Web 2.0

A Internet está matando os críticos?

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Na sexta passada, conversava com uma grande consultora empresarial sobre o mercado e, em determinado momento, caímos na questão de como a Internet alterou todas as profissões. Talvez a mais afetada tenha sido o jornalismo, pois não apenas os seus produtos e seus modelos de negócios foram completamente modificados, como também a maneira de como ele é desempenhado é dramaticamente diferente do realizado antes da Web. Posso afirmar isso categoricamente, pois entrei na Folha de S.Paulo alguns anos antes disso, quando o máximo da globalização era o telex e a TV ligada na CNN. Estou satisfeito com tudo isso, pois sou absolutamente seguro de que foram mudanças para algo muito melhor, tanto para jornalistas quanto para os consumidores de seus produtos.

Nesse cenário, li hoje uma reportagem no Comunique-se sobre o II Congresso de Jornalismo Cultural, que está acontecendo em São Paulo. O texto tratava de um debate que aconteceu em torno de uma celeuma que sugere que a Internet ameaçaria o trabalho dos críticos (mais especificamente os culturais), pois abre espaço para que toda a sociedade se manifeste criticamente, diluindo o –digamos– “valor” desses especialistas.

Essa ideia já foi debatida aqui nesse blog, há pouco mais de um ano, por motivo do lançamento do livro “O Culto do Amador”, do cientista político britânico Andrew Keen. Para ele, a possibilidade de qualquer indivíduo ser capaz de publicar conteúdo na Internet pode destruir coisas boas que nossas sociedades construíram ao longo da História, pelo simples fato de colocar um “palpiteiro” em pé de igualdade com um “especialista”.

Bem, quais os ingredientes de um crítico? Não se trata de –mais uma vez– o acalorado e interminável debate sobre o diploma de Jornalismo, pois boa parte dos críticos profissionais não o tem. Trata-se de uma pessoa com sólida formação cultural e sobre tema específico, observação e inteligência aguçadas e amplo domínio das palavras.

Pelo menos, essa é a essência do que é necessário para exercer essa função. Mas os críticos profissionais, entrincheirados nos grandes veículos de imprensa, possuem outras características: não raramente, emitem a sua opinião como uma verdade incontestável da natureza, por meio de textos cortantes, amplificados pela penetração e credibilidade desses mesmos veículos. E isso não é ser crítico: é ser um boçal arrogante.

O filme Ratatouille termina com uma autocrítica de Anton Ego (nome sugestivo), na história, o maior crítico gastronômico da França. Esse final, uma obra-prima, traz Ego tomado por inédita humildade, depois de ser submetido a um contundente choque de realidade. O texto que escreve, que serve de fundo para as últimas cenas do filme (não deixem de ver no vídeo acima), ilustra brilhantemente esse meu pensamento.

Quero dizer que, ao longo da minha carreira, já passei pela Folha, pelo UOL, pela AOL, pela Info, pela Exame. Todos esses veículos me permitiram fazer coisas incríveis e certamente não apenas amplificaram a minha voz, como também legitimaram o que eu tinha a dizer. Hoje o meu único veículo é O Macaco Elétrico, onde escrevo apenas pelo prazer de exercer a minha habilidade crítica, humildemente esperando que isso seja útil aos internautas e aceitando, em contrapartida, suas críticas.

Por tudo isso, rejeito essa discussão que acontece no congresso hoje. É exatamente o contrário: a Internet está dando um espaço que os críticos jamais tiveram. Não aquelas poucas figurinhas carimbadas e arrogantes da grande imprensa, mas críticos anônimos, capazes de tecer comentários incríveis, com precisão, beleza e responsabilidade.

O crítico está morto! Viva o crítico!

Internet, essa “coisa malvada”

By | Tecnologia | 13 Comments
O Culto do Amador, que sugere que a Internet vai acabar com tudo

O Culto do Amador, que sugere que a Internet vai acabar com tudo

A Veja desta semana publicou uma resenha sobre o livro “O Culto do Amador”, do cientista político britânico Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a ferrenho crítico da Internet. Na obra, tenta demonstrar como a Internet e especialmente o que se convencionou chamar de Web 2.0 se transformaram em um Caixa de Pandora do século XXI, capaz de, como diz logo na capa, “destruir nossa economia, cultura e valores”.

Pelo raciocínio de Keen, a possibilidade de qualquer indivíduo ser capaz de publicar conteúdo na Internet é aterrador. Essa liberdade toda destruiria coisas boas que nossas sociedades construíram ao longo da História, colocando um palpiteiro em pé de igualdade com especialistas. E mais: a rede aparece como destruidora do direito autoral e até como responsável pela crise dos jornais nos EUA.

Bem, como diria uma velha professora, “calma com o andor, que o santo é de barro”. A Internet é uma ferramenta que de fato nos dá poder para amplificarmos tudo o que somos. E isso vale para o bem e para o mal. Mas o bem e o mal não foram criados pela Internet: colocamos nela apenas o que somos (toda a sociedade). A Grande Rede funciona apenas como um espelho disso.

Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a crítico da Internet

Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a crítico da Internet

Keen cita a Wikipedia como o exemplo acabado da vitória da massa ignorante sobre os especialistas. E isso é absolutamente tendencioso! Não quero parecer um deslumbrado que acha que a Wikipedia é a “perfeição pelas mãos de todos”, mas todas as enciclopédias erram. O autor não citou (talvez tenha se esquecido) estudo feito pela Nature, a revista científica mais séria do mundo (e conduzida por especialistas), que concluiu que a Wikipedia e a Enciclopédia Britannica possuem proporcionalmente a mesma incidência de erros e imprecisões. Também conta meias verdades quando diz que as pessoas navegam completamente anônimas, livres para cometer todo tipo de crime e barbaridade.

Qual seria a “solução” para isso? Aceitar a idéia que Elton John teve em 2007, propondo o fim da Internet, pois ela estaria “destruindo a indústria musical e as relações interpessoais”? Acho que não. Gosto das músicas dele e lamento que ele esteja vendendo menos CDs, mas sempre temos -todos nós- que nos adaptar a mudanças. A Internet é só mais uma.

Para arrematar, Keen compara a Web 2.0 ao conceito de que, se um grupo de macacos batucasse infinitamente sobre máquinas de escrever, eventualmente comporiam uma obra coerente algum dia. Bom, prefiro 30 obras coerentes de um milhão de macacos que apenas uma feita por cem biólogos do zoológico. É um direito dos macacos e eles têm algo a dizer.

Mas talvez eu seja um pouco suspeito ao defender macacos 😉