas (às vezes perigosas)

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Hoje muita gente é membro de alguma tribo urbana e nem se dá conta. Não me refiro necessariamente às “clássicas”, como os punks ou os nerds, mas mesmo quem não faz parte dessas grandes turmas pode ser bastante ativo. E essa pulverização se dá por conta das redes sociais.

As tribos urbanas surgiram como uma maneira de as pessoas integrarem um grupo de amigos com interesses em comum. Elas existem há décadas e são parte indelével da nossa cultura.

Fazer parte de uma dessas tribos sempre exigiu iniciativa do integrante, tanto para entrar, quanto para se manter nela. Ninguém se tornava metaleiro sem querer! Mas, de uns anos para cá, algo mudou.

Vivemos em um tempo em que entramos em tribos praticamente sem perceber, graças aos algoritmos. E isso pode ser bem ruim para nossa vida, pois somos membros inconscientemente ativos, praticamente teleguiados!


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Os algoritmos de relevância das redes sociais identificam nossas características e nossos gostos para filtrar a realidade. A partir disso, destacam, a cada um dos bilhões de internautas, fatias do mundo que reforçam seus pontos de vista e lhes apresentam uma enormidade de pessoas que pensam da mesma forma.

Como de costume, as redes sociais não criam nada, apenas fazem o que já existe acontecer de forma mais intensa e mais rápida. Por isso, essas novas tribos que criam –essas tribos digitais– são ótimas para nos manter felizes e confortáveis, anestesiados até!

Mas elas também podem reforçar o que temos de pior, a um ponto de colocar a própria sociedade em risco. Basta ver o número incrivelmente alto de pessoas que insistem em não se vacinar, mesmo diante do recrudescimento da pandemia de Covid-19.

Sim, os “antivacinas” são uma nova tribo urbana bem definida! E eles têm força mesmo diante do consenso de que, enquanto a maior parte da população não estiver imunizada, não conseguiremos retomar uma vida que se aproxime da normalidade.

As tribos urbanas se consolidaram ao longo do século 20. Seus membros apresentam uma grande uniformidade de pensamentos, gostos, comportamentos, linguagem e até maneira de se vestir.

Não são organizações formais ou com uma liderança, estando muitas vezes associadas a fenômenos culturais. Tampouco surgem para ativismo político, o que não quer dizer que sejam sempre alienadas com o mundo a sua volta. Pelo contrário, muitas tribos, como os punks, têm posições sociais bastante críticas, que manifestam em músicas, por exemplo.

O termo “tribo urbana” foi cunhado pelo sociólogo francês Michel Maffesoli, que começou a usá-lo em seus artigos a partir de 1985, mas o conceito já existia há décadas. Outras tribos famosas são os hippies, os geeks, os roqueiros, os skinheads, as patricinhas, os góticos… e por aí vai.

 

Necessidade de pertencimento

Normalmente, as pessoas entram em tribos quando são mais jovens, justamente pela necessidade natural de fazer parte de um grupo. Em muitos casos, as pessoas migram de uma tribo para outra.

É essa mesma característica de querer se associar a pessoas que têm pensamentos semelhantes que permitem que os algoritmos criem essas novas tribos. Porém, ao contrário das tribos urbanas, que não são criadas com objetivo político, muitas tribos digitais surgem exatamente para isso, ou acabam sendo usurpadas para esse fim por grupos de poder.

O próprio movimento contra vacinas é um exemplo.

Quando começou a levar mais a sério a ideia de concorrer à cadeira de presidente dos Estados Unidos, lá pelos idos de 2012, Donald Trump percebeu que uma parcela considerável do público conservador americano tinha dúvidas sobre a eficiência das vacinas. Por isso, começou a fazer uma campanha feroz contra elas nas redes sociais, associando os imunizantes a diferentes doenças e ao autismo.

Muita gente acreditou nisso, e as teorias contra vacinas se espalharam pelo mundo. Como resultado, doenças que estavam praticamente erradicadas em muitos países, como o sarampo, voltaram com força, matando muita gente.

Mas nem Trump podia prever o surgimento da pandemia de Covid-19, cuja saída passa necessariamente pela vacinação em massa. Tanto que o presidente negacionista americano se rendeu aos fatos e comprou todas as vacinas que pôde.

É uma pena que Bolsonaro não tenha feito o mesmo. Pelo contrário, fez campanha aberta contra as vacinas o quanto pôde. O resultado desse negacionismo é que, em dezembro, 22% dos brasileiros diziam categoricamente que não se vacinariam, contra 73% que o fariam. Já no final de fevereiro, com o negacionismo perdendo força diante da doença, 89% já diziam querer se vacinar.

 

Negação como resistência

Os antivacinas não são a única tribo fortemente alimentada pelas redes sociais. Os terraplanistas, as pessoas que afirmam que a Terra é plana e não esférica, se fortaleceram graças principalmente ao YouTube.

Apesar de negarem uma verdade científica amplamente demonstrada, esse grupo tampouco é desprezível. Estima-se que 7% dos brasileiros afirmem que a Terra é um disco e não uma bola, enquanto 3% não têm certeza. Nos Estados Unidos, esses índices são, respectivamente, 2% e 5%. E pesquisas mostram que terraplanistas são mais numerosos entre pessoas mais jovens e entre os menos escolarizados.

Vistos de fora, esses grupos podem parecer um bando de malucos, mas seu crescimento consistente graças às redes sociais não pode ser simplesmente desprezado.

A negação a se vacinar por 10% da população, mesmo diante da maior crise sanitária da história, demonstra o risco que eles representam à sociedade como um todo. E há provavelmente mais antvacinas que hippies, nerds, punks ou qualquer outra tribo urbana “clássica”.

Essas tribos digitais e seu negacionismo à ciência e à cultura podem ser considerados resultado de um movimento de resistência a ideias que vinham guiando a sociedade. Grupos cujos valores eram vistos como inadequados ou ultrapassados –como homofobia, machismo, autoritarismo, xenofobia– ganharam voz, principalmente com a ascensão de políticos de ultradireita nas redes sociais.

Isso explica também a polarização irracional em que o mundo foi jogado. As tribos urbanas, da mesma forma que acolhem seus integrantes, por vezes rejeitam quem é diferente. As tribos digitais, com seus sentimentos exacerbados pelos algoritmos, fazem isso ainda mais, criando divisões que podem descambar em um insano “se você não está comigo, está contra mim”.

De certa forma, isso me lembra as teorias de Zygmunt Bauman (1925 – 2017) e seu “mundo líquido”. Segundo o sociólogo e filósofo polonês, os relacionamentos passaram a ser menos estáveis e definidos mais pelo acúmulo de experiências.

Nas tribos digitais, as pessoas se unem àqueles que podem lhe proporcionar algum benefício imediato, mesmo o simples acolhimento de suas ideias. Mas se aparecer alguém que ofereça mais vantagens ou que saiba manipular os algoritmos melhor, leva todo o rebanho embora.

As pessoas precisam resgatar o controle de seu cotidiano e o apreço por valores inegociáveis, como o direito à vida. Também precisam aguçar seu seno crítico, para que não sejam manipuladas por distorções de outros valores, como o direito á liberdade na boca de vivaldinos.

Fico feliz em ver o crescimento de uma conscientização frente a esses males. Mesmo companhias e lideranças empresariais estão se engajando nisso, até mesmo porque o alinhamento da valores entre marcas e seu público é ótimo para os negócios!

As redes sociais também estão trabalhando nisso, se não pelo amor, pela dor da ameaça de governos conscientes que as responsabilizam pela disseminação de fake news e da criação dessas tribos digitais negacionistas.

Quanto a nós, temos um papel fundamental nessa história. Não há nenhum problema em ser geek, punk ou hippie. Apenas não seja coisas como terraplanista ou antivacina. Precisamos nos unir em torno de ideias que valham a pena e melhorem o mundo.

 

A difícil arte de ser verdadeiro e não agradar

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Há uma piada que circula pelas redes sociais que diz que ninguém é tão popular quanto parece ser no Facebook, nem tão bonito quanto no Instagram, tão bem-sucedido quanto no LinkedIn ou tão sucinto quanto no Twitter. Brincadeiras à parte, você tem a sensação que as postagens nas redes sociais estão ficando muito parecidas umas com as outras?

Não é só pela ação do algoritmo de relevância, que joga na nossa cara apenas aquilo que se parece conosco. Isso é resultado de um fenômeno em que as pessoas querem agradar o outro a qualquer custo. Fazem isso para conseguir um emprego novo ou mais clientes, para brilhar no seu grupo de amigos ou pela necessidade da gratificação fugaz e às vezes patológica de receber “curtidas”.

Fica difícil ser feliz com essa compulsão em agradar, mesmo que, para isso, tenhamos que mentir sobre nós mesmos. E isso se manifesta com ainda mais força nas redes sociais, que premiam quem é raso, porém alinhado com a massa. Viramos marionetes de uma sociedade de pensamentos únicos, em que, para ser aceito, é preciso “mugir no mesmo tom da manada”.

Até onde vai essa loucura?


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Por exemplo, em outubro, a organização internacional Artigo 19 divulgou relatório que demonstra que o Brasil teve a maior queda no mundo na liberdade de expressão. Em 2009, o país somava 89 pontos em uma escala de 0 a 100 em liberdade de expressão. Em 2020, somamos apenas 46 pontos!

Com isso, ocupamos a modesta 94ª posição, entre 161 países avaliados, e deixamos de fazer parte do grupo de países classificados como “abertos”. Estamos praticamente empatados com as Filipinas, e abaixo da Hungria e do Haiti. Também estamos atrás de todos os países da América do Sul, exceto a Venezuela.

Algumas pessoas podem contestar esse número, dizendo que, no Brasil, nunca ouve tanta liberdade de expressão, graças às manifestações nas redes sociais. É preciso então explicar o que esse termo significa.

De fato, nunca tanta gente colocou seus pensamentos nas redes sociais. Mas isso não é suficiente para configurar liberdade de expressão. Na verdade, acaba sendo o contrário!

Primeiramente porque grande parte do que propagam são ataques baratos que visam destruir a imagem de outras pessoas, empresas e instituições. Isso pode ser enquadrado em vários crimes, o que, por si só, já contraria o conceito de liberdade de expressão. Além disso, o que essas pessoas falam não são suas ideias: servem apenas de caixa de ressonância para palavras de ordem de grupos específicos, prestando-se a viabilizar seus objetivos. Fazem isso por se alinharem com as ideias desse grupo ou para se sentir parte dele.

Como canta Caetano Veloso, “Narciso acha feio o que não é espelho” As pessoas não querem ser confrontadas com o que lhes incomoda. Por isso, se tornam presas fáceis de quem lhes agrada, mesmo que seja com a mais rotunda mentira!

Precisamos romper esse ciclo destrutivo!

 

Todos podem fazer sua parte

Todos os seres humanos são importantes para a sociedade e têm algo a contribuir. Infelizmente, às vezes essa contribuição pode desagradar alguns, pelo simples fato de os tirar de sua zona de conforto. Porém, se ela for construtiva e não ferir leis, deve ser dita.

É por isso que gênios não se preocupam em agradar ninguém: apenas fazem o que deve ser feito, desde que seja certo. Por outro lado, os inseguros, os que estão encharcados de ódio e aqueles que simplesmente não conseguem sustentar suas ideias sentem que lhes resta recorrer a essas fórmulas fáceis.

Não caiam nessa armadilha!

Fazer parte de uma comunidade é crítico para todos os seres humanos. Mas isso não significa apenas usufruir do que ela tem de bom a nos oferecer. Tampouco significa viver uma existência baseada em atender as expectativas dos outros e muito menos manipular a narrativa para ser servido por eles. É também genuinamente trabalhar para construir e oferecer algo de bom ao outro, mesmo a um desconhecido.

Essa realidade em que vivemos me lembra o roteiro do episódio “Queda Livre”, o primeiro da terceira temporada da série “Black Mirror”. Ele mostra uma sociedade em que as ações de todos podem ser avaliadas pelas pessoas à sua volta ou nas redes sociais. Tais avaliações alimentam uma espécie de placar individual acessível a todo mundo, que influencia decisivamente a vida em sociedade. Por isso, nesse episódio, as pessoas vivem vidas cheias de mentiras e aparências, apenas para ganhar mais estrelas de seus pares.

Aquilo é uma enorme distorção do que deveria ser uma vida saudável em sociedade. Mas eu pergunto: quanta falta para que cheguemos àquilo em nosso cotidiano?

 

Não dá para agradar todo mundo

Precisamos reaprender a ser verdadeiros e solidários, mesmo que isso possa desagradar alguns. Se tentamos agradar a todos, não conseguiremos ser verdadeiros. Corremos o risco de desagradar mais que agradar. Por sempre se ajustar aos desejos alheios, há o risco de se criar uma legião de eternos insatisfeitos, que sempre vai querer mais.

Portanto, ao invés de buscar competição por “estrelinhas” em nosso cotidiano, devemos procurar a evolução de nós mesmos. Ao mudarmos para melhor, o mundo muda junto.

Temos que dar um basta nesse comportamento de “mentiras agradáveis”! Esse é um dos grandes males da atualidade.

Para isso, não se deixar abater pelo que o outro pensa. Não espere e nem tente fazer com que todos gostem de você. Nenhuma das duas coisas é possível!

Quem entende que não é o centro do mundo vê sua percepção se tornando mais positiva. Assim suas atitudes tendem a melhorar. A beleza do mundo floresce quando cada um busca viver sua vida de maneira construtiva dentro da sociedade.

Seja verdadeiro e pratique continuamente o bem, para termos uma sociedade melhor para todos. Talvez até deixe de “ganhar estrelinhas” de algumas pessoas, mas sua vida será mais plena e feliz.