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“Matemática ruim” e baixa identificação de jovens com TI fazem Brasil importar tecnologia

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Na semana passada, publiquei nesse espaço uma reportagem que indicava como o setor de TI no país “rouba” profissionais de outras áreas para suprir um déficit de formação universitária que pode passar de meio milhão de trabalhadores até 2025. Mas, se a procura é tão grande e essa área paga tão bem, é natural perguntar por que então não temos mais pessoas procurando por essas graduações.

Apesar de a pergunta ser simples, a resposta é complexa. A procura existe, os cursos estão cheios, entretanto poderia ser mais. Isso começa por um interesse relativamente baixo pelo aprendizado de Matemática, passa por questões culturais e familiares, choca-se com barreiras para grupos sociais nessas profissões e desemboca em um Ensino Médio Técnico que poderia suprir muitas dessas necessidades do mercado.

É uma combinação que demonstra como o problema é sistêmico, prejudicando profissionais, empresas e a própria sociedade. Os primeiros perdem oportunidades, as segundas pagam caro por trabalhadores e a última enfrenta o fato de que importa tecnologia ao invés de produzi-la nacionalmente, aproveitando a criatividade brasileira.

Da mesma forma que todos sofrem com o problema, a responsabilidade para sua solução precisa envolver a sociedade como um todo.


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“A escolha da profissão tem a ver, entre outras coisas, com o status social”, explica Ana Paula Gaspar, especialista em tecnologia e educação. “Falta uma dimensão subjetiva e humana na análise desses fenômenos sociais, porque as pessoas não escolhem apenas por conta de quanto vão ganhar.”

Segundo ela, não se pode esperar que jovens se decidam por uma graduação de Engenharia se eles não tiverem acesso a produtos com boa engenharia. “Então é muito natural que uma criança deseje mais ser youtuber que astronauta, porque tem a ver com o que ela consome”, explica. “E há esses dados escabrosos que mostram que muitos ainda têm dificuldade de estar no mercado de trabalho por conta de preconceito de classe ou de raça”, acrescenta.

“É um pressuposto equivocado da cultura brasileira de que o profissional, para trabalhar, precisa sair do ensino universitário”, afirma Marcelo Krokosc, diretor do Colégio FECAP, em São Paulo. Segundo ele, países da América do Norte e da Europa têm um Ensino Técnico muito valorizado, que supre parte da demanda por profissionais. “O aluno que faz o Ensino Técnico sai preparado para o mercado de trabalho com 17 anos, porque já veio aprendendo aquilo que tem interesse”.

Alunos de cursos técnicos de TI levam vantagem se prosseguem na área no Ensino Superior. David de Oliveira Lemes, diretor da Faculdade de Estudos Interdisciplinares da PUC-SP, explica que muitos deles chegam com uma maturidade em Matemática e aspectos técnicos que os demais estudantes não costumam ter. “Já passaram por alguns percalços, já ‘sofreram’ com programação, com Matemática, com Lógica”.

O aprendizado deficiente em Matemática acaba atrapalhando na escolha e no desenvolvimento nessas carreiras. “A educação matemática no Brasil é muito pobre: entre alunos que saem do Ensino Médio, apenas 5% têm a proficiência necessária para essa etapa”, explica Gaspar.

“Nos anos iniciais, a escola deve manter o interesse pela Matemática da mesma forma como mantém pela alfabetização”, afirma Krokosc. Ele conclui que “as famílias devem vibrar quando o filho lê uma palavra, mas também quando faz uma conta”.

Gaspar explica que essa baixa qualidade matemática no país se deve a como ela chegou por aqui, por uma influência francesa de uma “matemática pura”, sem ser aplicada e com a “matemática do dia a dia” desvalorizada. “Se a matemática que chega na escola está muito distante da realidade dos alunos, é um problema”, conclui.

 

Novos caminhos

Lemes acredita que a nova BNCC –a Base Nacional Comum Curricular, o conjunto de regras que determina como escolas devem organizar seus currículos e propostas pedagógicas– pode melhorar o ensino da disciplina. Ele explica que, “com ela, os professores precisam aplicar a Matemática em situações dentro e fora da escola, não só naquele contexto da Matemática pura”.

Isso não pode ser encarado apenas como um problema escolar. Esses desafios afetam a sociedade em geral e todos precisam se unir para sua solução.

“A responsabilidade do governo é a formulação de políticas públicas, e a das instituições de ensino é a oferta, quantidade e qualidade de vagas”, explica Gaspar. Ela afirma que “o mercado ‘lava as mãos’ para a formação, porque acha que seu papel é dar emprego, fazer negócios e gerar renda”.

Mas essa é uma visão míope e ultrapassada, especialmente em uma área tão dinâmica quanto TI, em que o conhecimento envelhece muito rapidamente. Por isso, as empresas devem cuidar da formação contínua de seus profissionais.

Gaspar sugere que um profissional só poderia ser considerado sênior e fosse capaz de formar outras pessoas, mas isso hoje não é feito. “Daí fica todo mundo roubando sênior de todo mundo, ao invés de formar júnior”. E conclui: “se as pessoas não forem parte do resultado das empresas, a gente nunca vai sair desse buraco.”

Não há outro caminho viável: qualquer que seja a sua profissão, se você quiser continuar relevante no mercado, precisará continuar estudando até o último dia. Por outro lado, precisamos ajudar crianças e jovens a desenvolver as competências necessárias, tanto em linguagem, quanto em Matemática. Além disso, precisamos dar a eles exemplos e modelos para que façam escolhas profissionais conscientes.

Se apresentada do jeito certo, a Matemática pode ficar até mais divertida. “É muito interessante ver um aluno com o cubo mágico na mão ao invés do celular”, sugere Krokosc. Precisamos dela para uma leitura crítica do mundo e uma vida melhor.

“Fala-se que vai faltar muito programador, mas para qualquer profissão hoje, para ser cidadão no mundo, é preciso ter fluência em competências digitais”, afirma Gaspar. E não adianta que apenas um pequeno grupo social atinja isso, ou a sociedade não se desenvolverá plenamente, nem diminuiremos nossa dependência tecnológica de fora. Como diz Lemes, “a gente tem que ser o produtor de conhecimento!”

 

O maior desafio do jornalismo na pandemia é seguir fazendo jornalismo

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Qual é a melhor profissão do mundo?

Naturalmente, não há resposta definitiva a essa pergunta. Todo profissional apaixonado pelo que faz dirá que seu ofício é o melhor, e filosoficamente estará certo nisso. Mas toda profissão tem (ou deveria ter) uma função social. Portanto, aquelas que promovem mais impacto na sociedade estariam mais próximas de receber esse título.

Para Gabriel García Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura e jornalista (cuja foto ilustra esse artigo), o jornalismo é essa profissão. Em um histórico discurso na assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, em 1996, Gabo (como era chamado) explicou que “o jornalismo é uma paixão insaciável que só pode ser digerida e humanizada por sua confrontação visceral com a realidade”.

A explicação genial em suas palavras vem sendo posta à prova nos últimos anos, em vários locais do mundo. Uma parcela considerável da população acredita pouco na imprensa e esse índice vem piorando, como demonstra o mais recente relatório Trust Barometer, da consultoria americana Edelman. O mesmo documento demonstra que essa desconfiança é maior entre eleitores de governantes autoritários, que se especializaram em atacar jornalistas, pois a verdade os incomoda. Isso acontece sistematicamente desde a Alemanha nazista, em que Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Adolf Hitler, calava todas as vozes dissonantes do Fürher.

No Brasil, isso não é diferente. Cresci vendo jornalistas sendo respeitados na sociedade pelo seu trabalho de trazer e contextualizar as notícias para todos nós. Essa foi a realidade em nosso país até pouco tempo, quando os ventos políticos mudaram e os jornalistas passaram a ser perseguidos, censurados, agredidos moral e fisicamente por autoridades e até pelo cidadão médio, inflamado pelo discurso de ódio de seus líderes.

Por que tanta gente detesta profissionais que se esforçam para os informar da melhor maneira possível, às vezes colocando a própria vida em risco?

É verdade que o mundo mudou, e não apenas no balanço político. A gigantesca digitalização de nossas vidas transformou a maneira como consumimos e produzimos conteúdo de toda natureza, inclusive jornalístico. As empresas de comunicação tradicionais deixaram de ser as únicas fontes disponíveis, competindo com pequenos veículos independentes que fazem um ótimo trabalho e com aqueles que se resumem a publicar um conteúdo raso ou deliberadamente atuam na desinformação, cada vez mais convincente e suculenta com suas mentiras.

Com a pandemia de Covid-19, que nos assola desde março de 2020, o ódio à imprensa se uniu às hostes negacionistas, jogando o país no caos. O grande desafio desses profissionais passou a ser insistir em se fazer jornalismo de qualidade. Esse foi o tema que apresentei no evento “Desafios para o jornalismo na pandemídia”, ao lado de Fábio de Paula, Magaly Prado e Marcelo Salgado, que aconteceu no dia 12, a convite da professora Maria Collier de Mendonça, no curso de jornalismo na UFPE. Todos são colegas do Sociotramas, grupo de pesquisa em temas ligados a redes sociais na PUC-SP.

Mas a pandemia criou um interessante efeito na busca pela verdade na maioria da população. Afinal, diante do desconhecido e do medo trazidos pelo vírus, era necessário buscar informações confiáveis para se proteger da doença, e as pessoas se voltaram para o jornalismo profissional. Isso pode ser comprovado pelo aumento na audiência de todos os veículos de comunicação sérios nesse período.

O jornalismo é um trabalho de persistência. Diante das piores adversidades, surgem os melhores profissionais, que se esforçam para trazer a informação mais confiável. Não se trata de verdade absoluta, pois ela é conceitualmente inatingível. Mas o jornalismo se esforça para se aproximar ao máximo dela, com muito suor, técnica e ética.

A essa altura, alguns podem estar torcendo o nariz, discordando de mim. Faz parte do trabalho! Não podemos agradar a todos, até mesmo porque o bom jornalismo também é aquele que apresenta os fatos inconvenientes para muitos. Por outro lado, não tem a pretensão de ser perfeito, até pela natureza humana falível de todos os profissionais, mas se busca sempre a melhor informação para o público.

É por isso que, mesmo aqueles que discordam da imprensa se beneficiam, em algum momento, de seu trabalho. No caso particular da pandemia, se não fosse a persistência incansável desses profissionais, não estaríamos agora na macabra marca de 300 mil mortos pela doença, e sim possivelmente na casa dos 500 mil óbitos. A educação da comunidade pelo noticiário evitou uma tragédia ainda maior, beneficiando a todos, mesmo àqueles que preferem acreditar em mitos.

As dificuldades e os ataques que jornalistas sofrem agora são resultados dos tempos de trevas em que vivemos. Mas, como diz o ditado, “depois da tempestade, vem a bonança”. Quando isso acontecer, bons jornalistas, contadores de histórias da vida real, estarão lá para dizer como tudo aconteceu.

Naquele seu genial discurso, Gabo concluiu: “Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em uma profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não garante um instante de paz até que recomece com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”

Não poderia concordar mais com ele: essa profissão é uma paixão de entrega ao próximo! É necessária para o desenvolvimento de qualquer nação, mesmo quando as verdades são inconvenientes. Por isso, nasci jornalista. E persisto!

 

Esse artigo foi publicado originalmente no blog do grupo de pesquisa Sociotramas, do qual faço parte, na PUC-SP. Com profissionais de diferentes áreas e de várias universidades brasileiras, estudamos os impactos do meio digital e das redes sociais na comunidade.

 

Nossa má educação cria um abismo entre os brasileiros e as profissões do futuro

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De tempos em tempos, vemos estudos e listas sobre as chamadas “profissões do futuro”. Elas nos enchem os olhos, com atividades incríveis e inspiradoras. Algumas parecem que vieram diretamente de um episódio de “Star Trek”, mas são reais! Infelizmente a maior parte das pessoas jamais exercerá qualquer uma dessas carreiras, pois não têm elementos básicos em sua formação para desempenhar suas tarefas. Nosso sistema de ensino e nossa cultura não são organizados para oferecer a crianças, jovens e adultos as habilidades necessárias para isso.

Isso fica ainda mais cruel quando consideramos que vivemos em um país que entrou em 2021 com cerca de 14 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados (aquelas pessoas que já desistiram de procurar emprego), números que crescem consistentemente desde antes da pandemia de Covid-19. Nos casos da imensa maioria dessas pessoas, infelizmente essas atividades inovadoras são inalcançáveis.


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Para as profissões que debutam com grande pompa e muitas novidades (as que chamam mais atenção), naturalmente não existe formação específica. As escolas precisam de um tempo para criar cursos, e isso só acontece depois que um novo ofício está consolidado. Portanto, se se almeja qualquer um desses incríveis trabalhos, a habilidade mais desejada é o amor pelo aprendizado. Com ela, o candidato descobrirá e fará muitos cursos específicos, para combinar seus conteúdos e construir o arcabouço intelectual necessário.

Nesse ponto, a situação começa a complicar. Nossas escolas não desenvolvem nos estudantes esse recurso. O amor pelo conhecimento é substituído por decorar o conteúdo para “tirar nota na prova”. Aliás, esse é um sistema de avaliação que persiste, apesar de ser incrivelmente falho. A prova pune o erro, o que faz com que o aluno prefira decorar mecanicamente, ao invés de sentir o prazer da compreensão dos assuntos, algo que deveria ser desenvolvido desde a mais tenra idade. Por isso, abordei esse tema na palestra que ministrei aos educadores da Fundação Raízen, na quarta passada

As “profissões do futuro” são tão incríveis porque elas saem do óbvio! Desafiam os indivíduos a pensar e a fazer diferentemente o que já existe ou criar algo completamente novo, que trará um grande benefício à sociedade. Para isso, o profissional não pode ficar preso a fórmulas consagradas. É preciso ser capaz de correr riscos, de buscar a inovação, de tentar.

Fácil falar! E é aí que “a porca torce o rabo”, como diz o ditado. Qualquer tentativa, em qualquer assunto, necessariamente embute um risco. Não há como garantir que tudo dará sempre certo. Mas nossas crianças e jovens crescem sendo punidos pelos seus erros. Quando se está na escola, o erro pode levar a uma reprovação de ano. Quando se chega ao mundo do trabalho, o erro pode custar seu emprego.

E assim todos preferem caminhar na segura trilha da mesmice. Ao não tentar, não se erra. E, ao não errar, garante-se o que já se tem. O problema é que, ao não tentar, também não se muda, não se cria, não se vence. Vivemos, portanto, em um pacto pela mediocridade.

Isso é antinatural! Todos nós somos capazes de aprender com nossos erros. Todo jogador de videogame sabe disso! Ninguém termina um game sem “morrer” nenhuma vez. Isso acontece várias vezes ao longo dessa jornada, mas nem por isso o jogador desiste dela. Pelo contrário: ele é obrigado a voltar um pouco na sequência, mas, quando chegar de novo no ponto em que falhou anteriormente, desenvolverá novas estratégias para superar o desafio, até que consiga! A partir daquele momento, esse recurso ficará disponível em seu cérebro para ser usado não apena no jogo, mas em qualquer coisa na sua vida.

Toda criança nasce sabendo disso. Mas a sociedade aos poucos a coíbe, para que essa habilidade fique cada vez menos disponível.

 

O valor da inovação

Profissionais e empresas que “sabem jogar” brilham muito mais! Por exemplo, na terça passada, a Apple recuperou a coroa de marca mais valiosa do mundo, depois de cinco anos. Segundo o relatório “Brand Finance 2021”, Amazon, Google, Microsoft, Samsung, Walmart, Facebook, ICBC, Verizon e WeChat completam a lista das dez mais valiosas. Apenas duas delas não são da área de tecnologia: o varejista americano Walmart e o banco chinês ICBC.

Nas 500 maiores, apenas duas são brasileiras: o Itaú, que ocupar o 387º lugar, e o Banco do Brasil, na posição 492. Sem desmerecer as operações dessas empresas, essa quase total ausência brasileira é emblemática. Nossas maiores empresas são de setores muito conservadores ou estão ligadas a commodities, enquanto as mais valiosas do mundo estão intimamente vinculadas à inovação, onde há um monte dos tais “profissionais do futuro”, dispostos a correr riscos.

Pode-se imaginar que esses ofícios são totalmente inéditos, mas isso não é o caso. Na verdade, muitas das “profissões do futuro” paradoxalmente existem desde a Antiguidade, como professores e médicos. Elas são “profissões do futuro” porque não apenas continuarão existindo, como se tornarão ainda mais importantes para a sociedade. Mas naturalmente elas já sofrem e continuarão sofrendo grande mudanças, inclusive impactadas pelo meio digital. Querer continuar as exercendo como se fazia há alguns anos é um convite para ser colocado para fora do mercado.

A digitalização já afetou todas as profissões e esse é um movimento que cresce exponencialmente. Não há como resistir à mudança. Pelo contrário, qualquer que seja a área do ofício, o domínio de habilidades normalmente associadas às Exatas, como raciocínio lógico, análise de dados, entendimento de sistemas ou estatística ficam mais e mais importantes. Da mesma forma, habilidade de Humanas, como comunicação, pensamento crítico, trabalho em equipe e até empatia também se tornam essenciais para trabalhadores de todas as áreas, e não apenas nas Humanidades.

Vejo isso com muito bons olhos. A ideia de ter um engenheiro com uma incrível capacidade de comunicação ou um médico guiado pela empatia é incrível! Ao final, teremos não apenas melhores profissionais, mas também melhores pessoas.

 

O avanço da automação

Não se engane: o que puder ser automatizado será! Isso já está acontecendo em todas as áreas.

Profissões nascem e morrem desde o início dos tempos. A diferença é que agora isso acontece em um ritmo muito mais veloz, pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela disseminação e democratização do conhecimento.

As que desaparecem normalmente são aquelas que foram substituídas por processos que atenderam seu cliente de maneiras que lhe eram mais convenientes. O que mata um produto, uma indústria, uma profissão é o cliente que encontra uma alternativa mais vantajosa para si.

Portanto as profissões que nascem são mais analíticas e inovadoras, e as que morrem são as mais operacionais e repetitivas. É por isso que nossas escolas precisam formar profissionais para o primeiro grupo, e não para o segundo. Caso contrário, dentro de alguns anos, não teremos apenas uma grande massa de desempregados, mas muitas pessoas “inempregáveis”, que não terão habilidades mínimas para realizar as tarefas exigidas pelos ofícios disponíveis.

A discussão do futuro do trabalho deve passar necessariamente pela do futuro da educação. Portanto, se você deseja abraçar uma das “profissões do futuro”, comece a se preparar desde já, estudando de uma maneira diferente. Procure cursos que o ensinem a pensar e não a simplesmente a “apertar botões”, que o ensinem a correr riscos e não a adotar posições conservadoras, que o levem a abrir novas trilhas e não apenas seguir por caminhos conhecidos por todos.

Com isso, você poderá criar algo de fato novo e que realmente faça a diferença para a sociedade. Assim seu futuro estará garantido.

A desgraça do nosso país passa por reduzir sua profissão mais importante a um “bico”

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Anúncio da rede Anhanguera, oferecendo formação de professores como “segunda carreira” - foto: reprodução

Anúncio da rede Anhanguera, oferecendo formação de professores como “segunda carreira”

A terrível crise que draga o Brasil há pelo menos quatro anos continua firme e forte. A sociedade bate cabeça tentando explicar como chegamos a isso e principalmente como sair dessa situação. Nesse cenário, duas péssimas notícias ligadas à educação brasileira, que ganharam as manchetes recentemente, servem para nos ajudar a entender tudo isso.

A primeira delas se refere a dois infames anúncios publicados recentemente pelas redes Anhanguera Educacional e Unopar, ambas da Kroton Educacional. A outra se refere à agressão a uma professora de Santa Catarina por um aluno adolescente. Não proponho aqui uma simples defesa dos professores, mas sim trazer para o debate como a má educação está na raiz das mazelas do nosso país, e como uma boa educação pode nos levar a vencer tudo isso.


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Desde sempre, defendo como a educação é o melhor caminho para que o país resolva os seus problemas. A explicação é simples: qualquer país que tem uma população (e isso vale para todos seus cidadãos) bem educada, conhecedora de seus direitos e também de seus deveres, com consciência cívica e responsabilidade social, progride a passos largos. E isso acontece porque cada um sabe e cumpre seu papel, e também cobra adequadamente que todos –e não apenas os governantes– façam o mesmo.

A realidade é, entretanto, muito mais complexa, e nos afastamos cada vez mais do bom caminho. Nossa educação, do ensino infantil à pós-graduação, coleciona indicadores vergonhosos. Mas ela é apenas o reflexo de uma sociedade que se orgulha e folcloriza o ‘jeitinho brasileiro”, um nome “fofo” para a corrupção que cada um de nós pratica no dia a dia. É o país que criou a “Lei do Gerson”, onde “esperto” é aquele que tira vantagem de tudo, mesmo que isso inevitavelmente signifique prejudicar o próximo. Essa também é a sociedade cada vez mais radical em suas visões políticas, em que “você está comigo ou contra mim”, quando, na verdade, são todos farinha do mesmo saco (e, pior, sabemos disso).

E por falar em farinha, se o que manda é o conceito de que “farinha pouca, meu pirão primeiro”, como esperar que a boa educação, capaz de formar cidadãos que queiram construir uma sociedade justa para todos, seja valorizada?

 

Por que o professor vale tão pouco

Nos anúncios da Anhanguera e da Unopar, a mensagem é contundente: “torne-se professor e aumente sua renda”. Em outras palavras, a atividade de professor é vendida como um “bico”.

As peças publicitárias provocaram uma enxurrada de críticas, a ponto de as terem que ser retiradas de circulação, com um pedido de desculpas pela nota abaixo:


“Erramos. Nós, da Anhanguera, pedimos desculpas pela mensagem equivocada sobre a função e a importância dos professores. A campanha de marketing que causou mal-estar não representa o que nós, como instituição de ensino, acreditamos, e foi retirada do ar. Nossa intenção com o curso de Formação Pedagógica é incentivar que profissionais já formados possam ter também essa habilitação e contribuir para a resolução do déficit de professores que o Brasil enfrenta. Acreditamos que, promovendo a docência, temos o caminho para o desenvolvimento social e econômico do país. Por fim, esclarecemos que, esta campanha, em específico, não foi submetida à análise prévia do Luciano Huck e de sua equipe”.


Não vejo problema de outros profissionais investirem seu tempo livre na sala de aula. Muito pelo contrário: nada melhor que pessoas capacitadas compartilhando o que sabem! Mas que façam isso por vocação, por prazer, não apenas para “ganhar uns trocados”.

O mais triste nessa história toda não é a péssima mensagem passada pelas peças, mas o fato de alguém ter pensado nelas. Não nos enganemos: se a equipe criativa da agência bolou a campanha e alguém do grupo educacional a aprovou é porque, ainda que no seu subconsciente, essas pessoas realmente acreditam que ensinar pode ser um “bico”.

E nem podemos crucificar esses indivíduos, pois eles pensam assim porque a sociedade brasileira, de uma maneira geral, pensa exatamente dessa forma! Qual professor nunca ouviu a infame pergunta de seus alunos: “além de dar aula, você trabalha?” Eu mesmo já ouvi isso várias vezes.

Por que um médico, um engenheiro, um advogado (só para ficar em algumas das carreiras mais desejadas pelos jovens) nunca ouvem uma pergunta dessa? Porque o inconsciente coletivo brasileiro “sabe” que é necessário estudar muito para exercer tais profissões. Já o professor é visto como uma segunda carreira ou –e isso é de lascar– vai ser professor aquela pessoa que “não consegue ser mais nada”.

Essa ideia é reforçada pelas péssimas políticas educacionais, pela crescente e constante desvalorização do professor por todos os governos municipais, estaduais e federal, por condições deploráveis de trabalho e salários obscenos. Some tudo isso a esse inconsciente coletivo, e você começa a ter, na média, profissionais com nível cada vez mais baixo nas salas de aula. Claro! Haja vocação para insistir nessa carreira!

Como podemos esperar um país melhor se o profissional responsável por formar todos os demais profissionais não tem nenhum valor?

Não podemos.

 

Como construir um tigre asiático

Diante de tamanha desvalorização, vemos casos recorrentes de agressões contra professores, realizadas por pais e até mesmo por alunos. Foi o que aconteceu com a professora Marcia Friggi, de 51 anos, esbofeteada por um aluno de 15, cujo caso foi mencionado no início desse artigo. Mas o pior veio depois: nas redes sociais, muitas pessoas apoiaram a professora, mas também muitos outros a insultaram, dizendo que ela mereceu a agressão!

Difícil dizer o que é mais bizarro nesse caso.

A desvalorização do professor pela sociedade, culminando tanto nas agressões quanto na desmotivação dos docentes, foi brilhantemente explicado no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo (88 minutos):



Cria-se, portanto, um círculo vicioso: a sociedade não consegue melhorar e valorizar os professores, por isso eles ficam cada vez piores, e isso torna a sociedade ainda pior, desvalorizando mais e mais os docentes.

Olhando de fora, parece que não temos saída. É possível romper isso? Sim! Basta ver o exemplo da Coreia do Sul.

Trabalhei alguns anos na Samsung, onde aprendi muito sobre a cultura e a história do seu país de origem. Algumas coisas me surpreenderam, e poderiam ser aplicadas aqui.

Por exemplo, antes da guerra civil (1950 a 1953), que dividiu o país em dois, a Coreia era a nação mais pobre do mundo, muito mais pobre que o Brasil na época! Após a divisão, a Coreia do Sul, a despeito de inúmeros problemas políticos, investiu pesadamente em educação, de uma maneira consistente –ou seja, a coisa não ficava mudando a cada novo governo. Outra característica da educação sul-coreana é que apenas os melhores entre os melhores da sociedade podem ser professores. Portanto, ser professor lá é uma grande honra, uma carreira muito valorizada e admirada por todos.

Mesmo assim, foram necessários 30 anos para o país miserável se transformar em um tigre asiático. Como se pode ver, não se trata de uma tarefa simples nem rápida, mas é possível.

O Brasil de hoje está em uma situação econômica incomparavelmente melhor que a Coreia pré-divisão. E, apesar de vivermos a pior crise de nossa história, nada impede que criemos e implantemos uma política educacional séria, consistente e de longo prazo, ou seja, que transcenda o fim de cada governo.

A crise econômica, os escândalos políticos, a corrupção infinita e endêmica, o “jeitinho brasileiro”, a violência urbana, as desigualdades sociais… Tudo isso e muito mais só acontece porque somos uma nação mal educada.

Nada, nem mesmo inclusão econômica de classes menos favorecidas, resolverá qualquer um desses problemas. Se realmente quisermos um país que seja bom para vivermos e do qual nos orgulhemos, precisamos investir na educação. Isso significa cobrar dos governantes mais seriedade nessa área, participar ativamente das atividades das escolas de nossos filhos, colaborar, como empresas, com iniciativas educacionais. Todos precisam dar a sua contribuição!

Mas, acima de tudo, isso devemos valorizar o professor. Sem isso, nunca sairemos do buraco onde estamos.


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Robôs podem ajudar no combate à “coisificação” dos empregos

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Cena do filme “A Invenção de Hugo Cabret” – Foto: divulgação

Cena do filme “A Invenção de Hugo Cabret”

Pouca gente sabe, mas já há algum tempo robôs escrevem parte do noticiário que consumimos. Mas longe de ser uma ameaça aos jornalistas, esse fenômeno pode ajudar a combater o desemprego, trazendo alguma luz sobre o processo de “coisificação” dos trabalhos de qualquer categoria profissional.

Esses jornalistas-robôs não são máquinas humanoides, e sim programas de computador conectados a bancos de dados de diferentes tipos. Eles procuram permanentemente por determinadas informações e, quando as encontram, produzem textos em uma fração de segundo, com uma qualidade que virtualmente impossibilita diferenciar um texto de um desses robôs de um escrito por uma pessoa.


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Mas os robôs não são capazes de escrever qualquer texto (pelo menos ainda não). Eles são muito eficientes na produção de material fortemente baseado em números, como resultados financeiros ou placares esportivos. Os programas não têm inteligência artificial para artigos que exijam abstração, mesmo a partir daqueles mesmo dados. Não conseguem, por exemplo, escrever um texto como este que você está lendo agora.

Robôs não ameaçam, portanto, os empregos dos jornalistas. Na verdade, eles podem lhes tirar o fardo de matérias enfadonhas, para que possam produzir reportagens e artigos de alto valor intelectual.

Infelizmente, quem ameaça esses empregos são os próprios jornalistas e as empresas de comunicação.

Neste momento de crise aguda da imprensa tradicional, os jornalistas mais experientes (e caros) são demitidos por economia. Sobram os novatos, que, além de não ter os necessários calos da profissão, acabam sobrecarregados de tarefas, e topando tudo para não perder o emprego.

O resultado previsível são textos com pouquíssimo esforço de reportagem e quase nenhum requinte intelectual. Esses profissionais ficam esmagados entre denuncismo e jornalismo palaciano de um lado e números do outro, e pressionados pelo volume de produção pelos veículos. Ou seja, os textos que produzem ficam tão limitados quanto os dos robôs, e talvez menos precisos.

Então não precisamos mais de jornalistas?

 

O valor do conhecimento

Jornalistas não estão sozinhos diante desse drama: profissionais de muitas áreas começam a sofrer concorrência de sistemas automatizados. Mas novamente aqui eles não são as reais ameaças aos seus empregos. O verdadeiro risco está na “coisificação” de seus trabalhos.

Assim como na imprensa, empresas de todos os setores passam por momentos dramáticos por conta da crise que assola nosso país. Nessas horas, demitem os funcionários mais caros, extinguem funções e cortam investimentos. Sobram os peões e a mão de obra absolutamente essencial. O objetivo: manter a fornalha acesa com o mínimo de carvão, na esperança de que o fogo não se apague até que dias melhores cheguem.

Em outras palavras, elimina-se a inovação, a iniciativa e o desejo de correr riscos. Fica-se quietinho para que ninguém perceba sua presença, torcendo para que as coisas se acertem por si só. É o típico manual do empresário amedrontado pela crise.

Esse é, entretanto, o melhor caminho para se dar mal. O guru da administração Tom Peters costuma dizer que “o fracasso é uma medalha de honra”, pois ele demonstra que se tentou. E conclui: a única maneira de não fracassar em algo é não tentar. Mas essa também é a garantia de que não se atingirá o sucesso em nada.

Quase posso ouvir agora alguns rindo nervosamente, enquanto leem esse texto e pensam: “falar é fácil”. Pois eu digo que fácil é se acomodar na toca, torcendo para que a tempestade passe logo. Se tiverem a sorte de estarem vivos quando isso acontecer, sairão dela enfraquecidos diante daqueles que aproveitaram a tormenta para reforçar criativamente suas estruturas.

Ao invés de se acovardar em seus buracos, empresas, profissionais, associações devem se unir para justamente encontrar fórmulas para fomentar a inovação e a iniciativa. Não estou dizendo para apostarem todas as fichas em uma única ideia, especialmente se não houver muitas sobre a mesa. Mas, mesmo em tempos bicudos, deve-se correr riscos por aquilo que vale a pena. E isso funciona para profissionais e para empresas.

Precisamos, portanto, de jornalista e de profissionais de todas as áreas. Especialmente dos bons e experientes o suficiente para ter sucesso correndo riscos! A alternativa é ficar lá na toca, com os dedos cruzados e produzindo coisas medíocres. Mas nesse caso, quando a crise passar, talvez encontrem mais robôs que profissionais trabalhando.


Vamos falar sobre a linguagem certa para público certo na Social Media Week? Esse é o segredo do sucesso nas redes sociais. É só entrar nesta página e clicar no botão verde de CURTIR abaixo da minha foto.


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A faculdade de jornalismo serve para algo?

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Já discuti aqui antes se o diploma de Jornalismo serve para algo, principalmente depois que ele deixou de ser obrigatório para o exercício da profissão. Mas tenho lido com apreensão, nos últimos dias, uma sequência de notícias sobre o fechamento de cursos de Jornalismo pelo país: o Senac e Facamp (Faculdade de Campinas) sumariamente os suprimiram, enquanto a UMC (Universidade Mogi das Cruzes) e Uniube (Universidade de Uberaba) suspenderam as turmas desse semestre.

A justificativa de todos é a mesma: depois que caiu a obrigatoriedade do diploma, aconteceu um êxodo de alunos desses cursos, chegando a superar os 50%, o que os inviabilizaria. No caso do Senac, restaram apenas 10 gatos pingados.

É uma lástima tanto a desistência desses alunos quanto o fechamento dos cursos. Mas pior que tudo isso é essa turma ter abandonado a graduação porque o diploma não serve mais de passaporte para as Redações. Em minha opinião, isso apenas corrobora minha tese de que boa parte dos estudantes não está nem aí para os conhecimentos que poderia adquirir no curso, estando apenas interessada em botar a mão no famigerado canudo. Isso explicaria também a gritaria toda em torno do fim da obrigatoriedade do diploma: afinal, se, para essa turma, a única coisa que presta no curso é receber o certificado após passar quatro anos pagando as mensalidades, permitir depois que qualquer cidadão possa lhe roubar (por mérito) o lugar no mercado de trabalho é mesmo de lascar!

Por outro lado, se os cursos fossem realmente bons, se estivessem acrescentando algo aos futuros jornalistas para que pudessem ser classificados verdadeiramente como “cursos superiores”, os alunos talvez “resistissem”, mesmo diante da desobrigatoriedade do diploma. Mas infelizmente esse não é o caso. Os cursos de Jornalismo no Brasil são rasos, perdendo tempo precioso para ensinar (mal) técnicas (muitas vezes desatualizadas) em detrimento de disciplinas que poderiam realmente fazer diferença na formação do profissional, como história, geopolítica, ética.

É uma pena. Todos esses acontecimentos deveriam servir de motivação para melhorar os cursos, não para fechá-los. Sabemos que a educação há muito virou um negócio, especialmente para essas faculdades desqualificadas que vêm pipocando por todo o Brasil, mas seria demais pedir algum investimento em melhorias, antes de simplesmente jogar a toalha?

O diploma de jornalismo serve para algo?

By | Jornalismo | 7 Comments
Para Gilmar Mendes, "o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada"

Para Gilmar Mendes, "o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada"

“Você é a favor do diploma de jornalista?” Essa pergunta já me foi feita um sem-número de vezes, portanto a minha resposta é algo amadurecido ao longo de 15 anos de estrada. Sou jornalista formado pela Metodista, mas fiz o curso depois de já estar na profissão há muitos anos. Entrei na Folha quando estava no segundo ano do curso… de Engenharia. Ainda assim, decidi fazer também o curso de Jornalismo e cheguei a dar aula na mesma Metodista.

Por esse histórico profissional -digamos- “pouco ortodoxo”, a minha resposta não é simples. Não sou contra o diploma de jornalista, mas não posso ser a favor. Explico. Entendo que a exigência de um diploma para uma profissão se justifica quando o curso que o concede oferece conhecimento que realmente faça diferença para o desempenho da profissão. Infelizmente não é o caso das faculdades de Jornalismo brasileiras. Mesmo as mais renomadas transmitem um conhecimento raso, desperdiçando precioso tempo de sua grade horária com informações técnicas que poderiam ser rapidamente aprendidas pelo profissional quando ele chegasse ao mercado. O preço disso é falta de espaço para disciplinas que realmente fariam a diferença ao estudante, fortalecendo seu senso crítico e ética. Falta capricho em ensinar mais e melhor aos estudantes coisas como geopolítica, história, crítica de mídia, ética. Falta dar ao aluno a chance de ver o mundo com olhos mais abertos, justamente o que caracteriza um bom jornalista.

Nesse cenário, o recém-formado sai com o diploma embaixo do braço e batendo no peito que ele -e apenas ele- pode exercer a profissão. Ou pelo menos saía, pois o Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 8 votos a 1, que o diploma não é mais exigência para exercer da profissão. Os argumentos dos juízes são diferentes dos meus, focando em questões técnicas jurídicas, especialmente contrapondo o decreto-lei dos militares que institui a obrigatoriedade com a Constituição de 1988.

Meu objetivo aqui não é entrar no mérito desses argumentos, mesmo porque concordo com quase tudo que eles usaram. Por outro lado, não concordo com o dito pelas entidades que estavam a favor ou contra o diploma, pois acho que eram radicais ou simplórios. Minha opinião se baseia mesmo na formação do jornalista, deficiente, inútil na maior parte de suas disciplinas. Diante disso, o diploma acabava se transformando em um escudo usado por maus profissionais formados -e eles andam cada vez piores- contra outras pessoas muito mais bem preparadas para fazer jornalismo de qualidade, mas escandalosamente classificadas como “charlatãs” pelos órgãos de classe jornalísticos. Os coleguinhas que me perdoem, mas charlatões são os incompetentes que povoam as nossas redações, que levantam o nariz e batem palminhas quando o editor lhes acena com um peixe cru e que, para ganhar essa guloseima, cometem verdadeiras atrocidades profissionais.

Assim, não sou contra o diploma de jornalista, mas não posso ser a favor, pois não concordo com a maneira como os cursos são conduzidos no país. Quando eles pelo menos se aproximarem do que se vê em faculdades de Jornalismo como na Universidade de Columbia (EUA) ou de Navarra (Espanha), então serei a favor dos cursos e do diploma. Mas falta, falta muito para isso. Pena.

E um último comentário: depois da decisão do STF, uma colega veio comentar comigo o temor de que as redações agora passariam a contratar mais “não-jornalistas” que jornalistas formados. Discordei dela, pois a decisão do STF não muda muito o que já acontece na prática. Quem queria ser jornalista já exercia a profissão no Brasil de um jeito ou de outro, mas nem todos querem ou conseguem fazer isso. Não é uma profissão fácil, não é um ofício simples, são poucas as pessoas que aguentam a pressão de um fechamento. Ou, como escreveu Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura e jornalista (não formado), “ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir em um ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra acaba depois de cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não volte a começar com mais ardor que nunca no minuto seguinte.”