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Entregador dorme sobre seus jornais, em imagem tirada em 1935 – Foto: City of Toronto Archives/Creative Commons

Reação da mídia ao ChatGPT pode favorecer as fake news

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Nas últimas semanas, diversas empresas de comunicação impediram que seus conteúdos continuassem sendo usados para alimentar o ChatGPT. Elas argumentam –com razão– que seus produtos têm valor e que não estão sendo remuneradas pela melhoria que proporcionam involuntariamente à plataforma geradora de textos por inteligência artificial da OpenAI.

Entre os que decidiram promover o bloqueio, estão os jornais americanos The New York Times e The Washington Post, o britânico The Guardian, a rede de TV CNN, as agências de notícias Reuters e Bloomberg, além de diversos veículos europeus. Até a gigante de e-commerce Amazon decidiu fechar a porta para esse robô.

Apesar de seus argumentos legítimos, essa decisão pode favorecer a desinformação em um futuro breve. Os sistemas de inteligência artificial generativa tornaram-se um enorme sucesso, e as pessoas devem usá-los cada vez mais. Em uma situação extrema em que todos os produtores de bons conteúdos os neguem a essas plataformas, elas poderiam ficar restritas a sites dedicados a fake news e outros tipos de conteúdo de baixa qualidade para “aprender o que dizer” aos seus usuários.

Nesse cenário, o público poderia passar a consumir e a replicar o lixo desinformativo, em uma escala ainda maior que a já vista nos últimos anos. Seria terrível para o jornalismo –que luta para combater isso– e para a sociedade como um todo.


Veja esse artigo em vídeo:


Eu já vi uma história parecida antes. Quando foi criado, em 2002, o Google Notícias gerou protestos entre veículos de comunicação do mundo todo, que acusavam a empresa de se apropriar de sua produção para criar um concorrente. O Google Notícias sempre se defendeu, dizendo que fazia um “uso justo” de pequenos trechos dos veículos e que sempre enviava os leitores que clicassem nos seus links para a fonte da notícia.

Diante das reclamações, o Google criou um recurso para que os veículos impedissem que seu conteúdo fosse usado no Notícias. O problema é que isso também tirava os veículos do buscador, o que não era nada interessante para eles. Eventualmente as partes chegaram a acordos que permitiram que esse conteúdo continuasse sendo usado, enquanto o Google criava mecanismos de apoio ao jornalismo no mundo. Movimentos semelhantes também aconteceram com as principais redes socais.

No caso atual, há algumas diferenças significativas. Pela natureza da inteligência artificial generativa, ela sempre cria textos inéditos, a cada pedido dos usuários. Não há remuneração, referência e sequer um link para as fontes que foram usadas para o sistema escrever aquilo. Consequentemente não há nenhum ganho para os autores.

“Certamente as inteligências artificiais não produziriam o conteúdo que elas são capazes sem serem alimentadas com o conteúdo criado por humanos, que não autorizaram isso e que não estão sendo remunerados por isso”, explica Marcelo Cárgano, advogado de Direito Digital e de Proteção de Dados do Abe Advogados. “A grande questão, no final, é essa!”

No dia 6, 26 organizações do mercado editorial, inclusive a brasileira ANJ (Associação Nacional de Jornais), publicaram o documento “Princípios Globais para a Inteligência Artificial”. Ele traz regras que consideram essenciais para a prática do jornalismo frente ao avanço da inteligência artificial, cobrando o desenvolvimento ético da tecnologia e o respeito às propriedades intelectuais dos veículos.

Outra fonte de informação ameaçada pela inteligência artificial é a enciclopédia digital Wikipedia. Pela natureza mais perene de seus milhões de verbetes, as pessoas poderiam fazer perguntas a plataformas de IA ao invés de consultar suas páginas, o que já vem preocupando seus editores. Suprema ironia, uma das maiores fontes para o ChatGPT é a própria Wikipedia.

 

Atualidade e ética

Além da questão da falta de remuneração pelo uso de conteúdos alheios, há ainda o temor de que as plataformas de inteligência artificial acabem substituindo a Wikipedia e o próprio jornalismo.

Esse questionamento surgiu, na quarta passada, em uma mesa de debates da qual participei na Semana da Imprensa, promovida pelo jornal Joca, na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). O evento explica o jornalismo para crianças e adolescentes, o público do veículo.

Os participantes foram unânimes em negar essa possibilidade. O primeiro motivo é que esses sistemas, a despeito de seus melhores esforços, são imprecisos, cometendo muitos erros pela falta de uma verificação humana. Outro problema é que suas bases estão sempre desatualizadas (o ChatGPT só conhece fatos até setembro de 2021). Por fim, mas não menos importante, essas ferramentas não possuem qualquer iniciativa, ética ou transparência, essenciais a qualquer produto informativo.

“A função dos veículos de comunicação é particularmente importante para a democracia”, explica Cárgano, fazendo referência ao papel do jornalismo de promover debates críticos para a sociedade. “Mas eles também são empresas e têm que gerar lucro para sua própria viabilidade econômica”, acrescenta.

Toda essa confusão deriva do impacto que essa tecnologia já apresenta sobre pessoas e empresas. Ele é enorme, mas ainda pouco compreendido. Enquanto isso, todos buscam caminhos para aproveitar seus incríveis recursos, sem cair em possíveis armadilhas que podem surgir dela.

A decisão de impedir as plataformas de inteligência artificial de aprender com a sua produção pode ser ironicamente um “tiro no pé” do jornalismo. Se elas forem entregues a fontes de baixa qualidade, podem se tornar poderosas ferramentas de fake news, que fustigam os jornalistas e a própria imprensa como pilar que é de uma sociedade desenvolvida.

É preciso uma conscientização dos diferentes atores nesse processo. Do lado dos usuários, eles devem entender que a IA não é uma ferramenta que substitui o jornalismo ou mesmo um buscador, pois ela não garante a verdade no que produz. As empresas de inteligência artificial devem, por sua vez, melhorar ainda mais sua tecnologia, para corrigir as imperfeições existentes, e cuidar para não canibalizar suas próprias fontes, o que poderia, a médio prazo, inviabilizar seu próprio negócio.

As empresas de comunicação têm um papel fundamental na solução desse imbróglio. Obviamente elas precisam defender seus interesses comerciais, mas sem que isso crie riscos ainda inexistentes para o próprio negócio. Devem buscar uma compensação justa das plataformas de IA.

Vivemos em um mundo em que a verdade perde força diante de narrativas distorcidas por diferentes grupos de poder. Aqueles que a buscam deve se unir e somar as novas tecnologias às suas metodologias editoriais consagradas. Se forem bem-sucedidos nisso, todos ganharão!

 

O que ainda resta às editoras de livros didáticos?

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Tela do iBooks Author, software recém-lançado pela Apple que permite a qualquer um publicar livros digitais

Tela do iBooks Author, software recém-lançado pela Apple que permite a qualquer um publicar livros digitais

Segundo Arnaldo Saraiva, um dos maiores publishers do segmento, não lhes resta nada. Em carta publicada no blog de Luis Nassif ontem, ele constata que o advento do livro digital e a facilidade crescente para sua publicação permitem que o próprio autor crie as suas obras. E, segundo ele, “com qualidade superior aos das editoras”.

“O que uma editora de livros didáticos tem agora pra oferecer a seus autores”, pergunta o criador da área de didáticos da Editora Saraiva (além da Nova Geração e da AJS). Ele mesmo responde: “NADA, absolutamente NADA” (as letras maiúsculas são dele).

Bastou a carta ser publicada para acalorados debates pipocarem aqui e ali. Saraiva está sendo fatalista? Exagerado? As editoras nunca sumirão?

É curioso observar que as pessoas tanto mais discordavam dele quanto mais eram ligadas a essa mesma indústria. E não precisa ser gênio para explicar esse sentimento de autopreservação: ele está associado à resistência ao novo, especialmente quando quem está chegando se transforma em uma ameaça real. Isso se observa em todos os negócios e, no caso da indústria editorial, não apenas nos livros didáticos.

No caso específico da educação, algo que sempre me chamou a atenção é como as editoras menosprezam de maneira decisiva a Wikipedia, como se essa enciclopédia fosse totalmente constituída por verbetes escritos por trogloditas. E infelizmente os seus departamentos de marketing conseguiram incutir essa ideia nos educadores.

O fato é que a Wikipedia não é nada disso. Muito pelo contrário: apesar de, como qualquer obra, possuir imprecisões, ela é incrivelmente confiável, sem falar no volume inigualável de verbetes (normalmente mais completos que os de qualquer enciclopédia tradicional). Além disso, seus erros são equivalentes aos da aclamada Enciclopédia Britannica. E quem disse isso não fui eu: foi a Nature, provavelmente a publicação científica mais séria do mundo, que concluiu isso em estudo comparativo entre as duas enciclopédias.

O que está acontecendo com as editoras de livros didáticos acontece desde sempre. Toda nova tecnologia abre espaço para a substituição, com vantagens, de modelos aparentemente inabaláveis. Quem precisava de monges copistas depois que Gutenberg aperfeiçoou a prensa de tipos móveis? Ou de artesãos, quando os teares se uniram à máquina à vapor?

Ainda acompanhamos a tecnologia promovendo a queda inexorável de uma indústria extremamente sólida e lucrativa até há poucos anos: a fonográfica. Esse pessoal resiste bravamente a abandonar seu tradicional modelo de negócios, por mais anacrônico e ineficiente que tenha se tornado. Diante do seu imobilismo, preferem processar seus consumidores, ao invés de aprender com eles a se modernizar. Resultado: se já haviam sido abandonados pelos seus consumidores, agora começam a ser abandonados também pelos artistas, que podem viver melhor sem as gravadoras.

Reconheço e valorizo o trabalho dos profissionais que adequam os livros didáticos aos Parâmetros Curriculares Nacionais e às draconianas regras de aprovação para os Programas Nacionais do Livro Didático. Aposto que o Arnaldo também! Mas talvez o autores comecem a desenvolver essas habilidades, ou contratem diretamente os editores para lhes ajudar nessas tarefas. As empresas ficam de novo em xeque.

Em março de 2010, conversava sobre isso com um então diretor da Abril Educação. Lembro-me claramente de uma frase que disse: “se as editoras não se mexerem agora, em dez anos ninguém mais precisará de nós”.

Com a velocidade imposta pela tecnologia, talvez dez anos seja muito. Falou Saraiva.

Schwarzenegger quer trocar livros didáticos por conteúdo digital na Califórnia

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Entre as propostas para substituir o livro didático, Schwarzenegger menciona o Facebook, o Twitter e até o conceito de open source, tudo para diminuir o déficit de US$ 24 bilhões do Estado

Entre as propostas para substituir o livro didático, Schwarzenegger menciona o Facebook, o Twitter e até o conceito de open source, tudo para diminuir o déficit de US$ 24 bilhões do Estado

O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, mais conhecido pelos seus papéis no cinema que por suas ações políticas (pelo menos para os moradores de fora do mais populoso Estado americano), anunciou uma iniciativa que visa substituir os livros didáticos usados nas escolas californianas por conteúdo estritamente digital. Em uma palestra a alunos na cidade de Sacramento, o ex-Conan republicano classificou os livros como “antiquados, pesados e caros”. “A Califórnia é sede do Vale do Silício. Somos líderes mundiais de tecnologia e inovação, por isso devemos ter isto em mente”, afirmou.

A idéia não é uma iniciativa pedagógica: é uma maneira para se tentar reduzir o gigantesco déficit orçamentário do Estado, que bateu nos US$ 24 bilhões. Nos EUA, o preço médio de um livro didático gira entre US$ 75 e US$ 100. A Califórnia gastou US$ 350 milhões em livros no último ano letivo. A ideia é começar a substituição já no início do próximo ano letivo, que lá começa em agosto.

“As crianças estão familiarizadas com a música digital, além de assistirem a televisão e a filmes online, entrando no Twitter e participando do Facebook”, disse Schwarzenegger. Ele chegou a sugerir o uso de ferramentas como essas no processo pedagógico, mas sem dizer como. A iniciativa está sendo supervisionada pela CLRN (sigla em inglês para Rede de Recursos de Aprendizagem da Califórnia). As obras substitutas podem até mesmo ser criadas sob o conceito do open source, com a autoria sob responsabilidade de voluntários.

Não sei… Isso pode funcionar bem na criação de notícias e até de enciclopédias, cujo maior exemplo de sucesso é a Wikipedia, mas, considerando-se o altíssimo nível de exigência para o material didático, algo nessa linha dependeria de uma supervisão muito forte. É efetivamente difícil de ser produzido. Que o diga o Governo do Estado de São Paulo, diante das recentes mancadas, que custaram a cabeça da secretária da Educação anterior, Maria Helena Guimarães de Castro. Há também uma questão pedagógica que –quero crer– os educadores californianos estejam atentos: é muito importante para os alunos –especialmente os menores– “registrar”, escrever em papel de verdade.

Por outro lado, simpatizo com a ideia do governador-Mr. Universo. É verdade que os livros didáticos custam muito dinheiro, não apenas para os Estados, mas também para os pais dos alunos que têm que desembolsar anualmente uma boa grana antes do começo das aulas. Para a classe média, que vive no fio da navalha, isso chega a abalar o orçamento doméstico. Qualquer iniciativa que reduza essa conta é, portanto, digna de análise. Do lado do aluno, os livros pesam… literalmente. Eu me lembro do exercício diário que eu fazia para carregar esse conhecimento de casa para escola e vice-versa. As mochilas com rodinhas atenuam o problema e algumas escolas oferecem armários individuais para que seus alunos deixem lá seus livros, mas eles continuam “antiquados, pesados e caros”.

Assim, por mais bizarra que possa parecer à primeira vista, a idéia tem seus méritos. Tomara que dê resultados ou pelo menos indique um caminho até um novo formato de conteúdo didático. A escola precisa se modernizar –e muito!– tanto do ponto de vista pedagógico quanto organizacional. Nesse sentido, os livros como os conhecemos realmente podem perder o seu lugar.

Internet, essa “coisa malvada”

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O Culto do Amador, que sugere que a Internet vai acabar com tudo

O Culto do Amador, que sugere que a Internet vai acabar com tudo

A Veja desta semana publicou uma resenha sobre o livro “O Culto do Amador”, do cientista político britânico Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a ferrenho crítico da Internet. Na obra, tenta demonstrar como a Internet e especialmente o que se convencionou chamar de Web 2.0 se transformaram em um Caixa de Pandora do século XXI, capaz de, como diz logo na capa, “destruir nossa economia, cultura e valores”.

Pelo raciocínio de Keen, a possibilidade de qualquer indivíduo ser capaz de publicar conteúdo na Internet é aterrador. Essa liberdade toda destruiria coisas boas que nossas sociedades construíram ao longo da História, colocando um palpiteiro em pé de igualdade com especialistas. E mais: a rede aparece como destruidora do direito autoral e até como responsável pela crise dos jornais nos EUA.

Bem, como diria uma velha professora, “calma com o andor, que o santo é de barro”. A Internet é uma ferramenta que de fato nos dá poder para amplificarmos tudo o que somos. E isso vale para o bem e para o mal. Mas o bem e o mal não foram criados pela Internet: colocamos nela apenas o que somos (toda a sociedade). A Grande Rede funciona apenas como um espelho disso.

Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a crítico da Internet

Andrew Keen, que passou de empreendedor digital a crítico da Internet

Keen cita a Wikipedia como o exemplo acabado da vitória da massa ignorante sobre os especialistas. E isso é absolutamente tendencioso! Não quero parecer um deslumbrado que acha que a Wikipedia é a “perfeição pelas mãos de todos”, mas todas as enciclopédias erram. O autor não citou (talvez tenha se esquecido) estudo feito pela Nature, a revista científica mais séria do mundo (e conduzida por especialistas), que concluiu que a Wikipedia e a Enciclopédia Britannica possuem proporcionalmente a mesma incidência de erros e imprecisões. Também conta meias verdades quando diz que as pessoas navegam completamente anônimas, livres para cometer todo tipo de crime e barbaridade.

Qual seria a “solução” para isso? Aceitar a idéia que Elton John teve em 2007, propondo o fim da Internet, pois ela estaria “destruindo a indústria musical e as relações interpessoais”? Acho que não. Gosto das músicas dele e lamento que ele esteja vendendo menos CDs, mas sempre temos -todos nós- que nos adaptar a mudanças. A Internet é só mais uma.

Para arrematar, Keen compara a Web 2.0 ao conceito de que, se um grupo de macacos batucasse infinitamente sobre máquinas de escrever, eventualmente comporiam uma obra coerente algum dia. Bom, prefiro 30 obras coerentes de um milhão de macacos que apenas uma feita por cem biólogos do zoológico. É um direito dos macacos e eles têm algo a dizer.

Mas talvez eu seja um pouco suspeito ao defender macacos 😉