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Policial espanhola atende mulher no programa VioGén, que calcula o risco de ocorrências de violência de gênero - Foto: reprodução

O que acontecerá quando alguém morrer por um erro de inteligência artificial

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O uso da inteligência artificial continua avançando nas mais diversas atividades, trazendo sensíveis ganhos de produtividade em automação de tarefas e no apoio à tomada de decisões. Ainda assim, ela está longe de ser perfeita, mas muitos usuários parecem não se preocupar com isso, pois seus eventuais erros causam prejuízos mínimos. Em algumas funções, entretanto, essas falhas podem levar a enormes transtornos, até mesmo à morte de alguém.

Duas perguntas surgem imediatamente disso: como evitar que uma tragédia dessas aconteça, e quem responderá por isso nesse caso.

A inteligência artificial é fabulosa para encontrar padrões, que permitem que ela tome suas decisões. Esses padrões dependem, entretanto, da qualidade dos dados usados para seu treinamento. Se os dados forem limitados ou cheios de viés, isso comprometerá seriamente a eficiência da plataforma.

Esse é um dos motivos por que a tomada de decisões críticas, por mais que seja auxiliada pela inteligência artificial, deve continuar em mãos humanas, pelo menos no estágio atual da tecnologia.

Algumas pessoas argumentam que isso contrariaria o próprio propósito de se usar a IA. Mas ignorar essa responsabilidade é como entregar uma decisão de vida ou morte para um estagiário eficiente. Talvez algum dia ele tenha estofo para algo tão sério e possa responder por isso, mas, por enquanto, não está preparado para tal.

Nada disso é especulação: já está acontecendo!


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Por exemplo, a polícia espanhola usa um sistema chamado VioGén para determinar estatisticamente riscos de ocorrência de violência de gênero. Em 2022, Lobna Hemid foi morta em casa pelo seu marido, depois de dar queixa na delegacia por ter sido insultada e surrada por ele com um pedaço de madeira, diante dos quatro filhos de 6 a 12 anos. Toda a vizinhança tinha ouvido seus gritos.

Não havia sido a primeira vez que o marido, Bouthaer el Banaisati, a havia espancado nos dez anos de casamento. Ainda assim, o VioGén calculou que ela corria pouco risco. O policial aceitou a decisão da máquina e a mandou para casa. Sete semanas depois, Bouthaer a esfaqueou várias vezes no peito e depois se suicidou.

Segundo o Ministério do Interior da Espanha, há 92 mil casos ativos de violência contra mulher no país. O VioGén calculou que 83% dessas vítimas tinham risco baixo ou insignificante de serem atacadas novamente pelo agressor. E o caso de Lobna não é único: desde 2007, 247 mulheres foram mortas depois de serem analisadas pelo sistema, 55 delas com riscos classificados como insignificantes ou baixos.

Os policiais têm autonomia de ignorar a sugestão da plataforma, devido a indícios que observem. Mas em 95% dos casos, eles apenas aceitam a sugestão.

A máquina não pode ser responsabilizada pelo erro de julgamento, por mais que esteja diretamente ligada a essas mortes. Mas então quem reponde por isso? Os policiais que acreditaram no VioGén? O fabricante da plataforma?

No momento, ninguém! As autoridades argumentam que, apesar de imperfeito, o VioGén efetivamente diminuiu a violência contra mulheres. Mas isso não importa para Lobna, que engrossou as estatísticas de agressões fatais contra mulheres e de erros policiais grosseiros causados por decisões auxiliadas por uma máquina.

 

No Brasil

Oficialmente, não há casos assim no Brasil, mas diferentes sistemas de IA já causam severos erros policiais e jurídicos no país.

Assim como acontece em outras nações, muitas pessoas já foram presas por aqui por erros em sistemas de reconhecimento facial por câmeras públicas ou de policiais. A maioria das vítimas são pessoas negras e mulheres, pois as bases de dados usadas para seu treinamento têm muito mais fotos de homens brancos.

Isso reforça ainda mais a já conhecida e aviltante discriminação policial contra negros. E por mais que essas vítimas acabem sendo soltas quando o erro é descoberto, passar alguns dias “gratuitamente” na cadeia é inadmissível!

E nem estou falando nos casos em que a polícia já chega atirando no “suspeito”.

Em outro caso, há o sistema de vigilância pública da prefeitura de São Paulo, o Smart Sampa, que usa IA para evitar crimes. Sua proposta original, que previa “rastrear uma pessoa suspeita, monitorando todos os seus movimentos e atividades, por características como cor, face, roupas, forma do corpo, aspectos físicos etc.”, teve que ser alterada, pois monitorar alguém pela cor é ilegal. Mas a redação era emblemática!

A Justiça também tenta encontrar caminhos seguros para um uso produtivo da IA. Mas casos de erros graves dificultam essa aprovação.

Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investiga o caso do juiz Jefferson Ferreira Rodrigues, que negou indenização a uma servidora pública, quando era titular da 2ª Vara Cível e Criminal de Montes Claros (MG). Sua sentença incluía jurisprudências inexistentes criadas pelo ChatGPT. Ele admitiu o erro, mas o classificou como um “mero equívoco” devido à “sobrecarga de trabalho que recai sobre os ombros dos juízes”. Ele ainda atribuiu o erro a um “assessor de confiança”.

Esses são apenas exemplos de por que não se pode confiar cegamente nas decisões de plataformas de inteligência artificial. É muito diferente de dizer que elas não devem ser usadas, pois devem: podem trazer grandes benefícios aos nosso cotidiano!

A decisão sempre deve ser de humanos, que são responsáveis por qualquer falha da plataforma, especialmente em casos críticos. E mesmo que um sistema evite 100 mortes, não é aceitável que 10 inocentes sejam condenados ou mortos por erros da plataforma. Se houver um único erro assim, ela não é boa o suficiente para uso!

Por fim, é preciso criar legislações que também responsabilizem os fabricantes por essas falhas. Caso contrário, seu marketing continuará “batendo o bumbo” quando algo dá muito certo, e “tirando o corpo fora” se algo der errado, jogando a culpa aos seres humanos. A inteligência artificial deve trabalhar para nós, e não o contrário!

 

Ilustração oficial do Comitê Nobel no anúncio do Nobel da Paz de 2023 concedido à iraniana Narges Mohammadi - Foto: reprodução

Como a verdade desejável para alguns pode ser um ato abominável para outros

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Provavelmente você a as pessoas que conhece defendem os direitos das mulheres. Isso parece ser algo tão óbvio, que o oposto nem passa pela sua cabeça. Mas você se surpreenderia com a quantidade de pessoas que discordam disso, ainda que parcialmente, em pleno ano de 2023! Como justificar então um Estado e uma parcela significativa de sua população negando direitos básicos às mulheres?

Tivemos um bom exemplo na sexta, quando o Comitê Norueguês concedeu o Prêmio Nobel da Paz à iraniana Narges Mohammadi, pelo seu trabalho como defensora dos direitos das mulheres. Ela está presa no seu país, sentenciada a 31 anos de reclusão e a 154 chibatadas. O governo de Teerã protestou contra a escolha, classificando-a como “tendenciosa e política”, uma “pressão do Ocidente” que favorece alguém que, para eles, praticou “reiteradas violações da lei e cometeu atos criminosos”.

Como se pode ver, o “óbvio” pode ser construído. O fenômeno de convencimento de massas existe desde que os humanos desceram das árvores e se organizaram em sociedade, e seus métodos vêm se refinando de lá para cá. Seu ápice se deu com as redes sociais que manipulam bilhões, mas a inteligência artificial pode sofisticar esse processo ainda mais.

Agressões contra mulheres podem parecer um exemplo extremo, mas não podemos esquecer que isso acontece diariamente no Brasil. E, apesar de aqui ela não ser apoiada pelo Estado, vale lembrar que apenas recentemente, no dia 1º de agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional o uso da tese da “legítima defesa da honra” como defesa para feminicídio e outras agressões contra mulheres.


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É interessante notar que, antes da Revolução Islâmica de 1979, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, o Irã era uma das nações mais progressistas do Oriente Médio. Comandado pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, o país desfrutava de um razoável desenvolvimento econômico e tecnológico, com avanços na industrialização, na educação e na saúde pública. Havia modernização do código de vestimenta, a promoção dos direitos das mulheres e a ocidentalização da cultura.

Mas nem tudo eram flores. O governo do monarca era autoritário e corrupto, o que gerava um descontentamento crescente na população. Khomeini soube capitalizar isso com apelo religioso, tornando-se o principal opositor ao xá, que acabou deixando o país em 1979. A população então votou para tornar o Irã uma república islâmica teocrática e antiocidental, tendo o aiatolá como líder supremo do país.

A Revolução Iraniana é apenas um exemplo entre incontáveis casos de persuasão de grandes massas populares, alguns por motivos nobres, outros para satisfação de desejos mesquinhos de alguns grupos, muitas vezes ligados à política.

Coincidentemente, na semana passada terminei de rever a série “Irmãos de Guerra” (“Band of Brothers”, 2001) na Netflix. Ela conta a história real das missões de um grupo de paraquedistas americanos na Segunda Guerra Mundial, desde o “Dia D” até o fim do conflito. Menos preocupada na ação e mais em retratar os dramas humanos da guerra, a série se presta muito bem a nos fazer pensar o que leva milhões de pessoas a embarcar voluntariamente em um confronto assassino e suicida ao mesmo tempo, com controle mínimo das próprias ações.

Cada episódio começa com breves entrevistas atuais com os próprios soldados representados na produção. No penúltimo episódio, um deles afirma: “Nós pensávamos que os alemães eram o pior povo do mundo, mas, com o desenrolar da guerra, descobrimos que não era bem aquilo.” Outro sugere que “muitos daqueles soldados alemães, em circunstâncias diferentes, poderiam ter sido bons amigos meus, poderíamos ter muito em comum”.

Mas na loucura da guerra, a preocupação de todos era apenas “matar o inimigo”. Se eles pudessem pensar em tudo aquilo, talvez não houvesse guerra por falta de tropas.

 

O poder da narrativa única

Precisamos ter muito cuidado antes de apontar dedos. Aqueles que nos querem convencer de algo abusam do recurso de silenciar ou desqualificar vozes dissonantes, pois seu público não pode ter acesso “ao outro lado” e conhecer seus argumentos. A narrativa única é essencial para o convencimento. Por isso, costuma-se dizer que, “em uma guerra, a verdade é a primeira vítima”.

Temos experimentado isso nas últimas eleições, com as redes sociais sendo usadas pelos diferentes grupos políticos para manter seu “curral eleitoral” dentro de uma bolha que apenas exalta suas virtudes e demoniza seus adversários. A imprensa profissional e livre, nesse e em todos os casos de convencimento de massa, deve ser combatida, pois ela insiste em explicar a realidade à população.

No final, tudo recai sobre nossos valores. A escolha em quem votaremos afeta nosso cotidiano pelos próximos quatro anos, mas é algo bem menor que a decisão de ir para uma guerra pronto para matar ou morrer, ou apoiar um regime que abertamente assassina opositores e violenta mulheres.

É verdade que o governo teocrático iraniano foi instalado por escolha popular, o que lhe dá legitimidade. Ele ascendeu ao poder atendendo a necessidades e desejos dos iranianos da década de 1970, trabalhando habilmente, com aspectos religiosos, suas emoções e um apelo à construção da identidade de um povo.

Mas tudo tem limites e eles começam a aparecer mais fortemente à medida que o tempo passa. O regime dos aiatolás está no poder há 44 anos, mas vem enfrentando oposição aberta nos últimos tempos, que é reprimida com grande violência. Os maiores movimentos contrários aconteceram no ano passado, depois que a Polícia da Moralidade matou em setembro Mahsa Amini, de 22 anos, por deixar uma mecha de seu cabelo aparecer fora do seu véu.

Isos é demais, até mesmo para uma sociedade oprimida pelo medo ou cega pela religião. O regime dos aiatolás sabe que, da mesma forma que foi guindado ao poder por revoltas populares contra o xá Reza Pahlavi, pode ser apeado dali assim. Por isso, não pode dar espaço a vozes contrárias ou a uma população bem-informada. Nesse cenário, o Prêmio Nobel da Paz para Narges Mohammadi funciona como um perigoso convite a fazer as pessoas pensarem.

Assim caminha a humanidade! Quero crer que, na média, evoluímos, apesar de enormes retrocessos que teimam em aparecer de tempos em tempos, como a ascensão do nazismo e de outros regimes totalitários políticos ou religiosos.

Crescemos mais fortemente quando a sociedade tem acesso amplo a uma educação de qualidade e a uma imprensa forte, profissional e livre. Precisamos desses recursos! Afinal a verdade costuma fugir dos extremos e abraçar o diálogo e o respeito.

 

Cena do filme “RoboCop” (1987), em que um policial dado como morto ganha um corpo e uma consciência digitais - Foto: reprodução

IA pode brilhar na segurança, mas suas falhas podem ser catastróficas

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Pegue qualquer lista dos maiores problemas das grandes cidades e a segurança sempre estará nas primeiras posições. Não é para menos: nos últimos anos, a escalada da violência chegou a níveis insustentáveis em todo Brasil. Diante disso, precisamos usar os recursos disponíveis para tentar resolver o problema. A digitalização de nossas vidas e a inteligência artificial podem ajudar muito nisso, mas precisamos estar preparados para lidar com as consequências de suas imprecisões.

Quanto mais crítica for uma aplicação, menos tolerante a falhas ela é. Isso quer dizer que o sistema não pode sair do ar nunca e as informações oferecidas por ele ou suas decisões devem ser precisas. E infelizmente a tecnologia não chegou a esse nível de excelência inquestionável.

Uma coisa é alguém fazer um trabalho escolar ou um relatório profissional com erros grosseiros por ter acreditado cegamente em alguma bobagem dita pelo ChatGPT. É verdade que podem acabar reprovando na disciplina ou perdendo o emprego por isso, duas coisas ruins. Mas isso não se compara a ser confundido pela máquina com um criminoso, e assim acabar sendo preso ou –pior– morto.

Por isso, apesar de a tecnologia ser muito bem-vinda no combate à criminalidade, os agentes de segurança pública precisam estar preparados para lidar com os resultados dessa colaboração e seus potenciais erros.


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Nesse cenário, é bastante ilustrativo o projeto da Prefeitura de São Paulo de unir diversos serviços municipais que hoje não trabalham integrados, como a Defesa Civil, o SAMU, a CET e a Guarda Civil Metropolitana, além das polícias Civil e Militar, Metrô e CPTM. Batizado de Smart Sampa, ele prevê ainda a adição de 20 mil câmeras na cidade, especialmente em pontos sensíveis e de maior criminalidade, que se somarão a outras 20 mil já existentes.

A princípio, a ideia parece muito boa, especialmente porque os diferentes órgãos da administração podem funcionar melhor ao compartilharem suas informações. A exemplo de outras grandes cidades no mundo, como Nova York, a tecnologia desempenha papel central nesse processo. Ironicamente aí começam a surgir os problemas.

O ponto mais delicado da proposta é o uso de reconhecimento facial. Essa tecnologia tem avançado incrivelmente, mas não o suficiente para evitar uma quantidade inaceitável de erros, particularmente entre pessoas negras. Isso acontece porque a inteligência artificial aprende a diferenciar rostos a partir de uma enorme quantidade de fotografias, mas proporcionalmente há muito mais amostras de brancos que de negros nesse “treinamento”. Diferentes estudos apontam que os erros de reconhecimento de pessoas brancas giram em torno de 1%, enquanto de negras ultrapassa os 30%, especialmente mulheres negras.

Por isso, a proposta original do Smart Sampa, que previa “rastrear uma pessoa suspeita, monitorando todos os seus movimentos e atividades, por características como cor, face, roupas, forma do corpo, aspectos físicos etc.”, precisou ser alterada. Monitorar alguém pela sua cor é ilegal!

O projeto prevê que qualquer problema identificado pela plataforma seja confirmado por um agente humano treinado antes de emitir qualquer alerta, o que é, sem dúvida, um ponto positivo para minimizar injustiças. Mas a ideia de rastrear alguém que o algoritmo ache suspeito, ainda cruzando com dados de redes sociais dos cidadãos, lembra algumas das piores sociedades da ficção científica.

 

Sem escapatória

No filme “Minority Report: a Nova Lei” (2002), as autoridades sabiam continuamente onde cada cidadão estava. Além disso, um sistema que combinava tecnologia com aspectos místicos, conseguia prever assassinatos antes que acontecessem. Dessa forma, a polícia prendia os “prováveis criminosos” antes de cometerem o crime.

Sim, as pessoas eram presas antes de terem cometido qualquer crime, apenas porque a plataforma tinha convicção de que o cometeriam! E para a polícia isso era suficiente.

O sistema parecia infalível e, de fato, os assassinatos acabaram. Os “prováveis criminosos” eram condenados a viver o resto de seus dias em uma espécie de coma induzido. O problema é que o sistema não só era falho, como ainda podia ser manipulado para “tirar de circulação” pessoas indesejáveis para os poderosos. Quando isso é revelado, o sistema é desativado e todos os condenados são libertados.

Como se pode ver, quando uma tecnologia tem o poder de levar alguém à prisão ou decidir sobre sua vida ou morte, nenhuma falha é aceitável. Ainda aproveitando a ficção para ilustrar o caso, temos a cena de RoboCop (1987) em que o robô de segurança ED-209, durante uma demonstração, identifica corretamente que um voluntário lhe apontava uma arma. Mas ele falha em reconhecer que a pessoa a joga ao chão logo depois, e acaba metralhando a vítima diante dos presentes.

Por isso, é assustador ver os motivos que desclassificaram a empresa vencedora do primeiro pregão do Smart Sampa. No dia 7 de junho, técnicos da Prefeitura foram verificar se ela estava apta ao serviço. Pelas regras, deveria ter mil câmeras operando com reconhecimento facial, mas só havia 347, das quais apenas 147 estavam online. Segundo o relatório dos técnicos, o responsável argumentou que “todo mundo tem problemas de Internet” e que “horário de almoço é complicado, muita gente fazendo download impacta no link de Internet mesmo”.

Esse amadorismo e falta de comprometimento é algo que jamais poderia pairar sobre um sistema de segurança pública, podendo colocar em xeque toda sua credibilidade! É por essas e outras que cidades importantes ao redor do mundo, como San Francisco (EUA), baniram o uso de reconhecimento facial em plataformas assim.

Alguns grupos querem reduzir esse debate a uma questão ideológica, como vem se tornando um padrão no Brasil há alguns anos. Mas essa não é uma questão ideológica e sim tecnológica!

Em um famoso artigo de 2018, Brad Smith, presidente da Microsoft, questionou qual papel esse tipo de tecnologia deve ter na sociedade, a despeito de todos os benefícios que traga. Segundo ele, “parece mais sensato pedir a um governo eleito que regule as empresas do que pedir a empresas não eleitas que regulem tal governo”.

Como em um bom episódio da série “Black Mirror”, o problema não está necessariamente na tecnologia em si, mas em usos errados dela. Câmeras e inteligência artificial darão poderes sobre-humanos às forças de segurança, com enorme poder de detecção de crimes e contravenções. Mas ela também pode maximizar vieses e falhas humanas da força policial, como o racismo.

Sem dúvida, podem ser ferramentas valiosíssimas no combate à criminalidade galopante. Mas em uma sociedade assustada e que clama por segurança rápida, despontam como soluções “mágicas” para políticos que buscam votos fáceis. Mas a coisa não funciona assim e, se não for implantada com cuidados técnicos e éticos, pode ainda ampliar outros problemas sociais existentes.

É necessário entender que, mesmo que o sistema evite 100 mortes, não é aceitável que 10 vítimas inocentes sejam condenadas ou mortas por erros da plataforma. Se houver um único erro, o sistema não é bom o suficiente para ser usado! Mas parece que pouca gente se preocupa com isso, no melhor estilo de “o fim justifica os meios”.

No final, a solução recai sobre o ser humano. Os agentes de segurança precisam ser treinados para lidar com possíveis falhas técnicas. Precisam aprender a dosar suas ações e abordagens feitas a partir de informações que podem estar erradas.

Resta saber se esses profissionais estão preparados para isso. Diante de diversas ações desastrosas e mortíferas que vemos nas ruas brasileiras o tempo todo, não estão! A solução desse outro problema é essencial e deveria acontecer antes da implantação da tecnologia. Mas isso, por si só, já renderia outro artigo.

 

Escolas se tornaram alvo porque abordam questões que podem alimentar o extremismo - Foto: Max Klingensmith / Creative Commons

Como as redes sociais influenciam os ataques a escolas

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Na quarta passada, o Brasil vestiu luto mais uma vez diante do ataque à creche Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau (SC). Ela foi invadida por um homem de 25 anos que, de maneira brutal e imotivada, assassinou quatro crianças. O delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, afirmou que não há indícios de que o crime tenha sido coordenado por meio de redes sociais ou games. Mas apesar de ele estar correto ao dizer que não existe vínculo direto no caso, o papel do meio digital em ataques como esse não pode ser ignorado.

A declaração me fez lembrar de um crime semelhante. No dia 13 de março de 2019, dois ex-alunos invadiram a escola estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP). Eles mataram estudantes e funcionários e depois se suicidaram. Autoridades, ainda no local do atentado, sugeriram que a culpa seria do game que os assassinos jogavam.

Especialistas descartam a relação entre jogos digitais e a violência, mas o mesmo não pode ser dito das redes sociais. O aumento de grupos de ódio em suas páginas incentiva pessoas a praticar esses atos bárbaros. A sociedade precisa entender suas dinâmicas, para buscar soluções sustentáveis e eficientes.


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O crescimento desses grupos e dos ataques não é uma coincidência. Nove dias antes do atentado em Blumenau, um aluno de 13 anos assassinou uma professora de 71 anos em uma escola na Vila Sônia, na capital paulista. Em 2021, um homem de 18 anos matou duas funcionárias e três bebês em uma creche na também catarinense cidade de Saudades.

Até 2002, não havia relatos de atentados em escolas brasileiras. De lá para cá, 40 pessoas morreram em casos assim. O primeiro aconteceu em Salvador, em 2002. Depois dele, houve um caso em 2003, dois em 2011, um em 2012, 2017 e 2018, dois em 2019 e um em 2021. Já em 2022 foram seis ocorrências. Em 2023, estarmos ainda em abril, e já aconteceram três atentados, um deles felizmente sem vítimas.

“As escolas se tornaram alvos porque abordam questões que podem alimentar o extremismo, como educação sexual, diversidade, racismo e violência de gênero”, explica Evelise Galvão de Carvalho, mestre em Psicologia Forense e especialista em comportamento antissocial na Internet. “Dessa maneira, é necessário considerar esses ataques como crimes de ódio”, afirma.

Quando atentados assim acontecem, os participantes de um movimento online conhecido como “True Crime Community” se agitam, repercutindo os ataques como se fossem grandes feitos. Eles destacam os nomes dos autores e, quando disponíveis, distribuem fotos e vídeos da ação. Por isso, muitos desses participantes buscam essa perversa “fama”, por mais fugaz e doentia que seja.

O problema fica ainda mais preocupante quando se observa que esses grupos agora podem ser encontrados facilmente nas redes sociais, inclusive naquelas preferidas por adolescentes, como o TikTok. Até pouco tempo atrás, eles trafegavam apenas em áreas restritas nas redes sociais a na chamada “Dark Web”, em que são necessárias ferramentas e autorizações especiais para entrar, o que a torna ideal para criminosos.

Essa nova “liberdade” amplia o efeito de “contagiar” pessoas para que outras ações sejam realizadas. É o que aconteceu em 15 março de 2019, quando um supremacista branco matou 51 pessoas em duas mesquitas na Nova Zelândia. A ação foi transmitida ao vivo pelas redes, sendo massivamente compartilhada depois.

 

Redes de intolerância

Tais grupos são motivados por crenças de superioridade racial, étnica, religiosa ou nacionalista, e consequente inferioridade de quem é diferente. Alguns visam proteger valores tradicionais que consideram ameaçados. Frequentemente promovem suas ideias por desinformação e violência, e chegam a propor uma sociedade em que os outros sejam subjugados ou excluídos.

Esses ataques não são atos terroristas convencionais. As pessoas que os praticam costumam agir sozinhas, incentivadas pelo que veem na Internet, mas não se pode atribuir seus atos exclusivamente a esses grupos.

Os agressores seriam predispostos a cometer os atentados pois viveriam em ambientes violentos. Fatores como agressividade em casa, bullying nas escolas e insucesso em relacionamentos podem contribuir. Vale dizer ainda que a sociedade se tornou muito mais intolerante e radicalizada nos últimos anos, com grupos de poder desvalorizando o afeto, pregando o ódio e até desumanizando quem pensa de forma diferente. Por fim, a pandemia agravou problemas de saúde mental na população.

“Alguns grupos podem enxergar meninos como futuros líderes e tentar doutriná-los desde cedo, para garantir seu engajamento contínuo à medida que envelhecem”, explica Carvalho. “Os meninos são frequentemente socializados para valorizar a força e a agressão, e grupos de ódio podem tentar explorar essas normas culturais para recrutar novos membros.”

Não se trata, portanto, apenas de casos de polícia. Detectores de metal e até policiais das escolas podem reduzir esses ataques, mas não resolvem a violência, que se manifestará de outras formas.

A escola deve ser fortalecida, como um espaço de diversidade e de debate. Professores precisam ser valorizados e pais e mães devem se unir nesse esforço, ao invés de combatê-los por não concordar com algo. Também é um problema de saúde pública, com as autoridades precisando ficar atentas ao crescimento de isolamento social e problemas de saúde mental. As famílias também precisam de apoio para que consigam construir relacionamentos positivos com seus filhos, minimizando o desejo de se unir a esses grupos, por exemplo, por falta de afeto.

A mídia pode contribuir ao não divulgar nomes e imagens dos crimes, dificultando a sua promoção nas redes de ódio, que é o “prêmio” desses criminosos. No atentado de quarta passada, grandes veículos de imprensa agiram assim.

Da mesma forma, as redes sociais precisam fazer mais. Para Carvalho, “é de extrema importância que sejam regulamentadas, e indivíduos e empresas que permitem que esses grupos se organizem e disseminem o ódio e desinformação sejam penalizados”.

Caímos no tema da regulamentação das redes sociais, que tanto debate vem provocando. Qualquer que seja seu desfecho, casos como esses escancaram o tamanho do estrago que essas plataformas causam por se portar apenas como inocentes “mensageiros”: ao não serem responsabilizadas pelo que seus usuários publicam, continuam oferecendo os caminhos para fake news e o ódio destilado.

Se a desinformação política já não fosse ruim o suficiente, a fluidez digital do discurso de ódio agora está literalmente matando crianças.

 

Na Semana da Criança, perderam os professores e ganharam as armas

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Na quarta passada, Dia da Criança, fiquei abismado quando a prefeitura de Uberaba (MG) montou com a polícia e com o exército, em um evento dedicado aos pequenos, um estande para lhes explicar como funcionam diferentes tipos de armas e bombas. As crianças até mesmo tocavam nos equipamentos.

Já no sábado, Dia do Professor, o Instituto Semesp fez um alerta de que essa profissão, historicamente tão maltratada em nosso país, passa por um momento dramático, com grave insuficiência de profissionais. A carreira há muito deixou de ser atraente pelos baixos salários, por condições deploráveis de trabalho e, de uns anos para cá, por uma abominável perseguição dos professores pelo governo, por pais e até por alunos.

Crianças são fortemente influenciadas pelos adultos, especialmente “autoridades”, como os pais, os professores e até a polícia. Se crescerem vendo que o contato com armas no cotidiano é corriqueiro, aceitarão uma sociedade mais violenta, onde desavenças podem ser resolvidas pela força.

Por outro lado, assistimos a pessoas desqualificadas e sem vocação assumindo o fundamental papel do professor, no espaço deixado por aqueles que seriam bons mestres, mas que foram afugentadas por um ambiente hostil e sem perspectivas. Um bom docente não ensina apenas a parte acadêmica: ele forma melhores cidadãos, mais humanos, empáticos, tolerantes, colaborativos e resilientes.

Diante disso, essa semana nos convida a refletir sobre quais são os exemplos que realmente interessam às crianças, para que cresçam de uma maneira saudável. E, em muitos casos, o que elas precisam difere daquilo que alguns adultos defendem, inflamados por temas do momento ou por uma visão limitada do mundo.


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Segundo a prefeitura de Uberaba, o objetivo do estande da polícia e do exército era “afastar o medo culturalmente imposto nas crianças sobre as forças de segurança”. Achei a justificativa estranha: por que a população teria medo de quem a deveria proteger? Mas infelizmente isso acontece, especialmente entre os mais pobres.

A iniciativa contraria o que educadores defendem há anos. Eles tentam até mesmo tirar armas de brinquedo das mãos das crianças, para construir uma sociedade menos violenta.

E, por falar em educadores, o alerta do Instituto Semesp se baseia em estudo divulgado na última semana de setembro, que indica que o Brasil enfrentará um déficit de 235 mil professores em 2040. Vale notar que, entre 2010 e 2020, os ingressantes nos cursos de Licenciatura aumentaram 61%, mas os formandos cresceram só 4%, indicando uma enorme desistência da carreira antes de se formar.

Outro ponto importante demonstra que a imensa maioria desses estudantes estão em cursos a distância (EAD), o que é temerário, pois professores que terão que lidar com crianças em salas de aula estão sendo formados fora de uma sala de aula. Além disso, boa parte dos formandos já atuam como professores, o que indica uma baixa qualificação de muitos docentes atuais.

Com isso, o Brasil corre sério risco de ficar sem professores, à medida que os existentes abandonam a sala de aula ou se aposentam, sem que haja reposição suficiente. Isso já está acontecendo: a rede estadual de São Paulo não conseguiu preencher todas as vagas de professores temporários para o Novo Ensino Médio.

Isso implicará em salas mais lotadas e professores ainda mais sobrecarregados, com evidente piora na qualidade do ensino.

 

Todos perdem

Não é possível conceber um futuro para o país sem mais e melhores professores, e que eles tenham liberdade para exercer sua carreira em paz e com apoio. Tal liberdade pode chocar alguns pais, pois os professores trazem visões diversas do mundo, o que não tem sido bem aceito por algumas famílias, um sinal de nossos tempos que está na raiz da perseguição sofrida pelos docentes.

Mas as crianças precisam dessa oxigenação nas ideias, e os professores são perfeitos para isso, pois conseguem ver seus alunos de uma maneira diferente e menos idealizada que seus pais. Dessa maneira, as crianças se desenvolvem melhor, com uma visão menos enviesada da vida.

Quando eu tinha 17 anos, entrei na Escola Politécnica da USP, no curso de Engenharia Elétrica. Era o que curso e a escola que eu havia escolhido, enchendo meus pais de orgulho. Mas sentia que algo me faltava.

Lembrei da minha professora de Língua Portuguesa do Ensino Médio, que dizia que eu não deveria ir para a engenharia, e sim para algo na área de Humanas. Então, quando eu estava no segundo ano na Poli, conversando com ela, incentivou-me a tentar uma vaga de trainee na Folha de S.Paulo, apesar de não ter nada que sugerisse que conseguiria. Mas o fato é que deu certo, e aquilo mudou minha vida profundamente!

Se tivesse continuado na engenharia, possivelmente teria progredido bem na carreira. Mas a mudança para o jornalismo foi um dos meus maiores acertos! Em um primeiro momento, aquilo desagradou meus pais, mas sou feliz e grato à minha professora por ter percebido minha vocação e me incentivado a persegui-la.

Coincidentemente na semana passada, assisti ao episódio “O flautista”, da série coreana “Uma advogada extraordinária”, da Netflix. Ele aborda o caso de um jovem que “sequestra” um grupo de crianças da escola de sua mãe para levá-las a brincar durante uma tarde, devolvendo-as felizes e saudáveis no fim do período.

O jovem apenas brincou com elas, sem nenhuma intenção obscura. Para ele, as crianças precisam brincar, ser saudáveis e felizes. Sua ação se deve a uma revolta com o estilo educacional da escola da mãe, em que as crianças precisam estudar diariamente por 12 horas, mal têm tempo para comer e podem ir ao banheiro apenas uma vez por dia. Ainda assim, acabou preso. Afinal, as atividades recreativas foram dadas sem a autorização dos pais, quando seus filhos deveriam estar estudando.

Claro que essa foi uma atitude extrema, ainda que bem-intencionada. Mas serve para a reflexão: afinal, do que as crianças precisam para se desenvolver? Estudar 12 horas por dia? Aprender como funcionam armamentos pesados?

Há o momento de estudar e o de brincar! Sem isso, seu desenvolvimento ficará prejudicado. O brincar é um treino para a vida adulta, por isso educadores defendem que as armas fiquem de fora.

Pais devem se aliar a professores, apoiando esses profissionais, para reforçar o respeito de seus filhos aos mestres. Isso não quer dizer que precisem concordar em tudo! Mas, no caso de divergências ideológicas, culturais ou acadêmicas com algo dito em sala de aula, os pais não devem simplesmente tentar cesurar ou ameaçar os professores. Pelo contrário, devem conversar com eles, entender seu ponto de vista e tentar encontrar um consenso. Além disso, os pais sempre podem apresentar seu ponto de vista aos filhos em casa.

Essa é uma maneira madura e positiva de colaboração entre pais e professores. E assim essas crianças crescerão com uma visão mais real e ampla do que é o mundo.

Crianças precisam ser crianças, e a educação deve sempre permitir isso.

 

O principal motivo para roubos de celulares não é mais o valor do aparelho, e sim a possibilidade de se fazer transferências com ele

Isso jamais acontecerá comigo!

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Duas notícias me chamaram a atenção na semana passada. A primeira foi sobre um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que indica uma explosão nos crimes eletrônicos. A outra foi a de que metade dos brasileiros não limitou suas transferências pelo Pix, apesar de a maioria conhecer esse recurso simples e eficiente para diminuir prejuízos em um eventual roubo de celular.

As duas estão interligadas e demonstram que os brasileiros não tomam medidas para sua própria segurança diante de uma mudança nos crimes nos grandes centros urbanos. Não se trata, de forma alguma, de querer imputar qualquer culpa às vítimas, mas sim de constatar que muitas pessoas não fazem isso pela crença de que esse problema nunca acontecerá com elas.

Até que acontece! E aí não adianta “chorar sobre o leite derramado”.

Apesar de os smartphones estarem integrados a nossas vidas há mais de uma década, esses crimes só ganharam força recentemente. Portanto, os cuidados que a maioria das pessoas toma deixaram de ser suficientes, e precisam ser revistos.


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O Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica um aumento de 74,5% de golpes eletrônicos de 2020 para 2021, chegando a 60.519 ocorrências notificadas. O crescimento é exponencial: em 2019, foram “apenas” 14.677. Além disso, esse tipo de crime é subnotificado, pois muitos acabam sendo classificados só como estelionato.

Outro levantamento recente, realizado pelo C6 Bank e pelo instituto de pesquisa Ipec, mostra que 70% dos brasileiros sabem que podem ajustar o limite de suas transferências por Pix, mas 47% não fazem isso. É possível ainda determinar contas específicas para continuarem recebendo valores maiores.

Os limites do Pix foram criados pelo Banco Central em novembro, para diminuir os sequestros-relâmpago para realização de transferências, mas também ajudam nos crescentes roubos de celulares para o mesmo fim. A redução desses limites tem efeito imediato, mas seu aumento demora no mínimo 24 horas para passar a valer.

O roubo de smartphones aumentou muito nesse ano, mas o principal objetivo não é o valor do aparelho, e sim a possiblidade de se realizar com ele transferências bancárias. Segundo a polícia, o problema se agravou com o envolvimento do PCC, o Primeiro Comando da Capital. A facção criminosa descobriu nisso uma maneira fácil de obter muito dinheiro. Há registros de transferências que superam R$ 100 mil!

Muitos roubos acontecem com o bandido em bicicleta ou moto, arrancando o aparelho destravado da mão das vítimas, facilitando as transferências. Por isso, usar o aparelho nas ruas e até no carro em bairros nobres de São Paulo se tornou muito arriscado.

A senha da tela de bloqueio no celular é uma primeira barreira, que pode ser suficiente para frustrar a ação dos bandidos. Por isso, é assustador observar que muitas pessoas não adotam essa proteção extremamente básica.

 

A responsabilidade de cada um

Em uma pesquisa informal que realizei no LinkedIn, com cerca de 800 entrevistados, 41% disseram que transferências indevidas por Pix são os crimes eletrônicos mais comuns, enquanto 40% apontaram as fraudes pelo WhatsApp. Outros 17% indicaram perfis falsos nas redes sociais e 2% escolheram outras opções.

O WhatsApp tornou-se outra enorme fonte de golpes digitais. E novamente a vulnerabilidade se dá em usos descuidados pelas pessoas, e não por falhas técnicas da plataforma. Um dos golpes mais comuns consiste no bandido ligar para vítima com alguma história que a convença a lhe passar um código gerado pela plataforma, que lhe permite assumir a conta da vítima. A partir dessa conta clonada, o criminoso fala com os contatos para pedir dinheiro, como se fosse o verdadeiro titular.

À medida que mais pessoas começaram a entender que não devem repassar esse código, os bandidos passaram a adotar outro golpe, ainda mais simples e absurdo. A partir dos perfis das vítimas nas redes sociais, eles copiam sua foto e escolhem contatos. Enviam então mensagens fazendo-se passar pelo titular e dizendo que se trata de um novo número de telefone. Se o interlocutor acredita, pedem transferências. O Pix é o método preferido, pois o dinheiro fica disponível em poucos segundos.

As características do WhatsApp, disponível em 99% dos smartphones brasileiros, facilitam a ação dos criminosos. O grande volume de conversas, e sua informalidade e instantaneidade fazem com que os usuários “baixem a guarda” e acreditem facilmente no que chega por ali. Isso vale para conversas de bandidos e para notícias falsas, que também se proliferam nesse canal. Nos dois casos, ganhar a confiança é essencial.

Portanto, a primeira dica para se defender dos cybercriminosos é manter o senso crítico aguçado. Desconfie do que chega pelas redes e pelos comunicadores, especialmente quando o outro pedir dinheiro ou suas informações pessoais, ou diga que mudou de telefone. E nunca informe qualquer número pedido pelos bandidos.

Não dá mais para ficar usando o celular na rua ou no carro sem o risco de ser assaltado. Se for necessário, entre em algum local fechado. Algumas pessoas também passaram a andar com um “celular de guerra”, barato e com o mínimo de aplicativos, para o caso de um assalto.

Limite o valor de transferências por Pix, TED e DOC. Especialistas sugerem que o ideal é liberar apenas o mínimo para cobrir as necessidades cotidianas do correntista. Da mesma forma, jamais informe senhas ou entregue cartões de conta ou crédito a terceiros, nem grave senhas no celular.

Outra dica é habilitar a chamada “autenticação de dois fatores” em todos os aplicativos que oferecerem esse recurso. Com ela, além da senha, será necessária outra informação (normalmente um código gerado na hora) para acessar suas contas.

Há uma discussão sobre a responsabilidade dos bancos nesses crimes eletrônicos. O Banco Central afirma que as instituições podem identificar os titulares das contas de origem e de destino, mas os bancos tentam se livrar de qualquer culpa. Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), cada instituição tem sua política de análise e devolução.

Por isso, no caso de golpe ou roubo de celular, o cliente deve ligar ao banco imediatamente, pedir bloqueios e documentar o fato. Também deve ser feito um boletim de ocorrência. Quanto mais rapidamente isso for feito, menor a chance de prejuízos.

No final, a grande recomendação é parar de achar que isso nunca acontecerá com qualquer um de nós. Por mais que você seja cuidadoso e nunca tenha sido assaltado, esses crimes atingiram níveis inéditos. Não se pode dar sorte ao azar!

 

Guarda da série “Round 6”, que se tornou a mais vista na Netflix, cujos jogos violentos estão sendo simulados em escolas

O que pode haver de mortal em brincadeiras infantis

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Na semana passada, “Round 6” se tornou a série mais vista da história da Netflix. Mais de 111 milhões de pessoas assistiram à produção sul-coreana nas primeiras quatro semanas no ar. Ela retrata uma macabra competição entre 456 endividados, que se dispõem a participar de versões de seis jogos infantis. O vencedor leva um prêmio equivalente a R$ 213 milhões. Todos os demais morrem ao longo dos jogos.

Mas algo sinistro se formou em torno da série, indicada para maiores de 16 anos. Crianças de vários países, inclusive do Brasil, estão simulando a competição nas escolas. No caso, os perdedores são surrados pelos vencedores.

Esse comportamento não chega a ser surpreendente, e é um reflexo do mundo em que vivemos. E, ao contrário do que alguns estão se apressando a dizer, a culpa não é da Netflix, nem dos produtores da série. Mas temos que entender o problema para resolvê-lo.


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Originalmente escrito em 2008, “Round 6” se tornou um fenômeno de mídia. Além da enorme audiência na plataforma de streaming, seus atores, até então desconhecidos fora da Coreia do Sul, ganham milhões de seguidores nas redes sociais.

Também é um fenômeno comercial. Os tênis brancos Slip-On, da marca Vans, usados pelos jogadores, viram suas vendas aumentarem em incríveis 7.800%. Além disso, o uniforme dos guardas da série se tornou a fantasia mais buscada. Isso lembra o que aconteceu com o macacão vermelho e a máscara de Salvador Dali usados pelos assaltantes de “La Casa de Papel”, outra série da Netflix, há quatro anos.

Diante desse frenesi, seria, portanto, inocência assumir que crianças e adolescentes não assistiriam à série apenas pela sua classificação etária. Muitos fazem isso até junto com seus pais, o que, dentro das circunstâncias, pode até uma alternativa menos pior, se bem aproveitado esse convívio em torno da história.

Todos nós nascemos com capacidades para discernir o certo do errado e o verdadeiro da fantasia. Mas essa habilidade só amadurece ao longo dos anos, precisa ser “treinada” com estímulos, com exemplos e com explicações de pessoas e de instituições que os pequenos têm como referência, como seus pais e a escola.

“Round 6” (que no resto do mundo é chamado de “Squid Game”, ou “Jogo da Lula”) obviamente é uma fantasia perturbadora. Traz uma feroz crítica social sobre a diferença entre as classes sociais e a dependência que as pessoas desenvolvem do dinheiro, até o ponto de algumas morrerem por ele em situações extremas.

Fica a pergunta: isso poderia acontecer de verdade em algum lugar do mundo?

 

Violência relativizada e normalizada

Às vezes, tenho a impressão de que o mundo ando louco demais.

Acho pouco provável que alguém se dispusesse a criar uma “brincadeira” tão distópica, em que pessoas morressem para sua diversão. Se bem que já tivemos algo assim em vários lugares do mundo ao longo da história, como nas arenas romanas.

Por outro lado, não me espantaria se, caso isso se concretizasse, um bando de malucos topasse arriscar a própria vida pela adrenalina e pelo dinheiro. Como sempre abordo nesse espaço, a dinâmica das redes sociais vem criando uma geração de pessoas “viciadas” em dopamina e com uma percepção fugaz da própria realidade, sempre a busca de novos estímulos.

Se isso impacta decisivamente até os adultos, adolescente e crianças se tornam presas fáceis desse ambiente. Seu senso crítico ainda não está desenvolvido para digerir tantos estímulos. Eles não têm as experiências de vida para colocar tudo na sua devida perspectiva.

No caso de “Round 6”, a profundidade da crítica social desaparece, permanecendo apenas o jogo puro. E a própria violência, que culmina na morte de pessoas, fica relativizada e perde força. Corre-se o risco de achar que tudo aquilo é normal.

O criador de “Round 6”, Hwang Dong-hyuk, disse que estava perplexo que crianças estivessem assistindo à série. Em entrevista a uma emissora sul-coreana, ele disse que espera que os pais e os professores ao redor do mundo sejam prudentes, para que os pequenos não sejam expostos a esse tipo de conteúdo.

 

Como proteger as crianças

“Round 6” é a bola da vez, mas, nos últimos anos, as crianças vêm sendo impactadas por diferentes conteúdos que levam muitas delas a dor, violência e até morte.

Em 2017, a “Baleia Azul” teve grande repercussão. Consistia de 50 tarefas que adolescentes recebiam de “curadores”, envolvendo automutilação e culminando no suicídio. Até hoje, há controvérsias sobre sua origem. Aparentemente, no início, não passava de um boato. Entretanto, diante da exposição que teve, acabou se “concretizando”, e várias mortes estariam associadas à Baleia Azul.

Dois anos depois, surgiu a Momo, uma boneca fantasmagórica que estaria invadindo o YouTube Kids para convencer crianças a fazer coisas como se cortar e até mesmo matar os próprios pais. Não passava de uma combinação de “fake news” com “efeito manada”, mas o movimento criado levou algumas crianças a realmente se automutilar.

Não podemos deixar de mencionar a suposta influência maligna dos games. Ela ressurge em casos de adolescentes que matam colegas, como aconteceu em 2019 na escola estadual Professor Raul Brasil, na cidade de Suzano, na Grande São Paulo. Mas estudos sérios demonstram que esses jogos não incentivam assassinatos reais. Pelo contrário, profissionais de psicologia explicam que esse tipo de criminoso é movido por outros problemas, muito mais profundos, que ele já carrega dentro de si.

Muitos propõem que “Round 6” seja sumariamente retirada do ar. Isso é algo totalmente inócuo: o buraco é muito mais embaixo!

Especialistas da área de saúde mental e de educação afirmam que a solução desses problemas passa por pais mais presentes na vida de seus filhos, para lhes oferecer carinho e orientação diante de tantos estímulos. Além disso, devem se unir a professores para ajudar a escola na tarefa de educar crianças e adolescentes.

Proibir o acesso raramente é eficiente. As crianças sempre darão um jeito, especialmente aquelas que têm acesso a smartphones e computadores. Mesmo que não vejam a série na Netflix, algumas cenas aparecem fora do contexto, no YouTube e até no TikTok. Além do mais, tudo que proibido desperta ainda mais o interesse.

Pais e educadores devem abordar esses temas com sinceridade e paciência, para explicar às crianças o que tudo aquilo significa e por que não devem fazer algumas coisas. Crianças, mesmo as pequenas, têm uma capacidade de compreensão que pode surpreender os próprios pais, quando eles se dispõem a oferecer essa orientação.

Elas devem se sentir acolhidas pelos seus pais. E esses devem criar, desde pequenos, um canal sincero de confiança com seus filhos, para que se sintam à vontade para compartilhar suas dúvidas e seus medos. Mas é importante entender que a confiança é uma via de mão-dupla: os pais também devem oferecer confiança e ser confiáveis.

A educação midiática se torna cada vez mais crítica em nosso mundo. Pais e educadores têm um papel central nisso. E devem sempre pedir ajuda a profissionais, como psicólogos, quando necessário.

Mas nada substitui o carinho, a presença e a confiança entre pais e filhos.

 

Violência se faz com armas e palavras

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A violência é um problema crônico do Brasil, uma de nossas maiores chagas. E, como em muitas de nossas mazelas, tenta-se maquiar o sintoma, enquanto se deixa as causas intocadas.

Por exemplo, o governo federal acha que sua solução passa por armar as pessoas, mais especificamente o chamado “cidadão de bem”. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública discorda, indicando que isso só faz piorar a situação.

Apesar de os mais pobres serem, de longe, as vítimas principais da violência, ninguém está totalmente a salvo dela. Por mais que se armem e se protejam em redomas, os ricos também são impactados, até mesmo porque a violência pode brotar dentro de suas casas.

Nesse cenário em que as consequências ganham mais atenção que as motivações, as palavras podem ser tão perigosas quanto as balas. Isso acontece com ataques verbais de toda natureza, também contra quem propõe o debate para a busca de uma solução real. É o que está acontecendo nas redes sociais contra a série documental “Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime”, que estrou no dia 8, na Netflix.


Veja esse artigo em vídeo:


Divulgado nesta quinta, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública contabiliza um assassinato no país a cada dez minutos em 2020, 4,8% a mais que em 2019. No mesmo ano, 186.071 novas armas particulares foram registradas, o dobro de 2019. São agora mais de dois milhões de armas particulares registradas no Brasil. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública afirma que há correlação entre as duas coisas.

No outro ponto dessa análise, a série da Netflix, dirigida por Eliza Capai, conta, com riqueza de detalhes, o brutal crime praticado por Elize Matsunaga em 2012, quando ela matou e esquartejou o marido, o milionário Marcos Matsunaga. Apesar de ser um trabalho jornalístico de alta qualidade, que ouviu, de maneira bastante equilibrada todos os lados do caso, vem sendo alvo de fúria de muita gente nas redes sociais.

A ideia aqui não é debater o crime, indubitavelmente hediondo, ou os pontos levantados pela promotoria e pela defesa da condenada. Para isso, recomendo que assista à série para tirar suas próprias conclusões.

A proposta é tentar entender por que uma parcela considerável da população ataca um trabalho que traz elementos para conhecer a gênese da violência. Aquela tenebrosa noite de 2012 foi o desfecho de problemas variados que se arrastaram por anos. Muitos deles permeiam nossa cultura e nossa sociedade.

Por isso mesmo, tanta gente se recusa a olhar para isso, pois exige energia para reconhecer em si elementos desse sistema. Resolver as causas da violência exigiria mudar isso, o que é doloroso. Muito mais confortável é manter enjaulados a criminosa e o monstro dentro de cada um de nós. Isso nos poupa de responder perguntas incômodas, porém necessárias. Por que esse caso ficou tão famoso? Seria a mesma coisa se a vítima fosse a mulher ou se fossem pessoas pobres?

 

“Defensor de bandido”

As pessoas querem apenas que o seu lado seja o vencedor. Quem for diferente deve ser calado, varrido para debaixo do tapete, jogado em um buraco ou trancafiado para sempre. E qualquer um que tente resgatar essas pessoas deve ter tratamento semelhante.

Os ataques a esse documentário me fizeram lembrar casos em torno do médico Drauzio Varella. Desde que escreveu o livro “Estação Carandiru” (1999), posteriormente adaptado para o filme “Carandiru: O Filme” (2003), ele, que é um profissional respeitadíssimo, é rotulado de “defensor de bandido” por alguns.

Na obra e em diversas outras ocasiões, Varella apenas busca humanizar os detentos, algo necessário se consideramos que nossa legislação prevê que todo condenado, após cumprir sua pena, deve ser reintegrado à sociedade. Mas, para quem encara essas pessoas como monstros, essa proposta afronta seus valores.

Todos nós temos um sentimento de autopreservação. É uma necessidade atávica, ancestral. Na pré-história, quando o ser humano não tinha essa posição de dominância absoluta, éramos caçadores, mas podíamos ser também caça.

Agora dominamos o mundo e a nossa autopreservação mudou. Nenhum animal nos atacará. Somos nós mesmo que fazemos isso, para proteger o que já temos ou para conseguir o que queremos.

Ironicamente, nas rodas de profissionais “descolados”, muito se fala de empatia. Mas as pessoas têm isso? Elas sabem o que isso significa, afinal?

A empatia é um sentimento que nasce conosco. Basta observar as crianças, que compartilham e tentam ajudar seus amigos em dificuldade, muito mais que os adultos. Mas algo acontece ao longo da vida, que a mata aos poucos.

 

O lobo do homem

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) disse, em sua obra mais famosa, Leviatã (1651), que “o homem é o lobo do homem”. Ele acreditava que o ser humano precisa viver em uma sociedade regida por regras e normas, que chamou de “contratos sociais”. Sem elas, esse “lobo” surgiria em todos, e rumaríamos à barbárie.

O que vejo hoje é que esses contratos estão sendo rasgados por aqueles que têm poder político, econômico ou simplesmente uma arma na mão. O outro e suas necessidades deixam de ser importantes a partir do momento em que um indivíduo tem a força de impor suas vontades.

Quem não tem uma arma de fogo tem a arma das palavras. Se antes elas eram restritas a quem estava ao alcance da influência desse agressor, com as redes sociais seus despautérios atingem potencialmente o mundo inteiro. E os algoritmos de relevância das redes catalisam o fator destrutivo dos ataques verbais, ao agrupar pessoas que pensam da mesma forma, criando uma poderosa caixa de ressonância.

Para Eliza, a diretora desse documentário na Netflix, “ninguém que comete crimes é apenas o crime que cometeu”. Todo crime, assim como tudo na vida, resulta de uma sequência de ações que nós e as pessoas a nossa volta tomam. Algumas são boas, outras são ruins. Às vezes, muito boas; às vezes muito ruins.

De forma alguma, defendo o crime de Elize Matsunaga. Por ele, foi julgada e condenada a quase 20 anos de prisão. A família do ex-marido não quis que os advogados entrassem com recurso para aumentar a pena (como eles queriam): acharam que a Justiça já tinha sido feita.

Uma sociedade só pode se dizer evoluída quando ela se torna muito mais eficiente na prevenção de crimes que na punição de criminosos. E, para isso, casos como esse devem ser debatidos e analisados com uma visão desapaixonada e verdadeiramente querendo entender todos os lados que levaram a um delito. Não podemos impedir que ele ocorra quando se chega ao ápice da loucura. Mas podemos trabalhar para que a enorme cadeia de fatores que levaram àquilo, quase sempre contornáveis, seja quebrada.

Por isso, o documentário é um serviço à sociedade por apresentar amplamente todos os lados do caso (que são muitos), com suas versões, seus sentimentos e seus interesses. Já aqueles que querem desqualificar a obra, com seus argumentos raivosos e limitados, não apenas deixam de contribuir para o combate à violência, como ainda a aumentam desmedidamente a cada post.

Eles são os lobos de Hobbes, que destroem seu semelhante para satisfazer unicamente suas necessidades.

A morte da empatia e o fim da humanidade

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A política é uma atividade nobre e necessária, mas não podemos sucumbir à luta pelo poder e matar a nossa capacidade de sermos empáticos, arrastando a nossa humanidade para a escuridão, como vem acontecendo no mundo todo, e muito fortemente no Brasil.

Negar a política é inócuo: ela faz parte da nossa natureza. Quando debatemos aqui, estamos fazendo política, que foi criada para nos organizarmos em sociedade e construirmos algo com nossos semelhantes.


Saiba mais sobre esse assunto no vídeo abaixo:


Infelizmente, a política também pode se enviesar e criar algo contrário à sua função essencial. Na luta pelo poder, mentimos, roubamos, matamos. E acreditamos em pessoas que fazem isso em seu benefício.

Isso explica o atual cenário, em que aqueles que pensam diferentemente, mesmo quando estão buscando o bem da sociedade, devem ser calados ou até eliminados. Para desgraça geral, isso não vem sendo feito apenas de maneira figurativa.

Os fatos têm me feito pensar muito sobre isso, e já ensaiei alguns debates nas redes para ajudar na compreensão desse fenômeno perverso que estamos vivendo.

Por exemplo, na quarta passada (19), publiquei um post comentando o atual comercial do WhatsApp, uma peça belíssima, que me tocou muito. Ele mostra como o comunicador, que ficou famoso como a ferramenta mais eficiente para disseminar as “fake news”, as infames notícias falsas, também pode ser usado para fazer o bem. Claro, é só uma ferramenta: o bem e o mal vêm de como as pessoas usam esse recurso!

Dois dias depois, fiz outro post comentando um comercial, nesse caso, da companhia aérea Scandinavian Airlines. Outra peça inspiradora e emocionante, que explica que muito do que os escandinavos se orgulham de ter desenvolvido, como a licença paternidade, o movimento pelos direitos das mulheres, o clipe de papel, e muitas outras coisas, são, na verdade, invenções de outros povos. Mas isso não tira o valor da contribuição dos escandinavos, que melhoraram tudo aquilo. Apesar da bela mensagem, grupos conservadores locais não gostaram da peça, por isso atacaram a campanha e a empresa por supostamente estarem “desrespeitando a cultura escandinava”. A agência que criou a peça chegou a receber uma ameaça de bomba!

Honestamente, a opção política de qualquer um diz respeito apenas a si. Mas opção política é muito diferente de negar a verdade, só porque ela incomoda. E, pior, querer impor sua visão de mundo a todos pela força.

Por exemplo, na quinta, assisti estarrecido a um vídeo que viralizou na Internet, que mostrava alguns homens arrastando para longe da água um tubarão que havia encalhado e estava agonizando em Guaratuba, no Paraná. O animal acabou morrendo asfixiado logo depois. Além de não terem chamado especialistas para salvar o animal, ainda o arrastaram para a areia. Quanto sadismo!

Há também o caso da jornalista Patrícia Campos Mello, da “Folha de S.Paulo”, que vem sendo covardemente atacada por autoridades eleitas e hordas que as seguem. Motivo: fazer um trabalho exemplar, mas que vai contra os interesses desses indivíduos. Apesar de ter tudo documentado, de maneira mais que suficiente para desmentir todas as calúnias contra ela, essa turma continua rejeitando os fatos, para continuar a atacando de maneira sórdida!

Sei que, para muitos, a imprensa é como aquele tubarão na praia: se alguém fizer algo de errado e um jornalista descobrir, ele pode “morder”. E deve fazer isso mesmo! Por isso, esse pessoal acredita que jornalista merece “morrer de antemão”!

Mas, se não é perfeita, a imprensa é essencial para fiscalizar o poder político e econômico, impedindo que ele faça o que bem entender. Vale dizer que a imensa maioria do trabalho jornalístico é muito bem feito, essencial para a manutenção da sociedade.

Então, novamente, podemos e devemos ter suas convicções políticas, religiosas, ideológicas. Mas isso não pode fazer com que busquemos a aniquilação dos diferentes a nós.

As diferenças sempre existiram, e somos capazes de conviver em harmonia. Precisamos urgentemente resgatar a nossa capacidade de viver em sociedade de maneira civilizada, de construir com o outro, de demostrar empatia.

Se não fizermos isso logo, pode ser tarde demais e a nossa humanidade terá desaparecido para sempre.


Quer ouvir as minhas pílulas de cultura digital no formato de podcast? Você pode me encontrar no Spotify, no Deezer ou no Soundcloud. Basta procurar no seu player preferido por “Macaco Elétrico” e clicar no botão “seguir” ou clicar no ícone do coração. Se preferir, clique nos links a seguir:

Não, o Coringa do cinema não cria sociopatas

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Tenho lido muito que o Coringa, protagonista do filme homônimo que estreou na quinta, poderia influenciar pessoas a cometer crimes. Por isso, o filme foi vetado em alguns cinemas e, nos EUA, até o Exército foi mobilizado para conter eventuais tumultos.

No sábado, fui conferir quanto disso faz sentido. O que encontrei foi uma obra-prima, um drama com um ótimo roteiro, muito bem dirigido e com uma trilha sonora impactante. Sim, é possível criar empatia com o protagonista no início, pelas incontáveis agressões que a sociedade lhe impõe. Mas não vejo alguém se tornando um sociopata por conta disso.

Temo muito mais a desinformação que impera nas redes, as notícias falsas que se tornam “verdades” graças à manipulação de algoritmos por grupos que confundem a população para atingir o poder. Temo também vivermos em uma sociedade que continua sendo massacrada por uma crise de mais de cinco anos, em que muitos acham que a violência e as armas são uma solução. Isso, sim, pode criar criminosos, como também deprimidos e suicidas.

Ah, e pintou o vencedor do Oscar de melhor ator no ano que vem. No ano passado, eu havia apostado em Rami Malek, como Freddie Mercury. Será que acertarei de novo, com Joaquin Phoenix monstruosamente brilhante como Coringa?

A monstruosidade humana nas redes

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O ser humano pode ter um lado monstruoso!

No ano passado, empresas de tecnologia identificaram na Internet inacreditáveis 45 MILHÕES de imagem de crianças –algumas com apenas 3 anos de idade- sendo abusadas sexualmente, e até mesmo torturadas. É um volume sem precedentes e o dobro do encontrado no ano anterior!

Temos que falar sobre isso, e buscar uma solução juntos.

Essas imagens na rede, absurdas e inaceitáveis por si só, ainda têm a perversa capacidade de prolongar o sofrimento das vítimas, pois o abuso fica perpetuado nelas. Além disso, temem ser reconhecidas por alguém, criando traumas ainda maiores.

Essa é uma luta de governos, da polícia, das empresas de tecnologia, mas também de cada um de nós, mesmo porque os primeiros não estão dando conta de resolver o problema. Também é essencial o uso de tecnologias como machine learning e reconhecimento de imagens, para dar conta desse volume insano de fotos, que também cresce graças a tecnologias mais poderosas e acessíveis aos criminosos.

Para saber mais sobre isso, leia essa ótima reportagem do The New York Times.

O que você acha que podemos fazer para ajudar a combater essa atrocidade?

O perverso coquetel da cultura do estupro, impunidade e redes sociais

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Foto: reprodução

Depois de barbarizarem uma jovem de 16 anos no dia 21, alguns de seus agressores, não satisfeitos, decidiram postar um vídeo do estupro coletivo nas redes sociais. Eu me pergunto: o que leva alguém a disseminar online algo que, por si só, já é uma violência inominável?

O tal vídeo viralizou mais rápido que rastilho de pólvora. E de toda essa brutalidade surgiram dois movimentos antagônicos. O primeiro deles, felizmente o da maioria da população, condenou veementemente não apenas o estupro, mas também a sua exposição online. Mas houve um inacreditável grupo que desfilou todo tipo de argumentos justificando tudo aquilo. E isso nos leva a algumas importantes reflexões sobre como os meios digitais atuam no comportamento humano.


Vídeo relacionado:


A pessoa que postou no Twitter o vídeo de 40 segundos que viralizou, onde a adolescente aparece ao lado de seus agressores (que não temem ser identificados pelas imagens), afirma que não conhecia a vítima ou os agressores, nem que se tratava de um estupro. Teria recebido as imagens em um grupo do WhatsApp e as republicado.

Na sua infeliz justificativa, pode ser identificada a raiz de todo esse problema. Apesar de a adolescente estar desacordada, nua, ferida e cercada de homens, ele não viu nada de errado ali: achou apenas muito engraçado, a ponto de fazer piadas enquanto passava adiante o show de horror.

A maior desgraça disso tudo é, portanto, perceber que nossa cultura é a grande responsável por esse completo descaso com a vida, com a honra e com a privacidade. E que os meios digitais se prestam a ampliar tudo isso!

Quando aprendemos, desde pequenos, que a mulher tem uma posição inferior, onde o homem pode tudo e ela não vale nada, criam-se os mecanismos para que mais de 30 sujeitos se unam para violentar uma adolescente, uma quantidade enorme de outros indivíduos ache isso divertido e divulgue o ato para o máximo de pessoas que puder, e uma parcela significativa da sociedade não apenas os aplauda, como também justifique toda essa barbárie.

E não pensem que isso está no inconsciente coletivo apenas das classes sociais mais baixas ou dos menos escolarizados. O anúncio da Dolce & Gabbana que abre este artigo deixa claro que isso acontece mesmo nas classes mais altas e refinadas. Quando foi publicado, causou comoção internacional, sendo acusado de apologia ao estupro coletivo. Para se defender, a marca disse que aquilo fazia parte das “fantasias femininas”.

Portanto, essa cultura do estupro existe, em maior ou menor grau, em todos os países. Infelizmente é muito arraigada na sociedade brasileira. Por isso, a diretora francesa Éléonore Pourriat encontrou uma maneira brilhante de explicar esse desequilíbrio de que “o homem pode tudo e a mulher pode nada”, com seu curta-metragem “Maioria Oprimida”, que pode ser visto abaixo na íntegra e legendado (10’43’’):



Nada como calçar os sapatos do outro, não é?

 

O mito da “vida online”

Infelizmente o caso da jovem carioca não foi o primeiro nem será o último de violência ampliada pela Internet. Aqui mesmo, nesse espaço, já discutimos o que aconteceu com a menina Valentina, participante do programa MasterChef Júnior do ano passado, que foi vítima de uma onda de assédio pelo simples fato de estar lá. Portanto, em uma sociedade completamente conectada, vale discutir o papel dos meios digitais nesse processo todo.

A Internet evidentemente não é culpada de nada disso. Ela não cria esses comportamentos, apesar de funcionar como uma caixa de ressonância daquilo que seus usuários pensam. Por isso, vemos casos assim se tornando populares. E aí surge a sensação de que, na “vida online”, vale tudo.

Quantas vezes não nos surpreendemos com o comportamento de amigos nas redes sociais, que vociferam barbaridades que parecem não combinar com aquela pessoa que conhecemos tão bem? Isso acontece porque, para muita gente, existe uma ilusória sensação de que, quando estão online, aquilo é uma “outra vida”, regida por outras regras, quase como se fossem outras pessoas.

Isso “destrava” elementos de suas personalidades que normalmente são guardados na sua parte mais profunda, justamente porque as convenções sociais fazem restrições a eles. O caso mais comum é o de pessoas que expõem o seu próprio corpo e pensamentos íntimos como se os estivesse confidenciando a um amigo próximo, quando, na verdade, a audiência chega a ser global!

Outro problema decorrente disso –e que tem muito a ver com os casos de violência da jovem do Rio e da menina Valentina– é a sensação de impunidade. Para muita gente, a Internet é uma terra sem lei, onde se pode tudo, mesmo as maiores atrocidades, e que nada os atingirá. Desde pequenas confissões até claramente assumir a participação em crimes, está tudo lá, documentado online.

Nada mais equivocado! Os meios digitais não são a “casa da Mãe Joana”, simplesmente porque não existe essa história de “vida online”: ela é apenas uma outra expressão da única vida que cada um de nós tem. Portanto, o que se faz na rede paga-se “online e off line”.

Se serve de consolo, diante de tanto horror, podemos tirar algo de bom. Se os meios digitais se prestam a disseminar o pior do ser humano, eles também são excelentes ferramentas para se criar debates saudáveis em torno desses temas, ajudando na conscientização das pessoas para que essas barbaridades aconteçam menos no futuro. Exatamente como estamos fazendo aqui.

Como não lembrar da campanha #primeiroassedio, criada justamente por conta dos ataques à Valentina? E agora vemos essa enorme mobilização nacional contra o estupro.

Das cinzas de tanto horror e de tanto sofrimento, temos que nos esforçar para extrair uma sociedade melhor, mais digna, mais humana. E as redes sociais, onde tudo aquilo apareceu, são, afinal, excelentes ferramentas para o bem.


Vamos falar sobre a linguagem certa para público certo na Social Media Week? Esse é o segredo do sucesso nas redes sociais. É só entrar nesta página e clicar no botão verde de CURTIR abaixo da minha foto.


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Por que os taxistas nunca vencerão o Uber (e o que você pode tirar disso)

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Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Taxistas protestam contra a regulamentação do Uber em São Paulo

No dia 11, o prefeito Fernando Haddad regulamentou os aplicativos de transporte, como o Uber, em São Paulo. Isso desencadeou uma nova onda de protestos violentos dos taxistas, que acusam a empresa de concorrência desleal. Mas é uma luta que eles jamais vencerão, pois o Uber redefiniu o transporte de pessoas, “commoditizando” o serviço dos taxistas. E esse é um fenômeno social e econômico que pode atingir qualquer negócio ou categoria profissional.

Mas o que é essa “commoditização” de produtos e serviços? Isso acontece quando novas empresas, novas tecnologias ou novos modelos de negócios começam a oferecer a mesma coisa de maneira inovadora, acrescentando uma camada inédita de valor sobre algo que já existe. Nesse processo, o produto ou o serviço original continua lá e até pode ser essencial no novo formato, mas o público deixa de ver valor naquilo, passando a pagar apenas pela novidade.


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É o que o Uber fez com os táxis. Trocando em miúdos, os passageiros passaram a querer mais que o simples transporte em quaisquer condições, oferecido pelos taxistas. Para esses consumidores, o verdadeiro valor é ter esse serviço em um carro novo, limpo e confortável, com um motorista educado, treinado e bem vestido, com serviço de bordo. É por tudo isso que cada vez mais pessoas estão dispostas a pagar. E é isso que o Uber oferece, e os taxistas não conseguem –ou não querem– entender e fazer.

É claro que o que os taxistas e o Uber vendem é transporte de passageiros. Mas o Uber tirou o valor disso, que virou apenas o básico, aquilo que o público nem vê, por mais que seja a essência do serviço: foi “commoditizado”. O valor foi transferido para a camada de serviços extra.

O que os taxistas oferecem não vale mais. É por isso que não vencerão o Uber.

 

“Commoditizando” tudo

Mas isso pode afetar qualquer um, inclusive você, seja lá o que você faça. Isso porque, quando menos se espera, alguém pode chegar oferecendo a mesma coisa, só que de uma maneira que faça mais sentido para o seu público.

Qualquer jornalista já sentiu isso na pele. Com a popularização das redes sociais e a explosão de oferta de conteúdo de qualquer tipo, muitos colegas chegam a achar que a profissão encontrou o seu fim, com uma massa enorme e crescente de desempregados. Eles não estão sozinhos: veículos de comunicação tradicionais quebram um após o outro no mundo todo, incapazes de fazer frente à fuga de público e de anunciantes.

Assim como os taxistas, esses profissionais e essas empresas ficam em um “mimimi” eterno, reclamando que são eles que sabem fazer esse trabalho direito, que são eles que produzem o conteúdo de qualidade, e que isso custa muito caro! E que não é justo que novos veículos digitais cheguem e acabem com o seu monopólio da notícia, que durava mais de um século.

Oras, mas esses novos veículos, como a Vice, vão muito bem, e o que eles oferecem, na base, é conteúdo jornalístico. Mas eles tiveram sucesso em criar aquela “camada de valor extra”. Ou seja, o conteúdo jornalístico está mesmo “commoditizado”, mas ele serve para viabilizar esses novos títulos e profissionais.

Outro exemplo que gosto muito de citar é o da indústria fonográfica. Há uns 20 anos, ela era bilionária, com lucros calcados principalmente sobre a venda de CDs. Surgiram então os serviços de compartilhamento de MP3, como o Napster, que mostraram ao público que aquele modelo da indústria já havia caducado. Eventualmente isso acabou perdendo força, com as gravadoras processando os serviços e até seus clientes (o que demonstra como estavam dissociadas desse novo mundo).

Mas então a Apple lançou o iTunes, oferecendo a possibilidade de compra digital de cada faixa por uma fração do valor do álbum, e jogou a pá de cal no modelo de negócios de CDs. Só que esse modelo também já está perdendo força, sendo substituído pelo do Spotify, onde se paga um valor fixo por mês e se consome à vontade do seu gigantesco acervo de músicas online.

A música foi “commoditizada”: sorte do Spotify! Azar dos vendedores de CDs…

Agora pense com carinho: o seu produto ou serviço já está sendo “commoditizado” por alguém ou isso ainda vai acontecer?

 

Como escapar da “commoditização”

A Apple também poderia ficar rangendo os dentes, como as gravadoras, os jornais, revistas ou os taxistas. Mas, ao invés disso, ela reinventou seu serviço! O iTunes ainda existe, mas a empresa já lançou a Apple Music, exatamente nos mesmos moldes do Spotify. Porque, como diz o filósofo, “quem fica parado é poste!”

Esse deveria ser o mantra de todos os gestores, de qualquer negócio. Mais cedo ou mais tarde, isso que eles fazem tão bem e que parece essencial à sociedade perderá o valor. Se continuarem insistindo, serão substituídos por alguém com uma visão mais moderna dos negócios e do mundo.

Então voltemos ao caso dos taxistas, para entender como sobreviver à “commoditização”.

Não é o Uber que ameaça os taxistas, e por vários motivos. Primeiramente porque existe espaço para todos. Como a Prefeitura de São Paulo não emite novos alvarás para táxis comuns desde 1996, há um déficit estimado de 20 mil carros para transporte particular na cidade. O Uber pode triplicar a sua frota atual em São Paulo, que isso mal fará cócegas nessa demanda reprimida.

No final das contas, a verdadeira ameaça aos taxistas são o seu sindicato, a máfia dos alvarás e os próprios taxistas! O primeiro porque promove o ódio entre os motoristas e incentiva essa baderna que temos visto nas cidades. O resultado disso é um sentimento de rejeição ao serviço de táxi como um todo entre a população, seja pelos recorrentes transtornos causados por aquela parcela dos motoristas, seja pela repulsa à violência injustificável que alguns criminosos praticam contra motoristas e até passageiros do Uber.

Sobre a máfia dos alvarás (que chega a cobrar R$ 150 mil por algo que é uma concessão municipal), ela é uma facção do crime organizado que lesa a população e o poder público por manipular essas autorizações para obter lucros milionários. Os próprios taxistas são os principais prejudicados por esses bandidos, pois, para que consigam trabalhar, precisam comprar ou alugar essa licença, pagando valores astronômicos.

Portanto, se os taxistas realmente quiserem sobreviver à “commoditização”, não deveriam se organizar contra Uber, muito menos do jeito que estão fazendo. A solução dos seus problemas passa por ficar livres justamente desse sindicato, que os manipula, e dessa máfia, que os explora ao extremo. Os dois são dignos representantes do pior que existe na sociedade brasileira. Além disso, os taxistas precisam repensar o seu serviço: se o que eles oferecem não é mais o que as pessoas estão dispostas a pagar, é hora de se reinventar. E o Uber, ao invés de algoz, pode ser o modelo a ser seguido.

Não há como resistir à evolução do mercado. Ranger os dentes, distribuir pancada ou desqualificar novos concorrentes não resolverá o problema de nenhum negócio. A única solução é melhorar: ficar parado é o mesmo que piorar.


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Como o Uber pode ensinar jornais -e qualquer negócio- a prosperar

By | Jornalismo | 2 Comments

Foto: divulgação

Desde que discuti aqui a polêmica dos sites que dispensam usuários que têm ad blockers, me perguntam se o conteúdo afinal não tem mais valor. Resposta: não como as empresas de comunicação trabalham há 150 anos! Mas ele é fundamental para o negócio. E quem pode explicar isso é o Uber. Aliás, pode indicar o caminho para qualquer empresa de serviços na nova economia.

Mas o que o Uber tem a ver com um jornal? Ou o varejo, uma escola, um profissional liberal? Acontece que, na realidade que começamos a viver, não basta ser bom no que se faz: além disso, é preciso entregar o serviço e o produto que o consumidor quiser de uma maneira que lhe faça sentido. Aí reside o novo valor, aquele que as pessoas percebem e pelo qual estão dispostas a pagar! Todo o resto é commodity.


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Não é um conceito simples de entender, muito menos de aceitar. Mas ele está aí, subvertendo modelos de negócios consolidados há muitas décadas! No caso do Uber, a commodity é o transporte de passageiros. O que diferencia o Uber de um taxista convencional é que o primeiro vende a sensação do prazer de solicitar um motorista, com a garantia de que virá em um carro confortável, novo e limpo, com cortesia, boa conversa e um serviço de bordo superior. Embaixo disso tudo, está o transporte do passageiro, que evidentemente é o alicerce de todo o serviço, mas que não é mais pelo que as pessoas estão pagando. É por isso (e pelos recorrentes casos de agressão a motoristas e passageiros do Uber) que os taxistas estão perdendo a preferência do consumidor: eles querem continuar concorrendo nessa camada inferior do serviço, onde o valor, o diferencial vem sendo retirado pelos seus clientes. Não há como ganhar, exceto pela criação de leis retrógradas ou pela agressão física.

Consideremos o varejo: os produtos oferecidos e a própria venda são a commodity. Já há muitos anos –e isso vem sendo agravado pelo crescimento do e-commerce– o varejo (especialmente o grande varejo) vive uma situação dramática de uma dificuldade crescente de se diferenciar da concorrência. Afinal, todos eles fazem basicamente a mesma coisa, do mesmo jeito. Então todos partem para práticas autofágicas de baixar os preços e investir pesadamente em publicidade, queimando sua margem até o limite da irresponsabilidade. São recursos legítimos, claro! Mas o problema surge quando essas são as únicas ferramentas disponíveis, por sinal igualmente para todos.

Mas vejam os casos das startups Carrinho em Casa e Rabixo. Ambos são varejistas, mas que colocam uma camada extra de serviço acima da venda dos produtos em si. Perceberam que há pessoas sem tempo de fazer suas próprias compras (ou que não gostam ou simplesmente não querem) e criaram bons negócios resolvendo esse problema. São pequenas empresas, mas o conceito também vale para corporações gigantes, como a Amazon demonstra o tempo todo.

Voltando ao caso dos veículos de comunicação, a commodity é o conteúdo, mesmo que seja um excelente conteúdo! Se você, leitor, for um jornalista, pode estar com o cabelo em pé agora. Mas acredite: não é motivo para desespero! É apenas um alerta para mudanças que são inevitavelmente necessárias.

As pessoas sempre terão a necessidade de se informar. Em tempos pré-Internet, isso exigia ler jornais, revistas ou assistir ao noticiário na TV ou no rádio. Havia ainda um consenso de que, se quisesse ficar realmente bem informado, era necessário assinar pelo menos um jornal ou uma revista. E as pessoas pagavam por isso. Entretanto faziam isso por absoluta falta de alternativa! E as empresas de comunicação cresceram com a ideia de que o que elas vendiam era informação.

Ledo engano!

Claro que o conteúdo é importante: sem ele simplesmente não existiria a empresa de comunicação. Mas pelo que as pessoas estavam realmente pagando era a edição desse material, sua organização em páginas, impressão e entrega. E os veículos prosperaram assim, enquanto eram as únicas opções disponíveis!

Mas hoje todo mundo produz conteúdo, incluindo empresas que não tem nada a ver com isso (eu ouvi Red Bull?). Há conteúdo de alta qualidade de montão na Internet, e de graça! É commodity! Isso quer dizer que fica cada vez mais difícil ganhar dinheiro vendendo conteúdo.

Mas dá para ganhar muito dinheiro GRAÇAS ao conteúdo.

 

É como música aos ouvidos

Assim como o transporte de passageiros para o Uber, o conteúdo é algo essencial para viabilizar um negócio, mas não é O negócio. Algumas empresas de comunicação, como Vice e Catraca Livre, já sacaram isso, e, apesar da natureza do seu produto, aprenderam a ganhar dinheiro de outras maneiras. O papel do conteúdo ali é aumentar a sua reputação e a sua popularidade, viabilizando os outros negócios, onde está o dinheiro.

Nesse sentido, o jornalismo vai muito bem! Quem vai mal são as empresas e os profissionais que continuam querendo ganhar dinheiro apenas vendendo a notícia.

O conteúdo jornalístico não é o único que passou por esse choque de realidade. Muito mais emblemático foi a derrocada da indústria fonográfica no modelo de venda de música em CDs. Venceram parcialmente a primeira batalha, a dos usuários trocando as músicas no formato MP3. Mas foram destruídos quando a Apple lançou o iTunes, que começou a vender as músicas individualmente a US$ 0,99, de uma maneira cômoda, segura e de alta qualidade. Quem continuaria comprando CDs diante disso?

A pá de cal veio com serviços como o Spotify e o Apple Music, que tornaram o iTunes obsoleto: por uma pequena assinatura mensal, dão acesso ilimitado a um acervo gigantesco, em qualquer lugar. Para o consumidor, é música aos ouvidos.

Nem todos os artistas acham isso bacana, especialmente as grandes estrelas. Argumentam que esses serviços lhes pagam apenas uma pequena fração do que eles ganhavam vendendo CDs. E isso é verdade!

Mas eles não vendem mais CDs.

A música também virou commodity. Esses serviços não vieram para substituir os discos. São um espaço de divulgação e consolidação dos artistas. Se os medalhões ganham hoje muito menos, existe a contrapartida que artistas obscuros podem conhecer a fama de uma maneira que jamais aconteceria quando as gravadoras dominavam o processo. O sistema democraticamente dividiu os ganhos entre muito mais gente. E quem é famoso deve agora ganhar dinheiro de outro jeito, por exemplo fazendo shows.

 

Críticas ao modelo

Muita gente acha tudo isso um absurdo!

Há muitos críticos, por exemplo, ao Uber. Eles dizem que a empresa explora os motoristas, ganhando em cima deles, que são os donos dos carros e os únicos a correr riscos (inclusive de apanhar de taxistas raivosos). Seria, portanto, o capitalismo do pior tipo.

Esses críticos deveriam conversar com esses motoristas. Uso o serviço frequentemente e sempre faço isso. Seus trabalhos anteriores variam de engenheiros a motoristas de táxi. Até hoje não encontrei um que não estivesse satisfeito com o modelo. Nenhum deles me pareceu explorado; na verdade, a sensação mais comum era de gratidão. Afinal, sem isso, estariam desempregados.

Não quero parecer Poliana. Sei que o Uber já disse que, no futuro, espera ter uma frota de carros-robôs, sem motorista. Mas isso ainda vai demorar um bom tempo, pois os tais carros ainda estão em testes preliminares. Até lá, os motoristas continuarão felizes.

Os críticos afirmam que o Uber ganha dinheiro sem risco e “sem fazer nada”. Essa é uma afirmação maniqueísta e rasa, pois a empresa atua justamente na camada do negócio onde está o real valor, como descrito mais acima. Sem isso, o que nos restaria seriam os taxistas, e os motoristas do Uber talvez estivessem desempregados.

São como Elton John, que, em 2007, propôs o fim da Internet, pois ela estaria “destruindo a indústria musical e as relações interpessoais”. Na verdade, ele reclamava porque não estava mais vendendo tantos CDs.

Gosto muito das músicas dele, mas prefiro ouvi-las no Spotify. Por outro lado, irei feliz ao seu próximo show!

Desde que eu perceba valor naquilo.


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