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Se a imprensa é crítica para a sociedade, por que tanta gente mete o pau?

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Há alguns dias, vi uma reportagem que me deixou apreensivo. Tratava de um grupo conservador nos EUA cujo objetivo é criar armadilhas para jornalistas, para que sejam gravados dando depoimentos que possam lhes causar transtornos, desqualificando o profissional e seu veículo. Porém o mais perturbador é saber que essa não é uma atitude contra a imprensa isolada, nem a mais pesada, e que observo tal coisa também no Brasil. Isso me leva à pergunta do título desse artigo. Aliás, cá entre nós, o que você acha da imprensa, especialmente da “grande imprensa”?

Apesar de o Projeto Veritas, retratado na reportagem acima, afirmar que não faz política, claramente é o contrário disso, pois todas as vítimas são veículos que fazem oposição à administração Trump. Não foi esse governo que inventou essa metodologia de desacreditar os veículos contrários a ele. Na verdade, quanto mais autoritário é um governo, mais a imprensa é apresentada como uma inimiga a ser combatida, e mais as pessoas que apoiam o regime se engajam nessa cruzada contra ela. Entretanto, não se engane: no final, invariavelmente quem perde é a sociedade.


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Isso sempre foi assim, e provavelmente sempre será. Mas quem elevou esse processo a um novo patamar de eficiência foi Hugo Chávez, quando assumiu o poder em 1999. O finado ditador venezuelano difundiu o conceito de que a imprensa contrária a ele era, no final, contrária ao “povo venezuelano”, legitimando assim todo tipo de censura e perseguição. Essa ideia nefasta se espalhou pela América Latina, chegando agora aos EUA, com Trump.

Já viajei por vários países e pude comprovar inequivocamente como o desenvolvimento de uma sociedade está sempre relacionado de perto à qualidade de sua imprensa. Isso acontece porque uma boa mídia possui não apenas o papel de informar, mas também o de formar o cidadão. E os veículos de comunicação têm o dever de continuamente investigar o governo, para que as falcatruas não prosperem, qualquer que seja o alinhamento político da situação.

Então por que cresce esse fenômeno de agressão moral e até física contra jornalistas?

 

Polarização e “fake news”

Vivemos uma polarização política sem precedentes no cidadão comum. Em grande parte, isso se deve aos algoritmos de relevância das redes sociais, que insistem em nos mostrar apenas aquilo que gostamos, com que concordamos, que nos mantém em nossa zona de conforto. Pode parece muito bacana a princípio -afinal, dessa maneira, usamos cada vez mais a rede social. Só que isso pode ter um resultado perverso: como não somos expostos a posições contrárias, a tendência é que nossos preconceitos sejam cada vez mais reforçados.

Daí para a intolerância política é um pulo! Mesmo que tenhamos uma pequena inclinação para certa ideologia, podemos, em pouco tempo, nos pegar gritando palavras de ordem, insultando opositores e bloqueando antigos amigos que pensem de maneira diferente.

Nesse cenário, não há imprensa boa! Pois a função de um veículo de comunicação não é agradar ninguém. Muito pelo contrário: ele incomoda muita gente! Ou não seria jornalismo: seria relações públicas!

O mais inusitado dessa história é que vejo empresas de comunicação cada vez mais sendo atacadas por conservadores e liberais ao mesmo tempo. E o argumento é sempre que os veículos estão “vendidos” ao outro lado. Até a Rede Globo, tradicionalmente associada a alas mais conservadoras, vem sendo acusada de “ficar vermelha”.

Esse mundo está ficando muito louco!

 

Afinal, os veículos se vendem?

Nessa hora, é preciso diferenciar entre ter opinião e ser vendido.

Pela nossa natureza humana, não podemos ser totalmente isentos. O que não quer dizer que não possamos ou não devamos ser profissionais. E isso vale para jornalistas e veículos de comunicação. Não há nenhum problema se qualquer um deles escolher um lado, inclusive político. Na verdade, deveriam escolher e divulgar ao público sua decisão!

Entretanto adotar um lado não significa ignorar o outro. E definitivamente não significa calar ou maquiar o noticiário para que o seu lado sempre pareça melhor e o outro pior. Ter um lado significa que se torce por ele, mas que o jornalista continuará realizando seu trabalho seguindo os preceitos éticos, que incluem ouvir sempre o outro lado, e noticiar sua opinião adequadamente, por mais que a odeie.

Infelizmente temos visto muito exemplos na imprensa que parecem ter esquecido os pilares do bom jornalismo. Peguemos os exemplos abaixo, da Veja e da Carta Capital. São dois lados extremos da mesma moeda. Comparar o conteúdo de uma com o da outra dá a impressão que estão noticiando a mesma coisa em realidades alternativas.

Mas não, não estão. Estão no mesmo país, na mesma época. E nenhuma delas fala totalmente a verdade, nem totalmente a mentira. Mas, ao carregar nas tintas tão pesadamente, o público não consegue mais sequer formar uma opinião bem embasada.

Esse tipo de obra de ficção serve muito bem para alimentar os ânimos irracionais e aos interesses de grupos políticos, econômicos e ideológicos. Plantam essas informações enviesadas, que depois alimentarão a sede dos que querem fazer valer suas teses a qualquer custo em todo lugar, de redes sociais a mesas de bar. De quebra, favorecem o surgimento de grupos patéticos como o Projeto Veritas, que, para atingir seus objetivos, chegam a usar métodos que dizem combater, como notícias falsas, distorções de fatos e falsidade deliberada.

Esse constante chute na boca da verdade abriu caminho para uma das maiores pragas modernas: o “fake news”, “notícias falsas” ou “desinformação”. Não o “fake news” que Trump vive trombeteando, que são notícias verdadeiras que o desagradam. Eu me refiro a um material cuidadosamente produzido para parecer jornalístico e verídico, mas que enviesa os fatos (ou deliberadamente traz mentiras deslavadas) para fazer com que as pessoas comprem uma ideia. E -pior que isso- que a distribuam.

Como diz o ditado: se contarmos uma mentira mil vezes, ela pode virar uma verdade.

 

Dá um tiro na cabeça, que dói menos

O “fake news” é um perigosíssimo risco à democracia. Pois ele põe a própria imprensa em risco! Diante de tanta mentira em todas as mídias e em todas as redes sociais, as pessoas estão começando em perder a fé no noticiário. E quem pode culpá-las? Ou o conteúdo que lhes é oferecido é mentiroso mesmo, ou é verdadeiro, mas, de tão enviesado, acaba passando uma mensagem falsa.

Resultado: as pessoas estão abandonando os veículos tradicionais! E, sem público, não há anúncios. Como essas empresas também têm uma dificuldade crônica em aceitar que seu modelo de negócios histórico baseado em assinatura e publicidade não tem mais lugar no mundo, não é de se estranhar que vemos título após título morrendo! Ficam então naquele chororô ridículo, tentando jogar sua culpa em outra coisa, como o meio digital.

Ah, mas que preguiça dessa gente! Os veículos tradicionais estão com sua reputação completamente carcomida -e, por consequência, também suas finanças- porque as pessoas não são trouxas! Querem se salvar? Melhorem seu produto! E isso significa parar de praticar esse antijornalismo, mudar seu modelo de negócios e reformatar seu produto para atender às novas exigências do consumidor. Isso significar mudar basicamente tudo? Sim! Mas, já que não fizeram isso aos poucos, ao longo dos últimos 20 anos, terão que fazer agora de uma vez.

Caso contrário, veremos cada vez mais surgir esses movimentos radicais (conservadores e liberais!) apontando o dedo para a imprensa, acusando-a pelos males do país. Quando, na realidade, é a mesma imprensa que cuida (ou deveria cuidar) para que os verdadeiros males e malfeitores não prosperem na sociedade.

Sem uma imprensa livre e forte, nunca sairemos desse buraco. Mas ela tem que fazer a sua parte.


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Prepare-se para ficar sem Internet

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Foto: Leo Hidalgo (@yompyz)/Creative Commons

Empresas de telefonia anunciaram um duro golpe contra seus próprios clientes, impondo restrições ao consumo de dados em seus planos de Internet. Na prática, isso significa que, de repente, todos nós poderemos ficar sem acesso apenas por usar o produto pelo qual pagamos.

Para quem não sabe do se trata, a Vivo (que agora controla a GVT) anunciou que, assim como fazem a NET/Claro e a Oi, agora limita seus planos de banda larga fixa, aquela usada em residências e empresas. Cada plano passa a ter uma franquia, ou seja, uma quantidade de dados para usar todo mês. Quando esse limite for atingido, a velocidade da conexão é reduzida a patamares inutilizáveis ou a conexão é simplesmente cortada. O serviço só é restabelecido na virada do mês, ou caso o usuário compre um “pacote de dados adicional”. Naturalmente pagando bem caro por ele.


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Juntas, essas empresas respondem por 86% do acesso à Internet fixa no país. Por isso, o anúncio praticamente simultâneo cheira a cartel. Diante da gritaria do público, a TIM aproveitou para dizer que a empresa não imporá esses limites a seus clientes. Esperta! Mas ponto para ela.

O argumento das operadoras parece válido em um primeiro momento: que pague mais quem usa mais. Elas fazem um paralelo com o serviço de fornecimento de energia elétrica. Dessa forma, quem usasse a Internet apenas para tarefas muito básicas, como ler e-mails, pagaria pouco, enquanto heavy users de vídeo sob demanda pagariam muito.

Pura cortina de fumaça para dar um ar de justiça social a uma decisão arbitrária e abusiva!

 

Pega na mentira!

Temos que considerar que esse cidadão da “Internet básica” está em extinção, se é que ainda existe. Quem nunca entra, pelo menos de vez em quando, no YouTube para ver um vídeo de humor, um trailer de cinema ou ouvir uma música? Portanto esse argumento de “cobrar pouco da Internet a carvão” é inválido.

A comparação com o fornecimento de energia elétrica também é um insulto à inteligência do público. Enquanto novos eletrodomésticos são projetados e a população é instruída a gastar menos energia, mas sem que isso configure perda na qualidade no serviço, no caso da Internet vivemos em um mundo em que o tráfego de dados cresce exponencialmente. Não poderia ser diferente: as pessoas têm a sua disposição mais e mais serviços online, sem falar no fato de que cada vez mais equipamentos nas empresas e nas residências estão permanentemente conectados. Você já parou para pensar quantos na sua casa estão online agora? Além dos computadores (que pode ser mais que um), existem os smartphones de todos os membros da família, tablets, televisões, videogames, relógios inteligentes, TV por IP (como Apple TV), sistemas de som… E em breve teremos o carro, o refrigerador e todo tipo de automação doméstica (na Coreia do Sul, por exemplo, já temos lâmpadas ligadas à Internet). Portanto, essa comparação com o fornecimento de energia elétrica é completamente inadequada.

Por fim, há ainda a quantidade de dados que as teles oferecem para cada franquia, outro grande engodo. Elas são criadas para ser insuficientes. No caso da Vivo, as franquias variam de 10 gigabytes, para o plano mais barato (“Banda Larga Popular 2 Mb/s”), a 300 gigabytes, para o mais caro (“Fibra 300 Mb/s”).

Colocando isso em perspectiva, 10 gigabytes são consumidos, por exemplo, assistindo a umas oito horas de Netflix (oito episódios de séries ou quatro filmes), ou a cinco horas de YouTube, ou participando de umas cinco horas de cursos à distância em vídeo ou se divertindo por 15 minutos (sim, minutos!) com jogos online por streaming. Vale lembrar que você ainda tem que incluir todas as outras coisas que você fizer online (sim, WhatsApp e Facebook também contam) e que a franquia é dividida entre os usos de todos os membros da residência em um mês inteiro!

Olhando para esses exemplos fica impossível não notar um provável alvo das operadoras.

 

Guerra ao vídeo online

Acontece que essas empresas também têm outros negócios, como telefonia (que vai mal das pernas) e TVs por assinatura (que está ladeira abaixo).

A única perna do seu tripé que não para de crescer é justamente o acesso à Internet, com usuários cada vez mais ávidos por velocidade e volume de dados. E o grande impulsionador disso é o vídeo, que se estabeleceu como a nova linguagem no meio digital.

Basta olhar para crianças e adolescentes. A ferramenta de busca deles para qualquer assunto não é o Google: é o YouTube. Além disso, eles simplesmente não querem saber de TV aberta ou fechada, não apenas porque todo o conteúdo que eles querem está online, mas também porque eles não se submetem à grade de programação, a base do negócio de qualquer emissora.

Some-se a isso os altos preços dos planos de TV por assinatura, excesso de comerciais, canais irrelevantes empurrados goela abaixo e baixa qualidade da programação, e temos, como resultado os seus 725 mil cancelamentos em 12 meses (até fevereiro, dados mais recentes da Anatel).

Grande parte desse público trocou as altas mensalidades das TVs por assinatura pela Netflix, mais barata, sem comerciais, sem grade de programação e com conteúdo de alta qualidade. Ou seja, paga-se muito menos por um produto muito melhor.

O negócio só não é perfeito porque a Netflix roda sobre a Internet. E quem oferece esse serviço são as teles. Então, no melhor estilo de “a bola é minha, brinco como eu quero”, elas se veem no direito de penalizar toda a população para tentar tornar o vídeo digital o vilão da história, para salvar o seu negócio moribundo de TV por assinatura.

 

O que fazer?

Portanto, apesar de os comerciais das operadoras para vender seus acessos à Internet sugerirem uma vida totalmente conectada às pessoas, inclusive destacando o vídeo sob demanda, sua visão tacanha de negócios castra seus clientes. A prática nega o discurso.

Seria de se supor que a Anatel fizesse alguma coisa a respeito. Mas a Agência Nacional de Telecomunicações decidiu lavar as mãos sobre o tema. Segundo ela, para serviços de banda larga fixa, as empresas podem fazer o que bem entenderem. Sua única obrigação é oferecer um sistema para que o cliente verifique quanto da franquia já consumiu e avisar quando estiver próximo a estourar sua cota mensal.

Felizmente os órgãos de defesa do consumidor não estão dispostos a fazer também o joguinho das teles. Tanto o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) quanto a Associação de Consumidores Proteste já entraram na Justiça contra a prática abusiva. Juristas afirmam que o consumidor está protegido pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Marco Civil da Internet. Este último, uma espécie de “constituição da Internet” no país, prevê explicitamente que o sinal de Internet só pode ser interrompido por falta de pagamento.

Ou seja, a nova prática das teles, além de imoral, é ilegal.

Entretanto, não devemos esperar apenas pelos resultados das ações do Idec e da Proteste. Cada um de nós pode realizar diferentes ações. A página no Facebook Movimento Internet Sem Limites, que debate o assunto, já contava com mais de 400 mil inscritos no momento em que esse artigo foi escrito. Abaixo-assinados online também são boas maneiras de fazer pressão. O hospedado na Avaaz.org já caminhava para 1,5 milhão de adesões. Também é possível abrir uma reclamação no Procon de seu Estado.

Você pode ainda tentar pressionar os deputados federais por e-mail ou telefone. Só não sei se algum deles nos ouvirá nesses tempos em que Brasília só se preocupa com temas ligados ao impeachment da presidente…

A única coisa que não podemos fazer é não fazer nada. É necessário divulgar, debater e agir! Já não bastassem as altas mensalidades, os serviços ruins, o suporte deplorável, temos que engolir mais esse abuso agora?


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Como a conquista das crianças pelo YouTube pode impactar empresas e a educação

By | Educação | 5 Comments

Foto: Tobyotter/Creative Commons

Pergunte a uma criança onde ela vê seus programas preferidos. Há uma grande chance de o YouTube ser a resposta. Ele caiu de vez no gosto dos pequenos. Ótimo para o Google, dono da plataforma! Mas isso abre algumas interessantes questões educacionais e de negócios.

Um recente levantamento da ESPM Media Lab, conduzido pela pesquisadora Luciana Corrêa, jogou luz sobre isso. Suas observações combinam com o relatório “Children and Internet use: a comparative analysis of Brazil and seven European countries”, produzido a partir de estudos comparáveis dos países participantes. No Brasil, os dados foram levantados pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).


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Para crianças e adolescentes, o YouTube já é muito mais que uma simples plataforma de vídeos: é a sua principal ferramenta de busca para qualquer assunto, ocupando o espaço que o próprio Google tem para os adultos. Tanto que a empresa lançou o YouTube Kids, um versão do serviço com recursos especiais para crianças (ainda não disponível no Brasil).

Naturalmente os vídeos de entretenimento são o principal atrativo da plataforma. Corrêa identificou que, dos 100 canais com mais audiência do YouTube, 36 abordam conteúdo direcionado a crianças de 0 a 12 anos. E, de 110 canais brasileiros analisados (que já renderam 20 bilhões de visualizações), a categoria mais comum é a de “games”, seguida pela de “programação infantil também disponível na TV”. Apenas um canal era “educativo”.

A segunda categoria me chamou muito a atenção. Para as crianças, não existe diferença entre o conteúdo no YouTube, em serviços pagos de vídeo sob demanda (como Netflix) ou nas TVs por assinatura ou aberta: tudo é vídeo! E isso acende uma grande luz vermelha para o negócio das emissoras de TV.

As crianças estão vendo TV fora da TV!

 

Tela do passado

Acontece que os pequenos cada vez menos usam o aparelho de TV. Para elas, a programação “nativa” na telona é uma coisa anacrônica com três características muito indesejáveis: existência de uma grade de programação (que as obriga a assistir aos programas em horários específicos), programação continuamente interrompida por comerciais e impossibilidade de ver o conteúdo com privacidade. Não é de se estranhar, portanto, que o dispositivo preferido para assistir a vídeos seja o celular, e a plataforma seja o YouTube: a combinação elimina, de uma só vez, esses três incômodos.

Esse comportamento também pôde ser observado em uma outra pesquisa, realizada no ano passado pela comScore e pela IMS, com latino-americanos que veem vídeos online, uma realidade cotidiana para 81% do público pesquisado, contra apenas 70% da TV aberta (no Brasil, os números foram 82% contra 73% respectivamente). E os mais jovens eram os que mais preferiam vídeos online à TV.

Chegamos a debater neste espaço como o lançamento do Globo Play não deve cativar os mais jovens. O produto tem um formato técnico e um modelo de negócios semelhantes aos da Netflix, mas falha ao se manter atrelado à grade de programação da emissora. Não é, portanto, suficiente para estancar a sangria desatada do público.

Os fabricantes de TV, que já perceberam os ventos da mudança há alguns anos, estão transformando os aparelhos em poderosos computadores, capazes de rodar todo tipo de aplicativo, inclusive o YouTube e a Netflix (não por acaso os mais populares em suas plataformas). Resta saber o que as emissoras de TV farão para evitar que seu negócio mingue por falta de público.

Até o momento, não vejo grande coisa.

 

YouTube babá?

Mas há outro aspecto importante a se analisar nesse fenômeno: as crianças estão ficando tempo demais no YouTube?

Curiosamente, há uns 20 anos, essa pergunta recaía sobre a própria TV, chamada pejorativamente então de “babá eletrônica”. As crianças passavam horas a fio assistindo à sua programação, e depois seus pais acusavam-na de “deformar” seus filhos. A bola da vez para esse “cargo” é a tecnologia digital, com o YouTube em destaque.

Quando uma criança deve ter acesso à tecnologia é um debate que parece não ter fim. Existem bons argumentos a favor e contra. Particularmente acho um grande erro querer privá-las disso por princípio, pois vejo falhas conceituais no que diz a “turma do não”. Além disso, vivemos em um mundo em que a tecnologia digital é cada vez mais ubíqua, e, por isso, as crianças devem aprender, desde cedo, a se apropriar dessas ferramentas em seu favor.

O que não quer dizer abandonar as crianças à sua própria sorte com seus gadgets. Pais que acusavam a TV e, depois dela, a Internet, os videogames, os smartphones, o YouTube por problemas com seus filhos estão tentando jogar em outro a culpa que é, na verdade, sua!

Como explica muito bem a psicóloga Katty Zúñiga, do NPPI (Núcleo de Pesquisas da Psicologia e Informática) da PUC-SP, os pais não devem vetar o acesso à tecnologia para seus filhos, pois eles acabarão encontrando maneiras de burlar a proibição, eliminando a chance de os pais construírem algo juntos com os filhos nesse ambiente. Por outro lado, os responsáveis devem oferecer e incentivar outras atividades aos pequenos, como livros, brincadeiras, atividades manuais, passeios, para que as ferramentas digitais sejam apenas “mais uma” das atividades disponíveis para a criança. Pois, se ela não tiver alternativa, usará o que estiver à mão, no caso, literalmente, o smartphone. Além disso, os pais devem se envolver e demonstrar interesse genuíno pelo que seus filhos fazem nos meios digitais. Tudo isso é o que pode ser considerado um uso consciente e construtivo da tecnologia pelas crianças.

Sim, o cotidiano é difícil, todos têm que trabalhar, estão sempre na correria, sobra pouco tempo para lazer. Mas –sinto muito– nada disso serve de desculpa para não dispensar às crianças o tempo e a atenção que elas necessitam e merecem. Isso é ser pai e mãe.

Portanto, antes de o uso intensivo do YouTube pelos pequenos ser a causa de algum problema, ele é um sintoma. A plataforma pode ser muito interessante por si só. Não há nada de errado nas crianças gostarem dele, desde que não seja por falta de alternativas ou orientação. Muito mais que as emissoras de TV, são os pais que devem estar atentos a isso.


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“O conteúdo é rei” é uma tremenda balela

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Redação de The New York Times em 1942 - Foto: Marjory Collins/Biblioteca do Congresso dos EUA

Redação de The New York Times em 1942

Há quase vinte anos, eu ouço a tese do “conteúdo é o rei”, que um bom editorial seria suficiente para levar um veículo ao sucesso, dito pelos coleguinhas quase desprezando outras áreas da empresa, como o comercial e a estratégia. Mas um extenso documento interno de The New York Times, que vazou na semana passada, mostra que isso é um engodo, mentira, bullshit.

Não estou dizendo, jamais diria, que o conteúdo editorial não é importante. Porém a queda contínua dos veículos tradicionais, principalmente os impressos, diante de produtos digitais inovadores escancara a realidade de que um ótimo conteúdo está longe de ser suficiente para o sucesso. Nem mesmo The New York Times, casa de um jornalismo premiadíssimo, escapa dessa verdade.

O referido documento do Times, que muito bem serve para praticamente todos os grandes veículos impressos, pinta uma empresa que sofre para se adaptar à realidade digital, e experimenta grandes perdas em audiência e receita por conta disso. Mais dramático ainda, o relatório demonstra que o fato de o jornal se preocupar muito com o seu jornalismo, relegando a um segundo plano a evolução de uma estratégia digital robusta e consistente, corroi a sua credibilidade e ameaça sua sobrevivência.

Produzido por um grupo liderado por Arthur G. Sulzberger, filho de Arthur Ochs Sulzberger, publisher do NYT, o documento coloca o dedo em várias feridas, começando pelo fato que toda a sua estrutura de produção continua girando em torno da versão impressa. A ideia de ser “digital first”, que muitos veículos enchem a boca para promover em eventos e peças de marketing, não passa de um discurso vazio, que não encontra eco no dia a dia. E a resistência maior vem da Redação, que encara propostas de mudança em seu produto e na maneira de realizá-lo como uma “ameaça a sua independência”, o que poria em risco a qualidade.

O relatório chega a mencionar a dificuldade de integrar as equipes editoriais, técnicas e de estratégia, quase como se fossem concorrentes. O velho mantra da “separação igreja-estado” é invocado. Para quem nunca ouviu falar disso, o conceito visa impedir que interesses comerciais interfiram nos editoriais. O exemplo clássico é garantir à Redação a prerrogativa de publicar notícias ruins sobre uma empresa, mesmo que ela seja o maior anunciante do jornal.

Mas, nesse caso, isso não se aplica. Ninguém está propondo que a qualidade do jornalismo seja minimamente ameaçada por interesses “obscuros” de outros departamentos da empresa. Pelo contrário, os jornalistas precisam ter, antes de tudo, a humildade de aceitar que outros profissionais podem indicar o caminho que toda a empresa deve trilhar, diante de movimentos não apenas dos concorrentes, mas também de seus próprios clientes: os leitores.

Curiosamente, a única grande inovação do NYT nos últimos anos não veio da Redação, e sim da área de negócios: o seu “paywall poroso”. Resumidamente, permitindo que qualquer um tenha acesso gratuito a uma quantidade restrita de notícias a cada mês, eles propuseram uma maneira criativa que garantiu que 90% de seus internautas continuassem acessando suas páginas sem qualquer mudança (o que garantiu a manutenção da receita publicitária vinculada à audiência), enquanto aumentou consideravelmente o total de assinaturas digitais e até mesmo do jornal impresso.

O problema é que, de março de 2011 para cá, o conceito de assinatura, que já andava bem mal das pernas, se enfraqueceu ainda mais. Com a consolidação do consumo ubíquo de conteúdo em dispositivos móveis, as pessoas não querem mais se sentir “aprisionadas” a um veículo, pagando antecipadamente por muita coisa que não usarão. O consumidor de conteúdo atual, que absorve isso vorazmente como nunca, quer que tudo chegue a ele com qualidade, onde estiver, quando quiser e ainda referenciado pelos seus amigos. Se essas exigências forem atendidas, pouco importa a origem do conteúdo: pode ser o NYT ou um completo desconhecido que domine o assunto.

Não é de se espantar, portanto, o sucesso de agregadores, como o Flipboard. Da mesma forma, não é nenhuma surpresa a derrocada dos veículos tradicionais. E a culpa disso não cabe à Internet, aos agregadores, ao Google ou ao Facebook. Cabe aos próprios veículos, que continuam produzindo e distribuindo seu conteúdo como nos tempos em que eram a única fonte de conteúdo de qualidade.

Felizmente (para os usuários) ou infelizmente (para os veículos tradicionais), esse tempo é passado.O jornalismo do NYT é algo memorável e espero sinceramente que a “dama cinzenta” consiga reagir e promover as mudanças necessárias para continuar existindo. Cabe apenas a eles mesmos –e a todos os veículos agonizantes– a solução.

Facebook lança seu agregador para “dar o que as pessoas querem”

By | Jornalismo | No Comments
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Vira e mexe me perguntam: se as empresas de mídia tradicionais estão perdendo as mentes e os corações de seu público, quem está ocupando esse espaço? Eu digo que são empresas que dominam nossos novos relacionamentos com todo tipo de conteúdo, não apenas do ponto de vista tecnológico, mas principalmente os novos comportamentos das pessoas. E, nesse cenário, é inevitável pensar em Google, Apple, Facebook e até mesmo os “agregadores”, aqueles pequenos programas capazes de criar “veículos de comunicação” incrivelmente personalizados ao combinar, de maneira inteligente e criativa, conteúdo de uma infinidade de fontes.

Pois o Facebook acaba de lançar aquilo que eu considero o seu agregador. Batizado de Paper (parece até uma provocação à “velha mídia”) o aplicativo redefine a maneira como o usuário tem acesso a seu feed de notícias da rede de Mark Zuckerberg, além de sua página pessoal e de amigos. Mas o que realmente o diferencia do aplicativo padrão do Facebook para celulares é justamente o fato que ele também oferece aos usuários seções com conteúdos compilados de diferentes fontes. Só faltou permitir que os cada um pudesse cadastrar também veículos de que gosta (quem sabe em uma futura versão?). Tudo dentro de uma tela muito elegante e integrada, sem que o usuário sinta qualquer ruptura na sua experiência de navegação e quase não perceba a origem do que está lendo.

O Paper é bastante diferente do Home, malfadado aplicativo que o Facebook lançou em abril do ano passado, com a pretensão de “melhorar o uso do celular” praticamente assumindo o controle dele e substituindo as telas do Android pelas suas. Naturalmente as reações dos usuários foram muito negativas. Talvez por isso o Paper não surja para “dominar tudo”, e sim “apenas” trazer conteúdos úteis, do jeito que o usuário deseja.

Como podem ver, ninguém acerta sempre, e não há problema em errar. Mas não há espaço para continuar insistindo no erro. O público não aceita mais “pertencer” ou mesmo depender exclusivamente de um produto ou empresa. Esse é um dos motivos da falência do modelo de negócios baseado em assinaturas, em que se paga de antemão para se ter acesso a todo o conteúdo de um veículo. As pessoas qerem receber a informação que gostam ou precisam, sem se importar com a fonte, porém de uma maneira conveniente.

Por isso os agregadores e o próprio feed de notícias do Facebook se tornaram grandes distribuidores de conteúdo jornalístico. De fato, pesquisa publicada pelo Pew Research Center em outubro do ano passado indica que as pessoas realmente consideram a rede social como um local genuíno para se consumir jornalismo: 78% dos usuários americanos do Facebook consomem notícias a partir dele, e 43% afirmam que ele é uma fonte importante de noticiário. Detalhe: o Facebook não produz –ele mesmo– uma linha sequer de conteúdo.

Além de Google, Facebook e essa turma entregar eficientemente o que os usuários querem, eles ainda fazem isso aparentemente de graça. Claro que não é verdade: o usuário não paga nenhum real para usar todos esses produtos, mas entrega graciosamente uma enorme massa de informações sobre si mesmo que viram receitas milionárias para essas empresas de outras formas.

Cada vez mais essa entrega é feita de forma consciente, e para várias empresas. Isso dá o que pensar: as pessoas aparentemente não se importam em abrir mão da própria privacidade, se essas corporações lhes entregarem ferramentas que deixem sua vida melhor, mais fácil (e entregam). Acham isso uma troca justa, melhor que pagar R$ 80 por uma assinatura de um monte de notícia que não lerão.

Muitos podem torcer o nariz, podem achar isso um horror, a decadência da civilização moderna. Há muitos juízos de valor nesses pensamentos. Acho perigoso as pessoas que se expõem online de uma maneira inconsequente, mas não acho viável querer lutar contra seu celular, que insiste em mandar continuamente para a operadora e o fabricante onde você está.

Nem mesmo George Orwell, em sua obra 1984, poderia imaginar algo assim. Mas a maior ironia é que isso tudo não acontece por subterfúgios de um Estado totalitário, e sim porque as pessoas topam tudo isso para aproveitar ao máximo o que a tecnologia tem a nos oferecer. E não vejo volta.

É por isso que as empresas citadas acima prosperam, enquanto a mídia tradicional se debate em agonia. Não apenas porque seus produtos perderam apelo, mas porque não conseguem mais entender o mundo que tentam noticiar.

A importância do caviar para o jornalismo

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Exemplos de capas do Estadão e da Folha de um mesmo dia: dois veículos de uma mesma empresa, feito de jornalismo palaciano, agências e assessorias? Imagem: reprodução

Exemplos de capas do Estadão e da Folha de um mesmo dia: dois veículos de uma mesma empresa, feito de jornalismo palaciano, agências e assessorias?

No dia 10, durante o 7º Fórum da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), em meio às discussões sobre a crise das empresas de comunicação impressa, Juan Giner, presidente do Innovation Media Group, sugeriu que os veículos precisam investir na produção de um jornalismo de alta qualidade, relevante e exclusivo, se quiserem que alguém pague pelo seu produto. Parece óbvio, mas não é, pois isso não se vê por aí.

“Temos que produzir um ‘jornalismo-caviar’, que seja nobre, raro e sofisticado, e principalmente que não seja encontrado em qualquer lugar”, disse Giner aos participantes do evento. “Mas 80% dos veículos de todo o mundo ainda não atingiram esse nível de sofisticação, exclusividade e relevância em seu noticiário. Precisamos produzir caviar”, alfinetou Giner.

Ele está certíssimo: as pessoas pagam pelo conteúdo que consomem, desde que ele mereça isso. O assunto já foi debatido neste mesmo blog mais de uma vez. Mas é uma pena constatar que a maioria do jornalismo por aí está mais para fast food que para caviar. É como se as empresas de comunicação, asfixiadas pelos seus balanços desfavoráveis, estivessem esquecendo como fazer bom jornalismo, preferindo as fórmulas fáceis, baratas e ruins. Não sabem mais onde está o caviar (e não procuram), e se contentam em oferecer hambúrguer de baixa qualidade. E isso não é uma exclusividade dos veículos impressos: permeia diferentes mídias.

Mas, agora discordando de Giner, apenas produzir jornalismo-caviar não é mais suficiente para salvar esses veículos. Para tornar a situação mais dramática, existe muita gente que despreocupadamente produz jornalismo (às vezes bom) de graça simplesmente porque aquilo não é o seu core business, mas precisa desse tal “conteúdo” para sustentar o que realmente lhe dá dinheiro. Isso não é nenhuma novidade: em 1996, quando o UOL foi lançado, as teles não queriam saber de oferecer acesso. Coube aos então chamados “provedores de acesso” criar a infraestrutura e oferecer a conexão. Naquela pré-história da Web, o conteúdo jornalístico da casa (no exemplo do UOL, vindo dos veículos da Folha e da Abril) era um “brinde” para convencer alguém a pagar pelo “acesso”, seu verdadeiro negócio.

Os portais de hoje não são muito diferentes disso. Talvez a maior ironia seja o fato de eles lucrarem muito distribuindo (pagando ou por parcerias) jornalismo da chamada “mídia tradicional”, que não aprendeu até hoje a lucrar nessa nova modalidade. E o problema reside em insistir em um modelo que foi criado no século 19, quando o leitor precisava pagar pelo jornal inteiro, mesmo que quisesse ler apenas uma notícia. Isso acontecia porque não era possível vender o jornal fatiado. Mas hoje isso é perfeitamente factível.

Não estou propondo micropgamento, algo difícil de implantar do ponto de vista técnico e financeiro. Mas o modelo “pague para levar tudo ou não receba nada” não se sustenta mais. Sim, é possível cobrar uma assinatura, mas por outro tipo de produto jornalístico que tire real e amplo proveito do que a tecnologia oferece, ao invés de simplesmente transpor o impresso para a tela. É isso que as pessoas não querem e que as empresas insistem em empurrar ao mercado. Para consumir notícia dessa forma, melhor ficar com a revista em papel mesmo.

E aí voltamos à história do tal jornalismo-caviar. Os novos leitores não consideram a hipótese de consumir notícias em papel. E os leitores antigos não querem mais pagar pelo jornalismo rasteiro e desqualificado que lhes é oferecido. As pessoas incensam o paywall do The New York Times, mas suas análises simplistas não vão além da exigência de pagamento para quem quiser ler mais conteúdo.

É uma visão míope e limitada do trabalho que a turma da “velha dama cinzenta” fez. Esquecem que o conteúdo gratuito é suficiente para atender às necessidades mensais de leitura de 90% dos visitantes de seu site, leitores eventuais (portanto, cobram apenas dos que realmente veem valor no produto e o consomem mais). Esquecem também que quem chega a uma notícia de buscadores ou de redes sociais não tem a leitura computada em sua quota, fortalecendo assim a sua relevância nessas importantes portas de entrada. Esquecem que os produtos digitais da casa são muito bons e não se resumem a transpor o impresso para a tela. Por fim, esquecem que quem assina o jornal impresso leva todos os produtos digitais de graça. Sobre tudo isso, uma generosa cobertura de jornalismo-caviar.

E continuamos com o nosso cachorro quente.

Depois do “paywall”, o “freewall”

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Desde que o The New York Times lançou, em março do ano passado, o seu “paywall”, os jornais elegeram esses sistemas de controle de cobrança pelo seu conteúdo digital como a tábua de salvação de sua indústria em forte declínio. Não falam de outra coisa, como uma criança que encontrou antes da hora um presente escondido. Mas Raju Narisetti, vice-editor executivo do The Wall Street Journal, classifica os paywalls como “negativos”.

A declaração foi feita no 9º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) nos dias 20 e 21 de agosto. Ironicamente o WSJ de Narisetti é o melhor exemplo de sucesso conteúdo digital fechado. Se quiser ler, tem que assinar. Muito mais “duro” que o modelo do NYT, que vem habitando os sonhos dos publishers, em que o leitor pode acessar páginas livremente até determinada quantidade, antes de ser convidado a pagar.

Como entender essa aparente contradição do executivo? O próprio Narisetti explica: o WSJ sempre cobrou pelo seu conteúdo, ao contrário de praticamente todos os demais jornais, que acostumaram seus usuários a consumir o conteúdo de graça. Agora precisam convencer seu público a pagar pelo que sempre foi grátis. Além disso, o conteúdo do WSJ é um verdadeiro diferencial, raramente equiparado por outros veículos, o que cria uma justificativa pela cobrança.

“Vocês devem descobrir o que funciona para o seu negócio e encontrar formas de beneficiar seus sites e seu jornalismo”, disse no evento. Traduzindo: não há nenhuma garantia de que os sucessos dos modelos de paywall do NYT e do WSJ possam ser reproduzidos em outros veículos. Mais: para que isso tenha a mínima chance de acontecer, os veículos têm que oferecer um produto que mereça ser pago.

Problema: diferencial é algo que os jornais, os brasileiros com destaque, têm cada vez mais dificuldade de oferecer. Em época de cortes dramáticos de custos, as redações ficam povoadas de “focas”, imaturos e com formação deficiente. E um bom jornalista só aparece ao longo dos anos, forjado na reportagem e na edição. Nossos veículos se tornaram reféns de sua falta de criatividade da inexperiência dos novos colegas, dependendo do denuncismo e do jornalismo palaciano, duas pragas que tentam mascarar essa triste realidade.

Apenas para exemplificar, vejam as primeiras páginas de hoje do Estadão e da Folha:

 

 

Os dois jornais têm a mesma manchete, com o mesmo sujeito, mesmo verbo e mesmo objeto; a foto principal também retrata o mesmo personagem; três das outras principais chamadas também tratam do mesmo assunto.

Caramba: até o anúncio é o mesmo!

Mais dramático ainda: nada, absolutamente nada do material chamado nas duas páginas exigiu grande esforço. É material de assessorias, de agências, de pesquisas. E tudo isso também está disponível igualmente (e muito mais rápido) em portais como Terra, MSN e outros, que não dão a menor pinta de que passarão a cobrar pelo seu conteúdo. Sem falar na televisão aberta.

Fica a pergunta: quem vai pagar por isso? Ou ainda: quanto vale isso? Disse Suzana Singer, ombudsman da Folha, na sua coluna do dia 24 de junho : “para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede.”

Os paywalls mudarão magicamente isso? O próprio Narisetti responde: “paywalls são inerentemente negativos. Estamos dizendo ao leitor que ele tem, por exemplo, 20 matérias grátis e que, quanto mais ele lê, mais perto fica de ter que pagar para nós.”

“Freewall”?

O executivo do WSJ propôs então uma ideia no mínimo curiosa: talvez os jornais devessem considerar a alternativa de um “freewall”, como ele mesmo chamou.

É como um programa de milhagem. Para ver o conteúdo, o usuário precisa pagar. Mas, quanto mais “engajado” esse usuário for com o veículo, menos pagaria, até chegar a uma eventual gratuidade.

A proposta tem seus méritos. Um usuário que participa ativamente do jornal –comentando, compartilhando, sugerindo– traz vários benefícios ao veículo, inclusive novos usuários. Compartilhamentos comentados aos amigos de redes sociais são uma forma complexa e eficiente de marketing, de uma maneira que o próprio veículo não consegue fazer por si só.

Claro, é apenas uma ideia: ninguém falou ainda em como implantar tal coisa, ou quais seriam as regras de descontos, por exemplo. Mas o embrião do paywall poroso também era só uma ideia no NYT há três anos, quando começou a ser discutido internamente. Pode se tornar uma alternativa interessante a jornais que não sejam competentes o suficiente para ter sucesso com o paywall.

E por que então o WSJ não adota o freewall então? Bom, porque seu conteúdo é um diferencial e eles nunca deram isso de graça. Fecha-se o círculo.

O fim dos jornais

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Homem olha jornais expostos em uma banca argentina

Os jornais precisam olhar para mundo e encontrar maneiras criativas de cobrar pelo seu conteúdo, ou acabarão sumindo

Há alguns dias, enquanto almoçava com colegas, a decisão da Folha de S.Paulo de restringir, desde o dia 21 de junho, o conteúdo de seu site a assinantes virou assunto. As opiniões eram praticamente unânimes: a novidade representaria um enorme erro, fruto de falta de visão e desespero pela incapacidade de se adaptar às mudanças do mercado, e os resultados seriam negativos. Na verdade, o tom dos comentários chegava a ser jocoso: “quanto vão ganhar com isso, mil reais?”

Argumentei que os colegas da Barão de Limeira estava seguindo uma tendência internacional chamada “paywall poroso”, popularizada pelo The New York Times –que, aliás, vem colhendo frutos interessantes, aumentando consideravelmente a sua base de assinantes digitais e até mesmo do impresso. Mas isso só serviu para aumentar ainda mais a chacota: “é muita pretensão querer se comparar ao The New York Times, que diferenciais eles têm para querer cobrar algo?”

Essa conversa agregou vários pontos que há muito discuto aqui. É um fato que as pessoas só pagam por aquilo em que veem valor. “Para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede”, afirmou a própria ombudsman da Folha, Suzana Singer, na sua coluna do dia 24 de junho.

Os jornais estão em posição cada vez mais desfavorável nesse cenário: as tiragens e as receitas dos grandes títulos minguam, sendo substituídas por jornais gratuitos e por outras fontes de informação, mais notadamente a digital. E os colegas acima trabalham justamente em portais. Ironicamente, muita da informação oferecida por esses sites –assim como em redes sociais– vêm desses mesmos jornais. E produzir conteúdo custa e, dessa forma, precisa ser remunerado.

Cobrar de quem vê valor

A Folha reproduziu aqui um dos maiores acertos do NYT: a grande maioria dos usuários do site nem perceberá a existência do paywall, pois eles supostamente consomem menos notícias por mês que o necessário para disparar o mecanismo de cobrança (40, no caso da Folha). Dessa forma, a novidade não afugentaria usuários, mantendo os ganhos com publicidade. Paga apenas quem ultrapassam esse limite, o que, em tese, indica que a pessoa vê valor no produto, justificando assim a cobrança.

Mas as pessoas não querem mais pagar. Não vem de hoje e os culpados por esse conceito são os próprios jornais, que fomentaram isso em nome de construir uma presença online desde meados da década de 1990. Como também escreveu Suzana, “acostumados a se informar de graça na rede e incomodados com um monte de anúncios que saltitam sobre a tela, (as pessoas) não entendem por que devem colocar a mão no bolso.”

Nessa insustentável e aparentemente insolúvel contradição pode residir a saída para essa indústria, crítica para uma sociedade livre. Em setembro de 2010, conduzi um estudo e concluí que, de todos os custos de um grande jornal, apenas 20% se refere, de uma forma ou de outra, ao jornalismo em si, entrando, nessa contabilidade, os salários, equipamentos, suporte a reportagem e o que mais fosse necessário à produção de conteúdo. Os outros 80% vão para comprar papel, manter a gráfica, distribuir os impressos e manter a enorme infraestrutura dessas empresas.

Oras, o que as pessoas efetivamente consomem está nesses 20%. Colocando de outra maneira, é possível continuar fazendo jornalismo com a mesma qualidade gastando apenas vinte de cada cem reais investidos hoje. Claro que essa é uma visão propositalmente simplista, pois as agências publicitárias não querem depositar nas operações digitais dos jornais o que (ainda) colocam em seus impressos. Mas, se a fatia do impresso está diminuindo no bolo publicitário, então esse dinheiro está indo para outro lugar.

“Perderam o barco”

Está indo para jornais gratuitos e mídia digital. A televisão continua nadando de braçada com uma folgada liderança, mas sem mudanças significativas para mais ou para menos em seu share. Rádio e mídia externa consolidaram-se na rabeira. A briga séria está no “pelotão intermediário”, justamente onde está o impresso –jornais e revistas– e o digital.

O impresso vem se sustentando com a ajuda dos jornais gratuitos, como o Metro e o Destak, que puxam as métricas –leitores, tiragem e receita publicitária– para cima, mascarando a queda dos grandes títulos. E a mídia digital, no melhor estilo “de grão em grão, a galinha enche o papo”, aumenta continuamente o seu share, com anúncios infinitos a preços irrisórios.

Sobre meu post “O incômodo charme dos agregadores”, Rodrigo Mesquita, responsável pela Agência Estado ser o que é, e membro da família proprietária do Estadão com uma excelente visão do casamento da mídia com as TIC, comentou no Google+: “Não dá mais tempo, meu caro. Os jornais perderam o barco. Vão ficar com um papel residual.”

A possível solução para o dilema da mídia exige, portanto, abandonar o modelo de negócios que conhecem tão bem. A mídia impressa precisa entender que o papel era apenas um veículo para entregar o conteúdo que produzia. Não apenas não é mais necessário, como se tornou obstáculo a sua sobrevivência. E não me refiro apenas aos altos custos associados a ele, mas também porque engessa o produto em um formato autocontido, unificado e finito, que não encontra mais espaço hoje.

Descentralização

“Nada foi feito em direção a nada na grande maioria dos jornais”, afirmou Mesquita, que concluiu: “caminhamos para uma nova sociedade, que terá uma nova forma de interagir e articular seus interesses, de uma forma muito menos centralizada que a do tempo da indústria.”

As casas editoriais aprenderam o discurso de que são produtoras de conteúdo, que deve ser entregue da forma que o usuário quiser. Mas o discurso não combina com seus atos, que buscam resgatar o velho “jornalão”, esse sim entregue em todas as plataformas, em que o usuário assina tudo ou nada. Tem que levar o caderno de cultura e o de esportes, mesmo que queira apenas ler o de economia.

A Folha deu o primeiro passo para romper esse pensamento tacanho e antiquado, imitando o paywall do NYT. Mas isso não liberta ainda o usuário fiel do conceito de assinatura (ele pode ser fiel sem ser assinante). Nisso, os portais, a indústria de games e, mais recentemente, as lojas de aplicativos mobile estão muito à frente, com formatos de distribuição –e remuneração– completamente pulverizados, fragmentados, “indolores” e sob demanda.

Trata-se de um mundo com ganhos mínimos multiplicados em milhões de microtransações, que transformam definitivamente qualquer conteúdo em serviço. Os players acima aprenderam essa lição e, mesmo que muitos deles não tenham as receitas dos grandes jornais, ostentam operações mais saudáveis e até mais lucrativas. Afinal as suas despesas são muito menores e eles possuem muito mais consumidores que os jornais.

Não é de se admirar, portanto, que empresas de tecnologia liderem hoje os ganhos publicitários e já tenham até se tornado gigantescas –e inovadoras– produtoras de conteúdo. Felizmente o eventual fim dos jornais não significará o fim do jornalismo. Apenas de empresas que se recusaram a se adaptar a uma nova ordem econômica e social, mediada pela tecnologia.

Treine um dragão e salve seu jornal

By | Jornalismo, Tecnologia | No Comments
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=3WsrRFPTNHc]

Nos últimos dias, participei de conversas com vários grupos sobre o assunto mais odiosamente preferido dos executivos de mídia: como salvar o nosso negócio. E me deparei com as mesmas teses de sempre: conteúdo aberto versus conteúdo fechado, paywalls, assinatura ou compras avulsas, veículos organizados em edições ou continuamente atualizados, entre outros. E as conclusões, da mesma forma, acabavam sendo as velhas conhecidas, que, na prática, tentam perpetuar o modelo de negócio de jornais, que se forjou no século 19, se refinou no 20 e não encontra mais espaço no 21.

O que não entendo é: por que ninguém pensa em treinar um dragão para salvar o seu jornal? Claro, treinar um bicho desses não é fácil, mas a animação “Como Treinar Seu Dragão”, do trailer acima (não viu ainda? veja!), mostra que, muito mais difícil que encontrar ou treinar uma enorme besta voadora e cuspidora de fogo é acreditar que isso é possível. Mais difícil ainda é querer fazer isso quando se vive em uma aldeia viking cujo propósito maior é matar dragões.

O fato é que a mídia impressa só pensa em matar os dragões que roubam as suas ovelhas cada vez mais. Existem várias espécies deles, como a publicidade insuficientemente barata, o “jornalismo-cidadão” e a blogosfera, os internautas que se recusam a pagar pelo conteúdo, o Google News e, mais recentemente, os agregadores.

Mas e se tudo que soubermos sobre esses dragões estiver errado? Com essa conclusão, um protótipo de viking salvou a sua aldeia. Mas, para isso, arriscou tudo. Sorte da aldeia, pois, se ninguém pensasse diferente, nunca venceria as feras.

Como é de amplo conhecimento público, o principal dilema da mídia, especialmente a impressa, é que a receita que eles conseguem angariar com a Internet nem de longe compensa as perdas que a mesma lhe provoca. E produzir bom jornalismo custa dinheiro, isso é um fato! E as pessoas devem pagar por isso! Bem… pode ser… mas certamente não da maneira como se quer lhes impor.

Já que estamos fazendo citações cinematográficas, selecionei a cena abaixo, que muitos fãs de Star Wars devem conhecer as falas de cor:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=7YkbgvRMpW0]

Uma sequência de Yoda vale ser retirada dessa cena: “So certain are you. Always with you it cannot be done (…) You must unlearn what you have learned.”

Claro! Estarmos muito certos de algo é uma das piores coisas que pode nos acontecer. Na incerteza, experimentamos as alternativas e tateamos os nossos limites, nos permitindo ser melhores. Já na certeza, nos acomodamos em nossas crenças e tentamos impor aos outros o nosso modelo de mundo “certo”. Se o mundo discorda de nós, desqualificamos os seus argumentos; se se recusa a nos aceitar, tratamos de eliminá-lo. E aí continuamos achando que dragões são malévolos e naves são muito grandes para se levitar.

Enquanto isso, fedelhos nórdicos cavalgam dragões e criaturinhas verdes e enrugadas tiram naves de pântanos. O mundo se move rápido, vivemos em tempos exponenciais, como disse no último post. Quaisquer que sejam as soluções adotadas pela mídia para sair do lamaçal em que se encontra, elas começarão ao aceitar que deve conduzir seu negócio de maneira drasticamente diferente.

Acha tudo isso uma bobagem? Não acredita que possa ser feito? “That’s why you fail!”

Separando a Igreja do Estado e pagando a conta dos veículos

By | Jornalismo | No Comments

No último dia 26, durante o seminário de comunicação digital “Os desafios éticos e legais nas empresas jornalísticas”, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais), meu colega Marco Chiaretti disparou: “o problema é que está entrando muito dinheiro nas redações”. Não, ele não sugere que o jornalismo deixe de ser uma atividade remunerada. O que ele quer dizer é que as áreas de negócios das empresas de comunicação estão tendo muito influência sobre as pautas dos seus veículos, uma interferência perigosíssima ao livre exercício do jornalismo.

Assim como a liberdade diante de governos, a liberdade econômica é uma premissa básica do bom jornalismo, daquelas que se aprende no primeiro ano da faculdade. Afinal, o veículo tem que poder noticiar uma enorme falcatrua de uma empresa, mesmo que ela seja seu maior anunciante. Corre-se o risco de perder o anunciante? Claro! Mas daí vem uma frasesinha muito conhecida no meio: “a separação Igreja-Estado”, que diz que decisões de negócios não devem interferir nas editoriais e vice-versa (só não me perguntem quem é a Igreja e quem é o Estado).

Se isso for respeitado e a Redação fizer seu trabalho direito, constroi-se o maior bem do jornalismo: a credibilidade. E, pelo menos no mundo perfeito, isso deveria ser suficiente para o negócio seguir adiante.

Mas não estamos no mundo perfeito! Há alguns dias, zapeando despreocupadamente pela TV, dei a sorte de cair no começo de “O Informante”, com Al Pacino. Para resumir bastante a história, o filme conta o caso verdadeiro de uma reportagem do “60 Minutes”, da norte-americana CBS, em que um ex-alto executivo da indústria tabagista vem a público e explica, com todas as palavras, como seus antigos colegas deliberadamente manipulam as substâncias químicas nos cigarros para viciar seus consumidores.

Bem, como pode ser visto no trecho abaixo, depois de tudo pronto, a área de negócios da emissora tentou barrar a todo custo a entrevista com o informante, pois ela seria prejudicial à empresa. Só não conseguiu devido à sagacidade e –permitam-me a expressões– aos culhões do produtor, vivido por Pacino.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=ZIjpP-XngKA]

Realmente, fica difícil quando aquela que possivelmente foi a maior reportagem do ano só foi ao ar depois de muita confusão. Mas não sejamos inocentes em acreditar que isso não acontece.

Caímos então em um dilema: no mesmo seminário da ANJ, vários participantes disseram que é necessário que a imprensa volte a ser mais mantida pelo seu próprio público que por anunciantes, mas vivemos uma época em que as pessoas não querem pagar pelo conteúdo que consomem. Trata-se de uma discussão que não cansamos de tratar nesse blog.

Quase cegos

Também participando do evento, Caio Túlio Costa conclamou que as “empresas deveriam fazer operação de catarata!” Não se trata mais de discutir mudanças no modelo de negócios, e sim aceitar e entender que todo o negócio –em muitos de seus itens essenciais– mudou. “Os veículo ainda não entenderam essa nova realidade da informação”, concluiu.

Traduzindo: pode ser razoável que o público mantenha, ainda que não totalmente, a atividade jornalística, garantindo assim a independência e um jornalismo de qualidade (o que, aliás, é de interesse do mesmo público). Mas não dá para simplesmente pedir –ou pior, tentar impor– que as pessoas paguem pelo conteúdo: elas precisam ver valor naquilo, entender por que estão pagando e encontrar um preço que lhe pareça justo. É por isso que simplesmente fechar conteúdos é uma burrice.

Nesse teatro em que os atores não sabem suas falas, vem o The New York Times há alguns meses com uma proposta de “paywall” que, de início, foi motivo de chacota de muita gente. Basicamente, ele permite que se leia, de graça, 20 textos do site a cada 30 dias. Depois disso, tem que se pagar. O desprezo inicial se deve ao fato de o sistema ser facílimo de burlar, além de possuir várias “liberalidades” em seu conceito. Apesar disso, o NYT vem comemorando resultados muito surpreendentes: de um lado, a queda na visitação de seu site foi considerada aceitável; do outro, aumentou consideravelmente o volume de assinantes do site… e do jornal impresso!

Como isso foi possível? Pela combinação do melhor jornalismo independente do mundo com preços muito baixos. US$ 0,99 por semana para ter acesso ilimitado a todos os produtos digitais do NYT nas primeiras quatro semanas e US$ 35 por mês depois disso? E você ainda recebe o jornalão impresso em casa! É um valor razoável. Não obstante, eles realizaram uma pesada campanha de conscientização para justamente demonstrar que o jornalismo independente precisa do apoio do seu público.

As empresas de comunicação, especialmente a mídia impressa, estão rezando para essa “moda” pegar. Afinal, o dinheiro vindo da publicidade não para de minguar e fica cada vez mais difícil fechar as contas. São necessárias outras formas de fomentar o negócio. Mas temo que vejam apenas a parte do “conteúdo fechado” sem ver todo o resto do trabalho da turma do NYT. Repito: apenas fechar o conteúdo e esperar que o usuário pague por ele é um tiro na cabeça. Sempre existirá conteúdo grátis (e –sim– de qualidade) na rede.

No dia 5 de outubro, enquanto dava uma aula em um curso de extensão da PUC-SP, um aluno me indagou se esse modelo daria certo no Brasil?

Acho que sim. Você não pagaria R$ 1 por semana para garantir um jornalismo de qualidade para você?

A aposta de Murdoch no iPad

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Rupert Murdoch prepara o lançamento do The Daily, um diário que só existirá no iPad, mas que mimetiza um jornal impresso

Rupert Murdoch prepara o lançamento do The Daily, um diário que só existirá no iPad, mas que mimetiza um jornal impresso

Nos últimos dias, a mídia especializada deu grande destaque ao novo veículo que Rupert Murdoch, presidente da News Corporation, proprietária do The Wall Street Journal, está criando. Batizado de The Daily, o periódico deve ser lançado no início de 2011, será tocado por uma redação de cem jornalistas, alguns deles grandes nomes do mercado americano, e começa com uma injeção inicial de US$ 30 milhões.

Até aí, no big deal. O que torna The Daily realmente único é o fato de que ele será publicado apenas no iPad. Nada de versão na Web e muito menos em papel. Murdoch, um sujeito que, se pudesse, acabaria com a Internet só porque ela atrapalha o que ele realmente gosta de fazer, que são os jornais, e que vem buscando há meses (anos?) um modelo de negócios substituto para o papel, parece tê-lo encontrado no incensado tablet da Apple.

The Daily pode dar certo. Primeiramente porque o mogul australiano da mídia conta com o apoio do próprio Steve Jobs, CEO da Apple, para criar um produto que realmente tire proveito dos encantadores recursos do iPad, fugindo da mesmice, das limitações e da sem-gracisse dos produtos editoriais lançados até agora para o tablet (nota do editor: Jobs publicamente detesta o aplicativo para iPad do The New York Times, arquirrival do The Wall Street Journal).

Além disso, usuários do iPad adoram consumir aplicativos que tornem a sua experiência com o tablet melhor. E, nesse ponto, os US$ 0,99 que o veículo cobrará por semana são uma pechincha. Como conseguiram a mágica de cobrar tão pouco? Bom, como expliquei no meu post anterior, 80% dos custos de produção de um jornal são “desperdiçados” em coisas como papel, impressão, distribuição, infra-estrutura monumental… Apenas 20% são investidos naquilo que as pessoas realmente consomem, ou seja, conteúdo editorial. Criando um veículo que roda apenas no iPad, Murdoch elimina a maior parte desses custos “extras”.

Steve Jobs, CEO da Apple, que está empenhado em criar um The Daily que tire bom proveito dos recursos do iPad

Steve Jobs, CEO da Apple, que está empenhado em criar um The Daily que tire bom proveito dos recursos do iPad

A expectativa da News Corp. é chegar a 500 mil assinantes do The Daily em cinco anos. Se isso acontecer, isso passa de US$ 25 milhões em receitas de assinaturas anuais. Ok, um terço deve ficar com a Apple, mas, somadas às receitas de publicidade, The Daily deve ser financeiramente saudável. Se a Apple ainda trouxer o aplicativo pré-instalado no iPad, a quantidade de usuário pode ser ainda maior (tai a Microsoft que não me deixa mentir quando o assunto é pré-instalar programas no sistema operacional para ganhar mercado).

Mas nem tudo são flores no novo rebento de Murdoch. Se, por um lado, o modelo de negócios parece consistente, não posso dizer o mesmo do produto em si. Especialmente porque se trata de um jeito novo de se entregar notícia velha. Apesar de não ser impresso em árvores mortas, The Daily insiste no velho modelo do jornal diário de abrangência nacional: você baixa a edição de hoje, que traz notícias de ontem. As atualizações só virão amanhã… e com notícias de hoje. Nada de noticiário atualizado ao longo do dia. E muito menos pense em um noticiário personalizado, outra demanda que está explodindo entre os internautas.

Além disso, ele não oferecerá link para nada na Internet: todo o conteúdo será fechado nele mesmo. E, claro, ninguém dará link para ele, já que se trata de um aplicativo, e não de um site. De novo, The Daily fica mais parecido a um impresso e menos digital.

Por fim, The Daily pode enfrentar concorrência no próprio iPad de sites com conteúdo de qualidade e grátis, assim como os jornais de Murdoch enfrentam há anos na Web. Já se observam sites que começam a oferecer na Web produtos criados especificamente para iPhone e iPad, o que implica inclusive em alternativas ao uso do Flash, que os irritantes da Apple baniram de seu ecossitema. E aí, The Daily ficará ainda mais com cara de um jornal lento e pesadão.

Moral da história: por mais bem feito que a turma da Apple consiga criar o The Daily, eu diria que as suas chances residem muito mais em seu modelo comercial que editorial, que não me convence. É uma tremenda aposta de Murdoch, um dos maiores representantes de uma indústria que, especialmente nos EUA, agoniza. Mas eu sinto cheiro de naftalina: Naftalina for iPad.

Então como deve ser o jornal do futuro?

By | Jornalismo, Tecnologia | One Comment

No meu último post, comentei a minha decepção diante do “jornal do futuro” que a Folha de S.Paulo tanto propagandeou e finalmente lançou no dia 23 de maio. Depois da grande campanha de marketing, anunciando uma nova forma de se ler jornal, inclusive fazendo referência a downloads e ao iPad, esperei que a Folha pudesse, afinal, criar algo inovador, pelo menos no caminho do que realmente deveria ser um “jornal do futuro”, ainda que não tivesse chegado lá. Mas realmente a coisa não passava de um simples golpe publicitário, como já expliquei.

O post teve boa repercussão e várias pessoas vieram falar comigo sobre o que, afinal, deveria ser um “jornal do futuro” (insisto nas aspas). Para mim, algumas características seriam essenciais:

  • noticiário personalizado a partir da reorganização do material segundo critérios de relevância do usuário (e não apenas “leitor”), explicitamente informados com antecedência ou coletado a partir da navegação e das relações desse usuário com outros conteúdos e outras pessoas;
  • conteúdo realmente multimídia e interativo (concebido assim desde a pauta);
  • experiência informativa expandida com recursos de toda a Web, e não apenas com produtos da publicação ou de produtos da mesma empresa;
  • possibilidade de participação efetiva do usuário, muito além dos comentários observados hoje em alguns sites;
  • fim do “conteúdo fechado a assinantes”, adotando novos modelos de negócios que privilegiem usuários pagantes sem penalizar os não-pagantes;
  • produção de um produto jornalístico que transcenda diferentes mídias, tirando proveito do que cada uma tem de melhor, a despeito da mera transposição de conteúdo da “mídia de origem” (basicamente impresso ou TV) para a Web, como se vê majoritariamente hoje.

Hoje troquei rapidamente algumas palavras com Beth Saad (@bethsaad), a partir de um twit seu que justamente levantava a discussão da leitura de notícias no iPad, dando link para um texto que fazia referências ao uso de applications para uma experiência mais rica nisso. Interessante que, há algumas semanas, venho debatendo isso com Everson Siqueira (@eversonsiqueira) o uso dos mesmos apps para criar produtos editoriais mais ricos para essas novas plataformas, além de simples e-books. Um exemplo interessante é o Alice for iPad.

Algo que não vi ainda ninguém fazendo para valer é alterar os seus meios de produção para separar o conteúdo da forma, a exemplo que os desenvolvedores da Web já vêm fazendo há alguns anos, com a popularização do uso de CSS. Basicamente a ideia é produzir o conteúdo apenas uma vez, publicando-o sem qualquer espécie de formatação e enriquecimentos, que seriam acrescentados dinamicamente no momento da “saída”, seja no papel, seja na Web, seja em um smartphone, seja em um e-reader, seja no que mais aparecer por aí. Dessa forma, o conceito de transposição de mídias dá lugar a um “write once, run many” (sim, emprestei o slogan do Java, que ilustra bem o conceito).

Tenho ventilado aqui e ali a ideia. Admito que é bastante ousada. Mas, combinada aos itens acima, pode finalmente produzir o jornal do futuro (agora sem as aspas).

O impresso digital da Folha e seus assinantes

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As diferentes Folhas na Internet: a Online, a "na Web" e a Digital

As diferentes Folhas na Internet: a Online, a "na Web" e a Digital

No último domingo (13), a Folha lançou a versão digital do jornal impresso. Para quem ainda não viu a novidade, não se trata da transposição do texto e algumas imagens do jornal para páginas Web, que ajudei a criar em 1995 e que (inacreditavelmente) ainda continua no ar, ou da Folha Online, um outro veículo, com vida própria na Internet. O lançamento é uma reprodução fiel na tela das páginas do jornal, incluindo fotos, artes e até anúncios.

 

O diário da Barão de Limeira se vale da tecnologia Digital Pages, da empresa Futureway, que ganhou destaque com sua adoção há alguns anos pela revista Info, da Abril, e que também está presente no principal concorrente da Folha, o Estadão. Apesar de, a princípio, ser interessante ver na tela o jornal, especialmente para quem não pode colocar as mãos nele, considero isso contraditório: por que ver na Internet notícias “velhas”, do dia anterior? Além disso, não é possível acomodar na tela uma página standard com boa leitura: é preciso dar um zoom e ficar arrastando com o mouse a janela para se ler o conteúdo, um processo moroso.

Esse pessoal está dando uma nova dimensão a um termo que eu cunhei lá pelos idos de 2003: o “impresso digital”, ou seja, a publicação na Web de conteúdo sem tirar proveito dos recursos que essa mídia oferece. Esse mal atinge principalmente casas de comunicação de produtos impressos. Cheguei a escrever um artigo no Observatório da Imprensa em 2005 sobre o assunto.

Murilo Bussab, diretor de Circulação do jornal, justifica o novo produto como uma tentativa de “atender um público que busca aliar as vantagens do jornal impresso, como hierarquização de notícias, diagramação, infográficos e fotografias, com a velocidade, praticidade e interatividade que a internet e os meios eletrônicos permitem.” Me desculpem, mas esse senhor não quer ver o que acontece no mundo. Suas notícias “velhas” são liberadas apenas às 5h30 do dia seguinte e justamente NÃO aproveitam os benefícios da Internet. Exatamente o oposto do que alardeou.

Mas o que mais me assusta nessa iniciativa da Folha não é o seu impresso digital, e sim seu modelo de negócios. Assim como acontece com a velha Folha na Web, a novidade em breve será uma exclusividade para assinantes (o produto está aberto por 30 dias). Ao invés de procurar modelos alternativos para garantir a continuidade do título, insistem em um modelo moribundo internacionalmente, que está matando o jornal impresso também no Brasil. A própria Folha, ainda o diário de maior circulação no país, está agora com uma tiragem média de “apenas” 297 mil exemplares. É muito pouco para um veículo que já rompeu a marca de um milhão em tiragem média. Vivo cercado de jornalistas e cada vez menos vejo colegas assinando veículos, especialmente impressos.

O que a Folha espera? Que fechar seu conteúdo a assinantes aumente a tiragem de sua versão distribuída em árvores mortas? Essa visão de que se é dono de um produto premium e que liberá-lo na Web diminuirá seu valor é um duplo equívoco histórico que as grandes casas de comunicação insistem em cometer. Pior que isso: especialmente nos EUA, onde a crise na mídia bateu com mais força, os executivos estão endurecendo e fechando seu conteúdo. Eles se recusam a aceitar o fato de que existe muita gente produzindo conteúdo tão bom (ou melhor) quanto o deles na Web. E de graça.

Ironicamente, há duas semanas recebi uma ligação do telemarketing da Folha me oferecendo a assinatura do jornal, pela qual pagaria apenas a “taxa de envio” nos primeiros três meses. Curiosamente, ela era praticamente o valor de uma assinatura “cheia”. Oras, de duas uma: ou estão dando de graça o seu produto ou estão me enrolando. Receio que seja uma combinação das duas coisas. O Estadão, por sua vez, lança uma campanha em que o assinante diz quanto quer pagar pela assinatura no primeiro mês.

No final, estamos pagando pelo papel jornal. Só o papel. Nas entrelinhas dessas campanhas de assinatura, o conteúdo já virou commodity. A Folha de S.Paulo deveria olhar mais para sua irmã REALMENTE digital -a Folha Online- e tratar de aprender algo com ela.

Another one bites the dust… now

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Tucson não foi grande o suficiente para manter dois jornais impressos diários, a mesma conversa ouvida em Denver no fim de fevereiro

Tucson não foi grande o suficiente para manter dois jornais impressos diários, a mesma conversa ouvida em Denver no fim de fevereiro

No dia 16 de março, publiquei aqui no Macaco Elétrico um post comentando a notícia de que o Tucson Citizen fecharia as suas portas no dia 21 daquele mês, depois de agonizar por dois meses atrás de um comprador que acabou não aparecendo. Bem, na verdade o fim ainda foi prolongado por outros dois meses, até que a edição final fosse publicada apenas neste sábado, dia 16 de maio, 138 anos, sete meses e um dia após a primeira edição.

“Mudanças dramáticas em nossa indústria combinadas com dificuldades econômicas particularmente nessa região tornaram inviável a produção de dois jornais impressos diários em Tucson”, sentenciou Bob Dickey, presidente da divisão de publicações comunitárias da Gannett Co., proprietária do Citizen. Discurso semelhante já havia sido usado pela E.W. Scripps Co. ao anunciar o encerramento das operações do seu Rocky Mountain News, de Denver, no dia 26 de fevereiro, a míseros 55 dias de completar 150 anos de jornalismo. Lá, sobrou o The Denver Post, da MediaNews Corp, que acaba de anunciar que pretende restringir o conteúdo online de seus 53 jornais a usuários pagantes.

De volta a Tucson, a equipe do Citizen (e até mesmo alguns cidadãos) ainda procura uma maneira de manter o veículo vivo, mesmo que seja apenas online. Parece a repetição da história de ex-funcionários do Rocky que tentaram captar para si os espólios do finado em uma nova publicação exclusivamente digital, o InDenverTimes.com. Para isso, propuseram um modelo de assinaturas que não vingou, pois mais parecia um “patrocínio” de cidadãos simpatizantes que um modelo de negócios bem montado. Apesar do fracasso, ainda não desistiram e procuram agora outro modelo. Espero que sejam bem-sucedidos, servindo de inspiração aos colegas de Tucson e de todo mundo.

A turma do conteúdo fechado bate o bumbo

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Singleton engrossou o coro dos que querem restringir o conteúdo online a pagantes

Singleton engrossou o coro dos que querem restringir o conteúdo online a pagantes

Primeiro foi Rupert Murdoch, presidente da News Corporation, proprietária do The Wall Street Journal. Agora foi a vez de William Dean Singleton, presidente do conselho da Associated Press e CEO da MediaNews Corp, que publica 53 jornais nos EUA. Os dois são as mais proeminentes vozes do coro cada vez mais forte de publishers que pregam que não é mais possível oferecer de graça do seu conteúdo na Internet.

Isso contraria o senso comum vigente, que prega que novos modelos de negócios sejam perseguidos para compensar as quedas nas receitas publicitárias das edições impressas dos veículos. Apesar de a publicidade online estar aumentando, ela não cobre o rombo deixado pelas perdas do impresso.

No dia 7 de maio, Murdoch afirmou publicamente que a News Corp está desenvolvendo um sistema de micropagamento para que os internautas tenham a possibilidade de pagar individualmente por artigos ou serviços de seus veículos online, começando justamente pelo WSJ. No dia seguinte, Singleton enviou um memorando aos funcionários do MediaNews Corp pregando o mesmo caminho. O memorando foi republicado no mesmo dia na coluna de Jim Romenesko no site do Poynter Institute’s.

“Nós continuamos a praticar uma injustiça com nossos assinantes de impressos e a criar a percepção de que nosso conteúdo não tem valor ao colocar online todo o nosso conteúdo impresso de graça”, escreveu Singleton. “Isso não apenas erode nossa circulação impressa, desvaloriza a essência de nosso negócio –o grande jornalismo local que nós (e só nós) produzimos diariamente.”

Nesse momento de crise, é grande a chance dessa tendência de retrocesso vingar. Sem fazer muita força, parece mesmo que faz sentido. Mas, se você concorda com eles, permita-me discordar: acredito que se trata de um movimento de recrudescimento em torno da incapacidade de se adaptar a uma nova realidade econômica. Não estou dizendo, de forma alguma, que empresas ou profissionais trabalhem por amor à arte, pois nem relógio funciona de graça. Mas, ao fechar o conteúdo para tentar fechar o balanço, as empresas perdem a chance de levar seus produtos jornalísticos a um novo patamar, transformando-os em algo muito melhor para seus consumidores e as próprias companhias.

Modelos alternativos já existem e vêm sendo discutidos aqui mesmo nesse blog. Mas todos eles representam mudanças substanciais em questões essenciais das companhias. Admito que não são fáceis para qualquer um, principalmente para quem tem muito a perder. Espero, entretanto, que a inovação vença a resistência.