Monthly Archives: maio 2022

O CEO do Google, Sundar Pichai (no canto inferior esquerdo), apresenta o protótipo do novo Glass no Google I/O 2022, no dia 11 de maio

Google aponta alternativa ao metaverso com a realidade aumentada

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Nos últimos minutos de uma palestra de duas horas que abriu a conferência Google I/O no dia 11 de maio, o CEO da empresa, Sundar Pichai, apresentou brevemente a proposta da nova versão de um produto que deu bem errado há alguns anos: o Google Glass. Apesar de ter ocupado muito menos espaço que os outros produtos exibidos ali, o fato de ela encerrar a apresentação é emblemático.

O Google costuma usar seu evento anual para desenvolvedores como um espaço para apresentar conceitos que ficarão no imaginário das pessoas e eventualmente se tornarão produtos de fato. Dessa vez, o anúncio oferece uma alternativa ao metaverso, ideia que vem sendo martelada por Mark Zuckerberg, que até trocou o nome de sua empresa de Facebook para Meta.

Caminhamos a passos largos para uma vida digital mais imersiva. O “novo Google Glass” ainda é um protótipo, mais próximo de um desejo que de algo comercial. Ainda assim, ele abre incríveis possibilidades tecnológicas. Resta saber se a empresa conseguirá contornar os problemas da malfadada versão original, especialmente os ligados à invasão de privacidade.


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O Google Glass foi lançado em 2013, aproveitando o movimento da indústria de tecnologia na época em favor de produtos inteligentes sem botões. Ele era um projeto pessoal de Sergey Brin, cofundador da empresa, que propunha a habilidade de fazer chamadas sem o smartphone, tirar fotos e gravar vídeos de maneira fácil e consultar páginas da Web, que eram projetadas em uma minúscula tela diante do olho direito.

As inovações tecnológicas e a expectativa criada em torno do Google Glass indicavam que ele seria mais um grande sucesso da empresa. Mas uma série de problemas o transformaram em um fracasso retumbante, sendo descontinuado em 2015.

Para começar, por que pagar US$ 1.500 por algo que ninguém sabia direito para que servia e cuja bateria durava apenas três horas? O pouco que o Glass oferecia poderia ser feito com vantagens até por smartphones. Além disso, o produto era considerado feio ou, no mínimo, não combinava com a maneira de as pessoas se vestirem.

Mas um dos maiores problemas eram as questões ligadas à invasão de privacidade. Uma câmera apontando continuamente para si incomodava os interlocutores, ainda mais quando o usuário podia tirar fotos e até gravar vídeos sem que a outra parte soubesse. Havia ainda o temor que o equipamento fosse invadido por hackers

Talvez fosse um produto à frente do seu tempo, entretanto o mais provável é que ele foi lançado com uma euforia tecnológica que não considerou os impactos que aquilo poderia ter na vida das pessoas. Agora o Google tem muito mais maturidade tecnológica para lançar um produto mais útil e consistente. Mas permanece a pergunta que deve ser feita diante de toda nova tecnologia: seus benefícios superam eventuais problemas que ela traz?

A empresa parece ter aprendido com os erros do Glass original. Ao contrário daquela utilidade questionável, a nova versão apresentada estava focada na solução de uma necessidade real. “A língua é fundamental para conectar um ao outro. Ainda assim, entender alguém que fala uma língua diferente ou tentar conversar se você for surdo ou tiver dificuldade de escutar pode ser um verdadeiro desafio”, disse Pichai na apresentação. Por isso, o novo Glass capta o áudio do interlocutor e apresenta legendas com a tradução projetada na lente do óculos.

 

Realidade aumentada e metaverso

Existe uma diferença fundamental entre os conceitos de metaverso, como o da Meta, e o de realidade aumentada, como o do Google Glass. O primeiro significa estar imerso em uma realidade que não existe, em um ambiente totalmente digital. É como estar dentro de um game, e não interagindo com ele “de fora”. Já a realidade aumentada projeta elementos digitais em nossa realidade, permitindo que se interaja com eles como se realmente existissem.

O metaverso é mais simples de ser compreendido, pois já existem produtos que bebem dessa fonte há duas décadas. O mais conhecido deles é o Second Life, lançado em 2003 e que ainda existe, apesar de hoje ter proporcionalmente poucos usuários.

A proposta de Zuckerberg agora acrescenta imersão nesse ambiente digital, graças a dispositivos como óculos de realidade virtual. Considerando os bilhões de dólares que a empresa vem investindo na tecnologia, não é uma questão de “se”, mas de “quando” ela será oferecida com tudo que vem sendo apresentado. Talvez a maior barreira seja a popularização dos dispositivos de realidade virtual, ainda muito caros para as massas.

A realidade aumentada, por sua vez, causa um impacto ainda maior, pois não somos nós que “entramos” no mundo digital, e sim elementos virtuais que “invadem” nosso mundo, permitindo sua manipulação. Filmes e séries têm abusado desse recurso, para demonstrar futurismo.

É o caso da interface usada pelo personagem Tony Stark, em alguns dos filmes do “Homem de Ferro”, da Marvel. Muita gente sai dos cinemas querendo poder usar o recurso! Mas propostas bem ousadas também existem no mudo real, como as apresentadas pela Microsoft já há alguns anos, em torno de produtos seus como os óculos HoloLens.

Muitas outras empresas também tentam fincar sua bandeira nesse terreno, como o Snapchat, que oferece seus óculos Spectacles, criados para que as pessoas compartilhem fotos e vídeos, com uma nova versão oferecendo também recursos de realidade aumentada. E não se pode esquecer da Apple, que promete para breve seus próprios óculos com esse recurso.

Talvez o Google Glass original tenha sido um fracasso comercial, mas ele permitiu que pensássemos nos problemas potenciais de uma tecnologia como essa. Isso abriu caminho para melhores serviços de realidade aumentada e o próprio metaverso. O que não quer dizer que eles já tenham sido todos resolvidos.

A questão da privacidade ainda está em pauta, aguardando regulamentação das empresas e até de legislações para se evitar abusos. Além disso, alguns especialistas temem que, com mundos digitais cada vez mais imersivos e personalizáveis, muitas pessoas passem a recorrer a eles como uma fuga de seus problemas reais, quase como se fossem um novo tipo de droga.

Não há dúvida que caminhamos para isso. As realidades virtual e aumentada trazem incríveis possibilidades para melhorar nossas vidas e, a despeito dessas preocupações, quanto mais imersivas forem, mais poderosas e divertidas ficarão.

Portanto, querer “resistir” a isso não faz muito sentido. O que precisamos é entender e nos apropriar de todos os seus benefícios e controlar seus riscos.

 

Elon Musk, que decidiu suspender temporariamente a compra do Twitter para saber quantos usuários falsos existem na plataforma

Por que usuários falsos incomodam Elon Musk e atrapalham nossas vidas

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Elon Musk, o homem mais rico do mundo, adora aparecer na mídia. Desde o dia 25 de abril, quando formalizou sua proposta de compra do Twitter por US$ 44 bilhões, ele não sai do noticiário. No dia 13, ele acrescentou mais um capítulo nessa novela, dizendo que havia suspendido temporariamente o negócio, até ter certeza sobre a quantidade de usuários falsos na plataforma. Muita gente não vê problemas nisso, mas esses perfis atrapalham os negócios de qualquer rede social e pioram muito a vida de todos nós.

Longe de ser um problema restrito a essas plataformas digitais, os usuários falsos se transformaram em um câncer social, justamente pelo poder de convencimento que elas têm sobre bilhões de pessoas. Suas ações podem literalmente distorcer a realidade, legitimando verdadeiros absurdos.

Portanto, goste-se ou não das ideias de Musk por trás de sua compra do Twitter, esse recuo do bilionário no negócio pode ser educativo.


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“O acordo com o Twitter está suspenso temporariamente aguardando detalhes que sustentem o cálculo de que spams/contas falsas de fato representam menos de 5% dos usuários”, disse Musk em um tuíte.

Essa estimativa é do próprio Twitter, mas especialistas acreditam que essas contas falsas possam chegar a 30% do total da base. O próprio Musk ventilou recentemente a possibilidade de que mais de 90% dos usuários do Twitter sejam contas falsas. Isso seria uma tragédia, mas demonstraria o tamanho do problema.

No primeiro trimestre, o Twitter reportou 229 milhões de usuários ativos diariamente, 15,9% a mais que há um ano. Só que, quanto maior a porcentagem de contas falsas, menos atraente a plataforma fica para anunciantes. Por isso, Musk quer mais detalhes desses números da plataforma. Analistas acreditam que ele possa até pedir um desconto sobre o valor oferecido pela compra.

Por trás dessa preocupação de Musk, existe uma indústria que polui as conversas e atrapalha a vida de quem busca um engajamento honesto nas redes sociais. Ela se divide entre bots (sistemas que controlam perfis como se fossem pessoas) e trabalhadores reais que controlam centenas de contas falsas. As duas modalidades têm o mesmo objetivo: gerar artificialmente uma enorme quantidade de interações para quem os contrata.

Isso é resultado dos algoritmos das redes sociais. Nada faz um assunto, pessoa ou empresa ficar tão popular quanto um alto engajamento (seguir perfis, curtir ou comentar publicações). Por isso, algumas empresas descobriram que poderiam oferecer esse serviço àqueles que desejassem colher frutos de grandes exposições digitais.

A prática é proibida por todas as redes sociais. Elas possuem algoritmos para identificar esses perfis inautênticos, eliminando sumariamente todos que encontra. Até os perfis de quem contrata esses serviços podem ser penalizados, com perda de relevância, suspensão e até bloqueio definitivo.

É por isso que contas falsas controladas por pessoas são mais valorizadas que as por bots. Ainda assim, como esses trabalhadores ganham das “fazendas de cliques” que os contratam apenas milésimos de real por cada interação, eles se veem forçados a operar centenas de contas e automatizar as tarefas, para que tenham um ganho razoável. Isso acaba aumentando o risco para eles mesmos e para quem os contrata.

Portanto, o sucesso desse trabalho passa por criar contas e interações que se pareçam legítimas. Nas próprias redes, há muitas dicas para isso. Existe até um negócio derivado dele, que são empresas dedicadas a criar perfis que se pareçam legítimos.

Uma das dicas que circulam por aí é não usar fotos de pessoas reais, e sim imagens geradas por inteligência artificial, evitando o crime de falsa identidade. Os defensores da prática dizem que assim os perfis não seriam falsos. Mas isso é como dizer que uma nota de R$ 300 é legítima só porque foi impressa em casa, depois de ter sido criada no Photoshop.

 

Distorção da realidade

As redes sociais combatem essa prática porque contraria os interesses de seu negócio. Todas elas faturam milhões entregando publicidade a quem têm grande chance de comprar o produto anunciado. Sua assertividade depende da coleta de informações de cada um de seus usuários, o que é feito pelas interações de todos e pelo cruzamento de dados de usuários.

As contas falsas atrapalham isso porque podem confundir os algoritmos nessa coleta, diminuindo a efetividade dos anúncios. Além disso, contas falsas e bots não compram nada! Por isso, ambos tornam as plataformas menos atraentes para os anunciantes.

Para os usuários, essa turma também provoca pesados prejuízos. Na semana passada, em uma aula sobre fake news que ministrei na pós-graduação em Direito Digital e Compliance da Damásio Educacional, expliquei que os algoritmos das redes sociais tentam nos mostrar conteúdos que consideremos interessantes, para que continuemos usando a plataforma. Mas a ação desses fakes faz com que deixemos de ver aquilo que nos interessaria para ver o que desejam políticos, empresas e qualquer um que queira nos convencer de algo.

Isso é um grande negócio para eles! As plataformas digitais ocupam hoje um espaço tão central em nossas vidas, que a massificação de qualquer ideia em suas páginas transforma em uma aparente verdade mesmo uma completa bobagem. E assim as massas são manipuladas de maneira sem precedentes, colocando em risco a democracia e até a sociedade organizada.

Isso não é pouca coisa, nem algo que possamos ignorar candidamente. Os fakes estão efetivamente tornando nossa vida pior!

Combater isso é, portanto, papel de todos. As redes sociais já fazem isso, até mesmo porque seu negócio está em jogo. Mas elas precisam se esforçar ainda mais!

Por outro lado, quem contrata esses serviços deveria parar de fazer isso. Sim, eu sei que isso seria pedir demais deles! Afinal, entre os principais apoiadores dessa indústria, estão políticos, celebridades, influenciadores digitais e até pequenas empresas. Todos querem aumentar seus negócios pela exposição artificial nas redes. Mas, ao fomentar essa prática, pervertem o próprio funcionamento das plataformas, prejudicando a sociedade.

As agências que contratam influenciadores também têm um papel importante na solução do problema. Hoje privilegiam pessoas com grande quantidade de seguidores e curtidas, ignorando a qualidade não só do que se publica, mas das conversas que podem ser geradas a partir disso. Quase como uma regra, quanto maiores essas “métricas vazias”, piores as conversas e vice-versa. E, para uma marca que busca construir uma boa reputação, boas conversas com seu público são essenciais.

Quanto a nós, os usuários, também podemos colaborar para a construção de uma vida digital melhor para todos. Em primeiro lugar, devemos desenvolver uma desconfiança saudável sobre o que consumimos nas redes.

Se algo lhe provoca emoções muito intensas, verifique se aquilo é verdade antes de curtir e principalmente de compartilhar. Denuncie conteúdos e perfis falsos. Por outro lado, valorize aqueles que se esforçam para construir uma presença verdadeira e propositiva nas redes: esses são os verdadeiros influenciadores!

Ao formalizar seu desejo de comprar o Twitter, Musk disse que a rede seria “a praça digital em que tudo que importa para a humanidade é debatido”. Isso é parcialmente verdade. Do jeito que está, o que aparece ali é movido pelo que importa a uns poucos, que manipulam milhões!

Precisamos resgatar essa “praça”, para voltar a ser um espaço saudável de trocas legítimas, deixando de lado o atual espaço para carnificinas digitais.

 

Colapso das criptomoedas mostra que elas não servem para quem tem coração fraco

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Não há grandes ganhos sem grandes riscos. Essa máxima se aplica perfeitamente às criptomoedas, que têm no Bitcoin sua maior estrela. Mas o colapso desse mercado na semana passada demonstra que o investimento em moedas digitais não funciona para qualquer um.

A cotação do Bitcoin despencou para o valor mais baixo desde 2020. A TerraUSD, outra criptomoeda que se promove como “estável”, entrou em colapso. Quando a poeira baixou, cerca de US$ 300 bilhões (mais que R$ 1,5 trilhão) tinham evaporado em poucos dias.

Portanto, se a essa altura você ainda se pergunta se deve ou não investir em criptomoedas, a resposta provavelmente é não! Mas isso não quer dizer que elas sejam ruins.


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No pânico dos últimos dias, o Bitcoin despencou 60% frente ao que valia em novembro. O Ether, outra criptomoeda popular, perdeu mais de 30% de seu valor na semana.

Grandes ganhos e perdas fazem parte desse jogo. Mas esse tombo foi muito amargo porque agora há muito mais gente investindo nisso. O instituto Pew Research Center calculou que hoje 16% dos americanos têm algum dinheiro empenhado em criptomoedas; em 2015, era apenas 1%. Isso quer dizer que quase 53 milhões de pessoas, isso considerando apenas os EUA, perderam proporcionalmente muito dinheiro na semana passada.

Como qualquer outro investimento de risco, para minimizá-lo, é preciso estar atento a diversos sinais do mercado que podem impactar a confiança no ativo. É por isso que os grandes investidores perdem proporcionalmente menos que os “amadores”, que não podem ou simplesmente não querem ficar se preocupando com isso.

Nesse caso, os sinais foram a inflação acima do normal, o aumento das taxas de juros em vários países e incertezas pela guerra na Ucrânia. Tudo isso fez investidores tirarem dinheiro de investimentos de risco (como ações nas bolsas), correndo para os mais seguros. Consequentemente, o valor de tudo caiu. A situação das criptomoedas foi a mais dramática justamente por serem mais arriscadas que praticamente qualquer outro investimento, pois não são garantidas por nenhum governo ou instituição.

Para entender melhor, esses fatores de risco provocaram uma espécie de efeito dominó no ecossistema das criptomoedas. Ele depende da confiança que as pessoas têm nele: se ela for comprometida, a coisa toda desmorona.

Para aumentar essa confiança, foram criadas algumas criptomoedas que prometem ser mais estáveis, por serem lastreadas (garantidas) por ativos reais e considerados seguros, como dólar, ouro ou títulos do Tesouro Americano. Por isso, elas são conhecidas como “stablecoins” e seu valor não sofre grandes flutuações. Muitos investidores as usam para fazer transações com outras criptomoedas.

Acontece que surgiram algumas “stablecoins” que não são tão estáveis assim. É o caso do TerraUSD. Ao invés de estarem atreladas a um ativo real e seguro, elas usam uma engenharia financeira complexa para manter seus valores estáveis, apoiando-se em outras criptomoedas.

No caso do TerraUSD, ela é vinculada à Luna, cujo valor evaporou no começo da semana. Isso iniciou a reação em cadeia e, a partir daí foi um banho de sangue, motivado pelo pânico dos investidores, que começaram a vender suas criptomoedas!

É como se você dissesse que inventou uma coisa para garantir outra coisa que você inventou: só funciona se todo mundo acreditar o tempo todo.

 

Dinheiro “do nada”

As criptomoedas surgiram em 2009, quando Satoshi Nakamoto lançou o Bitcoin como uma maneira de se realizar transações sem depender do sistema financeiro tradicional, como os bancos. Ao invés disso, todas as transações seriam garantidas por uma tecnologia chamada blockchain, uma espécie de livro-razão digital replicado em milhares de computadores e praticamente a prova de fraudes.

Talvez a maior de todas as ironias é que Satoshi Nakamoto é um pseudônimo. Ninguém sabe ao certo quem é ele. Alguns especulam até que seria um grupo de pessoas.

O fato é que ele atingiu seu objetivo de criar um método de transações totalmente independente. Mas isso trouxe alguns problemas, como ser um dinheiro completamente irrastreável, criando uma incrível ferramenta para, entre outras atividades lícitas, muitos crimes financeiros.

Isso também atraiu o interesse de investidores vorazes, que compram e vendem grandes quantidades das criptomoedas, responsável pela volatilidade gigantesca e sem precedentes em qualquer investimento. Vale lembrar que, por isso mesmo, nenhuma criptomoeda é garantida por governos ou instituições financeiras. Em outras palavras, se o investimento de uma vida de alguém derreter instantaneamente, não terá a quem recorrer.

Os entusiastas das criptomoedas afirmam que não há motivo para pânico, que esse derretimento do mercado é uma prova de que a tecnologia e o próprio conceito funcionam e que as perdas gigantescas serão recuperadas, em algum momento (não definido), por grandes ganhos, como de costume.

Já os críticos aproveitaram para reforçar que os bancos centrais precisam, de alguma maneira, criar regras para regular transações em criptomoedas, para proteger os investidores (especialmente os pequenos) e o próprio sistema financeiro. Afinal, qualquer país entraria em colapso se as pessoas deixassem de acreditar em seu dinheiro e passassem a operar apenas em criptomoedas.

Com tudo isso, não digo que criptomoedas sejam um mau negócio. Da mesma forma, não estou sugerindo que ninguém deva investir nelas ou mesmo usá-las como meio de pagamento.

Meu ponto aqui é que, para a imensa maioria da população, são necessárias informação e ajuda capacitada e ética para se investir em criptomoedas. Sem isso, para essas pessoas, seria como passar da piscina infantil para o surfe mais radical do planeta, achando que isso acrescentaria apenas um pouco mais de emoção ao que se estava acostumado.

Não há salva-vidas nesse mercado!

 

Cassie Kozyrkov, cientista-chefe de decisões do Google, na palestra de abertura do World Summit AI Americas, no dia 4 de maio

Uma inteligência artificial sem ética pode arruinar a sociedade

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Graças a crescente simbiose com sistemas digitais, nossas decisões cotidianas são influenciadas por eles. O que pouca gente sabe é que, da mesma forma, nós influenciamos as máquinas. Na verdade, graças à inteligência artificial cada vez mais disseminada nesses sistemas, elas efetivamente aprendem conosco. Mas será que estamos sendo bons professores?

A pergunta pode parecer sem sentido, mas embasa um dos temas mais quentes hoje para quem trabalha com inteligência artificial: a ética desses sistemas. Plataformas de IA desenvolvidas de maneira displicente podem ser mais suscetíveis a aprender e a perpetuar coisas ruins. A ironia –e possivelmente o grande risco disso– é que, se elas aprenderem isso de gente preconceituosa, passarão adiante o erro para outras pessoas, por sua vez influenciadas por esses sistemas.

Em outras palavras, uma inteligência artificial cheia de vieses e preconceitos pode piorar –e muito– a sociedade.


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Isso obviamente não quer dizer que a inteligência artificial seja ruim ou perigosa. Mas a preocupação da comunidade científica e de desenvolvimento com os vieses na inteligência artificial é tão grande, que foi um dos assuntos que mais ouvi na semana passada, durante minha visita a Montréal (Canadá) para participar do World Summit AI Americas, um dos maiores eventos do setor no mundo. Além do congresso, também fiz trocas muito ricas sobre o assunto em visitas a várias empresas e instituições de pesquisa, organizadas pela Câmara de Comércio Brasil-Canadá e pela Empathy Company.

Na palestra de abertura do Summit, Cassie Kozyrkov, cientista-chefe de decisões do Google, questionou o que faz da inteligência artificial uma tecnologia potencialmente mais perigosa que outras. Segundo ela, “sempre que você fica maior, é mais fácil você pisar nas pessoas a sua volta”. E a IA já está bem grande. “Não seja negligente na escala”, alertou.

Kozyrkov explicou que, ao contrário de uma programação convencional, em que o desenvolvedor determina explicitamente tudo que a máquina deve fazer em incontáveis linhas de código, na inteligência artificial, a plataforma recebe regras amplas para oferecer boas soluções para um problema. Para conseguir isso, ela é alimentada com conjuntos de dados, que servirão para que tome suas decisões.

O problema é que, se esses dados forem ruins, as decisões também serão ruins. Por isso, a plataforma precisa ter outras regras para corrigir o rumo se algo der errado. Segundo a cientista, quando os exemplos apresentados à máquina forem inadequados, sem uma validação de sua qualidade, a plataforma desenvolverá vieses. “Você precisa testar rigorosamente e construir redes de proteção”, sugere.

Podemos fazer uma analogia com a maneira como uma criança aprende. Se ela for constantemente exposta a exemplos ruins, ela aprenderá e reproduzirá isso quando crescer. Por exemplo, se uma criança cresce em uma família racista, existe grande chance de se tornar um adulto racista, pois esse preconceito terá sido normalizado em sua maneira de pensar.

Um dos exemplos mais emblemáticos do problema foi a ferramenta Tay, lançada pela Microsoft em março de 2016. Ela estava por trás de uma conta no Twitter, que simulava uma adolescente criada para conversar com os usuários. Mas a conta ficou no ar por apenas 24 horas! Tudo porque, nesse curto período, depois de conversar com milhares de pessoas (muitas delas mal-intencionadas), ela desenvolveu uma personalidade racista, xenófoba e sexista. Por exemplo, Tay começou a defender Adolf Hitler e seus ideais nazistas, atacar feministas, apoiar propostas do então candidato à presidência americana Donald Trump e se declarar viciada em sexo.

A Microsoft tirou o sistema do ar, mas o perfil no Twitter ainda existe, apesar de ser agora restrito a convidados, não ter mais atualizações e de os piores tuítes terem sido excluídos. Sua manutenção visa promover a reflexão de como sistemas de inteligência artificial podem influenciar pessoas, mas também ser influenciados por elas.

 

IA enviesada nos negócios

A inteligência artificial está presente em dezenas de sistemas que usamos todos os dias, melhorando suas capacidades. Sem ela, os benefícios que nossos smartphones nos oferecem seriam bem mais limitados. Da mesma, forma, ela está presente em plataformas empresariais. E os vieses também podem surgir nesse caso.

Uma das empresas que visitei em Montréal foi o escritório local da agência Thomson Reuters. No encontro, Carter Cousineau, vice-presidente de Data & Model Governance, e Glenda Crisp, líder de Data & Analytics, trouxeram problemas conhecidos da IA nos negócios, como os de sistemas de recrutamento. Ao analisar milhares de currículos para uma vaga, eles podem deixar de fora os melhores profissionais, por vieses que desenvolveram, por exemplo, sobre idade, gênero ou raça dos candidatos.

Para tentar minimizar casos como esse, o Conselho da Cidade de Nova York criou, no fim de 2021, uma lei que exige auditorias externas de algoritmos usados por empresas para contratação ou promoção de funcionários. Também passa a ser obrigatório informar o uso de inteligência artificial nos processos seletivos. Leis semelhantes em diversos países estão sendo criadas, abrangendo também áreas como educação, saúde e habitação.

A adoção da inteligência artificial é um caminho sem volta, que pode trazer grandes resultados para empresas e pessoas. Em outra palestra no Summit, Krish Banerjee, diretor de Data, Analytics & Applied Intelligence da consultoria Accenture, afirmou que 84% dos executivos sabem que precisam investir em IA para atingir seus objetivos e que 75% acreditam que, se não fizerem isso nos próximos cinco anos, podem ser colocados para fora do mercado.

É claro que sim! A inteligência artificial permite a qualquer um ter incrível ganho na velocidade e na qualidade das informações para seu cotidiano. Para indivíduos, isso pode representar uma vida melhor em diferentes aspectos. No caso de empresas, isso pode se refletir em produtos mais alinhados às necessidades do mercado, melhores métodos de produção e clientes mais satisfeitos.

A inteligência artificial precisa, portanto, dos seres humanos! Ela deixa claro a parceria que criamos com as máquinas. Se quisermos que ela nos ajude, precisamos ajudá-la a aprender com bons exemplos, ou seja, dados de qualidade. Nem mesmo a plataforma mais bem desenvolvida será capaz de dar resultados satisfatórios se pessoas não atuarem ativamente na curadoria das informações que a alimenta, eliminando os vieses.

“A inteligência artificial não é mágica, não pode ler sua mente”, provocou Kozyrkov no Summit. Se fizemos a nossa parte nesse acordo, a tecnologia pode nos oferecer grandes ganhos. Mas, se não instruirmos bem essa criança, ela pode arruinar a sociedade.

 

O multibilionário Elon Musk, que comprou o Twitter por US$ 44 bilhões, para, em suas palavras, “restaurar a liberdade da expressão”

O inferno são os outros

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A liberdade nunca esteve tão em alta, pelo menos na boca do povo. Mas paradoxalmente ela nunca foi tão maltratada e usurpada. Quanto mais se apoderam dela, mais as pessoas esquecem seu real significado.

Na semana passada, um dos assuntos mais comentados foi a compra do Twitter por Elon Musk, que pagou US$ 44 bilhões pela plataforma do passarinho azul. A sua principal motivação teria sido, como disse, “restabelecer a liberdade de expressão na rede”. Para o homem mais rico do mundo, isso significa que nada publicado nas redes deve sofrer qualquer tipo de moderação.

Isso seria verdade se vivêssemos em uma sociedade utópica, em que todos aproveitassem desse benefício de maneira responsável e civilizada. Mas estamos muito longe disso, e, aos nossos olhos, a culpa parece ser sempre dos outros.


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Todos nós temos nossas Ideias, nossas vontades, nossos valores. É natural que queiramos que os outros concordem pelo menos com parte disso tudo, seja porque entendemos que isso seria melhor para todos, seja porque exercitamos o nosso egoísmo. Mas isso simplesmente não vai acontecer, porque cada um tem as suas “verdades”, que acabam conflitando com as nossas em algum ponto. É um “beco sem saída filosófico”.

As redes sociais têm um papel determinante nessa incapacidade crescente de lidar de maneira equilibrada e construtiva com as ideias dos outros. Seus algoritmos reforçam nossos valores e até preconceitos, ao nos colocar em contato com muitas pessoas que pensam da mesma forma que nós. Isso faz com que tenhamos uma falsa certeza de que nossa visão de mundo é a correta, tornando-nos intolerantes e até agressivos.

Gostaríamos de não ser incomodados e vivermos de acordo com o que acreditamos. Mas o jornalismo, por exemplo. insiste em nos mostrar que o mundo não dá a mínima para nossas vontades, e que temos que aprender (ou reaprender) a conviver em harmonia dentro da sociedade.

Batemos no peito para dizer que nossa opinião deve ser ouvida, porque ninguém mais seria o “dono da verdade”. Só que isso é mais uma das falácias espalhadas nas redes sociais por aqueles que se beneficiam dessa cacofonia digital infinita.

Sempre existiram “donos da verdade”, que são pessoas, empresas e instituições com grande reputação, construída ao longo de anos e com muito esforço, e uma extensa ficha de serviços prestados à sociedade. E eles continuam existindo! Sua credibilidade não pode ser simplesmente descartada porque afirmam coisas das quais discordamos.

Jornalistas, professores, universidades e muitos outros continuam tendo um papel fundamental para a manutenção da vida. Aqueles que os criticam são os mesmos que, diante de sua incapacidade de produzir Ideias críveis e positivas para a sociedade, precisam destruir todos aqueles que fazem isso, para que criem uma “tabula rasa” sobre a qual imporão suas vontades sobre as massas.

Isso me lembra de quando Umberto Eco recebeu, em junho de 2015, o título de doutor honoris na Universidade de Turim (Itália). Na ocasião, o escritor e filósofo italiano disse que as redes sociais haviam dado voz a uma “legião de imbecis” e que “agora eles têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel”. Afirmou ainda que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”

Ele estava certíssimo! Quando a desinformação ainda não havia se transformado em uma ferramenta de controle de massas em escala industrial, ele já antecipou o que estava por vir.

 

As bases da civilização

O historiador israelense Yuval Noah Harari afirma que o ser humano só alcançou a dominância do planeta por ser o único ser vivo com a capacidade de acreditar em desconhecidos para construir algo com eles.

A isso, damos o nome de sociedade! Do jeito que as coisas vão, estamos perdendo esse recurso, colocando, portanto, o próprio conceito de sociedade em risco.

O que se vê é um número crescente de pessoas que confundem liberdade, com libertinagem. Quando todo mundo faz o que bem entende, sem respeitar leis ou regras, e principalmente sem respeitar a liberdade do próximo, a sociedade começa e a derreter, dando espaço a uma anarquia.

Não é um conceito difícil de entender. De fato, isso é algo que aprendemos na escola: “a sua liberdade termina quando começa a liberdade do outro”. Ou, se preferir, “não faça com o outro o que não gostaria que fizessem a você”.

Esse é um conceito basilar em qualquer grupo organizado no mundo, e vinha funcionando bem nos últimos séculos. É claro que sempre houve aqueles que descaradamente desrespeitavam isso em benefício próprio, apropriando-se dos direitos alheios para aumentar os seus. Mas agora as redes sociais permitiram que eles se multiplicassem e se tornassem incrivelmente poderosos.

Espero que esse momento que estejamos vivendo seja apenas mais um desses “desvios de conduta em massa”, e que consigamos, em breve, resgatar uma convivência civilizada e equilibrada. Para isso, precisamos também das redes sociais.

Esse é o motivo de tanta gente estar preocupada com o que Elon Musk realmente fará com o Twitter. Mas, apesar de suas manifestações na própria rede, tudo o que os diferentes grupos ideológicos dizem sobre o tema não passa de especulação. Musk não tomará ações que levem a plataforma à ruína. Além disso, mesmo com o Twitter tornando-se uma empresa de um único dono, ela continuará sendo regulada e pressionada pelos órgãos de justiça do mundo todo, especialmente dos Estados Unidos, onde fica a sua sede. E essas instituições já deixaram claro que a liberdade deve ser preservada, desde que as redes sociais não se tornem uma terra sem lei.

Enquanto não soubermos o que Musk efetivamente fará com o Twitter quando for capaz disso, precisamos fazer a nossa parte para nos salvar de nós mesmos. Não podemos continuar achando que tudo é culpa dos outros e –pior ainda­– que nós estamos sempre certos e que os outros estão sempre errados. De maneira geral, a verdade está sempre em algum ponto no meio do caminho entre os vários extremos.