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O Parlamento Australiano, que aprovou uma lei que proíbe menores de 16 anos nas redes sociais - Foto: Dietmar Rabich/Creative Commons

Austrália põe fogo no debate ao proibir redes sociais para menores de 16 anos

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Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) debate regras mais rígidas para as redes sociais no Brasil, a Austrália “pôs fogo” no debate ao aprovar, no último dia 28, uma lei que sumariamente proíbe o uso dessas plataformas por qualquer pessoa com menos de 16 anos. E a responsabilidade para isso não acontecer recai sobre essas empresas, sob pena de multas equivalentes a quase R$ 200 milhões.

Apesar de restrições às redes sociais serem debatidas no mundo todo, essa é a primeira legislação que impede seu uso por crianças e adolescentes em qualquer situação. Ela também inova por atribuir às big techs a função de “porteiro”.

A lei despertou aplausos e gritarias. Especialistas afirmam que a iniciativa representa um passo importante para proteger os mais jovens de sérios riscos a que são expostos nessas plataformas, como cyberbullying, assédio moral e sexual, desinformação e outros conteúdos que podem provocar sérios problemas de saúde mental e até a suicídio. Também é vista como maneira de responsabilizar empresas por priorizarem lucros em detrimento da segurança dos mais jovens.

Os críticos, capitaneados pelas próprias big techs, dizem que a lei é inócua, pois os adolescentes encontrarão maneiras de burlar o sistema. Argumentam que isso pode privar os mais jovens de informações importantes e restringiria sua capacidade de socialização. Por fim, a lei prejudicaria a privacidade desses usuários.

A iniciativa australiana escancara o poder desmedido que as big techs construíram. Nunca houve empresa, governo ou instituição capaz de influenciar decisivamente a vida de bilhões de pessoas ao redor do mudo, enfrentando legislações e culturas de países muito diferentes. Resta saber se a lei conseguirá mesmo proteger os mais jovens, e como isso pode incentivar outros países a criarem legislações semelhantes.


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Há duas décadas, a desinformação era restrita a falas de políticos e a veículos sensacionalistas, discursos de ódio não se alastravam além de pequenos grupos e fatores de ansiedade adolescente eram muito mais facilmente manejáveis. As redes sociais criadas naquela época, como o Facebook, o Instagram e o Twitter, não foram pensadas para se tornar os veículos que dariam alcance planetário e velocidade descontrolada a tudo isso e a muitos outros conteúdos nocivos.

Elas argumentam que não têm como controlar tudo que seus usuários publicam em suas páginas, e se eximem de qualquer responsabilidade, apoiando-se em legislações como a seção 230 da americana CDA (sigla em inglês para “Lei de Decência nas Comunicações”) e o artigo 19 do Marco Civil da Internet brasileiro.

Leis como essas foram fundamentais para o desenvolvimento das redes sociais, mas foram criadas para realidades que há muito não existem mais. Essas plataformas deixaram de ser inocentes veículos de conteúdos de terceiros quando seus algoritmos passaram a identificar e promover aqueles que geram mais engajamento e lucros, mesmo sabendo que costumam ser publicações com os problemas já citados.

Isso foi evidenciado em outubro de 2021, quando a ex-gerente de produtos do Facebook Frances Haugen divulgou milhares de documentos internos da Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) que explicitavam que a empresa sabe do problema e faz muito menos do que poderia para evitá-lo, especialmente no que se refere a adolescentes, pois isso prejudicaria os seus lucros. O escândalo ficou conhecido como “Facebook Papers”.

No dia 31 de janeiro, em audiência no Senado americano sobre o impacto das redes sociais em crianças, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, se levantou e pediu desculpas aos pais de vítimas jovens das redes sociais que estavam no local. O senador republicano Josh Hawley disse a ele que “seu produto está matando pessoas”.

Dado que o grave problema existe e está indelevelmente associado às redes sociais, mas elas não podem ou não querem resolvê-lo, a solução seria simplesmente “cortar o mal pela raiz”, tirando os mais jovens dali?

 

Grandes poderes e responsabilidades

A Austrália acha que sim! Levantamento da empresa de pesquisas YouGov realizada no mês passado indicou que 77% dos australianos apoiam a proibição de menores de 16 anos nas redes sociais. A lei passa a valer em 2025 e as empresas terão que se adaptar até uma data que ainda não foi definida.

Curiosamente, a Meta prometeu para o próximo ano o recurso “classificador de adultos”, que usará inteligência artificial para descobrir a idade real de um usuário. Se concluir que tem menos de 18 anos, a conta será automaticamente classificada como de adolescente, com várias restrições. Para isso, a tecnologia monitorará publicações e gostos do próprio usuário e de seus amigos. Ao se tentar alterar a idade, o sistema poderá exigir que o usuário grave um vídeo para estimá-la por características faciais.

Isso é muito bem-vindo, mas obviamente a Meta não quer que os valiosos e engajados adolescentes deixem de usar seus produtos. Na verdade, antes dos “Facebook Papers”, a empresa pensava em criar versões de seus sistemas para usuários com menos de 13 anos, como o “Instagram Kids”. Depois do escândalo, a empresa interrompeu esses projetos.

As big techs estão chamando a nova lei australiana de “vaga”, “precipitada” e “contrária a normas internacionais”. De fato, ela foi debatida e aprovada no Parlamento Australiano em apenas uma semana, mas isso se deu após um longo debate público.

Os resultados dessa iniciativa provavelmente influenciarão debates semelhantes em outros países. É o caso do Reino Unido, que está realizando estudos para uma lei muito semelhante à australiana.

A regulamentação dessas plataformas se faz necessária pela incomensurável influência que elas exercem sobre nós, muitas vezes de forma bastante negativa. É preciso criar padrões globais para regulamentação, evitando que essas empresas se aproveitem de brechas legais em países com legislações mais permissivas.

Mas tudo isso precisa ser acompanhado por programas sérios de educação digital e midiática da população, começando nos primeiros anos escolares. Temos que formar pessoas mais críticas e menos suscetíveis a manipulações.

Com seus bilhões de usuários, as big techs se tornaram não apenas um negócio muito lucrativo, mas uma poderosa força política. Qualquer que seja o modelo para minimizar os aspectos tóxicos de seu uso deve considerar o envolvimento e a responsabilização dessas empresas, para que sejam mais transparentes e éticas.

Todos os países precisam exigir ambientes digitais mais saudáveis e seguros, sem sufocar a inovação ou comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos. Por isso, uma boa regulamentação dessas plataformas não deve ser vista como um obstáculo, mas como uma oportunidade para elaborar um futuro digital responsável.