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Dá para melhorar o Brasil?

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O deputado Jean Wyllys (de vermelho) cospe no deputado Jair Bolsonaro (com braços levantados) em plena Câmara dos Deputados - Foto: reprodução

O deputado Jean Wyllys (de vermelho) cospe no deputado Jair Bolsonaro (com braços levantados) em plena Câmara dos Deputados

Há dez dias, assistimos a um espetáculo de fanfarronice de deputados governistas e oposicionistas na votação do impeachment na Câmara. Transformaram seus segundos de fama diante de uma enorme audiência em um palanque grotesco. Mas aquilo pode nos ensinar muito sobre o caminho para melhorar o Brasil.

Desde aquele fatídico domingo, as redes sociais têm sido tomadas por todo tipo de manifestação a favor ou contra tudo que foi visto lá. Naturalmente alguns deputados acabaram ganhando mais destaque, infelizmente menos pelas suas ideias e mais por cenas bizarras que protagonizaram. Diante disso, nós nos indignamos, rimos e até ridicularizamos alguns. Mas, assim como os deputados, muitos fizeram isso levados pela emoção e por seguir o clamor popular, em um verdadeiro efeito-manada político, sem a devida reflexão.


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Será que não estamos ridicularizando a nós mesmos?

Apesar de toda repulsa que isso nos causa, não podemos esquecer que aquele circo representa as crenças da população.

Sei que pode parecer horrível dizer isso e muito difícil admitir tal coisa. Mas todas aquelas pessoas foram eleitas pelo que pensam ou pelo que representam na sociedade. Para comprovar isso, basta considerar os deputados Jean Wyllys e Jair Bolsonaro. Ambos habitam extremos opostos da sociedade e estão constantemente entrando em conflito na Câmara. Na votação acima, Bolsonaro provocou Wyllys logo após ele ter votado e recebeu, em troca, uma cusparada.

As atitudes de ambos são condenáveis. Não obstante, é bem fácil encontrar grupos que os defendem, mesmo depois de mais esse confronto. E não poderia ser diferente, pois seus posicionamentos são os mesmos desses grupos sociais. Por isso, essas pessoas os elegeram e os continuam apoiando.

Bolsonaro e Wyllys são apenas dois exemplos, mas a Câmara é povoada por seres que representam os ideais de grupos específicos, que podem parecer aberrações ao resto da população. Mas esse é o jogo democrático.

O que me leva à pergunta fatídica: por que o Congresso Nacional, a exemplo da sociedade que o elege, se transformou em um circo de horrores?

 

“Espelho mágico, espelho meu”

O Congresso Nacional –e na verdade os três poderes nas três esferas– representam o povo. Precisamos então pensar no que levou a sociedade a esse ponto e como melhorar isso.

Vivemos um vale-tudo cuja raiz está no Brasil Colônia. Nesse cenário, ganha quem é mais forte, grita mais alto, é mais malandro ou simplesmente porque “está pagando”.

Como poderia ser diferente se a história brasileira começou com a Coroa Portuguesa despachando a escória da sua sociedade para colonizar suas novas terras? Some-se a isso o completo desprezo da Metrópole pelo desenvolvimento da Colônia, escravidão e uma completa falta de acesso à educação, e você tem elementos de nossa cultura que foram cultivados ao longo de séculos. Como resultado, temos a corrupção endêmica, o “jeitinho brasileiro” (que, a despeito do romantismo que lhe conferem, também é corrupção), o suborno ao guarda, o pouco caso com leis e instituições, a “Lei do Gerson”, o “você sabe com quem está falando” e muitos outros comportamentos da mesma estirpe.

De uns tempos para cá, a situação só vem piorando. Em uma sociedade em que é muito mais importante “ter” que “ser”, o vale-tudo descambou para a população querendo se armar e tendo mais medo da polícia que dos bandidos em algumas regiões, os falidos serviços essenciais do Estado sendo substituídos por versões privadas (o que enfraquece ainda mais o Estado), a busca inconsequente por todo tipo de prazer e a vontade de fazer justiça com as próprias mãos. Afinal, hoje se mata por muito pouco (ou por nada) no Brasil. Desse caldo, florescem o ódio, o radicalismo e a inconsequência.

 

A única saída

Naturalmente, todas essas medidas só fazem piorar ainda mais a situação. A sociedade brasileira é como uma enorme roda girando cada vez mais rapidamente no sentido da intolerância autodestrutiva. E tudo o que foi dito acima acelerará mais e mais essa roda, até um ponto em que não será mais possível detê-la. E então o Brasil estará condenado. Viveremos em um “Mad Max” cotidiano.

Claramente o que temos que fazer é desacelerar a roda, forçando uma rotação contrária. E isso implica em, primeiramente, parar de fazer tudo o que foi dito acima. O vale-tudo, o “jeitinho brasileiro”, a “Lei do Gerson” e a justiça pelas próprias mãos são cânceres que estão matando o Brasil.

Mas isso ainda não será suficiente. Outro fator essencial para “curarmos” nossa sociedade é investir pesadamente em educação. Educação séria, de qualidade, ampla e para todos.

Simples, não é? Nem tanto, infelizmente…

O primeiro obstáculo é convencer a população a abandonar esses maus hábitos. E isso significa lutar contra um sentimento de que, se deixar de fazer isso, acabará sendo “passado para trás” pelos que não fizerem o mesmo. E desgraçadamente isso acontecerá em muitos casos. Mas é necessário resistir e não ter uma recaída para o “lado negro”. E sempre contagiar o próximo para o que é certo.

A segunda grande barreira é convencer o governo a levar a educação com seriedade, melhorando a formação e as condições de trabalho dos professores, devolvendo-lhes autoridade e autoestima, criando uma base curricular realmente de excelência e trazendo a sociedade para dentro da escola. E isso para todos os brasileiros! Mas os políticos preferem uma massa ignorante e fácil de manipular. Portanto o governo não faz isso direito desde… bem, desde sempre.

Gosto muito do exemplo da Coreia do Sul. Em 1950, a Coreia era considerado o país mais pobre do mundo, muito mais pobre que o Brasil da época. Após o fim da guerra que consolidou a divisão do país entre o norte socialista e o sul capitalista, este último começou um intenso e consistente programa de educação de toda a população. Com resultado, depois de 35 anos, a Coreia do Sul saiu da miséria para figurar entre os Tigres Asiáticos. Hoje é considerada a 13º maior economia do mundo, com o 17º melhor Índice de Desenvolvimento Humano.

E foram necessárias apenas algumas décadas…

Portanto, se fizermos tudo o que precisamos, não teremos resultados no ano que vem. Nem na década que vem. Afinal, temos que arrumar uma bagunça de 516 anos! Portanto, temos que ser persistentes, sem esmorecer diante dos obstáculos que certamente surgirão. E aí, daqui a uns 50 anos, o brasileiro poderá bater no peito e dizer que vive em um dos melhores países do mundo.

Não há outro jeito. Sem fórmulas mágicas.

A alternativa é continuar do jeito que está. Assim poderemos seguir rindo de deputados se agredindo em pleno Congresso Nacional. E rindo também da nossa própria incompetência.


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