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A inteligência artificial só roubará o seu emprego se você deixar

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“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software - Foto: divulgação

“Harry Potter”: fãs traduziram livro em apenas 45 horas há 13 anos; hoje isso poderia ser feito instantaneamente por um software

Em julho de 2005, milhares de fãs usaram a Internet para traduzir para o alemão as mais de 600 páginas do livro “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” em apenas 45 horas e 22 minutos após o lançamento do original em inglês. Isso enfureceu a Carlsen, detentora dos direitos dos livros do bruxinho na Alemanha, que precisou de três meses para fazer a mesma coisa para a edição oficial. Hoje, 13 anos depois, a mesma tradução talvez fosse feita quase instantaneamente e sem cansar nenhum fã: um sistema com recursos de “machine learning” se encarregaria da tarefa.

Quer dizer que o trabalho dos tradutores está com os dias contados? E o seu trabalho –qualquer que seja– também está ameaçado pela inteligência artificial?

Calma: não precisa entrar em pânico! Mas não dá para ficar deitado em berço esplêndido.


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O fato é que, em uma janela de três anos, diversas tecnologias emergentes ganharam o mercado em velocidade galopante. Estão incrivelmente poderosas (especialmente quando combinadas) e muito acessíveis. “Machine learning”, “Internet das Coisas”, “big data”, “análises preditivas” saíram dos laboratórios e dos roteiros de ficção científica, graças a enormes avanços nos equipamentos e no software.

Há ainda outro fator absolutamente determinante nessa mudança que vivemos: o público. Graças ao crescente poder de escolha e ao acesso ubíquo à informação, viabilizado pelos smartphones e pelas redes sociais, todos nós estamos nos tornando mais exigentes e, de certa forma, mais ansiosos. Assim queremos que produtos e serviços sejam, cada vez mais, personalizados para nossas necessidades particulares, oferecidos do nosso jeito e no nosso tempo.

Como lidar com esse nível de demanda inédito? Valendo-se justamente das tecnologias acima. Isso nos leva à questão que dá títulos esse artigo: como se manter relevante no mercado profissional, se a tecnologia se faz cada vez mais necessária para as empresas atenderem as novas demandas do público?

Durma com um barulho desse!

 

Substituindo o que uma pessoa pode fazer

Uma verdade é inevitável: o que puder ser automatizado será.

É por isso que algumas profissões correm mais risco que outras: quanto mais mecanizadas e repetitivas as tarefas do profissional, mais delicada é a sua situação em um futuro próximo. É o caso, por exemplo, dos motoristas.

Carros autônomos já vêm sendo desenvolvidos e testados há anos por gigantes como Google e Uber, além da própria indústria automobilística. A tecnologia já está madura e a expectativa é que eles se tornem um produto comercial em apenas cinco anos. O fato é que a tarefa de dirigir, por si só, é bastante automatizável. Com o avanço da capacidade de processamento, do software e dos sensores embarcados nesses veículos, eles acabam ficando mais seguros que um carro dirigido por uma pessoa.

Isso não quer dizer que eles sejam a prova de acidentes. Em março desse ano, um carro autônomo do Uber em testes matou uma mulher nos EUA. Assistindo às imagens do acidente, nota-se que a vítima atravessou em um local escuro e que provavelmente também teria sido atropelada por um motorista. Mas também é verdade que o carro aparentemente não tentou frear nos dois segundos anteriores ao choque, quando a vítima ficou finalmente visível.

A culpa é do carro? Mais que isso: dá para imputar culpa a um carro?

Apesar dessa fatalidade e de uns pouco acidentes, todas as estatísticas demonstram que os carros autônomos são incrivelmente mais seguros que os dirigidos por pessoas. Além disso, a possibilidade de o carro nos levar aonde quisermos, enquanto nos dedicamos a outras tarefas no trajeto, é tentador, especialmente em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, em que as pessoas perdem muitas horas todas as semanas dirigindo no trajeto de casa ao trabalho.

A inteligência artificial também brilha em atividades mais analíticas, como na avaliação de riscos. É o caso de documentos jurídicos, que já estão sendo automatizados, inclusive no Brasil. Por exemplo, a Urbano Vitalino Advogados, de Recife, contratou o IBM Watson para tarefas repetitivas do escritório a fim de concluir processos com mais eficiência e com maior índice de vitória. Já o banco JPMorgan está usando o sistema COIN (Contract Intelligence) para analisar acordos de empréstimos, que antes sobrecarregavam batalhões de seus advogados.

 

Vamos conversar?

As tecnologias emergentes também estão popularizando outro recurso que, até havia bem pouco tempo, era ficção científica: a linguagem natural, ou seja, a possibilidade de dar comandos e receber respostas como se estivéssemos conversando com uma pessoa.

No ano passado, um homem foi preso no Novo México (EUA) por bater em sua namorada e ameaçar matá-la. O crime só foi descoberto porque o Alexa, um equipamento da Amazon que fica sobre a mesa aguardando comando para tarefas simples, ligou para a polícia durante a agressão. Os policiais ouviram o que estava acontecendo e foram até o local, prendendo o homem.

Acha que estou exagerando? Faça um teste agora mesmo. Fale ao assistente do Google em seu celular o seguinte: “quando é o próximo jogo do Timão”. O sistema entenderá que “jogo” se refere a uma partida de futebol e “Timão” se refere ao Corinthians. E lhe dará a resposta correta, também por voz.

Ah, você é palmeirense? Tudo bem: pergunte ao Google “quando é o próximo jogo do Campeão do Século” e se surpreenda.

Mas a tecnologia de linguagem natural já pode fazer muito mais! Veja o exemplo no vídeo abaixo, do Google Duplex, apresentado em maio na conferência Google I/O, em que o sistema liga para estabelecimentos comerciais e conversa com atendentes humanos para realizar agendamentos. E o outro lado não percebe que está falando com um sistema impulsionado por “machine learning”:


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Ironicamente (e espantosamente), na segunda conversa, o sistema demonstrou mais habilidade na fala que a pessoa com quem estava interagindo!

 

Entregando o que uma pessoa não pode fazer

No começo de junho, estive no Sapphire Now, o maior evento mundial da gigante de software SAP, nos EUA. E lá vi soluções baseadas em inteligência artificial surpreendentes e que estão à disposição de empresas, mesmo pequenas.

Um deles estava em um estande que simulava uma loja de produtos esportivos. Se qualquer pessoa pegasse um tênis ou uma mochila das prateleiras, a loja identificava o produto e mostrava informações sobre ele em uma tela ao lado. Vale dizer que não havia qualquer sensor na mercadoria: a loja estava efetivamente “vendo” o produto na mão do cliente.

Mas a mágica realmente acontecia se a loja também fosse capaz de identificar o cliente, por reconhecimento facial. Nesse caso, a partir de informações de compras anteriores ou até mesmo coletadas do “big data”, a loja poderia inferir se aquele produto era o ideal para aquela pessoa, e, caso contrário, sugerir outro item da loja.

Na conferência, também vi Michael Voegele, CIO da Adidas, demonstrando como a empresa está tomando decisões sobre suas novas coleções a partir de tendências identificadas por “machine learning” em milhares de fotografias de diferentes partes do mundo. O sistema deduz quais as cores, que tipo de roupas, entre outras informações, as pessoas estão preferindo em cada cidade que lhes interessa. Ou seja, a máquina faz a leitura e a análise massiva das informações de maneira totalmente automatizada, em velocidade e volume que pessoas jamais conseguiriam. E com resultados mais eficientes.

Na área da saúde, uma solução da SAP com a gigante farmacêutica Roche monitora continuamente informações médicas, como o nível de glicose, de pessoas diabéticas ou com risco de desenvolver a doença. Esses indicadores são coletados por um “wearable” e transmitidos ao sistema central pelo smartphone do paciente. Isso oferece às equipes médicas análises qualitativas sobre a doença e sobre as populações atendidas, permitindo a criação de programas de saúde mais assertivos. Mas talvez o ganho mais incrível seja o sistema identificar alterações nos indicadores de cada indivíduo para que seus médicos sejam avisados a tempo de agir contra uma eventual crise. O controle da doença fica muito mais eficiente em cada indivíduo e pode até mesmo evitar seu surgimento em quem ainda não a desenvolveu.

 

Quando todos ganham

Tradutores, motoristas, advogados, secretários, vendedores, pesquisadores de mercado, médicos… Todos eles e todos nós, não importa qual seja nossa profissão, já estamos sendo impactados pela tecnologia digital e a inteligência artificial em maior ou menor escala. E a coisa só tende a aumentar! Mas longe de isso ser algo que vai nos tirar o emprego, pode ser uma tremenda oportunidade. Mas temos que sair da nossa zona de conforto.

É… A mudança dói, mas traz evolução.

A tecnologia impacta decisivamente o mundo do trabalho pelo menos desde a Revolução Industrial. Todos nós estudamos como ela provocou, em um primeiro momento, graves problemas sociais, com categorias profissionais inteiras sendo extintas e exploração abusiva de mão de obra. Mas, apesar disso, alguém ousaria dizer que a Revolução Industrial não trouxe avanços inestimáveis para a humanidade?

Voltando à nossa realidade cada vez mais inundada de inteligência artificial, esses sistemas, muito mais que ameaças, são incríveis ferramentas para melhorar o trabalho. Até mesmo em funções que devem ser inteiramente automatizadas, como a dos motoristas, isso pode provocar o surgimento de outras atividades, como a de uma espécie de “comissário de bordo” para melhorar ainda mais a experiência do cliente em um táxi autônomo.

Além disso, a automação de tarefas repetitivas ou a possibilidade de oferecer subsídios inimagináveis de outra forma, para que profissionais realizem bem seus trabalhos, abre possibilidades para que se dediquem a atividades mais nobres e interessantes.

Para profissionais e empresas que estiverem dispostos a usar criativamente tudo isso que a tecnologia já nos oferece, vejo um belo caminho adiante, em que poderão entregar produtos mais adequados às necessidades individuais de cada consumidor superexigente, com um custo de produção menor e resultados mais satisfatórios para todos.

Aqueles que insistirem em fazer as coisas do jeito antigo, receio que –esses sim– serão substituídos pelas máquinas. Como luditas do século 21, perderão seu espaço, não para a tecnologia, mas para sua própria falta de visão.

Em qual grupo você ficará?


E aí? Vamos participar do debate? Role até o fim da página e deixe seu comentário. Essa troca é fundamental para a sociedade.


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Quer ficar saudável? Pendure seu corpo na Internet!

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O inabalável doutor McCoy (à esquerda) e suas parafernália tecnológicas de diagnóstico na série original de Star Trek - Imagem: reprodução

O inabalável doutor McCoy (à esquerda) e suas parafernália tecnológicas de diagnóstico na série original de Star Trek

De todas as incríveis tecnologias imaginadas por Star Trek, algumas das que mais me fascinavam eram as ligadas à medicina. Com uma geringonça qualquer, o inabalável doutor McCoy era capaz dos diagnósticos mais precisos e das curas mais efetivas. Mas a nossa realidade pode estar, de alguma forma, superando a ficção. Hoje o médico pode acompanhar nossa saúde a qualquer hora, mesmo que estejamos do outro lado do mundo! E mais: essa conexão do nosso corpo à Internet pode até mesmo antecipar doenças e permitir que tomemos menos remédios, sem qualquer prejuízo.

Longe de ser ficção, isso já acontece graças a combinação de três tecnologias distintas: a rede de comunicação móvel quase onipresente, “wearables” (dispositivos vestíveis, como relógios smart) cada vez mais inovadores e poderosos softwares capazes de analisar gigantescas quantidades de dados a uma incrível velocidade.


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O que me chamou a atenção para esse assunto foi uma solução que conheci há alguns dias. Desenvolvida na Alemanha por uma parceria da SAP com a Roche, o produto monitora continuamente informações médicas, como o nível de glicose, de pessoas diabéticas ou com risco de desenvolver a doença. Esses indicadores são coletados por um “wearable” e transmitidos ao sistema central pelo smartphone do paciente. Do outro lado, o software da SAP analisa continuamente toda a informação de ponto de vista estatístico e individual.

De um lado, isso oferece às equipes médicas análises qualitativas sobre a doença e sobre as populações atendidas, permitindo a criação de programas de saúde mais assertivos. Mas talvez o ganho mais incrível seja o sistema identificar alterações nos indicadores médicos de cada indivíduo para que seus médicos sejam avisados a tempo de agir contra um eventual problema, tomando as devidas ações. Com isso, o controle da doença fica muito mais eficiente entre os diabéticos e pode até mesmo evitar seu surgimento em quem ainda não a desenvolveu.

A capacidade de realizar um atendimento médico totalmente individualizado é o sonho de qualquer médico. Afinal, cada pessoa é um organismo único, com características e reações próprias. Mas até então era impossível fazer esse tipo de acompanhamento, seja pela dificuldade das coletas contínuas, seja pela incapacidade de processar tudo isso de uma maneira efetiva.

A medicina está ficando cada vez menos reativa e mais preventiva.

 

Um tratamento para chamar de meu

Essa combinação de monitoramento contínuo de indicadores médicos dos indivíduos, análise genética de pacientes e de populações inteiras, e extração de informações do “big data” está sendo chamado de “medicina personalizada” ou “medicina de precisão”. Os seus objetivos são pessoas mais saudáveis, e tratamentos mais eficientes e, ao mesmo tempo, baratos.

Um excelente exemplo é a dosagem de remédios. Cada indivíduo reage diferentemente a cada droga que lhe é ministrada. Entretanto, os médicos tradicionalmente não têm essas informações. Não lhes resta, portanto, outra alternativa a não ser prescrever, para uma dada doença, os mesmos remédios e as mesmas dosagens para todos seus pacientes.

Com a medicina personalizada, o profissional saberá como o organismo de cada paciente reage a cada remédio e a possíveis combinações deles. Dessa forma, poderá prescrever, com segurança, apenas os que sejam eficientes para aquele indivíduo e nas dosagens mínimas, reduzindo efeitos colaterais sem prejudicar a eficiência do tratamento. No caso de não haver um histórico daquela pessoa, o sistema pode fazer sugestões cruzando uma grande quantidade de informações de outros pacientes para encontrar padrões confiáveis para uma administração adequada.

Na mesma linha, é possível ainda traçar como populações inteiras reagem a cada tratamento, para a criação de políticas de saúde e remédios mais eficientes. Para se ter uma ideia do tamanho disso tudo, um estudo do Memorial Sloan Kettering Cancer Center calculou que US$ 3 bilhões em remédios contra câncer são literalmente jogados fora todos os anos apenas nos EUA! Tudo porque, como os fabricantes não produzem dosagens para as necessidades de cada paciente, criam ampolas para o “pior caso”. Para todos os demais, o que sobra da medicação vai direto para o lixo.

Em outra iniciativa da SAP, dessa vez com o Hospital Bundang da Universidade Nacional de Seul (Coreia do Sul), seu software foi usado justamente para coletar e analisar 320 indicadores médicos seguindo a cartilha da medicina personalizada. Como resultado, o uso de antibióticos foi reduzido dramaticamente. No pré-operatório, despencaram as dosagens e o tempo de uso (de seis para um dia). Dessa forma, o tempo de internação acabou sendo reduzido, pois caíram também os riscos associados à resistência aos antibióticos.

Mas quem tem acesso a toda essa informação?

 

Privacidade e segurança

A primeira empresa que botou a boca no trombone pela capacidade de seus produtos coletarem dados da saúde de seus usuários e transmiti-los a médicos foi a Apple, com o Apple Watch e o iPhone. Mas logo surgiu uma pergunta bastante pertinente: quem tem acesso a toda essa informação médica coletada dos usuários? Afinal, se isso tem um inestimável valor para as equipes médicas, também pode virar ouro na mão de empresas, inclusive em aspectos para lá de questionáveis.

Imagine, por exemplo, que você vai contatar um plano de saúde para sua família. Se tiver acesso a informações detalhadas do perfil médico de cada integrante (e isso inclui a chance de desenvolver doenças crônicas em curto prazo), a empresa pode majorar seus preços ou simplesmente negar o cliente.

Isso é uma questão muito séria, que pode colocar em xeque a credibilidade de iniciativas muito bem-vindas. Por isso, perguntei a Margareth Amorim, engenheira responsável pelas soluções de saúde da SAP no Brasil, sobre o acesso aos dados dos pacientes. E ela foi categórica: “o acesso às informações é limitado ao médico do paciente, ao próprio paciente e ao administrador do programa de monitoração de crônicos.”

Não podemos pensar mesmo em nada diferente disso.

 

O que vem por aí

Várias outras empresas estão de olho no mercado da tecnologia digital combinada à saúde. Os “wearables” estão entre as principais estrelas. E não podia ser diferente: parece que uma coisa nasceu para se ligar à outra.

Na CES (Consumer Electronics Show) desse ano, que aconteceu em janeiro em Las Vegas (EUA), várias empresas apresentaram “wearables” para saúde. Uma dela foi a Reliefband Technologies, que apresentou o Neurowave, uma pulseira que combates náuseas aplicando pulsações controladas a um nervo na parte inferior de seu pulso.

Grávidas também ganharam uma novidade: o Bloomlife, o adesivo que deve ser colocado sobre a barriga e monitora as contrações, para ver se está tudo certo com a gestação e quando é a hora de ir para o hospital. Já o QardioCore mede continuamente indicadores cardíacos, ritmo de respiração e atividades físicas, enviando tudo isso para o médico. Até a medida de glicose, fundamental para diabéticos e que já foi citada no início desse texto, ganhou um novo “wearable”, o K’Watch Glucose. Ainda em testes, ele promete monitorar o nível de glicose de maneira totalmente indolor, uma vez que só coleta fluido intersticial e não sangue: adeus às incontáveis picadas no dedo.

Como em muitos outros casos, a tecnologia atual já superou as obras de ficção. Resta agora popularizar essas soluções, garantido o acesso de toda a população a esses benefícios. O doutor McCoy ficaria morrendo de inveja.


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