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Nesse ano, elegeremos o presidente em um videogame

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Mario Bros para presidente do Brasil? Muita calma nessa hora! Imagem: composição com imagens de divulgação

Mario Bros para presidente do Brasil? Muita calma nessa hora!

Esse será o ano da eleição-videogame! Ganhará o pleito o candidato que souber as regras de jogo e como usar os recursos digitais das diferentes plataformas para “coletar moedas”, “vencer os chefes” e “passar as fases”. Não estou brincando, não! Os votos serão conquistados principalmente no meio digital, usando conceitos de jogabilidade. A parte chata é que nós teremos a ilusão de ter algum controle dessa narrativa, mas é grande a chance de acabarmos apenas como personagens secundários desse enredo. Como não sermos então manipulados nesse game?

Não se engane: a campanha já começou para valer, e há bastante tempo! Pré-candidatos de todo o espectro político já estão nas redes sociais coletando os nossos dados, analisando comportamentos de grupos, categorizando os eleitores e fazendo movimentos muito bem calculados, plantando informações de seu interesse nos lugares certos para mover as peças desse tabuleiro.

O mais incrível é que as pessoas não percebem isso, e participam alegremente do jogo. Em grande parte, isso acontece pela disseminação dos smartphones e pelo nosso uso permanente das redes sociais. A combinação desses fatores cria o ambiente perfeito para essa eleição feita de bits em três frentes principais.

A primeira é que o conceito de jogabilidade já foi totalmente assimilado por grande parte da população, mesmo entre pessoas que nunca ouviram esse termo. Graças aos joguinhos casuais nos smartphones e principalmente nas redes sociais –com destaque especial aos infames “brinquedinhos” do tipo “com qual celebridade você se parece” que inundam o Facebook– as pessoas já se acostumaram a ter algum benefício imediato se conseguirem cumprir alguma tarefa proposta pelo sistema. E as tarefas mais comuns consistem em prosaicamente entregar seus dados pessoais e depois compartilhar o resultado do jogo nas redes sociais.

Além disso, por carregarmos os smartphones conosco o tempo todo e aos aplicativos das redes sociais, nós estamos constantemente online. Não saímos nunca da Internet (ou é a Internet que não sai de nós?).

O que nos leva à terceira frente: somos permanentemente rastreados, seja o lugar onde estamos nas 24 horas do dia (e com quem estamos), nossos interesses em todos os campos, nossas ações e qualquer outra coisa que as marcas vejam valor. E muitas dessas informações são coletadas sem que tenhamos que tomar qualquer ação: o sistema se encarrega de tudo, muitas vezes (muitas mesmo!) sem que sequer tenhamos consciência disso.

O “Big Brother”, aquele Grande Irmão do livro “1984”, de George Orwell, era um amador com seu tosco controle da sociedade a partir de câmeras.

 

Criando cabos eleitorais superengajados

Você também sente que, nos últimos anos, as discussões políticas ficaram muito polarizadas e até mesmo radicais? É um tal de “se não estiver comigo, está contra mim”, amizades de muitos anos sendo desfeitas.

Isso é reflexo do game!

Os candidatos mais espertos já perceberam como ajustar o seu discurso para atender aos formadores de opinião nas redes. Transformam-se em personagens que vão de encontro aos anseios desses grupos e, dessa forma, cooptam esses usuários para espalhar suas mensagens, às vezes com grande virulência, radicalização e até agressividade. Graças às dinâmicas das redes sociais, esse comportamento agrupa uma grande quantidade de pessoas que pensam no mesmo, e o sistema vai se retroalimentando. Com isso, a visão do candidato sobre qualquer assunto rapidamente ganha ares de verdade incontestável, mesmo que seja a mais rotunda porcaria.

Uma versão mais sofisticada disso usa sistemas e algoritmos para coletar dados dos incautos usuários para classificá-los em grupos seguindo preferências nos mais diferentes campos. Com isso, a tarefa acima fica ainda mais eficiente!

É exatamente o que a empresa Cambridge Analytica fez para ajudar na eleição de Donald Trump, no escândalo que foi exposto em março. Em primeiro lugar, criou o “joguinho” “This Is Your Digital Life”, que foi baixado por cerca de 270 mil usuários, que compartilharam alegremente, via Facebook, não apenas os seus dados, mas também os de seus amigos. Como resultado, a Cambridge Analytica colocou as mãos em informações pessoais de 87 milhões de pessoas, que foram usadas para conhecer profundamente alguns desejos dessas pessoas. A partir disso, a campanha de Trump conseguiu ajustar seu discurso para se tornar mais convincente, fazendo uso até mesmo de “fake news”, habilmente plantadas seguindo as conclusões do sistema.

Pode-se argumentar que a política sempre foi um jogo, e sempre ganhou quem conseguiu construir uma mensagem mais adequada aos anseios do eleitorado. Mas nunca os candidatos tiveram recursos nem de longe tão poderosos para isso. O ganho de escala, de inteligência e de capacidade de processamento nos últimos anos são quase inacreditáveis!

E tem ainda quem distribua “santinhos”. Coitados!

 

“Política não se discute”

Lembra daquele velho ditado: “política, futebol e religião não se discute”? A sabedoria dos “antigos” estava certa: são temas que naturalmente causam polêmica.

Mas sempre discutimos tudo isso nas mesas de bar, em casa, no trabalho. E, por mais que um fosse Corinthians e o outro fosse Palmeiras, por mais que piadinhas infames fossem comuns, as pessoas não deixavam de ser amigas umas das outras por terem opiniões diferentes. Pelo contrário: as divergências eram construtivas, até aprendíamos com o pensamento do outro, por mais que continuássemos discordando dele.

Entretanto, graças aos algoritmos das redes sociais, às “fake news”, aos “candidatos player 1”, a radicalização está matando essa convivência pacífica. E, com isso, levando embora, a inestimável habilidade de aprender com o outro.

Portanto, deixo aqui um apelo: todos têm o direito de ter sua opinião, sua ideologia, seu alinhamento político, seu candidato preferido. Mas não se radicalize! Além disso, por mais que o seu candidato lhe pareça perfeito (e isso não existe em lugar nenhum), não acredite piamente em tudo que ele disser. Busque informações em diferentes fontes, especialmente em fontes com opiniões divergentes.

Em 11 de novembro de 1947, Winston Churchill, ex-primeiro-ministro do Reino Unido e considerado um dos maiores estadistas da história, proferiu uma de suas célebres frases: “Ninguém espera que a democracia seja perfeita ou infalível. Na verdade, tem sido dito que a democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as demais formas.”

Entre muitas outras coisas sobre a democracia, Churchill sabia que ela só funciona bem pela contraposição de ideias. Pois não existe verdade absoluta. O que mais se aproxima disso está no meio das opiniões divergentes.  Quanto mais nos afastarmos do diálogo pluralista, mais nos enfiaremos na escuridão.

Portanto, nesse ano de eleição-videogame, agarre o joystick e seja o “jogador 1” da sua vida. Não se deixe enganar pelo canto da sereia nem dos candidatos, nem dos algoritmos. É o futuro de todos que está em jogo.


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Devemos formar as crianças para o mundo em que elas vivem

By | Educação, Tecnologia | 3 Comments
Crianças usam notebooks educacionais em escola nos EUA - Foto: divulgação

Crianças usam notebooks educacionais em escola nos EUA

Recentemente entrei em um debate com uma mãe que se vangloriava de, nessa ordem, ter “tirado o computador” do filho de dez anos e que, por conta disso, ele estaria fazendo coisas “que uma criança deve fazer”, como jogar bola e subir em árvores. Perguntei a ela para que mundo ela estava formando seu filho. E ela se ofendeu.

Pais, pelo menos os conscientes, procuram sempre dar o melhor a seus filhos, incluindo a educação que eles consideram a mais adequada. Entretanto, “melhor” é algo que varia de acordo com a pessoa, com o lugar e com a época. Precisamos ser flexíveis às mudanças que acontecem a nossa volta, mesmo quando não gostamos dos resultados delas.

Tive uma infância feliz e saudável, onde joguei bola, subi em árvores e fiz coisas que a mãe acima provavelmente desaprovaria, como participar de animadas batalhas campais com amigos, todos armados com estilingues e usando semente de mamona como munição. Aquela era a realidade em que vivia e nunca fui privado dela pelos meus país. Além disso, tive a sorte de eles incentivarem, inclusive com grande esforço financeiro, o meu interesse por computadores já no começo da adolescência. Isso em uma época em que se ter um computador em casa era algo muito raro, mesmo em famílias abastadas.

Chamo de “sorte” a chance de ter tido acesso, alguns anos antes que a esmagadora maioria, a algo que em pouco tempo, mudaria completamente o mundo. Apesar de nunca ter me transformado em um profissional de TI, o contato com a nascente computação pessoal me permitiu desenvolver várias habilidades cognitivas que se converteram em diferentes vantagens na minha vida.

Por mais que eu gastasse horas com aquela máquina incompreensível para meus pais, eu nunca deixei de fazer minhas outras atividades por conta daquilo. Ou seja, o livre acesso à tecnologia não me privou de nada: pelo contrário, foi algo que apenas me acrescentou habilidades que não teria de outra forma.

Não concordo, portanto, com pais que restringem o acesso de seus filhos a computadores, videogames ou celulares, sob o pretexto de que assim as crianças não fariam mais nada, se pudessem. Uma criança só se comporta dessa forma se não lhe forem oferecidas alternativas. E, nesse caso, a culpa será dos pais, não dos filhos.

É exatamente a mesma coisa que acontecia há uns 20 anos, quando os pais reclamavam que seus filhos passavam o dia diante da TV. Contestavam a qualidade da programação, mas nunca aceitavam que aquilo acontecia simplesmente porque aquelas crianças não tinham muito mais a fazer.

Felizmente, nem todos são assim. Mas a “turma do contra” prefere matar a vaca a acabar com o carrapato. Não se importam em afirmam categoricamente que os games deixam seus filhos violentos, mas se recusam a enxergam que não reservam o tempo necessário para se dedicar genuinamente às crianças, inclusive para lhes dar o carinho necessário para sua boa formação. Entendo que isso não é algo fácil de conseguir, especialmente com a vida corrida que lhes é imposta. Mas é crítico que seja feito.

Portanto, vão “tirar o computador” para que seu filho possa subir em árvores? Francamente, para que mundo estão formando seus filhos?