Será que temos que atender todos que poderiam ser nossos clientes?
Por mais paradoxal que possa parecer, não necessariamente!
Veja por exemplo o que está acontecendo com a entrega do Imposto de Renda, cujo prazo termina nesta terça, e é feita apenas online há uma década.
Veja esse artigo em vídeo:
Mesmo com o prazo estendido em dois meses por causa da pandemia do Covid-19, a Receita Federal informou, na sexta passada, a apenas 4 dias do fim do prazo, que cerca de 8 milhões de contribuintes ainda não tinham enviado a sua, equivalente a cerca de 25% das 32 milhões de declarações que o órgão espera receber neste ano.
Manter um canal de atendimento implica em diversos custos. No caso de um negócio, precisamos identificar se as receitas geradas pelas pessoas atendidas por ele valem a pena. Às vezes, elas não cobrem nem suas despesas. Isso pode impactar também o produto em si. Você pode criar um bastante dependente no meio digital, como no caso da entrega do Imposto de Renda. Só que há uma parcela considerável de pessoas que não se sentem totalmente à vontade online. Como elas ficam?
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Alguns poderiam dizer que essa demora na entrega da declaração do IR se trata do velho hábito do brasileiro de deixar tudo para última hora. Para muitos, pode ter sido isso mesmo. Mas não para todos!
Muitos ainda não declararam por dificuldade de juntar todas as informações necessárias por não poder sair de casa, pelo distanciamento social. E isso acontece porque, apesar de praticamente tudo estar online hoje em dia, nem todas as pessoas se sentem à vontade no meio digital.
A declaração de Imposto de Renda brasileira é bastante simples, rápida e segura. Hoje é possível fazer a declaração até pelo celular! Para os que têm pouca coisa a declarar e já têm as informações à mão, o processo pode levar apenas alguns minutos.
Nem sempre foi assim. Eu me lembro, quando era criança, de ver meu pai com longos formulários, uma pilha de papeis, lápis, caneta, calculadora, preenchendo a declaração do. Nem dava para terminar no mesmo dia: era demorado e a chance de cometer erros era enorme! Depois ainda tinha que entregar os formulários pessoalmente.
Nos anos 1990, o processo começou a ser digitalizado. Em 1991, surgiu o primeiro programa que substituía os formulários em papel, mas a entrega ainda precisava ser feita pessoalmente, em disquete, pois a Internet era restrita a poucas universidades. O envio pela Internet foi liberado em 1997 e a entrega em papel resistiu bravamente até 2010, último ano em que a Receita aceitou os velhos formulários.
Como se pode ver, o sistema evoluiu muito, até se tornar um dos melhores do mundo. Mesmo assim, até hoje existem pessoas que têm medo de enviar sua declaração online. Há também aqueles que não conseguem operar o programa -e não são poucos. Há ainda um grande contingente que sequer consegue obter pela Internet todos os dados necessários, como informes de rendimento ou comprovantes de pagamento.
Como se pode ver, o buraco pode ser muito mais embaixo.
On line X off line
Por diferentes motivos, nem todo mundo é tão digital quanto poderia ou até gostaria! E muitas empresas e instituições de diferentes tipos ignoram isso.
Outro exemplo interessante para a compreensão dessa dinâmica são os bancos. O Brasil também tem um dos melhores sistemas bancários do mundo. O Internet banking é extremamente desenvolvido aqui.
Alguns bancos apenas digitais fazem enorme sucesso sem ter nenhuma agência. O maior deles, o Nubank, que tem apenas sete anos da história, já atingiu 20 milhões de clientes. É um terço das contas do Banco do Brasil, que tem 169 anos!
Não há dúvidas que a digitalização é o caminho a ser seguido, cada vez mais, pelos bancos. Ainda assim, muitos clientes gostam de ir a uma agência, conversar como gerente presencialmente.
A maioria dos setores da economia ainda funciona de maneira muito mais presencial que online, pois mais que cresça na modalidade digital. É o caso, por exemplo, do varejo de rua, de bares e restaurantes e da educação.
Esses também são alguns dos setores que sofreram muito com as regras de distanciamento social. A maior parte de seus clientes não está acostumada a consumir seus produtos à distância e os negócios não estavam preparados para essa realidade que se impôs ao mundo.
Nesse sentido, a pandemia funcionou como um verdadeiro “ferio de arrumação”. Empresas e clientes precisaram se adaptar a novas regras de convivência e de relacionamentos comerciais. Alguns negócios e alguns clientes conseguiram se adaptar a isso rapidamente, e estão passando por essa crise de um jeito melhor.
Vem então a pergunta: as empresas devem criar ou manter estruturas em seus negócios para atender esse público “analógico”?
A princípio, eu diria que sim. Afinal, são clientes, e merecem ser bem atendidos dentro de suas necessidades.
Quando criamos um produto, tendemos a achar que todas as pessoas são como nós. Mas elas não são! Cada um tem sua história, seus valores, seu nível educacional, sua facilidade com a tecnologia. Se criamos um produto que funcione muito bem apenas para pessoas como nós, na prática estamos mandando embora todos os demais clientes.
No final, é uma decisão de negócios. Cada canal que criamos implica em custos. Precisamos colocar, na ponta do lápis, se a quantidade de clientes que atenderemos em um canal resultará em ganhos que superem seus custos.
Ninguém espera ver o Nubank abrindo agências. Nem o Banco do Brasil fechando todas as suas. Pelo menos não por enquanto.
E temos que compreender que, se não atendermos um grupo da população, alguém o fará, mesmo que seja um nicho. Perderemos esses clientes e quem os atender poderá fazer um bom dinheiro com isso.
De novo, são decisões de negócios.
A Receita Federal não é uma empresa. No caso da declaração do Imposto de Renda, criou um sistema que atende bem a maior parte da população. E não se preocupa com quem não se dá bem com aquilo, pois sabe que existe todo um exército de contadores que apoiará os que não se sentem à vontade com a declaração digital.
No caso do seu negócio, certifique-se apenas que não esteja tomando a decisão de atender ou não um público olhando só para o seu umbigo, para as suas preferências pessoais. Toda empresa deve ser moldada no seu público.
Caso contrário, pode acabar sendo chutada para fora do mercado por concorrentes que entendem isso e oferecem uma grande experiência ao consumidor, alinhada a seu modelo de negócios.