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Crianças com “laptop de US$ 100” do projeto “One Laptop Per Child”, criado por Nicholas Negroponte - Foto: OLPC/Creative Commons

Volta às aulas reacende debate sobre o lugar da tecnologia na escola

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Estamos em plena volta às aulas! Com os alunos, ressurge o debate sobre como usar a tecnologia na educação, com uma inteligência artificial cada vez mais poderosa. E a prefeitura do Rio de Janeiro jogou lenha na fogueira ao proibir, na sexta passada, que os alunos usem celulares nas escolas públicas municipais, mesmo no recreio.

Especialistas aprovam a decisão, que tem 30 dias para ser implantada. Já debatemos longamente, nesse mesmo espaço, como os celulares em sala de aula em atividades não acadêmicas roubam a atenção dos alunos e prejudicam profundamente seu aprendizado. No caso do recreio, eles atrapalham os processos de socialização entre as crianças, necessários para o seu desenvolvimento. Pela nova regra, os equipamentos devem ficar desligados ou silenciados na mochila do estudante, podendo ser usados apenas se o professor os solicitar para alguma atividade, ou em casos excepcionais, como alunos com algum problema de saúde.

A determinação é interessante para ampliarmos o debate sobre a digitalização do ensino. Nessa mesma época, no ano passado, os professores estavam em polvorosa devido ao então recém-lançado ChatGPT. Muitos achavam que não conseguiriam mais avaliar seus alunos e alguns temiam até perderem o emprego para as máquinas.

Passado um ano, nada disso aconteceu, até porque descobrimos que essa tecnologia ainda erra muito. Mas todo aquele burburinho serviu para, pelo menos, os professores repensarem os seus processos de avaliação. Em uma sociedade altamente digitalizada, não dá mais para só pedir que alunos entreguem textos escritos em casa.

Mas se sabemos o que não deve mais ser feito, ainda não há clareza sobre como usar todo esse poder digital de maneira criativa e construtiva com os estudantes, desde a infância até a universidade. A despeito dos riscos e problemas conhecidos, os alunos devem aproveitar o que ela também oferece de bom, de forma adequada a sua idade. Essa é uma lição de casa que todos nós temos que fazer.


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Há 15 anos, eu trabalhava com o desenvolvimento de conteúdos didáticos digitais e sistemas de apoio pedagógico. Era uma época em que Nicholas Negroponte, fundador do Media Lab, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), propunha o uso de notebooks de US$ 100 para crianças estudarem melhor com o apoio da tecnologia.

Essas máquinas chegaram a ser criadas e pude conhecer alguns modelos. Eram pequenas maravilhas tecnológicas para a época, a um preço convidativo. O projeto foi implantado em alguns países, mas em muitos casos (inclusive no Brasil) não evoluiu, não pela tecnologia, mas porque os professores não sabiam bem o que fazer com ela.

De certa forma, vivemos algo semelhante agora. Estamos cercados por telas, e as crianças têm acesso a elas cada vez mais cedo. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil, divulgada em 25 de outubro pelo Cetic.br (órgão de pesquisa ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil), 95% dos brasileiros entre 9 e 17 anos estão online, e 24% tiveram seu primeiro acesso até os seis anos de idade.

O ChatGPT popularizou a inteligência artificial, e muitas empresas correm para criar soluções educacionais com ela. Como exemplo, em maio, Salman Khan, fundador e CEO da Khan Academy, uma organização que oferece educação online gratuita, demonstrou uma ferramenta que auxilia professores e alunos. Ela não dava respostas aos estudantes, ajudando-os a pensar na solução dos problemas. Para professores, a ferramenta ajudava a planejar aulas engajadoras. Khan afirmou que, para os alunos, a IA atua como um tutor, enquanto, para os professores, age como um assistente.

Esse é um sonho antigo do Vale do Silício. Não tenho dúvidas que a tecnologia pode ajudar na educação: eu cresci com isso! Mas também sei que ela sozinha não resolve, nem mesmo a “IA tutora” de Khan. Uma educação eficiente em qualquer idade não se resume a conteúdo de qualidade ou tutores que façam provocações inteligentes. Ela depende também da humanidade dos professores, capazes de ensinar, mas também de engajar e acolher seus alunos além de suas necessidades pedagógicas.

De todo jeito, está na hora de repensarmos a educação à luz da tecnologia.

 

Celulares e IA como apoio

Vivemos um cenário paradoxal. Segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), o excesso de telas sem orientação prejudica a aprendizagem e até a saúde mental de crianças e adolescentes. O órgão sugere também que a IA não seja usada antes dos 13 anos de idade. Por outro lado, a ausência de tecnologia põe estudantes em desvantagem educacional.

Devemos ter cuidado para não nos deslumbrarmos com as possibilidades da tecnologia nem tampouco rechaçá-la por temor do desconhecido. Isso significa que as escolas não podem abraçar inconsequentemente uma solução como a de Khan (que tem muitos méritos), especialmente como marketing, nem demonizar as telas na sala de aula, como alguns podem entender a determinação da prefeitura do Rio de Janeiro.

Precisamos ser guiados por consciência e equilíbrio. Vimos, no ano passado, a tentativa do governo do Estado de São Paulo de abandonar os livros, que seriam substituídos por questionáveis slides produzidos pelo próprio governo. Isso sim é um uso inadequado da tecnologia, reduzindo profundamente o papel do professor.

Há muito tempo, a sociedade brasileira debate a “atualização” e a “utilidade” dos currículos escolares. E nos últimos anos, uma parcela da população aprendeu a demonizar os professores. Para esses, quanto menos professor, melhor, e a inteligência artificial poderia ser a resposta a suas preces.

Naturalmente a escola precisa estar alinhada ao nosso mundo em constante transformação. Mas devemos ter cuidado para não reduzi-la a algo meramente utilitário. A escola deve principalmente formar cidadãos conscientes e viáveis, capazes de lidar com os desafios da sociedade e melhorá-la, e isso não se faz só com a capacidade de ler ou de fazer contas: são necessárias empatia, inteligência emocional, pensamento livre e humanidade.

Quem ensina isso são os professores e o melhor lugar para uma criança e um adolescente aprenderem é a escola. A tecnologia deve ser vista como uma parceira valiosa nesse processo de transformação, não uma substituta.

Por tudo isso, tenho visto professores em algumas listas de “profissões do futuro”. Mas naturalmente serão aqueles que usam a tecnologia para ampliar seus próprios limites e os de seus alunos. O amanhã pertence a quem domine a tecnologia, sem perder nada de sua humanidade.

 

Salas de aulas presenciais vazias e online lotadas: EAD vem provocando mudanças na educação – Foto: Creative Commons

Ganância de faculdades massifica ensino ruim a distância

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Na quarta passada (29), o Ministério da Educação (MEC) publicou uma portaria suspendendo por 90 dias novos cursos a distância em 17 áreas, incluindo todas as licenciaturas. Mais que bem-vinda, a decisão já deveria ter sido tomada há tempos, pois o ensino a distância (EAD) vem deixando de ser uma poderosa ferramenta de inclusão e flexibilidade na educação, para se tornar um mecanismo de massificação de ensino de baixa qualidade por instituições que visam apenas o lucro.

Segundo o Censo de Educação Superior, publicado em outubro, em uma década os cursos acadêmicos por EAD cresceram 700%, ficando hoje com dois terços dos ingressantes no Ensino Superior e formando 31% do total. Mas a qualidade é muito ruim: apenas 19% dos cursos privados e 34% dos públicos obtiveram notas 4 ou 5 nas avaliações do MEC.

Se considerarmos a formação de novos professores, que pede presença em sala de aula para se aprender o ofício, a situação fica dramática: na licenciatura e pedagogia, 65% dos formandos são por EAD. Na rede particular, 93,7% dos ingressantes desses cursos, onde a média de alunos em sala é de 171, estudam online.

Cursos da área de saúde, os de áreas que exijam ir a campo como parte da formação, Pedagogia e licenciaturas jamais deveriam acontecer por EAD. Esses profissionais acabam sendo despejados no mercado com formações muito deficientes. A sociedade precisa parar de ver esses números como “democratização do ensino”, porque essas pessoas aprendem muito pouco, na prática apenas “comprando um diploma barato”.


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O ensino a distância traz vantagens inegáveis. Provavelmente a maior delas é a flexibilidade de horários e a dispensa de se deslocar até a escola, o que economiza muito tempo e dinheiro em grandes cidades. Também é uma ferramenta de inclusão para pessoas com deficiência ou que vivam em locais que não oferecem os cursos. Por fim, eles tendem a ser mais baratos que os presenciais.

Naturalmente também há desvantagens. Uma delas é a exigência de uma autodisciplina muito maior dos alunos, para que aproveitem o curso, algo que muitos não têm. A distância também prejudica seriamente a interação social entre alunos e professores. É necessário ainda ter uma infraestrutura digital para assistir às aulas. E como o MEC aponta, a qualidade dos cursos realmente tem ficado a desejar.

“Eu sou uma grande defensora da educação a distância, mas nós estamos imersos nos grandes grupos empresariais, para quem a educação é um produto”, afirma Ana Lúcia de Souza Lopes, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em tecnologia para educação. “Isso pasteuriza a educação e as turmas acabam sendo enormes, com 200 alunos, e aí você pode ter o melhor professor do mundo, que ele não dá conta!”

O EAD explodiu com o relaxamento de suas regras em governos anteriores e com a pandemia. Antes dela, muita gente torcia o nariz para o ensino a distância. Agora a situação se inverteu.

Representantes do ensino privado afirmam que o EAD permite que alunos mais pobres estudem. Em muitos casos, é verdade, mas há instituições que aproveitam isso para criar cursos baratos, que não se sustentam na qualidade. Seu modelo exige centenas de alunos em sala, para que sejam lucrativos. Mas, com isso, os professores nem sabem quem são os alunos, prejudicando severamente o ensino.

Quando o MEC instalou um grupo de trabalho sobre o tema, diversas entidades públicas e privadas ligadas à educação publicaram uma carta aberta solicitando melhorias estruturais em três frentes: a expansão desenfreada do EAD, a baixa qualidade dos cursos e a alta evasão de alunos.

 

Professores sem sala de aula

Uma das principais críticas da formação de professores a distância é estarem justamente fora de uma sala de aula presencial. Especialmente no caso de crianças e adolescentes, isso exige habilidades muito específicas, que só se adquirem com o contato com esses grupos. Em alguns anos, teremos uma geração de professores em salas de aula formados sem essa experiência.

Como já foi dito, o ensino a distância não é necessariamente ruim. Na verdade, se for bem implantado, pode ser ótimo! Mas para isso, várias coisas precisam ser observadas.

A primeira delas, responsabilidade das instituições, é a qualidade do material pedagógico, que, no caso, se reflete em bons conteúdos e boa infraestrutura digital. A quantidade de alunos nas turmas também deve ser limitada, para que exista uma troca proveitosa entre professores e alunos. Os professores, tanto os conteudistas (que preparam o material) quanto os tutores (que ministram as aulas), precisam ser formados para aulas nessa modalidade, que exige conhecimentos técnicos para tirarem proveito pleno desses recursos. Por fim, os alunos precisam de muito mais autodisciplina, para realizar todas as tarefas e interações adequadamente.

Essa explosão da formação de professores a distância tende a corroer ainda mais o já raso prestígio da carreira no Brasil. Segundo o relatório “Global Teacher Status”, entre 35 países avaliados, o Brasil é o que menos prestigia seus docentes. Nos países desenvolvidos, os professores vêm dos 30% melhores alunos; por aqui, a esmagadora maioria está entre os 10% com pior desempenho no Enem.

“Muito se fala do ‘apagão docente’, que mesmo quem faz a graduação em Pedagogia não tem interesse em atuar nessa área”, explica Lopes. “Faz porque, no nosso país, o diploma universitário é um status dentro da sociedade, não porque quer ser professor”.

Essa explosão de cursos a distância rasos por R$ 99 cria uma lógica perversa no mercado. Os alunos são atraídos pelo preço, mesmo não aprendendo grande coisa com eles. E isso força mesmo instituições que prezam pela qualidade a oferecer algo nessa linha, ou correm o risco de fecharem as portas.

É por isso que o governo precisa “colocar ordem na casa”! Esse mercado claramente não sabe se autorregular e os gestores educacionais criaram uma armadilha para si mesmos.

O EAD deve ser implantado da maneira correta, pelo que traz de benefícios. Ele não pode ser usado para criar cursos com salas lotadas, baratos e que não ensinam os alunos. Da mesma forma, não deve ser demonizado. Mas para isso precisa ser regulamentado, para ganhar credibilidade e qualidade. Quantidade de alunos e excelência acadêmica devem ser objetivos permanentes de todos.

Agora que o governo suspendeu novos cursos, o próximo passo é descredenciar os já existentes que não consigam comprovar o nobre papel de ensinar. Educação não pode ser vista de maneira tão displicente e focada apenas nos lucros. Enquanto isso não mudar, o Brasil continuará descendo a ladeira em todas suas métricas sociais. Até onde chegaremos no fundo desse poço?

 

Crianças leem livros entregues pelo Programa Nacional do Livro Didático ¬ Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Tirar livros de escolas paulistas representa enorme retrocesso disfarçado de modernidade

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Na semana passada, uma decisão do governo do Estado de São Paulo causou revolta em educadores: o secretário da Educação, Renato Feder, determinou que, a partir do ano que vem, os alunos da rede estadual no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e no Ensino Médio não usarão mais livros impressos. Ao invés disso, os professores ministrarão as aulas com slides criados pela equipe da Secretaria de Educação, projetados em telas.

Um outro aspecto da medida igualmente problemático é a decisão do governo paulista de abandonar o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) nessas faixas etárias. Por esse mecanismo, há mais de 80 anos o Governo Federal compra e entrega os livros para todos os alunos das escolas públicas do país, depois de os professores de cada instituição ou rede escolherem os títulos que preferem.

Feder disse que o conteúdo dos livros do PNLD estão “rasos e superficiais”, uma afirmação leviana e questionável. Para ele, o material digital do governo paulista é “mais assertivo”.

Dificilmente uma decisão poderia estar mais errada e desagradar tanta gente. Ela contraria as pesquisas de ponta em educação e as práticas adotadas em países com os melhores sistemas de ensino do mundo.

Tanto que, depois dos protestos dos educadores, o governo de São Paulo recuou e disse, no sábado, que também oferecerá seu material digital impresso em apostilas. Isso só demonstra que eles ainda não entenderam onde está o gritante retrocesso na “modernidade” que estão impondo.


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A simples digitalização do material didático é um erro por diferentes motivos. O primeiro é que, contrariando o que muitos pensam, crianças necessariamente não sabem estudar em telas. Por mais que sejam nativos digitais e usem computadores e celulares em seu cotidiano, estudar em uma tela é muito diferente de usar uma rede social ali. Além disso, o estudo em meios digitais exige uma disciplina que crianças e adolescentes não têm, o que ficou evidente durante a pandemia.

Diversos relatórios internacionais atestam que o uso intensivo de tecnologia piora o processo de aprendizagem, ao invés de melhorá-lo. Com base nisso, estudo recente da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) recomenda seu uso moderado, sempre como complemento, nunca como substituição a outras estratégias em sala de aula.

No Pisa, avaliação internacional de desempenho escolar organizado pela OCDE, entre os 79 países participantes, os melhores resultados vêm daqueles que usam moderadamente a tecnologia em sala de aula. Entre os que fazem uso mais intensivo, os resultados pioraram.

Isso é tão verdadeiro que os países com melhor educação no mundo vêm diminuindo a adoção de material didático digital, que passa a ser apenas um complemento. Vale dizer que, nesses países, essa adoção foi feita de maneira gradual, sem eliminar livros e com a participação dos professores, bem diferente da decisão paulista, abrupta e tomada no gabinete do secretário.

“Nessa era digital, o que a gente mais precisa recuperar no estudante é a capacidade de concentração”, afirma Ana Lúcia de Souza Lopes, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em tecnologia na educação. “A escola ainda é um lugar para isso.”

 

E o professor?

Se a intensa digitalização da sala de aula é ruim para o aluno, precisamos também considerar o professor. Ele foi formado sem esses recursos, portanto, em primeiro lugar, precisa aprender a ensinar com eles. Não se trata de mera transposição de conteúdo entre mídias. E ele não foi consultado se esse material atende a suas necessidades e às de seus alunos, que variam muito de escola para escola.

Esse é mais um prego no caixão da autonomia e do reconhecimento social desses profissionais. Suas funções e sua liberdade vêm sendo tolhidas há muitos anos e, com a decisão do governo paulista, ele parece ficar reduzido a um mero aplicador de apostila digital, que pode até melhorar os indicadores da prova que os alunos de São Paulo fazem, mas que piora sua formação.

É de se perguntar que tipo de professores que desejamos: o que resulta desse achatamento profissional ou um verdadeiro educador? Da mesma forma, que escola desejamos: uma que se concentra em “passar a matéria” ou aquela que, além disso, forma cidadãos preparados para usar esse conhecimento e transformar o mundo?

Tenho debatido longamente nesse espaço o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho. Fica cada vez mais claro que as máquinas substituirão os profissionais mais operacionais, enquanto darão mais poder àqueles com uma visão ampla da sociedade. Se a escola se limita a aspectos técnicos, está formando pessoas que, em breve, não terão mais espaço no mundo.

Nesse sentido, o abandono do PNLD por São Paulo é emblemático. Apesar do desdém do secretário, as obras oferecidas pelo programa seguem rigorosos padrões para serem produzidas e aprovadas. Tanto que também são usadas pelas melhores escolas particulares do país, inclusive em São Paulo. Além disso, elas oferecem algo que a “obra única” do governo local não tem: diversidade e validação de sua qualidade por pares.

Isso não quer dizer que o PNLD seja perfeito: há controvérsias em torno dele, e isso faz parte de uma democracia. “Se por acaso não considera o PNLD adequado, São Paulo tem que contribuir para melhorá-lo, e não se retirar”, sugere Lopes. Para ela, o maior risco disso tudo é querer uniformizar a educação, pois ela não é assim, inevitavelmente são realidades diferentes em cada caso e isso precisa ser respeitado.

Ainda há tempo para o governo paulista reverter essa insanidade arbitrária. Quando se fala de educação, os professores continuam sendo os principais atores, e precisam ser ouvidos. A simples digitalização de processos jamais garantiu sua melhora, em nenhuma área. Uma transformação digital só faz sentido se solucionar os verdadeiros problemas dos clientes, que precisam ser conhecidos e considerados.

Nesse caso, os clientes são os alunos e os professores. Mas a proposta do governo paulista ignora a realidade dos primeiros e passa ao largo dos reais desafios que os últimos enfrentam, como salários indecentes, enorme desprestígio social, formação limitada, infraestrutura pedagógica ruim e políticas educacionais ultrapassadas.

Nada disso está sendo sequer tocado! Esse “verniz digital” não serve nem para deixar os problemas mais bonitos.

 

A desgraça do nosso país passa por reduzir sua profissão mais importante a um “bico”

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Anúncio da rede Anhanguera, oferecendo formação de professores como “segunda carreira” - foto: reprodução

Anúncio da rede Anhanguera, oferecendo formação de professores como “segunda carreira”

A terrível crise que draga o Brasil há pelo menos quatro anos continua firme e forte. A sociedade bate cabeça tentando explicar como chegamos a isso e principalmente como sair dessa situação. Nesse cenário, duas péssimas notícias ligadas à educação brasileira, que ganharam as manchetes recentemente, servem para nos ajudar a entender tudo isso.

A primeira delas se refere a dois infames anúncios publicados recentemente pelas redes Anhanguera Educacional e Unopar, ambas da Kroton Educacional. A outra se refere à agressão a uma professora de Santa Catarina por um aluno adolescente. Não proponho aqui uma simples defesa dos professores, mas sim trazer para o debate como a má educação está na raiz das mazelas do nosso país, e como uma boa educação pode nos levar a vencer tudo isso.


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Desde sempre, defendo como a educação é o melhor caminho para que o país resolva os seus problemas. A explicação é simples: qualquer país que tem uma população (e isso vale para todos seus cidadãos) bem educada, conhecedora de seus direitos e também de seus deveres, com consciência cívica e responsabilidade social, progride a passos largos. E isso acontece porque cada um sabe e cumpre seu papel, e também cobra adequadamente que todos –e não apenas os governantes– façam o mesmo.

A realidade é, entretanto, muito mais complexa, e nos afastamos cada vez mais do bom caminho. Nossa educação, do ensino infantil à pós-graduação, coleciona indicadores vergonhosos. Mas ela é apenas o reflexo de uma sociedade que se orgulha e folcloriza o ‘jeitinho brasileiro”, um nome “fofo” para a corrupção que cada um de nós pratica no dia a dia. É o país que criou a “Lei do Gerson”, onde “esperto” é aquele que tira vantagem de tudo, mesmo que isso inevitavelmente signifique prejudicar o próximo. Essa também é a sociedade cada vez mais radical em suas visões políticas, em que “você está comigo ou contra mim”, quando, na verdade, são todos farinha do mesmo saco (e, pior, sabemos disso).

E por falar em farinha, se o que manda é o conceito de que “farinha pouca, meu pirão primeiro”, como esperar que a boa educação, capaz de formar cidadãos que queiram construir uma sociedade justa para todos, seja valorizada?

 

Por que o professor vale tão pouco

Nos anúncios da Anhanguera e da Unopar, a mensagem é contundente: “torne-se professor e aumente sua renda”. Em outras palavras, a atividade de professor é vendida como um “bico”.

As peças publicitárias provocaram uma enxurrada de críticas, a ponto de as terem que ser retiradas de circulação, com um pedido de desculpas pela nota abaixo:


“Erramos. Nós, da Anhanguera, pedimos desculpas pela mensagem equivocada sobre a função e a importância dos professores. A campanha de marketing que causou mal-estar não representa o que nós, como instituição de ensino, acreditamos, e foi retirada do ar. Nossa intenção com o curso de Formação Pedagógica é incentivar que profissionais já formados possam ter também essa habilitação e contribuir para a resolução do déficit de professores que o Brasil enfrenta. Acreditamos que, promovendo a docência, temos o caminho para o desenvolvimento social e econômico do país. Por fim, esclarecemos que, esta campanha, em específico, não foi submetida à análise prévia do Luciano Huck e de sua equipe”.


Não vejo problema de outros profissionais investirem seu tempo livre na sala de aula. Muito pelo contrário: nada melhor que pessoas capacitadas compartilhando o que sabem! Mas que façam isso por vocação, por prazer, não apenas para “ganhar uns trocados”.

O mais triste nessa história toda não é a péssima mensagem passada pelas peças, mas o fato de alguém ter pensado nelas. Não nos enganemos: se a equipe criativa da agência bolou a campanha e alguém do grupo educacional a aprovou é porque, ainda que no seu subconsciente, essas pessoas realmente acreditam que ensinar pode ser um “bico”.

E nem podemos crucificar esses indivíduos, pois eles pensam assim porque a sociedade brasileira, de uma maneira geral, pensa exatamente dessa forma! Qual professor nunca ouviu a infame pergunta de seus alunos: “além de dar aula, você trabalha?” Eu mesmo já ouvi isso várias vezes.

Por que um médico, um engenheiro, um advogado (só para ficar em algumas das carreiras mais desejadas pelos jovens) nunca ouvem uma pergunta dessa? Porque o inconsciente coletivo brasileiro “sabe” que é necessário estudar muito para exercer tais profissões. Já o professor é visto como uma segunda carreira ou –e isso é de lascar– vai ser professor aquela pessoa que “não consegue ser mais nada”.

Essa ideia é reforçada pelas péssimas políticas educacionais, pela crescente e constante desvalorização do professor por todos os governos municipais, estaduais e federal, por condições deploráveis de trabalho e salários obscenos. Some tudo isso a esse inconsciente coletivo, e você começa a ter, na média, profissionais com nível cada vez mais baixo nas salas de aula. Claro! Haja vocação para insistir nessa carreira!

Como podemos esperar um país melhor se o profissional responsável por formar todos os demais profissionais não tem nenhum valor?

Não podemos.

 

Como construir um tigre asiático

Diante de tamanha desvalorização, vemos casos recorrentes de agressões contra professores, realizadas por pais e até mesmo por alunos. Foi o que aconteceu com a professora Marcia Friggi, de 51 anos, esbofeteada por um aluno de 15, cujo caso foi mencionado no início desse artigo. Mas o pior veio depois: nas redes sociais, muitas pessoas apoiaram a professora, mas também muitos outros a insultaram, dizendo que ela mereceu a agressão!

Difícil dizer o que é mais bizarro nesse caso.

A desvalorização do professor pela sociedade, culminando tanto nas agressões quanto na desmotivação dos docentes, foi brilhantemente explicado no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo (88 minutos):



Cria-se, portanto, um círculo vicioso: a sociedade não consegue melhorar e valorizar os professores, por isso eles ficam cada vez piores, e isso torna a sociedade ainda pior, desvalorizando mais e mais os docentes.

Olhando de fora, parece que não temos saída. É possível romper isso? Sim! Basta ver o exemplo da Coreia do Sul.

Trabalhei alguns anos na Samsung, onde aprendi muito sobre a cultura e a história do seu país de origem. Algumas coisas me surpreenderam, e poderiam ser aplicadas aqui.

Por exemplo, antes da guerra civil (1950 a 1953), que dividiu o país em dois, a Coreia era a nação mais pobre do mundo, muito mais pobre que o Brasil na época! Após a divisão, a Coreia do Sul, a despeito de inúmeros problemas políticos, investiu pesadamente em educação, de uma maneira consistente –ou seja, a coisa não ficava mudando a cada novo governo. Outra característica da educação sul-coreana é que apenas os melhores entre os melhores da sociedade podem ser professores. Portanto, ser professor lá é uma grande honra, uma carreira muito valorizada e admirada por todos.

Mesmo assim, foram necessários 30 anos para o país miserável se transformar em um tigre asiático. Como se pode ver, não se trata de uma tarefa simples nem rápida, mas é possível.

O Brasil de hoje está em uma situação econômica incomparavelmente melhor que a Coreia pré-divisão. E, apesar de vivermos a pior crise de nossa história, nada impede que criemos e implantemos uma política educacional séria, consistente e de longo prazo, ou seja, que transcenda o fim de cada governo.

A crise econômica, os escândalos políticos, a corrupção infinita e endêmica, o “jeitinho brasileiro”, a violência urbana, as desigualdades sociais… Tudo isso e muito mais só acontece porque somos uma nação mal educada.

Nada, nem mesmo inclusão econômica de classes menos favorecidas, resolverá qualquer um desses problemas. Se realmente quisermos um país que seja bom para vivermos e do qual nos orgulhemos, precisamos investir na educação. Isso significa cobrar dos governantes mais seriedade nessa área, participar ativamente das atividades das escolas de nossos filhos, colaborar, como empresas, com iniciativas educacionais. Todos precisam dar a sua contribuição!

Mas, acima de tudo, isso devemos valorizar o professor. Sem isso, nunca sairemos do buraco onde estamos.


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Quem nunca disse “para que eu estou estudando isso mesmo”?

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O improvável professor Dewey Finn (Jack Black), do filme “Escola de Rock”, conseguiu engajar seus alunos ao redefinir uma disciplina para algo que lhes fizesse sentido - Foto: divulgação

O improvável professor Dewey Finn (Jack Black), do filme “Escola de Rock”, conseguiu engajar seus alunos ao redefinir uma disciplina para algo que lhes fizesse sentido

O Governo Federal causou enorme alvoroço na educação brasileira ao anunciar, há alguns dias, profundas alterações no Ensino Médio. Mais que algo que impacte apenas a vida de estudantes, as novidades afetam decisivamente o futuro de todo o país. Entretanto, apesar de as mudanças estarem sendo muito criticadas, pouca gente tocou em um ponto essencial da miséria da nossa educação: o que afasta os estudantes da escola não é O QUE os eles aprendem, mas COMO eles aprendem.

Um dos motivadores das medidas anunciadas é justamente diminuir a evasão escolar. Isso seria conseguido permitindo que os alunos escolhessem um eixo temático entre cinco disponíveis (formação técnica e profissional, linguagens, matemática, ciências da natureza ou ciências humanas). Dessa forma, a partir da metade do segundo ano do Ensino Médio, cada estudante estudará majoritariamente disciplinas das quais gosta mais. As únicas que serão comuns a todos os eixos são Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa. Na primeira metade do curso, continuam sendo estudadas as 13 disciplinas atuais.

O governo argumenta que esse modelo está de acordo com o praticado em países que normalmente são referência de bom sistema educacional, especialmente os Estados Unidos. Se o aluno estudará majoritariamente conteúdos com os quais têm mais afinidade, isso aumentaria a chance de gostar mais da escola, melhorando seu aprendizado e abrindo caminho para um bom desempenho em um curso universitário na mesma área. Em tese, faz sentido.

Mas quem é educador ou tem filhos adolescentes está cansado de ouvir deles a célebre frase: “mas para que eu estou estudando isso mesmo?” E, de maneira geral, essa pergunta se aplica à maioria dos conteúdos, distribuídos entre todas as disciplinas. Portanto, pouco adianta segmentar o Ensino Médio para o aluno escolher qual percurso quer seguir, se nenhum deles FAZ SENTIDO para ele.

O verdadeiro problema é que a escola, há muito tempo, deixou de falar a língua dos estudantes.

 

Professor Mario Bros

Se puxarmos pela memória, podemos lembrar que nós mesmos, quando cursávamos o ensino de 2º grau (o “colegial”), também fazíamos essa mesma pergunta, pois aquilo tampouco fazia muito sentido para nós. Mas ainda assim enfiávamos a cara nos livros e aprendíamos. Pois, por mais que eventualmente achássemos o jeito dos professores falarem antiquado, conseguíamos nos comunicar com os elementos no ambiente escolar.

O professor ainda era o detentor do conhecimento: ele falava, os alunos ouviam. O aprendizado acontecia em uma única direção. Toda a informação didática estava organizada em livros e as pesquisas eram feitas em enciclopédias. Os alunos faziam uma tarefa de cada vez e de maneira sequencial, e o pensamento era organizado dessa forma. E quando a lousa de giz era substituída por um quadro branco, achávamos aquilo um grande avanço tecnológico.

Trinta anos depois, a introdução da tecnologia digital de maneira ubíqua em nossas vidas provocou mudanças culturais dramáticas em todos nós, especialmente nos mais jovens. E isso soterrou com uma pesada camada de questionamentos todo aquele sistema de ensino.

A primeira grande mudança é que os estudantes hoje são efetivamente capazes de fazer mais de uma coisa simultaneamente. E eles fazem isso o tempo todo. Essa habilidade multitarefa entre em choque com o estilo sequencial sobre o que a educação brasileira ainda está calcada.

A tecnologia onipresente e oferecida em cada vez mais dispositivos permite que os alunos acessem todo tipo de informação que quiserem, a qualquer hora e em qualquer lugar. Mas a maioria das instituições e dos professores insistem em barrar a entrada da tecnologia na escola, não porque não a conheçam, mas porque não sabem ao certo como tirar proveito pedagógico dessas ferramentas. Sem falar no temor (nada infundado) de que os alunos dominarão a ferramenta muito mais eficientemente que eles mesmos.

Afinal, são poucos os professores que conseguem ver um videogame como material pedagógico.

 

Mudança de papeis

Os estudantes têm, portanto, acesso a uma infinidade de informações de todo tipo. Não quer dizer que sejam todas de boa qualidade, mas eles absorvem o bom e o ruim como uma esponja. Em muitas ocasiões, chegam à sala de aula com mais informação sobre o tema da aula que o próprio professor. E aí acontece um grande cisma da educação atual.

Diante de tantas informações e tantos estímulos, os adolescentes vêm crescendo com grande carga argumentativa. São, portanto, questionadores natos, muito mais que o que se observava nas gerações anteriores.  Mas a maioria dos professores ainda quer manter o modelo de detentores únicos do conhecimento, no estilo de sala de aulas que eles conheceram como alunos e no qual foram formados profissionalmente. Os alunos, claro, não aceitam mais isso.

Os professores precisam entender que perderam o título de única fonte do saber, e que agora precisam se comportar muito mais como tutores, mediadores que conduzirão seus estudantes na sua jornada da construção do conhecimento dentro de seus próprios termos, incluindo uma relação de igual para igual com o mestre, pensamento não-linear, colaboração entre pares e uso intenso de todo tipo de tecnologia que tiverem à mão.

Como os professores não conseguem fazer isso, chegamos ao problema que serve de título para este artigo. Os alunos simplesmente não entendem por que estão aprendendo os conteúdos escolares, qualquer que seja a disciplina. Aquilo não lhes fala ao cérebro, e muito menos ao coração. E aí não aprendem. E se desestimulam. E a evasão escolar cresce.

Tudo o que a proposta do governo quer combater. Mas cujas causas sequer foram abordadas por ela.

 

Um novo modelo de escola

Não precisa ser gênio para perceber que a solução dos problemas da péssima educação brasileira e da evasão escolar não se resolverão simplesmente aumentando a carga horária ou segmentando o ensino em eixos temáticos. As essências do problema, que são a dificuldade de os professores se comunicarem com os estudantes e o fato de eles não verem sentido no que aprendem, permanecem intactos.

A solução só pode surgir com uma grande reforma nesses pontos, algo que provavelmente surtiria efeitos muito melhores que o que está sendo debatendo agora em torno da proposta federal.

Como exemplo, aproveito algo que já apresentei aqui: o modelo bastante ousado da escola Quest to Learn, que fica em Nova York e que construiu uma maneira completamente nova de ensinar todo o conteúdo do currículo nacional: usando apenas jogos (eletrônicos, de tabuleiro, de interpretação, e por aí vai). Cheguei a fazer o vídeo abaixo, onde detalho sua proposta:


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Muita gente pode achar que os alunos lá passam o dia brincando e não aprendem nada. Eles estão certos na primeira parte, mas rotundamente enganados na segunda. Os alunos da Quest to Learn apresentam resultados acadêmicos incríveis: a escola foi campeã na olimpíada de matemática de Nova York nos últimos três anos e seus indicadores pedagógicos são superiores aos da média das instituições da cidade. Além disso, o índice de faltas e de evasão escolar são ínfimos (6% e quase zero, respectivamente), os professores adoram trabalhar no local (90% não a deixam) e os pais a apoiam fortemente (88% de aprovação).

Tudo o que o governo quer.

Claro que implantar uma escola dessa é difícil. Exige uma mudança completa da maneira de pensar de professores e coordenadores, com uma tal profundidade que possivelmente a maioria não seria capaz de realizar. A estrutura da escola também precisa ser modificada para acomodar o novo formato. Além disso, muitos pais provavelmente resistiriam ao novo formato, por não acreditar que ele possa dar resultado.

Mas o caminho não precisa ser trilhado de uma só vez. Mudanças podem ser feitas de maneira gradativa e contínua, verificando as características de cada público e como os resultados vão sendo atingidos. E sempre discutindo com todos os atores envolvidos: alunos, pais, professores, academia e autoridades da área.

A única coisa que não podemos fazer é ficar parados. O governo federal está certo quando afirma que nossos resultados escolares são péssimos e precisam ser melhorados com urgência.  Mas as mudanças precisam ser tomadas no caminho certo, com coragem e com a participação de todos.

Portanto, querer impor uma proposta goela abaixo, por Medida Provisória, como está sendo feito agora, não funcionará. Educação é algo construído a muitas mãos.


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Conheça a incrível escola totalmente baseada em jogos

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Alunos da Quest to Learn realizam atividade na escola com um jogo de mesa - Foto: divulgação

Alunos da Quest to Learn realizam atividade na escola com um jogo de mesa

Muitos alunos sonham com uma escola em que todo o ensino aconteça com jogos. Mas essa escola existe e é pública! Fica em Nova York e os resultados acadêmicos de seus estudantes são impressionantes.

Trata-se da Quest to Learn, com 360 alunos, que nasceu da proposta da ONG Institute of Play a partir de uma demanda da prefeitura da cidade, que buscava uma maneira de melhorar os indicadores pedagógicos e reduzir os números de evasão escolar do município (3 milhões de americanos abandonam o equivalente ao Ensino Médio todos os anos). E, de fato, nessa escola o índice de faltas e de evasão escolar são ínfimos (6% e quase zero, respectivamente), os professores adoram trabalhar no local (90% não a deixam) e os pais a apoiam fortemente (88% de aprovação).

 

 

Todo o programa educacional é cumprido, porém de uma maneira completamente inovadora. Não apenas os livros são substituídos por games e jogos de tabuleiro, como também alunos, professores e funcionários entendem que fazem parte de um processo de colaboração mútuo, em que todos ensinam e aprendem. A escola também adota outras técnicas de ensino avançadas, como aprendizado baseado em problemas, uso criativo de tecnologias e espaços físicos flexíveis.

A equipe da escola produz a maior parte dos jogos usados, mas eles também trabalham com produtos comerciais. Por exemplo, para estudar problemas ambientais de uma cidade, os alunos jogam o clássico “Sim City”. Já para estudar geografia, história, cultura e governo da Grécia Antiga, usam o game interno “I Spy Greece”, onde o aluno precisa cumprir missões como espião Persa.

Todo o processo de aprendizagem se organiza em fases. E outra grande diferença do ensino tradicional reside no fato de que, na Quest to Learn, o erro não é combatido, e sim valorizado. Os educadores entendem que, assim como em qualquer game, o aluno aprende com as falhas. Mas isso só acontece quando o erro não é punido, e sim encarado como parte do processo. Até as avaliações fogem da tradicional prova. Elas foram substituídas pela “fase do chefe”.

O ensino baseado em games se baseia em sete princípios: “todos são participantes”, “desafio”, “aprendizado na prática”, “feedback imediato e contínuo”, “entender a falha como uma oportunidade”, “tudo está conectado” e “sensação de estar jogando”. Mas se engana quem pensa que a escola é só diversão. O ensino é coisa séria na Quest to Learn! Tanto que a escola foi campeã na olimpíada de matemática de Nova York nos últimos três anos e seus indicadores pedagógicos são superiores aos da média das instituições da cidade. E a escola existe há apenas seis anos.

Parece perfeito! Então por que esse novo modelo não se espalha para as outras escolas, inclusive no Brasil?

 

Modelo disruptivo

A ONG pretende expandir o seu formato. Mas, apesar do aparente sucesso, isso não é algo simples de acontecer.

O principal obstáculo é que se trata de um modelo que rompe completamente com o que se conhece por escola. A Quest to Learn não nasceu da adaptação do modelo tradicional para uma nova realidade. Ela foi concebida a partir do zero para uma nova realidade.

Para muitos educadores e muitos pais, isso é um choque grande demais para ser absorvido. Portanto, a decisão de criar uma escola assim passa por uma escolha de negócios muito séria!

Além disso, apesar do enorme índice de satisfação com o trabalho entre seus profissionais, o modelo não é facilmente aplicável pela maioria dos professores. Apesar de a Quest to Learn afirmar que o professor precisa ser apenas formado em sua área do conhecimento para dar aula ali (eles naturalmente passam por um processo de treinamento interno), é fácil identificar que existe um fortíssimo componente cultural exigido dos docentes, para que se adaptem a um ambiente tão dramaticamente diferente daquilo que estão acostumados a entender como seu ofício.

Há ainda um fator ingrato, mas decisivo. A Quest to Learn forma estudantes que preferem colaborar a competir. Em sociedades (e mesmo em famílias) com conceitos capitalistas muito selvagens (como é o caso dos próprios EUA), isso pode não ser visto com bons olhos. Além disso, um aluno que passou toda a sua vida escolar em um ambiente assim, pode sofrer um enorme choque ao chegar a uma universidade, com um ensino tradicional. Isso quando não tiver que conviver com professores universitários que não demonstram qualquer interesse pelo aluno, e mal se relacionam com ele.

Então afinal vivemos em um mundo em que não há espaço para uma escola assim?

Claro que há! Apesar de todos os obstáculos acima, não há dúvida que modelos inovadores como o da Quest to Learn são muito bem-vindos. Um dos maiores desafios da educação hoje é diminuir a diferença de linguagem entre professores e alunos, que é enorme e fica cada vez maior à medida que a diferença de idade dos dois grupos se amplia. E, por linguagem, quero dizer estrutura frasal, palavras usadas, interesses culturais, manuseio de tecnologias e muito mais.

Uma iniciativa assim não apenas oferece uma experiência imersiva e envolvente para professores e alunos, facilitando a aquisição de conhecimentos e melhorando a retenção dos conteúdos, como também diminui essa diferença de linguagem.

As maiores barreiras a ser vencidas são, portanto, políticas e do marketing da escola. Então que tal começar um projeto-piloto na escola, apenas para alunos que se interessarem, no contraturno?

É preciso coragem e muito trabalho para uma mudança dessa magnitude, sem dúvida nenhuma. Mas permanecer no modelo tradicional, pela falta dessa coragem, não é uma opção. A educação grita por mudanças.

 

Vídeo relacionado:

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Isso é um livro ou alguma “outra coisa”?

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Como um livro deve ser para ser chamado de “digital”? Há alguns dias, investi US$ 4,99 no download do e-book “The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore” (Moonbot Studios LA), na verdade, um aplicativo para iPad, cujo trailer pode ser visto acima. Eu o conheci em uma discussão se aquilo poderia ainda ser considerado um livro ou se já se tratava de alguma “outra coisa”. E minha experiência com ele foi muito interessante.

A despretensiosa historinha despertou enorme interesse em todas as crianças a quem o mostrei, mesmo com seu texto em inglês. O aplicativo é uma evolução do conceito do livro-brinquedo, em que a criança é convidada a explorar, a cada página, recursos que ampliam a experiência da leitura. Nesse caso, isso se dá por uma belíssima mistura de animação digital, multimídia e interatividade, valendo-se da interface tátil do tablet. E o resultado com os pequenos é muito positivo.

Críticos dessa categoria de produto dizem que tanta riqueza sensorial elimina uma das belezas dos livros, que é a necessidade de o leitor imaginar as cenas que está lendo. Concordo com a importância disso, mas Morris Lessmore não “entrega tudo pronto”, como um filme. Em contrapartida, convida o usuário (que não é mais apenas um “leitor”) a interagir com a história, introduzindo novos elementos cognitivos que um livro tradicional não pode oferecer.

Claramente esse tipo de recurso não serve apenas para diversão ou para ser usado em contos infantis. Qualquer obra pode se valer dessa nova modalidade de publicação. Como exemplo, contarei um caso que me ocorreu hoje.

Enquanto ajudava meu filho com seus estudos, nos deparamos com a seguinte definição, em uma gramática que é best seller absoluta entre livros didáticos: “intencionalidade discursiva são as intenções, implícitas ou explícitas, existentes no discurso.”

Apesar de ele compreender perfeitamente as palavras, do alto dos seus dez anos não conseguiu entender plenamente a definição. Nesse sentido, o livro falhou em algo que explicou poucas páginas antes: “discurso é o processo comunicativo capaz de construir sentido.” Ou seja, o enunciado, por si só, não disse muita coisa a quem o leu. Mas, com uma breve contextualização minha, meu filho finalmente compreendeu tudo o que pregava a definição.

Vale ressaltar que o livro apresentava exemplos que ajudariam na compreensão, mas, para uma criança, eles estavam demasiadamente dissociados do objeto. Fiquei pensando na hora que Morris Lessmore teria feito diferente, e provavelmente o aprendizado teria sido muito mais eficiente. E divertido!

É provável que um “livro digital” de qualidade signifique subverter estruturalmente o conceito do que se conhece por livro. Em tempos em que o MEC pede crescentemente às editoras material didático digital, exemplos como esse deveriam ser considerados para “pensar fora da caixa”. A tecnologia deve ser usada criativamente a favor dos objetos de aprendizagem.

Os livros não devem mais ficar restritos a suas páginas (“páginas?”) ou mesmo ao jardim murado do conteúdo das editoras. Com suas versões digitais, as crianças devem ser estimuladas a ampliar sua aquisição de conhecimento de maneira tão ampla, criativa e divertida quanto possível. É assim que elas já adquirem qualquer conhecimento, e, quando têm esses recursos à mão, o fazem de maneira surpreendente e decisiva. Os professores já sabem disso e muitos tiram proveito disso para ajudar seus alunos.

O que me traz de volta à discussão que tive na semana passada: no final, Morris Lessmore ainda é um livro? Oras, quem se importa com isso?

“Vc tc” assim? Seu português pode melhorar!

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A Dra. Clare Wood, da Coventry University - Foto: divulgação

Para Clare Wood, o "internetês" não só não corrompe o idioma, como funciona como um poderoso instrumento para desenvolver habilidades ligadas à leitura e à escrita

A agilidade típica de conversas pela Internet (como em mensagens instantâneas) e em SMS popularizou de vez o uso de abreviaturas, acrônimos, siglas, neologismos embutidas nas frases, o que deixa educadores e pais de cabelo em pé. Para eles, expressões como “vc”, “tc”, “LOL” distorcem o idioma, produzindo uma geração de semianalfabetos.

Essa preocupação não existe apenas no Brasil. Tanto que pesquisa realizada por Clare Wood, na Coventry University (Reino Unido), procurou avaliar o que há de verdade nesses temores. E o resultado foi incrível: o uso de “texting” -como essa prática é conhecida em inglês- não apenas não representa uma ameaça, como paradoxal e surpreendentemente auxilia as crianças a desenvolver habilidades necessárias para a leitura e a escrita.

Segundo as conclusões da pesquisadora, a prática ajuda o “conhecimento fonológico”, que permite a uma pessoa detectar, isolar e manipular padrões sonoros na fala. Esse mecanismo é necessário, por exemplo, para saber se uma palavra rima com outra, ou o que sobra dela se removermos uma de suas letras. Para Wood, o “texting”, na verdade, ajuda as crianças a aumentar o seu contato com o idioma escrito.

“Esperamos instigar uma mudança na atitude de professores e pais, reconhecendo o potencial de exercícios baseados em texto para envolver crianças em atividades de conhecimento fonológico”, diz Wood. E vai mais longe: “se estamos vendo um declínio nos padrões literários de nossas crianças, isso acontece apesar de mensagens de texto, e não devido a elas.”

Por mais que isso possa se chocar com o senso comum, a pesquisadora está correta. E, se não for por qualquer outro motivo, já bastaria dizer que a língua é uma coisa viva, sempre disposta a ampliar os limites rígidos impostos pela norma culta. Peguemos o exemplo de “vc”, provavelmente o neologismo derivado dos chats mais popular em português. Ele significa “você”, palavra dicionarizada há muito, muito tempo. Mas alguém se lembra que “você” é uma evolução de “vosmicê”, que, por sua vez, derivou-se de “vossa mercê”? Não por acaso é um pronome de tratamento. Pois é, “vc” vem de “vossa mercê”, e isso está em linha com o que Wood afirma.

Por isso, apoio a sugestão dada dois parágrafos acima. Mas cabe a pergunta: quem vai capacitar os professores para isso? Sim, pois infelizmente lhes falta muito para abraçar uma causa linguística-tecnológica desse porte. Inicialmente porque precisam se despir de alguns preconceitos pedagógicos que há muito já deveriam estar enterrados. Depois porque precisam entender (no sentido amplo da palavra) que a tecnologia é uma enorme aliada pedagógica que eles possuem, e não uma ameaça. E finalmente eles precisam aprender a criar as tais atividades valendo-se da tecnologia e do que dela deriva, como o próprio “texting”.

Mas fica a pergunta: quem vai cumprir esse papel de educar os educadores? As editoras? Os governos? Os sindicatos? Honestamente, esse é um trabalho que toda a sociedade precisa abraçar. Nossos mestres estão tomando uma surra de inovação de seus discípulos, que acabam sendo as grandes vítimas desse processo, pois todo esse seu potencial acaba sendo desperdiçado em escolas que ainda estão no século passado (e não nas suas últimas décadas). Basta ver os exemplos da pequena Abbey e das crianças da Robin Hood School, nos posts anteriores.

As crianças podem ser muito mais (e elas querem isso), se forem adequadamente conduzidas. E esse é justamente o trabalho do professor moderno. Flw?

O que as crianças querem das bibliotecas

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Já virou lugar-comum dizer que os modelos educacionais vigentes não mais atendem as necessidades cognitivas das crianças de hoje, as assim chamadas “nativas digitais”. Enquanto educadores discutem como resolver isso -o que implica também em minimizar o fosso de comunicação que existe entre eles e seus alunos- as crianças continuam avançando.

O vídeo acima é bastante emblemático, pois ele mostra que as necessidades da turminha não se referem apenas a escolas e sim a qualquer instituição ou processo relacionado a aquisição de conhecimento. No exemplo, o que uma criança espera de uma biblioteca? Ok, as palavras ditas pela pequena Abbey não são dela: ela mal as consegue pronunciar para a câmera. Mas não se enganem: o que ela está dizendo SIM é dela. Ela não sabe formalmente o que é, por exemplo, realidade aumentada, mas provavelmente já estará apta a usar isso de maneira natural e positiva assim que se deparar com isso.

E, se as palavras (ainda) não são dela, é porque, por mais “digital” que seja, Abbey ainda tem três anos de idade. Mas ela crescerá, e todos esses conhecimentos serão formalizados e naturalmente organizados em seu cérebro. E aí sim ela exigirá com propriedade isso das escolas, a exemplo das crianças da Robin Hood School, de Birmingham, Inglaterra, vistas no post anterior (“O que os alunos querem dos educadores”).

Bem, o que os educadores e as bibliotecas (e toda a sociedade) estão fazendo para atender a essas demandas prementes?

O que os alunos querem dos educadores

By | Educação, Tecnologia | 6 Comments
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O vídeo acima não é resultado de uma pesquisa acadêmica de pedagogos. As frases que aparecem nos cartazes exprimem desejos verdadeiros das crianças que aparecem na tela, alunos da Robin Hood School, de Birmingham, Inglaterra. Desejos relativos a como querem estudar, e como pensam que a escola deve ser.

Uma coisa que salta aos olhos: todos eles se envolvem tecnologia! E muito do que esses estudantes querem implica em trazer para a sala de aula a sua experiência pessoal com as novas mídias e gadgets. Os alunos dizem que usam o computador todos os dias, surfam no seu PlayStation Portable, amam seus iPods e questionam por que não podem fazer isso na escola. Não como fator de dispersão, e sim como parte do processo de aprendizagem!

Esses alunos, totalmente familiarizados com sistemas de produção colaborativa, como wikis, Twitter, blogs e afins, desafiam seus professores a fazer o mesmo. Mais que isso: eles abandonam completamente sua postura “clássica” de alguém que apenas absorve conteúdos ditados por adultos, em favor de uma posição em que eles compartilham o que sabem, inclusive com os professores, que passam a aprender também.

Os estudantes querem participar da criação do próprio processo de aprendizagem, mesclando estudo com diversão. E não querem ser confinados aos limites físicos da sala de aula ou da escola: querem compartilhar isso com outras pessoas de todo mundo, que estão aprendendo a mesma coisa. E não querem se restringir às disciplinas tradicionais: o processo de aprendizagem deve ser amplo, completo, formando cidadãos.

O “curioso” é que, apesar de o vídeo e as crianças serem inglesas, tudo o que foi dito acima se aplica ao Brasil. E não é algo restrito às classes sociais mais altas (apesar de obviamente ser mais forte ali): mesmo crianças de camadas inferiores já apresentam essa demanda.

Assim como acontece na Inglaterra, os professores por aqui, por diferentes motivos, estão levando uma surra de seus pupilos na questão tecnológica. Como consequência, por medo ou ignorância, não conseguem atender a todos esses pedidos, legítimos e incríveis. É uma pena, pois as crianças estão nos dizendo o que precisamos fazer para levar a educação a um novo patamar.

Elas querem aprender mais! Estão prontas e esperando!

O vídeo acima não é resultado de uma pesquisa acadêmica de pedagogos. As frases que aparecem nos cartazes exprimem desejos verdadeiros das crianças que aparecem na tela, alunos da Robin Hood School, de Birmingham, Inglaterra. Desejos relativos a como querem estudar, e como pensam que a escola deve ser.

Uma coisa que salta aos olhos: todos eles se envolvem tecnologia! E muito do que esses estudantes querem implica em trazer para a sala de aula a sua experiência pessoal com as novas mídias e gadgets. Os alunos dizem que usam o computador todos os dias, surfam no seu PlayStation Portable, amam seus iPods e questionam por que não podem fazer isso na escola. Não como fator de dispersão, e sim como parte do processo de aprendizagem!

Esses alunos, totalmente familiarizados com sistemas de produção colaborativa, como wikis, Twitter, blogs e afins, desafiam seus professores a fazer o mesmo. Mais que isso: eles abandonam completamente sua postura “clássica” de alguém que apenas absorve conteúdos ditados por adultos, em favor de uma posição em que eles compartilham o que sabem, inclusive com os professores, que passam a aprender também.

Os estudantes querem participar da criação do próprio processo de aprendizagem, mesclando estudo com diversão. E não querem ser confinados aos limites físicos da sala de aula ou da escola: querem compartilhar isso com outras pessoas de todo mundo, que estão aprendendo a mesma coisa. E não querem se restringir às disciplinas tradicionais: o processo de aprendizagem deve ser amplo, completo, formando cidadãos.

O “curioso” é que, apesar de o vídeo e as crianças serem inglesas, tudo o que foi dito acima se aplica ao Brasil. E não é algo restrito às classes sociais mais altas (apesar de obviamente ser mais forte ali): mesmo crianças de camadas inferiores já apresentam essa demanda.

Assim como acontece na Inglaterra, os professores por aqui, por diferentes motivos, estão levando uma surra de seus pupilos na questão tecnológica. Como consequência, por medo ou ignorância, não conseguem atender a todos esses pedidos, legítimos e incríveis. É uma pena, pois as crianças estão nos dizendo o que precisamos fazer para levar a educação a um novo patamar.

Elas querem aprender mais! Estão prontas e esperando!