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Para o CEO da OpenAI, Sam Altman, devemos chegar à IA Geral nos próximos anos: agentes são um possível caminho - Foto: reprodução

Líderes da IA começam nova corrida tecnológica

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A disputa para dominar a inteligência artificial anda tão acirrada, que se parece cada vez mais a uma corrida de cavalos, em que o ganhador vence “por um nariz”. Agora foi dada a largada para um novo páreo, o dos agentes de IA, e os principais nomes dessa indústria já estão na pista!

Isso não quer dizer que os agentes sejam uma novidade: eles já existem há anos em nossas vidas pessoais e profissionais. Mas até agora são soluções prontas dos fabricantes. Criar o próprio agente é uma tarefa complexa e que exige conhecimentos técnicos. O que Microsoft, OpenAI, Google e Anthropic prometem agora é tornar essa tarefa tão simples quanto conversar com um chatbot, como já nos acostumamos.

Um agente é um sistema que usa a IA para realizar tarefas específicas de maneira autônoma, com pouca ou nenhuma dependência de um ser humano. Ele age de maneira contínua, monitorando o ambiente e analisando dados para tomar decisões seguindo o que lhe foi pedido. Isso é bem diferente de um uso da IA generativa, como conversas com o ChatGPT, em que, por mais incríveis que seus resultados sejam, são atividades pontuais e totalmente dependentes da interação com o usuário.

Essas empresas agora prometem unir o melhor desses dois mundos, de modo que qualquer pessoa possa criar agentes sofisticados de maneira tão simples, quanto pedir que o chatbot escreva um texto. Ainda que isso não vá acontecer imediatamente, a simples abertura desse caminho pode ser realmente revolucionária.


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A Microsoft saiu na frente nessa nova etapa, com o lançamento do Copilot Studio. Ele permite criar agentes de IA com relativa facilidade, expandindo as funcionalidades do Copilot ao integrá-lo a bases de dados empresariais, gerando respostas a partir dessas informações, considerando cada contexto específico. Esses agentes podem ser distribuídos para pessoas dentro e fora da organização.

Já a Anthropic, startup de IA ligada ao Google e à Amazon, anunciou recentemente uma abordagem inusitada para sua plataforma Claude, batizada de “uso do computador”. Ainda na fase de testes, ela inova ao adaptar a IA para o uso de sistemas existentes, e não o contrário. Ela pode, por exemplo, assumir o controle de um computador como se fosse o usuário, para realizar tarefas de acordo com o que aparece na tela, até mesmo usando vários programas.

A OpenAI, que continua sendo a estrela mais brilhante do setor com seu ChatGPT, obviamente não quer ficar para trás. A empresa anunciou a versão de testes de um produto para desenvolvedores semelhante à solução da Anthropic. Ela deve ser liberada em janeiro.

O Google também “está dando seus pulos”. A empresa promete novidades na área de agentes ainda nesse ano! Vale lembrar que a empresa impressionou muita gente em 2019, quando ninguém ainda falava de IA generativa, com o lançamento do Google Duplex. Ele permite que o usuário peça que o Assistente realize tarefas simples, com a possibilidade de fazer ligações telefônicas, para, por exemplo, reservar uma mesa de restaurante, interagindo com atendentes humanos. Essas conversas são tão impressionantes, que muita gente se incomodou quando descobria que estava falando com um robô, e não com outra pessoa.

Os agentes que já estão disponíveis em nosso cotidiano se diferenciam de automações convencionais justamente pelas características da IA, especialmente de continuar funcionando se algo não sai como o esperado. Eles também melhoram com o uso, aprendendo coisas novas.

 

O futuro é dos agentes

Nas empresas, os agentes vêm sendo usados cada vez mais no atendimento automatizado a clientes. Eles também são muito úteis ao identificar movimentos do mercado e propor ações mais assertivas para as equipes comerciais, além de ajudar em negociações e de propor ideias aos gestores. Eles também são bastante usados pelo RH, em processo de contratação e até de demissão de profissionais.

Em nosso cotidiano pessoal, os agentes estão em nossos smartphones (no Google Assistente e na Siri) e em alto-falantes inteligentes, como o Amazon Echo. Nesse último, a Alexa pode, entre outras coisas, identificar compras recorrentes e auxiliar em novos pedidos, quando necessário. Relógios inteligentes e outros dispositivos podem monitorar a nossa saúde, e até eletrodomésticos, como aspiradores de pó robôs, realizam tarefas da casa de forma autônoma e cada vez melhor.

Quando a nova geração de agentes sair da fase de testes e chegar ao cidadão comum, ela poderá ampliar seus poderes consideravelmente. As pessoas não ficarão mais restritas aos agentes criados pelos fabricantes dos equipamentos.

Isso permitirá a definição de regras complexas, que combinarão recursos e informações de diferentes serviços aos que o usuário tem acesso. Por exemplo, será possível tirar automaticamente dinheiro de uma aplicação financeira que esteja com baixa rentabilidade para comprar ações de uma empresa com boas perspectivas.

É praticamente um consenso entre especialistas que os agentes representam o futuro da IA. Eles não apenas se tornarão mais diversificados e poderosos, como também serão mais fáceis de se criar. Além disso, veremos cada vez mais soluções complexas resultantes da combinação de vários agentes trabalhando em conjunto.

Muita gente acredita que esse seja o caminho para a Inteligência Artificial Geral (IAG), o “Santo Graal” dessa tecnologia. Quando (e se) estiver disponível, ela tomará decisões de maneira autônoma (ou seja, sem necessidade de comandos de alguém), sobre qualquer assunto e de maneira adaptável. É basicamente como nosso cérebro funciona, mas a IAG terá sobre nós a vantagem de analisar, com velocidade sobre-humana, uma quantidade de dados gigantesca, para tomar decisões mais assertivas.

Ainda existe muita especulação se chegaremos a isso algum dia. Especialistas de alto nível afirmam que a IAG é um conceito teórico inatingível. As big techs apostam fortemente no sucesso, dizendo que isso acontecerá ainda nessa década. Mas não podemos esquecer que elas têm interesses comerciais em afirmações como essas.

Qualquer que seja esse desfecho, devemos nos manter atentos às oportunidades que essa tecnologia oferece, apropriando-nos do que ela pode nos oferecer de bom e nos mantendo vigilantes contra eventuais armadilhas que desenvolvimentos descuidados e usos pouco éticos possam colocar em nosso caminho.

Esse é um trabalho de educação digital importantíssimo, envolvendo empresas, instituições de ensino, governos e outros atores da sociedade civil. As pessoas precisam entender e se apropriar conscientemente da IA e seus agentes, e isso deve chegar a todos.

 

IA pode agravar situação de pessoas já marginalizadas digitalmente - Foto: Freepik/Creative Commons

A desigualdade social faz com que a mesma IA que impulsiona carreiras tire empregos

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A inteligência artificial pode maximizar nossas habilidades, mas também amplia contradições de nosso tempo. Isso aparece com muita força no âmbito profissional.

Já se tornou quase um mantra do mercado dizer que as pessoas que não abraçarem essa tecnologia perderão os empregos para colegas que o fizerem, e é verdade. Mas ironicamente quem a usar também pode ir para o olho da rua, se não fizer isso direito.

Cria-se então uma zona de contato bastante estreita, entre um “superpoder” para voar aos céus da carreira e a queda em um abismo profissional resultante de uma má educação no uso da IA. E esse não é um mero exercício intelectual. Ela já aumenta, agora mesmo, as vantagens de muitos profissionais e empresas. Do outro lado, vemos cerca de 14% da população brasileira sem qualquer acesso à Internet.

Surgem alguns dilemas sociais profundos. Talvez algumas pessoas gostariam de simplesmente não usar essa tecnologia, e esse seria um direito legítimo. Mas ainda dá para se almejar isso? Na ponta oposta, outras desejariam aproveitá-la, mas estão completamente alijadas desses recursos. Como lhes garantir isso, que já se configura como um direito fundamental?

Quem está no topo da pirâmide social deve parar de olhar para a sociedade como se todos estivessem na mesma situação frente à IA. Existe uma muralha a ser transposta para que se tenha pelo menos algum acesso digital, mas o presente nos empurra para uma desigualdade ainda mais ostensiva. Esse é o dilema que precisa ser solucionado.


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Estudo da consultoria Gallup divulgado em outubro indicou que 45% dos profissionais que usam a IA disseram que ela melhorou sua produtividade e eficiência, 26% se disseram mais criativos e inovadores e 23% apontaram melhora nas suas entregas. Apesar disso, 67% dos profissionais entrevistados disseram que nunca usaram a IA no trabalho, e apenas 4% fazem isso diariamente.

Infelizmente o “buraco é mais embaixo”. A pesquisa TIC Domicílios 2023, publicada em novembro passado pelo Cetic.br, órgão de pesquisas ligado ao CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), indicou que, apesar de os 156 milhões de usuários de Internet representarem um recorde de brasileiros conectados, 29,4 milhões de pessoas nunca ficaram online em nosso país.

É importante ressaltar que não basta apenas dar acesso à Internet e à IA: é preciso ensinar as pessoas a fazerem bom uso desses recursos. O levantamento do Cetic.br apontou uma clara correlação entre o uso da Internet e os graus de educação e de renda: dos 29,4 milhões de pessoas desconectadas no Brasil, 24 milhões têm apenas até o Ensino Fundamental e 17 milhões são das classes D ou E.

Os pesquisadores apontaram que o pleno aproveitamento das oportunidades online depende ainda da qualidade da conexão e de dispositivos adequados. Ele é maior entre quem fica online tanto pelo computador quanto pelo smartphone, frente aos que se conectam só por dispositivos móveis. E se 99% dos domicílios da classe A têm computador, isso acontece apenas em 11% dos das classes D e E.

Para se colocar isso na devida perspectiva, é preciso entender que a inteligência artificial generativa não se trata de só mais uma tecnologia, como tantas outras que são lançadas a todo momento. Ela efetivamente oferece a possibilidade de se ampliar as capacidades de qualquer um que esteja disposto a fazer um uso consciente dela.

Mas tanto poder também guarda armadilhas.

 

Benefícios e riscos

A IA generativa embute recursos muito bem-vindos. Certamente o que a distingue de todo o resto é a capacidade de nos entender e dar suas respostas em linguagem natural, como se estivéssemos falando com outra pessoa. Além disso, ela é capaz de processar quantidades imensuráveis de informação para encontrar respostas e padrões. Por fim, ela efetivamente aprende e melhora com o uso.

Essa combinação a torna extremamente poderosa e flexível. Mas nesse funcionamento quase mágico, reside um de seus maiores riscos.

Quando o ChatGPT foi lançado e assombrou o mundo há dois anos, muitos diziam que ele poderia gerar uma “geração de preguiçosos”. Passado esse breve período, esse medo pode estar se concretizando em algumas pessoas.

Assim como uma simples calculadora agiliza as operações matemáticas que fazemos, mas não nos dispensa de sabermos como realizá-las, a inteligência artificial, por mais incrível e eficiente que seja, não pode tirar de nós a compreensão do que está sendo feito e principalmente as decisões que tomemos a partir desses resultados.

Além disso, as entregas em si da IA generativa normalmente têm uma qualidade mediana (na melhor das hipóteses), sofrendo de repetições e estilos limitados. E há ainda o maior de seus problemas: as “alucinações”, quando, diante de não saber o que dizer, entrega absurdos como se fossem verdades, sem qualquer ressalva.

Outra grave falha é a privacidade dos dados, pois essas plataformas podem aprender e depois replicar para estranhos informações confidenciais que usemos com elas. E isso flerta com outro conhecido problema dessa tecnologia: a violação de direitos autorais de conteúdos usados durantes suas etapas de treinamento.

Entre os que já usam a IA profissionalmente, a maioria se descuida em pelo menos um desses problemas, quando não em todos. É nessa hora que a IA deixa de ser uma poderosa aliada e passa a ser uma ameaça. Apesar de serem falhas intrínsecas da tecnologia, os riscos vêm da má utilização pelas pessoas. A revolução da IA invadiu nossas vidas sem manual de instrução, e por isso usos indevidos aparecem a toda hora.

Pior que isso são aqueles que terceirizam sua criatividade e decisões para os robôs: esses profissionais se colocam na posição de dispensáveis. Afinal, se eles não acrescentam nada sobre o que a IA faz, então basta a máquina para fazer o trabalho!

Antes vistos em obras de ficção científica, esses agora são dilemas da vida real! As pessoas precisam ser educadas não apenas para aproveitar os incríveis benefícios da IA, mas também para não cair em suas armadilhas.

Empresas, escolas, mídia, governo devem cuidar disso, mas não podem esquecer daqueles que já são marginalizados digitais. Caso contrário, teremos, em bem pouco tempo, uma “casta” com “superpoderes da IA” e uma massa de pessoas cada vez mais inabilitadas profissionalmente pela mesma tecnologia.

 

Alfie (Lucien Laviscount) e Emily (Lily Collins), com a torre Eiffel ao fundo, em cena de “Emily em Paris” – Foto: reprodução

O que “Emily em Paris” diria sobre o câncer de mama

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Que o apreço pela verdade anda em baixa, não é surpresa. Há muitos anos, a pós-verdade, aquela que prega que a versão dos fatos que interessam às pessoas é mais importante que os fatos em si, tornou-se uma muleta que justifica que pensem e façam o que quiserem, por mais absurdo que seja. Mas observo apreensivo uma nova fase dessa “paranoia coletiva”, em que alguns esperam que a própria realidade se curve aos seus devaneios, como se fossem o centro de seus próprios universos.

Isso se manifesta de maneira mais ou menos escancarada. Um dos exemplos mais emblemáticos e antigos é aquela turma que insiste que a Terra seja plana, contrariando evidências tão enormemente abundantes, que tornam essa crença caricata e patética.

Às vezes, esse descolamento da realidade se torna tragicômico. Por exemplo, a série “Emily em Paris”, sucesso adolescente da Netflix, mostra uma França “perfeita”, que parece gravitar em torno da torre Eiffel, sem moradores de rua, sujeira, crimes ou ratos. Disso surgiram turistas abobalhados que vão a Paris e ficam indignados quando descobrem que ela –como qualquer cidade– não é daquele jeito, e tem problemas!

Em outros casos, as consequências podem ser graves, como em episódios recentes no Brasil de uma médica afirmando nas redes sociais que o câncer de mama não existe e de um médico que disse que a doença pode ser causada por mamografias. Se o fato de profissionais de saúde dizerem algo que pode literalmente matar pessoas não fosse grave o suficiente, esses posts legitimaram que uma legião de pessoas que, por qualquer motivo “não acreditam na doença”, viesse a público “expor essa verdade”.

Os três exemplos, apesar de muito diferentes entre si, guardam uma raiz comum que corrói a sociedade há anos: quando qualquer um pode arrebanhar uma multidão com distorções deliberadas do real, os ganhos civilizatórios começam a colapsar.


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Uma pergunta que surge naturalmente é por que alguém comete um desatino desses?

O caso dos médicos é ilustrativo. Eles realmente acreditam naquilo, o que faria deles reprodutores inocentes de um processo anterior de desinformação, ou têm interesses próprios e, portanto, se configurariam como criadores? Os casos estão sendo investigados pelos respectivos Conselhos Regionais de Medicina. No caso da médica, ela também está sendo processada pelo Colégio Brasileiro de Radiologia.

O câncer de mama é a principal neoplasia maligna entre as brasileiras, com mais de 70 mil novos casos por ano por aqui. Em 2022, matou 19.130 mulheres no Brasil. Quanto à mamografia, ela é a principal forma de prevenção de mortes pela doença.

Também podemos aprender com “Emily em Paris”. A série conta a vida de uma jovem publicitária americana que desembarca na Cidade-Luz para trabalhar. Atrapalhada e bem-intencionada, ela colhe tanto vitórias no trabalho, quanto confusões em relacionamentos. Mas chama atenção as locações e figurinos brilhantes, novos, limpos, com cores saturadas. A protagonista sempre veste alta-costura, troca de roupa várias vezes a cada episódio e nunca repetiu um modelo em quatro temporadas no ar!

Pode-se argumentar –com razão– que se trata apenas de entretenimento. Os roteiristas da série não buscam promover a desinformação. Entretanto, acabam contribuindo para um caldo de degradação cognitiva de pessoas que cada vez menos toleram que a vida não seja como imaginam ou esperam. Perdem a capacidade de separar fantasia de realidade, e atacam quem lhes mostra os fatos.

Não se pode desprezar as causas e as consequências de nada disso.

 

Sociedade autodestrutiva

Um estudo de 2021 do instituto britânico Alan Turing detalhou como uma sociedade pode ameaçar a própria sobrevivência, com ataques deliberados à capacidade de se adquirir conhecimento. Para a líder do estudo, Elizabeth Seger, da Universidade de Cambridge, “mesmo que estivesse claro como salvar o mundo, um ecossistema de informações estragado e não-confiável poderia impedir que isso acontecesse”.

Segundo a pesquisa, há quatro ameaças a isso, e nenhuma ao acaso. A primeira são pessoas que atrapalham as decisões com desinformação, algumas agindo de maneira consciente, outras inocentemente. Há ainda um excesso de informação que sobrecarrega nossa concentração, dificultando separar verdades de mentiras. As pessoas também se acostumaram a rejeitar o que desafia suas ideias, particularmente se houver uma forte identidade no grupo, criando o que os pesquisadores chamaram de “racionalidade limitada”. E, por fim, as redes sociais tornaram mais difícil avaliar a confiabilidade das fontes. O estudo conclui que, quando não sabemos em quem acreditar, confiamos naquilo que nos mostra o mundo como queremos.

Há alguns dias, discordei do professor da Universidade de Oxford William Dutton. Ele acredita que as mídias digitais podem disseminar informações enviesadas, mas afirma que as pessoas não são passivas, podendo encontrar facilmente a verdade na Internet ou com amigos e familiares, se assim desejarem. Até diminuiu a importância dos “filtros de bolha”, a que chamou de um “mito tecnológico determinista”. Afirmou ainda que o problema não são as plataformas, e sim os usuários. “Se quiserem, então sabem que podem obter o que desejarem deste canal de televisão e deste site, e ficarão felizes”, acrescenta.

Outro estudo, organizado em 2017 pelo Conselho da Europa e liderado por Claire Wardle, da Universidade de Harvard, trata da “desordem informacional”. Ela se divide em desinformação (informação deliberadamente errada para causar danos), informação falsa (errada, mas sem intenção de causar danos) e informação maliciosa (correta, mas usada para causar danos). Também explica que é preciso considerar quem são os agentes (quem cria e distribui a mensagem, e qual sua motivação), as mensagens em si, e os intérpretes (quem as recebe e suas interpretações).

Essas pesquisas demonstram, entre tantas outras, que as pessoas não conseguem sair facilmente da desinformação, especialmente quando 47% dos brasileiros deliberadamente se recusam a consumir notícias, como demonstrou o Digital News Report 2024, publicado em junho pelo Instituto Reuters e pela Universidade de Oxford. O estudo diz ainda que apenas 43% dos brasileiros confiam no noticiário, o pior índice já registrado no país.

Em um mundo antes da pós-verdade, a vida fantasiosa de Emily seria apenas deleite para os olhos. Mas no cenário de negação em que vivemos, ela inadvertidamente contribui para a desordem informacional. Ainda assim, a jovem personagem, que sempre busca o melhor para todos, jamais negaria a existência do câncer de mama! Pelo contrário: provavelmente encontraria uma forma genial de usar as redes sociais para a conscientização da sociedade para esse gravíssimo problema de saúde.

 

Projeto de lei em debate no Congresso Nacional pode restringir celulares nas escolas já no ano que vem - Foto: Freepik/Creative Commons

Celular na sala de aula não deve ser banido, e sim usado com orientação

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Ao que tudo indica, o próximo ano letivo começará com os celulares restritos nas salas de aula. Em um raro consenso entre governo e oposição, um projeto de lei que disciplina seu uso deve ser aprovado até o fim do ano no Congresso Nacional. E apesar de eu concordar com a restrição, fico apreensivo com declarações de todos os lados que demonizam smartphones e outras tecnologias em sala de aula.

Esse pensamento torna o debate mais raso e prejudica a possibilidade de crianças e adolescentes aprenderem a usar esses recursos de forma consciente e produtiva. Em um mundo profundamente digital, a simples proibição pode levar a um uso desses equipamentos descontrolado e escondido, o que pode ter consequências negativas.

Todos nós sofremos com as distrações causadas pelos smartphones e suas intermináveis notificações, que sequestram nossa atenção. Para uma criança ou adolescente, essa sedução pode ser muito maior: pesquisas indicam que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o celular para atividades não-acadêmicas. E mesmo o aparelho desligado pode levar a problemas de aprendizagem.

Nesse sentido, não resta dúvida de que os alunos não devem ter acesso livre ao equipamento nas aulas. Especialistas defendem que não o usem nem no recreio, pois ele também comprometeria atividades de socialização típicas daquele momento.

Isso é muito diferente de não usar os celulares com objetivos pedagógicos. Mas desperta outras preocupações, como se o professor está preparado para essa tarefa e se o celular do aluno deveria ser usado nesse caso, o que lhe daria, por exemplo, aceso a suas redes sociais, um verdadeiro “dreno de atenção”.


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O consenso entre governo e oposição pode estar associado ao faro político de que a população apoia fortemente a proibição dos celulares em sala de aula. Segundo pesquisa feita recentemente pelo Datafolha, 62% dos brasileiros com mais de 16 anos querem isso. E 76% dos entrevistados acham que o celular traz mais prejuízos que benefícios ao aprendizado, índice que aumenta entre os pais.

O projeto em debate na Câmara prevê que alunos até o quinto ano não possam ter o celular nem na mochila. Já os do sexto ano até o fim do Ensino Médio poderiam levar o equipamento, mas sem usá-lo na sala de aula ou no recreio. Eles seriam permitidos em atividades pedagógicas, com orientação dos professores, e para estudantes com necessidades especiais, que dependam do aparelho para acessibilidade. As escolas públicas e privadas decidiriam como seria a implementação dessas medidas.

As principais evidências que apoiam essa medida vêm do Relatório Global de Monitoramento da Educação, publicado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em julho de 2023. Intitulado “A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?”, compilou estudos que relacionam o uso de celulares e resultados educacionais em 14 países. A conclusão foi de que os efeitos são negativos, principalmente na memória e na compreensão.

O relatório não sugere a proibição irrefletida, e sim que, se usado em excesso ou para atividades não-pedagógicas, os celulares trazem malefícios. “Banir a tecnologia das escolas pode ser legítimo se a integração não melhorar o aprendizado ou piorar o bem-estar do aluno”, diz uma das conclusões. “Trabalhar com tecnologia nas escolas e seus riscos pode exigir algo mais do que o banimento”.

O texto ainda diz que “deve haver clareza sobre o papel que essas novas tecnologias desempenham na aprendizagem e sobre seu uso responsável pelas escolas” e que os alunos “precisam aprender os riscos e oportunidades que vêm com a tecnologia, desenvolver habilidades críticas e entender como viver com e sem tecnologia”.

O abuso do celular e de outras telas por crianças e adolescentes transcende as salas de aula. Normalmente ele é ainda mais intenso em casa, longe dos olhos de pais trabalhando. Muitos até mesmo incentivam o uso da tecnologia, como uma “babá eletrônica”, sem qualquer monitoramento ou orientação. E isso vem agravando problemas de saúde mental nessa faixa etária.

 

Um mundo digital

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, publicada em setembro pelo Cetic.br, órgão de pesquisas ligado ao CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), 28% das escolas de ensino básico públicas e particulares no país proíbem os celulares, enquanto 64% delas permitem com restrições a espaços e horários.

O levantamento também indicou que 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos usam a Internet, quase todos com acesso ao celular. O primeiro contato se deu até os 6 anos de idade para 24% (eram 11% em 2015) e entre 7 e 9 anos para 27%, contrariando especialistas, que sugerem que isso só aconteça na adolescência. Em contrapartida, 580 mil brasileiros nessa faixa nunca tinham acessado a Internet.

Esses números são muito emblemáticos. O celular está impregnado na vida de crianças e adolescentes, que criam contas em redes sociais antes mesmo da idade mínima definida por essas plataformas, com ou sem consentimento dos pais. Esses por sua vez, querem ver o celular fora das aulas, mas muitos paradoxalmente exigem que as escolas permitam que entrem em contato com os filhos a qualquer momento.

No meio disso tudo, fica o professor, acuado por pais e estudantes, e sem saber como usar pedagogicamente a tecnologia. E disso vêm preocupações que as escolas devem endereçar quando essas regras forem implantadas.

Apesar de o projeto de lei ser calcado em estudos sérios, há um certo oportunismo político nele. E gostaria de ver esses pais que disseram querer a proibição dos celulares na escola bancando isso com seus próprios filhos.

Em qualquer cenário, o professor continuará sendo o condutor do processo educacional. Assim ele deve receber apoio do governo, das escolas e das famílias para fazer um uso consciente e construtivo não apenas de smartphones, mas também da inteligência artificial nas salas de aula. Os celulares devem ser restritos na maior parte do tempo, mas usados em atividades pedagógicas, de preferência em equipamentos que não sejam dos próprios alunos.

A proibição pura e simples preservará a saúde mental e eliminará os graves problemas apontados pela Unesco, o que é essencial! Mas também impedirá a chance de criarmos uma geração que faça um uso consciente de tecnologias que moldarão suas vidas de agora em diante.

 

Ilustração oficial anuncia os vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2024: John Hopfield e Geoffrey Hinton - Foto: reprodução

A IA poderá curar o câncer, mas não podemos ignorar seus riscos pelos benefícios

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A inteligência artificial já transformou o mundo, e esse processo está apenas engatinhando. Suas potencialidades beiram o inimaginável e devemos nos apropriar de todos esses recursos. Ainda assim, temos que cuidar para que isso não se torne um ópio que turve nossa compreensão dos riscos que ela também embute, mas vejo isso já acontecendo de forma preocupante.

Constato esse problema em pesquisadores, parte da imprensa, grandes empresários e outros líderes da sociedade, que abraçam a IA de maneira inconsequente, como se tudo dela fosse bom para a humanidade. Essas pessoas adotam um discurso deslumbrado e intransigente, criticando aqueles que propõem um debate equilibrado sobre benefícios e riscos da IA.

No dia 8, a Academia Real das Ciências da Suécia concedeu o Prêmio Nobel de Física a Geoffrey Hinton, da Universidade de Toronto (Canadá), e a John Hopfield, da Universidade de Princeton (EUA), pelos seus trabalhos pioneiros com redes neurais artificiais e com machine learning, bases da IA. Essa turma correu para incensar a vitória dessa tecnologia, escondendo que, apesar de ser considerado o “padrinho da IA”, Hinton também é um forte crítico ao seu desenvolvimento descuidado.

A defesa inabalável da IA é criadora e criatura de um profundo processo de desordem informacional que beneficia as empresas do setor. Não é um fenômeno novo: há muitos anos, as big techs manipulam a opinião pública em favor das redes sociais. Com isso, mesmo diante dos seus evidentes problemas, uma parcela significativa da população ainda as apoia irrestritamente por seus inegáveis benefícios, mas ignorando os igualmente óbvios prejuízos.

Falhamos ao impedir que essa desinformação favorável às redes sociais criasse raízes tão profundas, que impediram que essas plataformas evoluíssem de maneira mais benéfica à humanidade. Não podemos repetir o erro com a inteligência artificial!


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Além de comemorar o reconhecimento de seu trabalho pelo Nobel, Hinton aproveitou a entrevista que concedeu logo após o anúncio de sua vitória para reforçar essas preocupações. E já no segundo minuto de sua fala, criticou Sam Altman, CEO da OpenAI (criadora do ChatGPT), por, segundo ele, “estar muito menos preocupado com a segurança que com os lucros”, algo que classificou como “lamentável”.

Para ele, as transformações pela IA serão comparáveis às da Revolução Industrial, com a diferença que, em vez de superar as pessoas na força física, superará na força intelectual. “Isso trará aumentos brutais na produtividade, mas também temos de nos preocupar com uma série de possíveis consequências ruins, particularmente com a ameaça de que essas coisas saiam do controle”, disse.

Em maio do ano passado, Hinton se demitiu do Google para, segundo ele, poder criticar livremente os caminhos da IA e a disputa sem limites entre as big techs, o que poderia criar “algo realmente perigoso”. Ao The New York Times, disse na época estar arrependido por ter contribuído com isso. E na entrevista do dia 8, disse que, apesar disso, teria feito tudo de novo, pois, na época, não podia prever esses riscos no futuro.

Hinton comemorou o prêmio na sede do Google, junto com ex-colegas e ex-alunos, entre eles Ilya Sutskever, ex-cientista-chefe da OpenAI que tentou demitir, sem sucesso, Sam Altman no ano passado. E o local escolhido é emblemático, demonstrando como a ciência no setor depende umbilicalmente dos recursos das big techs para financiar suas milionárias pesquisas.

Não há nenhum problema na colaboração de corporações e cientistas, muito pelo contrário: se bem conduzida, isso pode trazer grandes benefícios à humanidade. Deve-se apenas ter cuidado para que isso não se distorça para gerar apenas lucros irresponsáveis, como pode estar acontecendo com a IA.

 

Alterações da realidade

Para que as empresas lucrem mais, a opinião pública precisa ser convencida de que tudo está bem, e que suas decisões são tomadas para o bem comum. E os diferentes atores sociais mencionados anteriormente têm um papel essencial nisso.

É o caso de Bill Gates, que vem, há meses, dando incontáveis entrevistas e palestras sobre como a IA tornará o mundo um lugar melhor para todos. Lançou até uma série na Netflix (muito bem-feita), chamada “O Futuro de Bill Gates”, onde reforça a ideia.

O fundador da Microsoft, maior investidora da OpenAI, afirma repetidamente que a IA permitirá que as pessoas trabalhem menos dias na semana. Em tese, isso poderia acontecer, porém o mais provável é que, com o aumento de produtividade, gestores demitam em massa, com os remanescentes trabalhando todos os dias da semana.

Em 2021, pesquisadores da Universidade de Cambridge (Reino Unido) publicaram um estudo que explicava mecanismos de ataque à capacidade da população de adquirir conhecimento. E uma das principais ameaças são as pessoas que disseminam desinformação, divididas em dois grupos. O primeiro, batizado de “adversários”, deliberadamente manipula informações, promove ataques ou incita seguidores para confundir ou enganar a população para atingir seus objetivos. O segundo, os “trapalhões”, de maneira inocente e até bem-intencionada, espalha essas bobagens, como acontece naquele grupo da família no WhatsApp.

Pelas suas informações privilegiadas, é muito mais provável que Gates e Altman sejam “adversários”, e não “trapalhões”. Nesses últimos, estão aqueles que usam a IA de maneira pouco crítica, achando que ela é uma grande assistente, quando, na verdade, em breve podem perder seu emprego para ela, pelo uso limitado que fazem.

No final das contas, o excesso de informação sobre a IA, a polarização da sociedade e o papel dos “adversários” e dos “trapalhões” podem atrapalhar profundamente o desenvolvimento de bons usos da IA, pois a população pode adquirir uma visão pouco crítica sobre essa tecnologia. Assim como aconteceu as redes sociais, muito mais que as pessoas, as grandes beneficiadas desse processo são a big techs.

Hinton afirma categoricamente que não se sabe como evitar os riscos criados pela IA. Por isso, ele afirma que mais pesquisas independentes sobre isso são urgentes. Caso contrário, esse processo de degradação cognitiva seguirá seu curso, até que eventualmente seja tarde demais e seus temores se concretizem.

Temos que nos apropriar de tudo de bom que a IA nos oferece, e não é pouca coisa. Mas não podemos ser deslumbrados inconsequentes diante disso.

 

Gilson Magalhães, novo diretor-geral da Red Hat Latin America, se apresenta no Summit Connect, em São Paulo, no dia 8 - Foto: Red Hat

Muitos querem “ganhar na loteria” com a IA, mas poucos fazem o necessário para isso

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A inteligência artificial generativa está prestes a completar dois anos de mercado. Desde o lançamento do ChatGPT, em 30 de novembro de 2022, ela vem redefinindo o mundo com uma velocidade nunca vista, não só pelos 100 milhões de usuários nos seus primeiros dois meses, mas pela avalanche de aplicações que prometem facilitar as mais diversas tarefas. Porém, apesar dessa euforia, não há milagre nisso, e poucas pessoas entendem como tirar o proveito máximo dela.

“Eu tenho convicção de que a tecnologia atual, que ainda é incipiente, é o embrião de uma nova civilização”, proclamou Gilson Magalhães, novo diretor-geral na América Latina da Red Hat, a maior empresa de software open source do mundo. “É preciso ter muita atenção a essa tecnologia, porque ela é de altíssimo impacto, e vai crescer progressivamente, trazendo novos insumos”, acrescentou, durante o Red Hat Summit Connect, principal evento da empresa no país, que aconteceu no dia 8, em São Paulo.

Mas ainda há muito mais entusiasmo que conhecimento em torno da IA. Tanto que um estudo recente da consultoria Gartner indicou que metade das iniciativas com essa tecnologia se limita a ferramentas de produtividade para as equipes, enquanto 30% agem nos processos. Implantações para verdadeiramente transformar o negócio, o que indicaria seu uso mais robusto, acontecem em apenas 20% dos casos.

Magalhães deixa bastante claro: as pessoas querem “mágica” da IA, mas não funciona assim. Como qualquer outra tecnologia, os resultados vêm com informação e trabalho.

É um cenário semelhante aos primórdios de outras tecnologias que transformaram dramaticamente o mundo: a Internet comercial e os smartphones. Nem em seus sonhos mais loucos, os responsáveis por esses lançamentos poderiam imaginar o que surgiria daquilo! Não obstante, cá estamos, com vidas profundamente digitalizadas.

Cabe a essa geração aprender a usar a inteligência artificial de maneira construtiva, segura e ética, criando utilizações que talvez hoje se pareceriam mesmo com mágica.


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“Nós precisamos organizar nossa vida, mas temos tantas tarefas diárias, cuidar da agenda, da saúde, dos filhos, da família, e as pessoas estão vivendo mais”, propõe Sandra Vaz, diretora-sênior de Alianças e Canais da Red Hat Latin America. “A inteligência artificial será a nossa grande parceira para que possamos ter mais produtividade e tomar decisões melhores frente à nossa concorrência”, acrescenta.

Há um caminho a ser percorrido. As empresas precisam substituir a euforia por conhecimento, capacitar suas equipes e envolver as pessoas na adoção da IA.

“Todo esse tema de IA Generativa ainda tem uma compreensão baixa no mercado”, explica Thiago Araki, diretor-sênior de Tecnologia da Red Hat Latin America. Ele explica que as empresas começam a entender que não haverá uma IA que resolverá todos os problemas, que serão necessários trabalhar com diferentes modelos. “Então ainda não temos projetos muito avançados, porque é tudo muito novo”, conclui.

Mesmo com tudo isso, cresce no mercado um consenso de que profissionais e empresas que adotem conscientemente a inteligência artificial construirão uma vantagem enorme sobre seus concorrentes. Mas isso dependerá não apenas de bons algoritmos, mas também de bons dados, um tema tratado de maneira displicente em uma parcela assustadoramente grande de empresas.

O problema começa por diferentes departamentos coletarem suas próprias informações, sem compartilhá-las com o resto da empresa. Não raro, esses dados são redundantes –e pior, conflitantes– com os de outros departamentos. O problema se agrava por metodologia frágeis para sua captura e atualização.

Mesmo com o mais incrível algoritmo, a IA trará respostas ruins se for alimentada com informações de baixa qualidade.

 

A era dos agentes

Apesar de já existirem literalmente milhares de aplicações impulsionadas pela inteligência artificial generativa, automatizando tarefas bem específicas, a maioria das pessoas continua usando ferramentas não-especializadas, como o próprio ChatGPT ou o Gemini, do Google. Mas isso tende a mudar, com a ascensão dos agentes.

Eles são sistemas baseados em IA autônomos ou semiautônomos, criados para realizar tarefas específicas, a partir de interações com o usuário ou o ambiente. Eles podem aprender e se refinar com o uso, e funcionam a partir de dados selecionados.

Magalhães acredita que a inteligência artificial não evoluirá para um supercérebro eletrônico, capaz de realizar qualquer coisa, como se vê na ficção científica. Ao invés disso, ele aposta no surgimento de incontáveis agentes aprimorando nossa capacidade de realizar virtualmente qualquer tarefa.

Naturalmente, existirão agentes oferecidos prontos por empresas, melhorando a eficiência de seus produtos. Mas já se pode criar os próprios agentes usando plataformas como o ChatGPT.

Talvez isso ainda pareça ficção científica ou no mínimo algo nada trivial para a maioria das pessoas. Mas o recurso já está disponível e deve ser, pelo menos, aprendido. Afinal, houve uma época em que o Google também era uma novidade, e hoje ele está totalmente integrado à vida de todos nós!

Apesar de ser uma discussão tecnológica, as empresas falham também quando esquecem de incluir as pessoas. Outro estudo do Gartner indica que apenas 14% dos líderes de RH estão envolvidos em conversas sobre IA. É um grande erro, pois, com isso, as pessoas não se sentem parte da jornada da IA na organização.

Tudo isso pode parecer uma exigência um tanto opressora para muita gente, que gostaria de continuar levando uma vida sem IA. São escolhas! É preciso entender que, a médio prazo, isso pode realmente custar a competitividade profissional e até a se demorar mais tempo para fazer as mesmas coisas que seus amigos.

“É um desafio para todos, não tenho como dizer que é um caminho fácil”, afirma Magalhães. “A minha recomendação é: ‘não se afaste da IA’”, conclui.

Como costumo sempre dizer, diante da IA, não podemos ser nem deslumbrados, achando que ela fará tudo sozinha por nós, nem resistentes, rejeitando-a a qualquer custo. Com seu avanço galopante, ela realmente não é mágica, mas pode ajudar de maneira surpreendente a qualquer um que resolva dar os passos necessários para um uso consciente de todo esse poder.


Veja a íntegra em vídeo da entrevista com Gilson Magalhães, novo diretor-geral da Red Hat Latin America:

 

O historiador Yuval Noah Harari, para quem robôs que imitam humanos ameaçam a democracia - Foto: Ciaran McCrickard/Creative Commons

Robôs que fingem ser humanos ameaçam a democracia

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Desde que o austríaco Fritz Lang levou o robô Maria para as telas, no cultuado “Metropolis” (1927), máquinas fingindo ser pessoas vêm sendo exploradas pela ficção. Ainda que de maneira bem diferente de livros e filmes, nunca estivemos tão perto de isso acontecer, com profundos impactos sociais.

Considerado um expoente do expressionismo alemão, o filme retrata um futuro distópico, que curiosamente se passa em 2020. Nele, governantes que temem uma revolução popular usam uma máquina que falsifica a verdadeira Maria, uma mulher carismática e que prega paz e esperança, para semear o caos entre os trabalhadores.

Na nossa realidade, os robôs mais avançados não têm corpos, mas enganam ao se comportarem como humanos. Eles transmitem ideias de maneira muito convincente, falando como nós. E isso pode transformar a sociedade mais que a Maria de Lang.

No mês, passado, Yuval Noah Harari argumentou em um artigo que a capacidade de a inteligência artificial convencer pessoas melhora à medida que esses sistemas se parecem mais com seres humanos. Como explica o historiador e filósofo israelense, a democracia depende de diálogo, e debates nacionais só se tornaram e se mantêm viáveis graças a tecnologias da informação, como os jornais e a TV.

Logo, qualquer mudança tecnológica pode impactar o diálogo e, consequentemente, a democracia. O irônico é que passamos agora, com a IA, pela maior transformação em décadas, mas seu impacto no diálogo não se dá por ampliar a troca de ideias, mas por ser uma ferramenta excepcional de manipulação das massas.

A pergunta que surge é: até onde esses “falsos humanos” podem prejudicar nossa capacidade de fazer escolhas conscientes sobre o que realmente é melhor para nós?


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Pudemos comprovar isso no primeiro turno das eleições, que aconteceu nesse domingo. Seguindo o padrão dos pleitos anteriores, os candidatos com propostas sensatas perderam espaço para quem se apresentou como “antissistema” ou que, no mínimo, propôs grandes mudanças, por mais que fossem esdrúxulas.

Esses candidatos entenderam algo que as redes sociais descobriram há alguns anos: as pessoas curtem, comentam e compartilham o que lhes desperta sentimentos nada nobres, como ódio, ganância e medo. Como vivem de engajamento, seus algoritmos promovem ativamente esses conteúdos. Esses políticos souberam se apropriar de tal recurso, agindo nesses sentimentos, para que aparecessem mais em nosso cotidiano.

Justamente aí a inteligência artificial pode ter um efeito nefasto. Apesar de depender de comandos humanos para funcionar, ela identifica padrões com eficiência sobre-humana, incluindo o que desperta aqueles sentimentos no eleitorado. Com tal informação, essa tecnologia produz para os políticos o material necessário para que se mantenham em evidência com o apoio das redes sociais.

A velha máxima do “falem bem ou mal, mas falem de mim” ganha nova dimensão. No deserto de ideias resultante, além das redes sociais, os outros candidatos e a própria imprensa acabam fazendo o jogo sujo dos “valentões”, que sequestram o tempo e a atenção das pessoas. Nesse vazio, cresce quem simplesmente aparece mais.

Nas minhas viagens pelo mundo, comprovei que a saúde de uma democracia estava ligada à qualidade de sua imprensa, que usa a tecnologia para informar, defender e fortalecer a população. O “problema” é que sua ferramenta é a verdade, que normalmente é muito menos atraente que as mentiras excitantes dos candidatos.

Dessa forma, os políticos atuam na corrosão da confiança das pessoas na imprensa. Por mais que ela faça um bom trabalho, seu papel na preservação da sociedade se enfraquece, pois sua mensagem agora ressoa menos no público. E as redes sociais, que viabilizam isso tudo, se isentam candidamente de qualquer responsabilidade.

Não é de se estranhar, portanto, que 47% dos brasileiros se recusem a consumir qualquer notícia. O número é do Digital News Report 2024, publicado em junho pelo Instituto Reuters e pela Universidade de Oxford. Em 2023, esse índice era de 41%.

 

Às favas com a verdade!

Inicialmente, acreditava-se que as pessoas eram manipuladas pelo convencimento dos algoritmos das redes sociais. E ainda que isso seja verdade para uma parcela muito significativa da população, sabe-se que o mecanismo é mais complexo que isso.

As pessoas acreditam no que lhes convier! Por mais absurda que seja a tese lançada por um político, muita gente não apenas compra a ideia, como ativamente a distribui por todos os meios que dispuser. A imprensa que mostra a falcatrua passa a ser vista como uma inimiga a ser desacreditada e silenciada.

Mas a eleição de 2022 ampliou a deterioração tecnológica da democracia, que se consolidou nesse primeiro turno, especialmente em cidades como São Paulo, onde a campanha se limitou à sarjeta. O que se observa agora são pessoas espalhando informações que sabem ser falsas, pois seus valores se alinham com os do candidato mentiroso. A verdade passa a ser um incômodo descartável, em um gigantesco “o fim justifica os meios”. Não se dão nem mais ao trabalho de acreditar!

A IA já se presta a fornecer a inteligência para isso. “Quando nos envolvemos em um debate político com um bot que se faz passar por humano, perdemos duas vezes”, escreveu Harari, que explica: “É inútil perdermos tempo tentando mudar as opiniões de um bot de propaganda, que simplesmente não está aberto à persuasão. E quanto mais conversamos com o bot, mais revelamos sobre nós mesmos, tornando mais fácil para o bot aprimorar seus argumentos e influenciar nossas opiniões.”

Quando a Internet foi criada, acreditava-se que ela ajudaria a disseminar a verdade. As redes sociais enterraram essa utopia. Com a avalanche de inutilidades e de mentiras que trouxeram, a atenção das pessoas tornou-se um recurso escasso. Na consequente batalha por ela, não vence quem dialoga, mas quem vocifera mais alto o que a turba insana e insatisfeita deseja.

O voto é substituído pela curtida e o debate perde espaço para o algoritmo. Enquanto algumas das melhores mentes do mundo atuam para humanizar os robôs, o resultado de seu trabalho ironicamente ameaça uma das características mais humanas que temos: a capacidade de dialogar e evoluir com isso.

O desafio dessa geração é reverter esse processo. Mas enquanto as empresas que criam as redes sociais e as plataformas de inteligência artificial não assumirem verdadeiramente a sua responsabilidade nesse processo, a dobradinha de robôs e políticos sujos triunfará.

 

David Furlonger, VP do Gartner: “a IA é uma disrupção combinatória, não perca tempo tentando separá-la” - Foto: Paulo Silvestre

Euforia e desconhecimento empacam avanços da IA

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A essa altura, ninguém diria que a inteligência artificial não passa de uma tendência incerta: seu uso cresce sem parar entre profissionais diversos, nos mais variados segmentos do mercado. Porém enquanto os investimentos nessa tecnologia avançam exponencialmente, executivos reclamam dos seus resultados. Isso vem muitas vezes de uma combinação de euforia e de desconhecimentos sobre a IA.

Durante a conferência Gartner CIO & IT Executive, que aconteceu em São Paulo na semana passada, especialistas da consultoria demonstraram isso em números. Segundo levantamento desse ano, 47% dos CIOs no mundo disseram que suas iniciativas corporativas de IA não atingiram seus objetivos. Ainda assim, 87% deles planejam investir mais nessa tecnologia em 2025. No Brasil esse índice chega a 92%!

As expectativas são altas e crescentes. Segundo o Gartner, em 2022, apenas 18% dos executivos de negócios acreditavam que a IA impactaria significativamente sua indústria. No ano seguinte, esse índice cresceu para 21%, saltando para 59% em 2024 e devendo chegar aos 74% até o fim do ano!

Apesar disso, são poucos os que parecem ter apetite para criar usos disruptivos com ela. Segundo a consultoria, metade das iniciativas com IA se concentram em ferramentas de produtividade para as equipes, enquanto 30% agem nos processos. Propostas para verdadeiramente transformar o negócio são apenas 20% dos casos.

Para melhorar esse quadro, as empresas devem parar de ver a inteligência artificial apenas como uma mera ferramenta digital capaz de dar respostas quase mágicas. Ela precisa ser encarada como uma tecnologia disruptiva para o negócio. E isso também exige estudo, planejamento e envolvimento profundo das diferentes equipes da empresa, que muitas vezes se dividem entre o medo e o deslumbramento com a IA.


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“A IA é uma disrupção combinatória, não perca tempo tentando separá-la”, disse na conferência David Furlonger, vice-presidente do Gartner. “Em vez disso, crie uma inteligência artificial estratégica”, sugeriu.

Ele trouxe previsões envolvendo a IA para os próximos anos, surpreendendo pelas suas abrangências e intensidades. A maior parte envolvia pessoas, como um risco de desenvolvimento de vício e vínculos emocionais com a IA, seu uso em convencimento, eliminação de níveis hierárquicos e uso da IA em decisões de alto nível nos negócios.

Outro ponto destacado é o consumo de energia. Apesar de usarmos alegremente o ChatGPT e afins, poucas pessoas têm consciência da brutal capacidade de processamento e de energia que ele consome. Cada resposta que ele nos dá, seria suficiente para fazer uma lâmpada elétrica piscar. Considerando que o ChatGPT cria algo como 500 milhões de respostas por dia, poderíamos dizer grosseiramente que seu consumo seria suficiente para as necessidades energéticas de uma cidade de médio porte.

Furlonger sugeriu que as empresas devem considerar até a geração de sua própria energia (ou parte dela), para atender as necessidades da IA. Segundo ele, até 2027, as maiores empresas do mundo devem transferir US$ 500 bilhões em iniciativas assim.

Em outra fala, Henrique Cecci, diretor-sênior de Pesquisa do Gartner, disse que muitos países não se beneficiam mais da IA por limitações energéticas. Segundo ele, o consumo desses datacenters deve dobrar nos próximos cinco anos. “E não dá para aumentar a capacidade energética de um dia para o outro”, lembrou.

Esse é só uma das despesas associadas ao uso da inteligência artificial. E o custo é justamente uma das maiores ameaças ao sucesso dessa tecnologia. Levantamentos do Gartner indicam que mais da metade das organizações estão desistindo de seus projetos de IA por erros na estimativa de investimentos necessários.

Ironicamente o principal foco nas iniciativas de uso da IA generativa, segundo a consultoria, é a redução de custos dos negócios.

 

IA sob ataque

Outro aspecto que as empresas precisam investir mais é a cibersegurança. A inteligência artificial traz inegáveis benefícios aos negócios, mas ela também abre sérias brechas na sua proteção.

Furlonger destacou os riscos associados aos agentes de inteligência artificial. Eles são sistemas criados para realizar tarefas específicas, e seu uso vem crescendo, até pelo incentivo dos desenvolvedores dessas plataformas. Mas os agentes podem ser enganados por pessoas de fora ou de dentro da organização. Segundo ele, até 2028, um quarto das falhas de segurança digitais podem estar associadas a eles.

Para Oscar Isaka, analista-diretor-sênior do Gartner, “100% de segurança só existe quando há 0% de funcionalidade”. Ele diz que o profissional de cibersegurança moderno deve ser capaz de explicar claramente os riscos para os diferentes públicos. “Vivemos uma batalha contra a desinformação, que desorienta todos”, acrescentou.

Felizmente a mesma inteligência artificial pode ajudar no combate a esses males. Furlonger afirmou que, até 2028, 48% dos CIOs trabalharão com “anjos da guarda digitais”, que automaticamente vasculharão a totalidade das ações dos agentes, identificando e bloqueando ataques. Essa é uma tarefa que os humanos não conseguirão desempenhar sozinhos.

E por falar em tarefas dos humanos, ele também mencionou o impacto da IA nas lideranças alta e média das empresas. Segundo o executivo, até 2026, 20% das empresas usarão IA para eliminar níveis hierárquicos, demitindo mais da metade dos gerentes atuais. Além disso, essa tecnologia será cada vez mais usada para os conselheiros das companhias exigirem melhores resultados do corpo de executivos.

Nenhuma dessas mudanças é trivial, mas já estão acontecendo em passo acelerado. As empresas tentam encontrar o seu caminho, muitas vezes “construindo o avião da IA em pleno voo”. E isso vem causando tantas decepções com resultados.

O melhor a se fazer, portanto, é investir em pessoas e em planejamento. A tecnologia funcionará muito melhor, qualquer que seja sua aplicação, com esses investimentos no lugar. De nada adianta termos sistemas revolucionários, se não soubermos obter resultados palpáveis deles, contornando seus inevitáveis riscos.

 

O finlandês Mikko Hyppönen mostra um disquete para relembrar o início de sua carreira, no palco do Mind The Sec - Foto: reprodução

Segurança digital deveria ser ensinada na escola, desde a infância

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Os smartphones sempre foram muito cobiçados pelos criminosos pelo seu alto valor e facilidade de negociação. De dois anos para cá, esse apetite cresceu muito, especialmente em São Paulo. Mas ironicamente os bandidos não estão interessados no aparelho, e sim nas diversas portas valiosas que ele abre para a vida da vítima, especialmente suas contas bancárias e cartões de crédito.

As pilhas de pessoas que tiveram todas as suas economias roubadas dessa forma escancaram como a cibersegurança deixou de ser uma preocupação corporativa e invadiu a vida de todos nós. As vítimas são cada vez mais jovens, incluindo crianças, o que indica que o tema deveria ser inserido nos currículos escolares, adequados à idade de cada aluno.

Os meliantes digitais espalham-se pela sociedade. As empresas preocupam-se com roubos de dados e invasões que paralisem suas atividades. As pessoas temem cair em golpes e que suas identidades sejam roubadas. E agora as crianças estão expostas a diferentes tipos de abusos online e a jogos que podem colocar as finanças de suas famílias em risco.

Ao educar crianças e adolescentes em cibersegurança, a sociedade prepara cidadãos menos suscetíveis aos ataques cada vez mais criativos e ousados do cibercrime. Os sistemas de segurança fazem bem o seu trabalho, por isso as pessoas passaram a ser o foco dos marginais. Então quanto mais cedo essa instrução for feita, melhor será a proteção de toda a sociedade.


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A criminalidade beneficia-se profundamente do meio digital. Até não muito tempo atrás, os criminosos assaltavam agências bancárias e carros-fortes, com um ganho razoável, mas com altíssimo risco de serem presos e até mortos! Com sua digitalização, agora eles praticam milhares de pequenos golpes, que lhes rendem ganhos maiores praticamente sem nenhum risco. E pessoas e empresas sem cultura de cibersegurança facilitam enormemente suas ações.

“O crime sempre esteve na vantagem, não tem regulação, não se preocupa com fazer alguma coisa errada e aparecer na mídia”, afirma Paulo Baldin, CISO e CTO da Flipside, empresa que organizou, na semana passada, o Mind The Sec, maior evento de cibersegurança da América Latina, em São Paulo. “Tudo o que eles fizerem está valendo e, quanto pior for o cenário, melhor para eles”, acrescenta.

“Quando olhamos para estatísticas internacionais, uma explicação para o motivo pelo qual o Brasil é tão atacado é a quantidade de sistemas antigos que ainda estão em uso”, diz o finlandês Mikko Hyppönen, uma das principais autoridades globais em cibersegurança e um dos principais palestrantes no Mind The Sec. “Você não pode proteger um sistema que não possa atualizar contra vulnerabilidades de segurança”, explica o especialista, que, em 2016, criou uma “lei” que indica que qualquer equipamento “inteligente” também é vulnerável.

“Hoje existe uma espécie de ‘miniguerra mundial cibernética’, com todos os países atacando uns aos outros”, sugere o chileno Gabriel Bergel, outra liderança global no setor presente no Mind The Sec. “O Brasil tem muita história nessa área, e a maior e mais madura comunidade de cibersegurança da região, mas, ao mesmo tempo, novos malwares e ransomwares são desenvolvidos aqui”, explica. Por isso, especialistas afirmam que o governo deve criar políticas modernas de combate ao crime digital.

A explosão dos usos da inteligência artificial torna o problema ainda mais grave, pois os bandidos estão usando essa tecnologia para ganhar escala e eficiência, tanto nas práticas de engenharia social (para enganar as vítimas), quanto no desenvolvimento de códigos maliciosos para infectar sistemas.

 

Não dá para se ter tudo

“Em cibersegurança, tudo é uma troca”, explica Hyppönen. Para ele, “quando privacidade e segurança entram em conflito, podemos querer ter as duas coisas, mas às vezes não dá!”

Até não muito tempo atrás, a segurança digital não costumava ir além de manter um bom antivírus, firewall e monitoramento de e-mails. Isso ficou no passado com o trabalho híbrido, que permite que funcionários trabalhem um dia no escritório e outro na praia, conectado em uma rede potencialmente insegura. Além disso, os sistemas corporativos, que costumavam ficar isolados nos servidores da empresa, hoje se conectam com plataformas de diversas fontes, como parceiros e clientes.

Por isso, a cibersegurança passa agora pelo que se chama de “observabilidade”, ou seja, monitorar continuamente sistemas e usuários para saber o que é um uso “normal” de cada um, para identificar rapidamente ações suspeitas e prevenir ataques.

“A triste verdade é que a defesa contra invasores avançados geralmente requer reunir grandes quantidades de telemetria, alertar em tempo real e responder rapidamente antes que um ataque possa ser concluído”, adverte o americano Alex Stamos, outro palestrante central do Mind The Sec. “Em redes corporativas, isso não precisa ter um grande impacto na privacidade pessoal, mas no caso de proteger grandes plataformas de consumidores ou nações inteiras, há um difícil equilíbrio entre proteger indivíduos de invasores e dos próprios protetores”, explica.

“Se eu implementar uma política que impacta a produtividade do usuário, isso acaba não sendo viável, porque impacta o negócio”, alerta Flavio Povoa, gerente de engenharia de sistemas da HPE Aruba Networking. “Eu preciso entender quem são esses usuários, com quem eles se comunicam, usar a IA para entender que tipo de dispositivo é esse e qual sua função na rede”, acrescenta.

Em um mundo em que tudo parece estar sendo potencializado pela inteligência artificial e onde os smartphones abrem portas para os serviços que usamos e até para nossos dados mais íntimos, não há mais espaço para pessoas e empresas trataram a segurança digital de forma displicente. Precisamos entender que a mesma tecnologia que nos facilita imensamente o cotidiano também apresenta riscos consideráveis.

Esse será o nosso cotidiano de agora em diante! O melhor que todos podem fazer é assumir e entender os riscos, criar mecanismos para se defender deles e estar preparado para encontrar saídas, caso o pior aconteça.

Ninguém está imune ao cibercrime! Quanto mais cedo aprendermos a lidar com ele, mas eficiente será a nossa resposta a esses novos desafios em nossas vidas.


Veja a íntegra em vídeo da entrevista com Paulo Baldin, CISO e CTO da Flipside:

 

Brasileiros ficam na 44ª posição do indicador que mede as nações mais felizes do mundo – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Aceleração do mundo digital ameaça a alegria das pessoas

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O brasileiro se gabava de ser o povo mais feliz do mundo. Éramos acolhedores até com estranhos e levávamos a vida de forma leve e bem-humorada, mesmo diante de adversidades do cotidiano. Vivíamos na orgulhosa pátria das chuteiras, do samba, do suor e da cerveja. Mas olhando a nossa volta, parece que isso ficou no passado. Muitas coisas explicam essa queda, mas algo sorrateiro tem um papel decisivo nesse entristecimento: a aceleração descontrolada de nossas vidas pelo meio digital.

Segundo o Relatório de Felicidade Mundial 2024, organizado pela consultoria Gallup, pela Universidade de Oxford e pela ONU, lançado em março, o Brasil amarga uma melancólica 44ª posição no indicador de nações felizes, de um total de 143, logo depois da Nicarágua e da Guatemala. Pelo sétimo ano seguido, o país mais feliz do mundo foi a Finlândia. Aliás, o norte da Europa domina a lista, com as primeiras posições completadas por Dinamarca, Islândia e Suécia.

Cada um sabe “onde aperta seu calo”. Entre outras questões, os brasileiros ficaram tristes pela violência, pela corrupção, pela política suja, pelo acesso precário a serviços básicos e pela instabilidade econômica, que leva a um medo constante de perder o emprego. Mas o nosso profundo apreço pelas redes sociais semeou em nós uma permanente insatisfação, que nos torna ansiosos e substitui muitos bons valores por insanas e contínuas buscas, como riqueza fácil com “jogos de tigrinhos” e afins.

Não dá para ser feliz enquanto se estiver insatisfeito! Obviamente temos que buscar nosso crescimento, mas precisamos resgatar o controle de nossas vidas, valorizando aquilo que verdadeiramente nos faz avançar. As redes sociais nos estimulam o tempo todo, de uma maneira que nosso cérebro não mais consegue lidar com tanta informação. Enquanto não percebermos como somos manipulados digitalmente, não sairemos desse quadro desolador.


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O Relatório de Felicidade Mundial considera diversos aspectos para definir a felicidade de um povo. Entre eles, estão o PIB per capita, o apoio de parentes e amigos, a expectativa de vida ao nascer, a liberdade de se fazer escolhas, a generosidade com o próximo e a percepção de corrupção. Essa última é onde o Brasil aparece pior, mas também vamos mal em liberdade de se fazer escolhas e na expectativa de vida.

A situação se agrava entre os brasileiros mais jovens. Segundo o estudo, se considerarmos só as pessoas com até 30 anos, o país despenca para a 60ª posição. Por outro lado, se computarmos apenas as com mais de 60, saltamos para a 37ª.

Diante disso é inevitável comparar o índice de felicidade com o de uso das redes sociais. De acordo com a versão mais recente do Digital Global Overview Report, publicado anualmente pela consultoria We Are Social, somos os vice-campeões mundiais em tempo online, com uma média diária de 9 horas e 13 minutos, dos quais 3 horas e 37 minutos são dedicados a redes socias. Em comparação, os dinamarqueses têm uma média diária online de 5 horas e 8 minutos e apenas 1 hora e 50 minutos nas redes sociais. A Finlândia não integrou essa pesquisa.

Não é mera coincidência que os mais jovens, que se informam menos por fontes confiáveis e são mais suscetíveis aos algoritmos de relevância, sejam os mais tristes. As sociedades descobriram que, para vender qualquer coisa, de um produto a um político, é preciso acelerar ainda mais a vida, soterrando o senso crítico.

Nesse cenário resultante de estresse, desesperança e cansaço coletivo, as pessoas aproveitam seu pouco tempo livre com diversão rasa, o que reforça a alienação. Rejeita-se tudo que convide a uma leitura crítica da vida.

 

“Pensar dá trabalho”

Fica fácil entender então por que 47% dos brasileiros deliberadamente se recusam a consumir notícias. O número é do Digital News Report 2024, publicado em junho pelo Instituto Reuters e pela Universidade de Oxford. Em 2023, esse índice era de 41%.

O estudo sugere que essa rejeição se deve à percepção de que “só há notícia ruim”. E apenas 43% dos brasileiros confiam no noticiário, o mesmo índice do ano passado, o pior já registrado (há uma década, era 62%). Se serve de consolo, os brasileiros são os que mais confiam nas notícias entre os seis países latino-americanos pesquisados.

Talvez a grande ironia para os que tentam “resistir ao noticiário” é que os mesmos assuntos ruins continuam os impactando, porém a partir de fontes pouco ou nada confiáveis, como WhatsApp ou Telegram. E assim esse conteúdo chega com uma carga emocional ainda mais pesada que se sua origem fosse o noticiário profissional.

Do outro lado, os que mais confiam no jornalismo são justamente os finlandeses, aqueles que também são os mais felizes do mundo, e que integram o grupo de populações menos influenciadas pelas redes sociais.

A informação que processamos em apenas uma semana hoje é muito maior que a que uma pessoa culta era exposta ao longo de toda sua vida no século XVIII. É verdade que o ser humano se adapta a tudo, mas o nosso cérebro tem seus limites. Quando são desrespeitados, entramos em colapso, daí as atuais ansiedade e depressão.

A inteligência artificial infelizmente tende a agravar isso, em um processo batizado de “hipersuasão” pelo filósofo italiano Luciano Floridi, um dos maiores nomes da filosofia da informação. Para ele, a IA já é usada para identificar nossos desejos e medos, e, a partir deles, produzir conteúdos que nos aceleram e nos convencem cada vez mais sobre qualquer tema. E isso ficará pior com o tempo. Tanto que, em janeiro, o Fórum Econômico Mundial em Davos classificou a desinformação impulsionada pela IA como a maior ameaça à humanidade nos próximos anos.

Podemos comprovar isso nas campanhas eleitorais desse ano. Seguindo o padrão dos pleitos anteriores, os candidatos que trazem propostas sensatas ficam muito atrás daqueles que se apresentam como “antissistema”, que “lacram” e acirram os ânimos. Tragicamente eles vencem sem oferecer nada concreto, apenas uma excitação vazia.

Chegamos a um ponto em que parece não haver saída. Governantes não se movimentam para melhorar esse quadro, pois se beneficiam dessa aceleração. As escolas não se posicionam, até por pressão de pais “acelerados”, preocupados com o vestibular e contra professores que insistam em oferecer a seus filhos visões de mundo mais amplas que as de dentro de casa.

Por isso, por mais que sejamos vítimas disso, sua solução recai sobre nossos ombros. E isso é terrível, porque a aceleração do meio digital nos retira os meios para sequer percebermos que ela existe! Somos arrastados a querer sempre mais, porém nunca chegaremos lá, e assim retroalimentamos o sistema que nos massacra.

Não há outro caminho! Temos que pisar no freio e nos questionar se desejaremos continuar fazendo parte dessa roda viva ou se resgataremos o controle sobre nós mesmos. E nesse caso, precisaremos eliminar nossa submissão digital.

 

Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, fala durante a abertura do SAP Now 2024, em São Paulo – Foto: Paulo Silvestre

IA só entregará a prometida transformação, se o investimento for feito com consciência

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A “corrida da inteligência artificial” está prestes a completar dois anos, com executivos buscando maneiras de usar essa tecnologia para levar seus negócios a um patamar de produtividade inédito. Mas esse aspecto quase messiânico da IA tem decepcionado muitos deles, que não vêm colhendo os frutos esperados de seus investimentos.

A culpa não é da IA, e sim de implantações feitas sem planejamento. Em um estudo de julho de 2023, pesquisadores da consultoria McKinsey concluíram que, embora 89% das grandes empresas no mundo já tivessem projetos com IA em curso, apenas 31% haviam aumentado as receitas e 25% diminuído os custos como esperado. Outro levantamento, essa da consultoria Gartner, do segundo trimestre de 2023, indicou que 64% dos CEOs não achavam que existia exageros sobre a IA, mas 53% dos CIOs não tinham certeza se estavam preparados para mitigar os riscos associados a ela.

A implantação responsável da IA teve destaque durante o SAP Now, evento anual da subsidiária brasileira da gigante alemã de software, que aconteceu na semana passada, em São Paulo. Apesar de a inteligência artificial generativa ganhar os holofotes, seu uso consciente permeou a fala das lideranças da empresa.

Essa tecnologia efetivamente traz ganhos de produtividade antes inimagináveis a profissionais em diferentes funções e de diversos setores da economia. Porém os seres humanos precisam se manter no controle do processo. Isso demanda o desenvolvimento de novas habilidades nas equipes, criando também exigências inéditas para os gestores.

Não é de se estranhar, portanto, que ainda se observe desperdícios na implantação de uma tecnologia tão revolucionária. Sem um olhar responsável, criterioso e ético, além de capacitação dos times, a IA pode ser mesmo decepcionante.


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“Você não traz inovação, IA, transformação para a nuvem, se você não trouxer valor para o negócio”, explicou no evento Cristina Palmaka, presidente da SAP América Latina e Caribe. “Seja a criação de novos modelos, seja aumento de produtividade, eficiência, todo o tema de segurança, o apetite está atrelado a ter um caso de negócios que justifique o investimento”, acrescentou.

Em outras palavras, antes de pensar em investir desbragadamente em inteligência artificial, deve-se saber qual é o ganho para o negócio que ela trará, qual é o problema a ser resolvido. Parece óbvio, mas nem sempre isso é seguido pelos gestores: no estudo do Gartner, 65% dos entrevistados disseram usar dados para justificar uma decisão já tomada, normalmente pela pessoa mais bem-paga na organização.

“Nosso posicionamento é de ‘business AI’: a gente não quer ser mais uma alternativa de tecnologia, como o ChatGPT, porque o insumo deles é a informação que está aí, pela Internet”, afirmou no SAP Now Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, reforçando o seu posicionamento corporativo. “A nossa inteligência artificial faz uso dos dados do próprio negócio, pois a gente quer a inteligência artificial resolvendo problemas de negócios reais”, justificou.

Pouco antes, na abertura do evento, a executiva havia destacado a importância de que a IA de aplicações corporativas siga três R (em inglês): “Relevant” (relevante), “Reliable” (confiável) e “Responsible” (responsável). Eles endereçam um dos grandes problemas que muitas empresas enfrentam nas suas atuais implantações de inteligência artificial: a baixa confiabilidade nas respostas oferecidas pelas plataformas, incluindo as chamadas “alucinações”.

De fato, estima-se que pelo menos 3% de todas as respostas dadas por sistemas públicos, como o ChatGPT e o Gemini, contenham imprecisões leves ou severas. Isso acontece porque eles sempre respondem algo aos questionamentos do usuário, mesmo quando não sabem o que dizer. Além disso, por usarem informações públicas da Internet, isso diminui a relevância de suas respostas para os negócios.

Soluções corporativas de IA da SAP e de outras empresas, como IBM e Red Hat, mitigam esse risco por se focarem em dados do próprio cliente, aumentando sua relevância e a sua confiabilidade.

 

O R de “responsável”

O “terceiro R”, o da responsabilidade, depende mais das pessoas que das máquinas. Afinal, a tecnologia é agnóstica, e fará tudo que lhe for pedido.

“A gente entende que a decisão é sempre do humano: a IA automatiza, mas é o cliente que faz a pergunta”, lembrou Aroulho. Para ela, as empresas não podem perder de vista a ética quando usam a IA, e precisam capacitar suas equipes para usos conscientes. “À medida que a inteligência artificial vai automatizando, a gente vai melhorando também, porque temos que fazer a pergunta certa”, detalhou.

“Alguns especialistas dizem que a inteligência artificial generativa se assemelha ao descobrimento do fogo, da eletricidade e à criação da Internet, no que tange à evolução da espécie humana, e eu não acho que seja exagero”, sugeriu no palco do SAP Now Matheus Souza, Chief Innovation Officer da SAP América Latina e Caribe.

Concordo com ele! Mas estou certo de que muitos de nossos ancestrais primitivos queimaram a mão tentando dominar o fogo. Mesmo hoje, ainda sofremos acidentes com ele, porém proporcionalmente pouco, pois aprendemos como usá-lo.

Estamos na aurora da inteligência artificial. Apesar de suas pesquisas já terem mais de 70 anos, apenas agora empresas e profissionais têm acesso amplo a seus recursos, seja pelo grande poder de processamento disponível, seja pela atenção que ela ganhou com o lançamento do ChatGPT.

Mas apesar de seu apelo irresistível, executivos e gestores de pessoas devem abraçá-la do jeito certo. Se não souberem que problemas a IA resolverá, e se suas equipes não estiverem à vontade e preparadas para isso, sua adoção pode ser decepcionante.

Na atual intersecção da tecnologia com os negócios, essas decisões não podem mais se restringir a aspectos de um ou do outro. Como explicou Palmaka, essa inovação não deve servir apenas para aquilo que se faz hoje, mas também para aquilo que será feito no futuro.

Com tanto poder em jogo, não há espaço para amadorismo.

 

Policial espanhola atende mulher no programa VioGén, que calcula o risco de ocorrências de violência de gênero - Foto: reprodução

O que acontecerá quando alguém morrer por um erro de inteligência artificial

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O uso da inteligência artificial continua avançando nas mais diversas atividades, trazendo sensíveis ganhos de produtividade em automação de tarefas e no apoio à tomada de decisões. Ainda assim, ela está longe de ser perfeita, mas muitos usuários parecem não se preocupar com isso, pois seus eventuais erros causam prejuízos mínimos. Em algumas funções, entretanto, essas falhas podem levar a enormes transtornos, até mesmo à morte de alguém.

Duas perguntas surgem imediatamente disso: como evitar que uma tragédia dessas aconteça, e quem responderá por isso nesse caso.

A inteligência artificial é fabulosa para encontrar padrões, que permitem que ela tome suas decisões. Esses padrões dependem, entretanto, da qualidade dos dados usados para seu treinamento. Se os dados forem limitados ou cheios de viés, isso comprometerá seriamente a eficiência da plataforma.

Esse é um dos motivos por que a tomada de decisões críticas, por mais que seja auxiliada pela inteligência artificial, deve continuar em mãos humanas, pelo menos no estágio atual da tecnologia.

Algumas pessoas argumentam que isso contrariaria o próprio propósito de se usar a IA. Mas ignorar essa responsabilidade é como entregar uma decisão de vida ou morte para um estagiário eficiente. Talvez algum dia ele tenha estofo para algo tão sério e possa responder por isso, mas, por enquanto, não está preparado para tal.

Nada disso é especulação: já está acontecendo!


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Por exemplo, a polícia espanhola usa um sistema chamado VioGén para determinar estatisticamente riscos de ocorrência de violência de gênero. Em 2022, Lobna Hemid foi morta em casa pelo seu marido, depois de dar queixa na delegacia por ter sido insultada e surrada por ele com um pedaço de madeira, diante dos quatro filhos de 6 a 12 anos. Toda a vizinhança tinha ouvido seus gritos.

Não havia sido a primeira vez que o marido, Bouthaer el Banaisati, a havia espancado nos dez anos de casamento. Ainda assim, o VioGén calculou que ela corria pouco risco. O policial aceitou a decisão da máquina e a mandou para casa. Sete semanas depois, Bouthaer a esfaqueou várias vezes no peito e depois se suicidou.

Segundo o Ministério do Interior da Espanha, há 92 mil casos ativos de violência contra mulher no país. O VioGén calculou que 83% dessas vítimas tinham risco baixo ou insignificante de serem atacadas novamente pelo agressor. E o caso de Lobna não é único: desde 2007, 247 mulheres foram mortas depois de serem analisadas pelo sistema, 55 delas com riscos classificados como insignificantes ou baixos.

Os policiais têm autonomia de ignorar a sugestão da plataforma, devido a indícios que observem. Mas em 95% dos casos, eles apenas aceitam a sugestão.

A máquina não pode ser responsabilizada pelo erro de julgamento, por mais que esteja diretamente ligada a essas mortes. Mas então quem reponde por isso? Os policiais que acreditaram no VioGén? O fabricante da plataforma?

No momento, ninguém! As autoridades argumentam que, apesar de imperfeito, o VioGén efetivamente diminuiu a violência contra mulheres. Mas isso não importa para Lobna, que engrossou as estatísticas de agressões fatais contra mulheres e de erros policiais grosseiros causados por decisões auxiliadas por uma máquina.

 

No Brasil

Oficialmente, não há casos assim no Brasil, mas diferentes sistemas de IA já causam severos erros policiais e jurídicos no país.

Assim como acontece em outras nações, muitas pessoas já foram presas por aqui por erros em sistemas de reconhecimento facial por câmeras públicas ou de policiais. A maioria das vítimas são pessoas negras e mulheres, pois as bases de dados usadas para seu treinamento têm muito mais fotos de homens brancos.

Isso reforça ainda mais a já conhecida e aviltante discriminação policial contra negros. E por mais que essas vítimas acabem sendo soltas quando o erro é descoberto, passar alguns dias “gratuitamente” na cadeia é inadmissível!

E nem estou falando nos casos em que a polícia já chega atirando no “suspeito”.

Em outro caso, há o sistema de vigilância pública da prefeitura de São Paulo, o Smart Sampa, que usa IA para evitar crimes. Sua proposta original, que previa “rastrear uma pessoa suspeita, monitorando todos os seus movimentos e atividades, por características como cor, face, roupas, forma do corpo, aspectos físicos etc.”, teve que ser alterada, pois monitorar alguém pela cor é ilegal. Mas a redação era emblemática!

A Justiça também tenta encontrar caminhos seguros para um uso produtivo da IA. Mas casos de erros graves dificultam essa aprovação.

Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investiga o caso do juiz Jefferson Ferreira Rodrigues, que negou indenização a uma servidora pública, quando era titular da 2ª Vara Cível e Criminal de Montes Claros (MG). Sua sentença incluía jurisprudências inexistentes criadas pelo ChatGPT. Ele admitiu o erro, mas o classificou como um “mero equívoco” devido à “sobrecarga de trabalho que recai sobre os ombros dos juízes”. Ele ainda atribuiu o erro a um “assessor de confiança”.

Esses são apenas exemplos de por que não se pode confiar cegamente nas decisões de plataformas de inteligência artificial. É muito diferente de dizer que elas não devem ser usadas, pois devem: podem trazer grandes benefícios aos nosso cotidiano!

A decisão sempre deve ser de humanos, que são responsáveis por qualquer falha da plataforma, especialmente em casos críticos. E mesmo que um sistema evite 100 mortes, não é aceitável que 10 inocentes sejam condenados ou mortos por erros da plataforma. Se houver um único erro assim, ela não é boa o suficiente para uso!

Por fim, é preciso criar legislações que também responsabilizem os fabricantes por essas falhas. Caso contrário, seu marketing continuará “batendo o bumbo” quando algo dá muito certo, e “tirando o corpo fora” se algo der errado, jogando a culpa aos seres humanos. A inteligência artificial deve trabalhar para nós, e não o contrário!

 

O CEO da Microsoft, Satya Nadella, apresenta a linha de computadores Copilot+, em evento da empresa em maio - Foto: reprodução

Mais que chips, novos computadores e celulares funcionam com nossos dados

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Nos últimos meses, a corrida pelo domínio do mercado da inteligência artificial pariu novos computadores e celulares. Equipamentos da Microsoft, Google e Apple trazem recursos antes inimagináveis, que podem facilitar muito nosso cotidiano. Para que funcionem, são empurrados por processadores poderosos, mas precisam de outro componente vital: dados, muitos dados… nossos dados!

A IA depende de quantidades colossais de informações para que funcione bem. Essa nova geração de máquinas traz esse poder para a realidade de cada usuário, mas, para isso, precisam coletar vorazmente nossas informações. E isso faz sentido: se quisermos que a IA responda perguntas sobre nós mesmos, ela precisa nos conhecer.

É um caminho sem volta! Essa coleta crescerá gradativamente, trazendo resultados cada vez mais surpreendentes. Precisamos entender que nada disso é grátis. Isso leva a um patamar inédito um processo iniciado há cerca de 15 anos com as redes sociais e que ficou conhecido como “capitalismo de vigilância”: para usarmos seus serviços, as big techs coletam e usam nossas informações para nos vender todo tipo de quinquilharia e, em última instância, nos manipular.

O histórico de desrespeito dessas empresas com seus clientes joga contra elas. Queremos os benefícios da inteligência artificial, e isso pode ser feito de maneira ética e legal, mas qual garantia temos de que esses problemas não ficarão ainda maiores?


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Não temos essa garantia! As big techs primam pela falta de transparência em seus negócios, e lutam com unhas e dentes contra qualquer tentativa de legislação que coloque seu modelo em risco. Elas foram bem-sucedidas nesse processo, ao travar a criação de leis, inclusive no Brasil, que lhes atribuísse alguma responsabilidade por promoverem conteúdos nocivos aos indivíduos e à sociedade. O único lugar que conseguiu criar alguma regra assim foi a Europa. Agora, com a ascensão da IA, as big techs tentam repetir esse movimento para essa tecnologia.

É importante deixar claro que não sou contra a inteligência artificial: muito pelo contrário! Como pesquisador, reconheço os incríveis benefícios que traz. Mas como diz o ditado, não existe almoço grátis. Precisamos saber quanto estamos pagando!

Entre as novidades, estão os notebooks Copilot+, criados pela Microsoft e lançados por diferentes fabricantes, como Samsung, Dell e Lenovo. Entre outros recursos, eles trazem o Recall, que permite que pesquisemos qualquer coisa que já fizemos no computador. Para isso, ele registra todas as nossas atividades a cada poucos segundos. Essas máquinas também executam localmente diversas atividades de IA generativa que normalmente são executadas na Internet, como no ChatGPT.

O Apple Intelligence, pacote de serviços de IA da empresa para seus novos iPhones, iPads e Macs, cria uma camada de assistência inteligente que combina os dados do usuário distribuídos em múltiplos aplicativos. Muito disso acontece no próprio aparelho, mas há operações que dependem da “nuvem”. A Apple garante que ninguém, nem seus próprios funcionários, tem acesso a esses dados.

O Google AI, pacote de IA do gigante de buscas, oferece recursos interessantes, como um identificador de golpes telefônicos. Mas, para isso, precisa ouvir todas as chamadas de áudio que fizermos. Outro recurso permite que façamos perguntas sobre fotos que tenhamos tirado, às quais ele também tem acesso. A empresa disse que seus funcionários podem eventualmente analisar as perguntas, “para melhorar o produto e sua segurança”.

Todos os fabricantes demonstram grande preocupação com a segurança das informações pessoais, afirmando que tudo é criptografado e que nem eles mesmos têm acesso a isso. Mas a informática sempre mostrou que mesmo o melhor cadeado pode ser aberto por mentes malignas habilidosas.

 

“Raio-X da alma”

Todos esses novos sistemas têm uma incrível capacidade de criar relações e identificar padrões pelos cruzamentos de dados das mais diversas fontes e naturezas. Isso lhes permite compreender quem somos, nossas crenças, desejos, medos, como pensamos, criando um verdadeiro “raio-X de nossa alma”, com informações de valor inestimável para empresas, governos e até criminosos.

É curioso que, até pouco atrás, éramos mais preocupados com a nossa privacidade. Não compartilhávamos dados sem que soubéssemos (pelo menos em tese) o que seria feito deles. Eram pouquíssimas informações e elas não eram cruzadas entre si.

As redes sociais mudaram isso, com a ideia de que nossas informações também lhes pertencem, podendo fazer o que quiserem com elas para seu benefício. E elas fazem, mesmo quando isso prejudica seus usuários.

Um exemplo emblemático de proteção dos usuários aconteceu no início de julho, quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibiu a Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) de usar os dados dos brasileiros para treinar seus modelos de inteligência artificial. Infelizmente algo assim é muito raro!

Mesmo que não exista nenhum problema de privacidade, precisamos entender que essas máquinas inauguram um novo tipo de dependência e até de relação entre nós e a tecnologia. Quem assistiu ao filme “Ela” (2013), dirigido por Spike Jonze e estrelado por Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, sabe como isso funciona.

Na história, Theodore (Phoenix) se apaixona por Samantha (a voz de Johansson), o sistema operacional de seu computador e smartphone, movido por uma aparente inteligência artificial geral. Ela sabia tudo sobre ele, e usava essa informação para lhe facilitar a vida. Mas com o tempo, ele se viu em um inusitado relacionamento desequilibrado com uma máquina!

É por isso que, ao aceitarmos usar os incríveis recursos desses novos equipamentos, precisamos estar conscientes de como estaremos nos expondo para isso. Por mais bem-intencionadas que os fabricantes sejam (e há ressalvas nisso em muitos casos), existem riscos potenciais com os quais teremos que aprender a conviver.

Assim como qualquer outro serviço que exista graças à inteligência artificial, os fabricantes precisam assumir responsabilidades durante o desenvolvimento, algo que os já citados dizem fazer. Eles também dever ser responsabilizados se algo der errado durante seu uso, um risco bastante considerável, mas isso eles não aceitam.

É um mundo totalmente novo que se descortina diante de nós. As relações entre empresas, governos, instituições e pessoas precisam ser repensadas diante disso tudo. Caso contrário, clientes e cidadãos podem ficar em uma situação muito precária.

 

O apresentador Silvio Santos, que faleceu na manhã desse sábado - Foto: Palácio do Planalto/Creative Commons

Por que nunca mais haverá alguém como Silvio Santos no mundo

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O que dizer de Silvio Santos depois que tudo parece já ter sido dito desde a sua morte, na manhã de sábado? Ícone da televisão, apresentador brilhante, comunicador do povo, empresário nato, generoso, visionário, às vezes polêmico… Sobram substantivos e adjetivos para descrevê-lo, e todos parecem ter sido usados. Decidi então explicar por que nunca mais haverá alguém como ele no mundo.

Silvio Santos levou com ele mais que seu carisma e sua sagacidade: encerrou uma era da comunicação que não pode ser reproduzida. Ele foi um caso único que reuniu a espontaneidade de apresentadores capazes de conquistar o país, como Chacrinha, Hebe Camargo, Fausto Silva e Gugu Liberato, com uma visão empresarial que consolidou a própria televisão no país, ao lado de magnatas como Assis Chateubriand e Roberto Marinho.

Esses nomes tornaram-se símbolos desse meio de comunicação, que reinou soberano no mundo todo por décadas. Até pouco tempo atrás, a televisão era o primeiro eletrodoméstico que o brasileiro comprava para uma casa nova, antes mesmo que a geladeira! Mas isso ficou no passado, assim como o poder dessas personalidades.

Silvio Santos foi criador e criatura de um cenário social e tecnológico que nunca mais acontecerá. Por isso, procurar um sucessor para o que ele representou é uma tarefa inócua. Mas podemos olhar para seus acertos e seus erros, e aprender como melhorar a mídia televisiva e digital, para que realmente atenda aos anseios e necessidades do público, algo de que precisamos muito.


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O meio digital fragmentou a mídia e diluiu o poder da televisão. Ela ainda é o principal meio de comunicação, abocanhando uma gorda fatia publicitária, mas não ocupa mais o espaço determinante na vida das pessoas que já teve. Com isso, mesmo suas mais importantes estrelas do entretenimento e do jornalismo não conseguem reunir uma multidão de fãs e criar uma poderosa marca pessoal, como outrora acontecia.

Ironicamente essa influência não foi transferida para os grandes nomes do meio digital. Nessa mídia, a concorrência e a pulverização da audiência são absurdas, fazendo com que mesmo seus destaques não se tornem conhecidos do grande público. É verdade que existem nomes muito populares, como Luciano Huck e Felipe Neto, mas eles nunca atingiram a abrangência e a aprovação de pessoas de todas as classes sociais e de todas as regiões do país, até se tornarem ícones da comunicação.

Tudo isso impede que surja outra figura midiática com a envergadura de Silvio Santos no Brasil e em qualquer lugar do mundo. Apesar de sua inegável capacidade de criar conexão com as pessoas, provavelmente mesmo ele não conseguiria repetir seu sucesso hoje, pois o público está mais exigente, buscando opções que sejam muito alinhadas a seus valores. E há muitas delas!

Silvio Santos floresceu em um ambiente de poucas opções, em que a TV era a grande unificadora nacional, retroalimentando a popularidade que conseguia. Isso permitiu que ele saísse da posição de camelô e chegasse às mais altas rodas do poder econômico e político do país.

Isso culminou com uma candidatura-relâmpago à presidência da República, em 1989, a primeira com voto direto para presidente depois da ditadura militar. Silvio Santos foi convencido a entrar na disputa a poucos dias do primeiro turno, saltando para o topo das pesquisas de intenção de voto instantaneamente! Mas sua candidatura acabou impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por falhas na inscrição.

Três décadas depois, a televisão, que já foi o maior cabo eleitoral do país, perdeu essa posição para as redes sociais, usadas pelos candidatos para angariar votos manipulando os algoritmos para controlar corações e mentes dos eleitores.

 

Vamos sorrir e cantar

A despeito de alguns erros empresariais e de posturas inadequadas para os padrões atuais, Silvio Santos deixa para as gerações futuras de comunicadores e de empresários de todos os setores algumas lições importantes. E a maior delas é certamente a preocupação de se conectar ao público de uma maneira espontânea a afável, com uma linguagem que todos podiam entender e até se identificar, sempre com alegria.

Ele era um homem de negócios focado no lucro, mas isso nunca o desviou de criar produtos que atendessem às necessidades de seus clientes e fossem fáceis de entender e de gostar, seja na televisão ou fora dela. Além disso, possuía um senso social bem desenvolvido, o que fazia com que, entre outras coisas, cuidasse muito bem dos profissionais de suas companhias.

Como empresário, ele buscava a inovação e corria riscos. Isso se manifestava não apenas em programas diversificados, mas também em negócios que iam muito além da TV e do entretenimento, como bancos e cosméticos. Nem sempre dava certo, mas era resiliente e bem assessorado para tomar novos rumos diante de adversidades.

Silvio Santos também construiu possivelmente a marca pessoal mais valiosa do país, com seu nome se tornando sinônimo de credibilidade, carisma e diversão para milhões de brasileiros. Fez isso com sua coerência ao longo de décadas, aparecendo como o rosto de seus negócios de entretenimento, algo em que muito acreditava. Não por acaso, ele se tornou uma das pessoas mais imitadas do Brasil.

O apresentador também sempre foi dono de seu destino. Apesar de seu programa ter surgido na TV Paulista, depois incorporada pela Globo, criou sua própria emissora para que pudesse fazer os programas que quisesse, sem depender da aprovação de ninguém.

Nesse sentido, mesmo não sendo mais possível replicar seu sucesso e sua importância social, o legado que ele deixa ainda pode inspirar muita gente. Especificamente no mundo da mídia, eles podem ser muito valiosos em um momento em que grandes marcas lutam sofregamente para se manterem relevantes para um público em constante mudança e com concorrentes inovadores surgindo a todo momento.

O desafio de seus gestores será encontrar novas formas de construir esse tipo de relação com o público, em um mundo cada vez mais diversificado e fragmentado. A música-tema de seu programa dizia que “do mundo não se leva nada”, e isso valeu até para Silvio Santos. Mas como ele mostrou, podemos deixar muita coisa nele se fizermos um bom trabalho e cuidarmos genuinamente das pessoas.

 

Maria Juvelina de Oliveira Monteiro lidera fila para sacar em terminal Atmo, em supermercado de Oeiras do Pará - Foto: Paulo Silvestre

Na terra do “dinheiro vivo”, digitalização facilita o cotidiano

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Enquanto as pessoas das grandes metrópoles usam cada vez menos notas e moedas, nos rincões do Brasil, o “dinheiro vivo” é ainda quem manda. Seja por questões culturais ou pela dificuldade de se fazer transações eletrônicas, a população desses locais prefere andar com maços de notas para as necessidades de seu cotidiano.

Para isso, precisam fazer saques, algo simples nos grandes centros urbanos, mas um transtorno em locais em que a agência bancária ou o caixa eletrônico mais próximo fica a horas de viagem. Ironicamente, nesses casos, os recursos digitais podem facilitar muito a vida de quem quer sentir o dinheiro na mão.

Na semana passada, pude ver isso de perto em Oeiras do Pará, município de 33 mil habitantes no interior daquele Estado. Lá, em muitos casos, a dificuldade é conseguir dinheiro para sacar. Apesar de a cidade possuir uma agência do Banco do Estado do Pará e um caixa eletrônico do Bradesco, pode acontecer de o dinheiro simplesmente acabar neles, e demorar dias para ser reposto.

A empresa TecBan encontrou uma solução criativa para o problema, com seu terminal Atmo, que poderia ser definido como um “Banco24Horas sem dinheiro”. Instalado em mesas de estabelecimentos comerciais, ele permite que os clientes saquem benefícios sociais e valores de suas contas, recebendo o dinheiro do caixa de onde a máquina estiver instalada. A TecBan deposita esses valores na conta do lojista no mesmo dia e, ao final do mês, ainda o bonifica com um adicional por cada transação realizada.

Parece uma solução simples, e de certa forma é mesmo. Mas esse uso da tecnologia digital promove uma grande mudança no cotidiano das pessoas e das empresas.


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É difícil alguém que vive em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, onde pagamentos são feitos por aproximação de smartphones, compreender a dimensão disso tudo. Mas onde a Internet é precária e a vida é pouco digital, o dinheiro na mão é sinônimo de confiança.

O Pix colocou o Brasil na vice-liderança global de transações instantâneas, atrás apenas da Índia. Segundo o Banco Central, 5,28 bilhões de Pix movimentaram R$ 2,18 trilhões em junho. No primeiro trimestre, ele respondeu por 43% das transações, contra apenas 2% das feitas em dinheiro, 15% do cartão de crédito e 13% no débito.

Para entender melhor o abismo entre o “Brasil do Pix” e o do “dinheiro vivo”, precisamos olhar além da Internet ruim típica do segundo. Instalar uma agência bancária ou mesmo um caixa eletrônico exige um grande investimento de infraestrutura e de logística. Mesmo que existam, sua manutenção é cara.

“O Brasil é muito grande, e a logística, em alguns locais, é bem complicada”, explica Rodrigo Rocha Maranini, gerente de produtos e canais de distribuição do Banco24Horas. A maior dificuldade é o transporte do dinheiro para abastecer esses locais, uma operação complexa. No caso de Oeiras do Pará, ele chega de avião na cidade de Curralinho, e depois precisa viajar mais duas horas de barco, o que não acontece em todos os dias.

Há também o risco de problemas operacionais, que tornam o caixa inoperante até que um técnico venha de outra cidade, o que pode demorar dias. “Então a maneira que a gente encontrou para atender a população foi o Atmo”, acrescenta Maranini.

Antes disso, lojistas já faziam informalmente esse tipo de “serviço de saque”, mas cobravam por isso. Por exemplo, se o cliente quiser sacar R$ 400, ele faz uma compra inexistente no estabelecimento no valor de R$ 430, e o dono fica com a diferença.

Outra prática comum é entregar seu cartão e sua senha a uma pessoa que viaje a outra cidade, normalmente com os cartões de dezenas de pessoas, para sacar o dinheiro e trazer ao final do dia. Além de arriscado, também é cobrada uma taxa.

Do lado do lojista, o Atmo resolve o problema de ter que se viajar com o dinheiro do dia para depositá-lo na conta da empresa. “Ficava muito dinheiro na loja”, explica, Thalita Santana Pereira, responsável pelas lojas da rede de supermercados Solzão, que têm Atmos instalados. “Agora não tem mais esse problema.”

 

Dinheiro na cidade

Os lojistas também apontam a vantagem de o dinheiro ficar na cidade e até no seu estabelecimento. “Antes deixavam parte do dinheiro em outro lugar”, afirma Kledson Pantógena Pereira, dono da Farmácia Popular, em Oeiras do Pará, que também tem um Atmo. Ele sente que, com o terminal, oferece um serviço: “é bom ser útil!”

O Pará possui uma agência bancária para cada 16 mil habitantes, o 15º Estado no país nesse índice. Em São Paulo, por exemplo, há uma agência para cada 9 mil. Além disso, segundo o Cetic.br (órgão de pesquisa ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil), o Pará tem o menor percentual da população conectada à Internet no Brasil.

Maria Juvelina de Oliveira Monteiro, vendedora de açaí em Oeiras do Pará, tem celular, mas não faz Pix porque tem medo de que algo dê errado: “aí dá uma dor de cabeça, meu filho!” Ela recebe Bolsa Família e o salário do marido falecido, e saca o dinheiro todo no Atmo do supermercado Solzão da cidade assim que ele chega. “Gosto de sacar aqui, porque, em outros lugares, às vezes não tem dinheiro”, explica.

Os benefícios sociais, como o Bolsa Família e o Seguro Defeso (pago a pescadores impedidos de trabalhar na época de reprodução dos peixes), são muito importantes para a população dessas regiões. Segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, 8.692 famílias de Oeiras do Pará recebem o Bolsa Família, com um valor médio de R$ 434 por mês.

Tudo isso configura um mundo muito diferente do “Brasil do Pix”. São pessoas que sacam, de uma só vez, todo dinheiro que têm, para poder pagar suas contas e comprar o que precisam, sem ter que se deslocar, às vezes longas distâncias, gastando um dia todo, para fazer isso.

Como se pode ver, mesmo onde o “dinheiro vivo” impera, os recursos digitais podem fazer uma grande diferença, se usados com criatividade.