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Conteúdo pré-pago (e pós-distribuído)

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Que tal um sistema que distribua o dinheiro que você der a todos os sites que você achar merecedores?

Que tal um sistema que distribua o dinheiro que você der a todos os sites que você achar merecedores?

Como escrevi nos posts anteriores, a indústria de mídia impressa, especialmente nos EUA, vive um ponto de inflexão, de onde alguns sairão fortalecidos, enquanto outros inexoravelmente quebrarão, como aconteceu recentemente com o sesquicentenário Rocky Mountain News, de Denver (EUA). O motivo é a dificuldade da chamada “mídia tradicional”, mais notadamente a impressa, de se adaptar ao Admirável Mundo Novo que a Web representa e, com isso, vê suas receitas sendo drenadas mais e mais.

Muita gente séria enxerga no micropagamento -resumidamente o usuário pagar poucos centavos por cada matéria que quiser ler- a salvação da viabilidade econômica do jornalismo de qualidade na Web. Mas, para isso, existem dois obstáculos a serem vencidos. O primeiro é que os moguls da mídia aceitem a inevitabilidade do fato de que seu produto virou commodity e que, como tal, seu preço no mercado despencou. O segundo é a criação de um sistema que permita ao internauta fazer essa compra de uma maneira muito, muito simples, tão facilmente (ou de preferência mais facilmente) quanto comprar uma música no iTunes.

Mas deve haver outras formas. Uma delas está sendo lançada por uma start-up californiana chamada Kachingle. A idéia é inovadora e boa, a ponto de arrancar elogios de Steve Outing, um dos maiores consultores de mídia dos EUA.

Eu a chamaria de “microprépagamento proporcional”. Como funciona? Você informa seus dados apenas uma vez, um registro universal que valerá para todos os sites de conteúdo que você visitar (pelo menos para aqueles associados da Kachingle). Depois você define voluntariamente quanto quer pagar pelo conteúdo que você consumir -a soma de todo ele- no mês. Por fim, quando visitar um site que você acha que mereça seu dinheiro, clica nele em um link do Kachingle uma única vez. Assim, informa ao sistema que aquele site é “elegível” de receber uma parte do seu dinheiro. E isso vale para tantos sites quanto você achar merecedores. Ao final do mês, a Kachingle soma a quantidade de visitas que você fez entre seus pré-aprovados e distribui proporcionalmente o dinheiro que você depositou entre eles. Como exemplo, se você visitou, ao longo do mês, a Folha Online 25 vezes, o Macaco Elétrico 15 vezes o Limão dez vezes, todos pré-selecionados, o primeiro receberá 50% do dinheiro que você reservou para conteúdo, o segundo 30% e o terceiro 20%. Outros sites pré-selecionados, porém não visitados, não receberão nada.

O sistema da Kachingle embute vários pulos do gato. Primeiramente, transforma o pagamento pelo conteúdo algo praticamente transparente para o consumidor. Em segundo lugar, é um sistema justo, onde quem é mais relevante para o usuário recebe mais dinheiro. Oferece ainda ao usuário a chance de definir quanto quer pagar pelo conteúdo que consumir, sem surpresas. Finalmente, permite que o internauta possa ler o mesmo conteúdo de uma maneira grátis e irrestrita, o que é bom para ele e também para os veículos, que passam a ter a chance de ganhar algo com esse usuário, nem que seja com uma mísera exposição de banners. No modelo atual, de conteúdo fechado, esse internauta é simplesmente perdido.

Parece tudo de bom, não é mesmo? Sem dúvida, mas, como diz o ditado, “as boas idéias morrem na execução”. A Kachingle é certamente uma alternativa viável e mais inteligente ao micropagamento, porém tudo isso ainda é especulação, mesmo nos EUA. De toda forma, esse debate é muito saudável e crítico para o futuro das empresas de comunicação. Meu medo é que, até que se descubra a fórmula, o jornalismo tenha sido destruído por constantes cortes em mão de obra e investimentos. No início de março, o diário espanhol ABC demitiu 238 de seus 456 profissionais, 84 deles na Redação. Nem relógio trabalha de graça.

O valor da notícia

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Na Web, o valor de uma reportagem pode ser tão pouco quando R$ 0,01

Na Web, uma reportagem pode salvar um veículo jornalístico valendo apenas R$ 0,01

Quanto vale, do ponto de vista do leitor, um texto de um jornal? Se dividirmos o preço de capa pela quantidade de retrancas, chegaríamos a algo na casa de R$ 0,01. Como ninguém lê o jornal inteiro, podemos relativizar esse valor para, digamos, R$ 0,05.

Agora deixe-me refazer a pergunta acima de outra forma: quanto o leitor -mesmo você- pagaria por UM texto jornalístico na Internet? Essa é mais difícil. Com tanto conteúdo oferecido de graça na rede -e muito dele é efetivamente bom- parece não fazer sentido gastar seu tempo e seu dinheiro com um “conteúdo fechado”. Muitas vezes, a concorrência está dentro de casa, como na Folha de S.Paulo: a Folha Online oferece jornalismo de qualidade e grátis na Web, enquanto a versão online do jornal impresso continua fechada a assinantes.

Essa dura contestação está abatendo os jornais e revistas, que perdem leitores para a Internet, dramaticamente arrastando com eles as receitas de publicidade, de assinaturas e de vendas nas bancas. Não é uma visão apocalíptica: veículos centenários estão quebrando! E as grandes casas editoriais não sabem ainda como lidar com isso. Muitos insistem em “fechar” o seu conteúdo para os assinantes do veículo em papel. É um movimento estúpido de luta contra “o resto do mundo”, que só faz sentido na cabeça dos donos desses veículos, que acham que blogueiros e outras novidades da Internet estão lhes “roubando” seus consumidores. Bom, bem-vindos à realidade! Não apenas os não assinantes continuarão sem consumir a versão em papel de seus produtos, como também o veículo perderá a chance de ganhar algo com eles em sua versão online.

Mas o “problema” é que produzir jornalismo custa dinheiro, e bom jornalismo custa mais ainda. Apesar de o conteúdo grátis ter um apelo irresistível, o público sabe separar o joio do trigo e eventualmente escolherá o bom jornalismo, mesmo pago (é o que vem acontecendo nos últimos séculos). Mas só farão isso se lhes fizer sentido. Sendo mais didático: só pagarão se acharem que o preço é justo pelo que receberão, diante da concorrência mais barata. Mais que isso: o processo precisa ter uma simplicidade atroz, como se propõe a Web. Afinal, o usuário estaria comprando um produto com custo marginal e o usaria apenas pelo tempo de leitura do texto. Não dá para ser mais complicado que isso.

Esse é o conceito do micropagamento, que muita gente seríssima da indústria de mídia está abraçando. Na matéria de capa da Time de 5 de fevereiro (reproduzida no Estadão em português), Walter Isaacson, ex-editor da revista, aposta nele para salvar os veículos. Steve Brill, um dos principais observadores da mídia nos EUA, publicou um documento para “salvar o New York Times e o próprio jornalismo“, que se baseia no mesmo conceito.

Faz sentido. Ou não… Em tese, isso é correto e faço votos que esse ou outro modelo econômico realmente dê certo e seja abraçado pelos usuários. Eu amo jornalismo -bom jornalismo- mas os jornalistas precisam ganhar para o leitinho das crianças. O desafio é criar um sistema de pagamento que seja realmente simples -o que não existe ainda para notícias (existe o iTunes para música e vídeos). E que os editores admitam que o preço de uma reportagem pode ser até mesmo R$ 0,01.