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Montagem sobre recorte da tela “A Proclamação da Independência”, pintada pelo artista francês François-René Moreaux em 1844

Independência digital ou morte social

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Estamos na semana da Pátria. E não é qualquer uma: nesse 7 de Setembro, comemoramos 200 anos da independência do país. O Brasil merecia estar em melhor forma para uma data tão emblemática. Mas chegamos aqui com nossa sociedade rachada ao meio porque nossas paixões foram exacerbadas pelo meio digital, para o bem e para o mal. A quem isso interessa?

Não se trata de um fenômeno visto apenas no Brasil. A polarização social pelas redes floresceu nos Estados Unidos e se espalhou como uma erva daninha pelo mundo. Mas, por aqui, ela encontrou terreno fértil, pois adoramos redes sociais.

Não há nada de errado nisso, a princípio. Eu mesmo atuo fortemente nessas plataformas. O risco surge quando passamos a depender do que vemos nelas para tomarmos decisões cotidianas, terceirizando nosso senso crítico. É nessa hora, quando rebaixamos nossas defesas, que os oportunistas usam esses recursos digitais para nos manipular. E o resultado é um país que parece ter perdido sua capacidade de construir seu futuro de maneira unificada, como se, para um grupo satisfazer seus desejos, precisasse eliminar aqueles que pensam de maneira divergente.

Só que essa é a receita para o desastre!


Veja esse artigo em vídeo:


O poder de convencimento das redes sociais é tão fabuloso, que fica muito difícil escapar dele, por mais esclarecidos que sejamos sobre o problema. Afinal, elas trabalham com características essenciais de nossa psique. Em primeiro lugar, conseguem identificar do que gostamos e do que não gostamos, por mais que tentemos “furar a bolha”, seguindo pessoas e fontes de informação diversas.

Partindo dessa informação valiosíssima, elas privilegiam publicações que reforcem esses nossos desejos e medos, oferecendo elementos para se obter ou confirmar os primeiros e para fugir dos segundos. E isso é tudo que nosso instinto de autopreservação deseja. Por isso, acabamos confiando no que nos é jogado na cara.

Isso foi brilhantemente descrito no documentário “O Dilema das Redes” (Netflix, 2020). O mecanismo foi criado para nos vender todo tipo de produto, base do modelo de negócios dessas empresas. O problema é que tudo pode ser empacotado como um produto, até mesmo uma ideologia.

Políticos sempre mentiram e atacaram seus adversários. É como se não fosse possível fazer política sem lançar mão desses recursos. Mas, quando isso passa pelo efeito multiplicador das redes, as pessoas acreditam mais nas mentiras e muitas passam a encarar os adversários como verdadeiros inimigos. E isso não é debate político: é o império do ódio.

Podemos fazer um exercício e lembrar de como agíamos não muito tempo atrás. Tínhamos nossas preferências políticas, de quem gostávamos e de quem não gostávamos. Ainda assim, éramos capazes de conviver pacificamente com quem pensasse de maneira diferente de nós, e até trabalhar alegremente com essas pessoas. Hoje todo mundo conhece casos de familiares, amigos e colegas que cortam laços por esse motivo. Talvez nós mesmos já tenhamos feito isso!

Nessas horas, as redes sociais deixam de ser uma atividade divertida e se tornam um risco para a própria democracia. Nossa enorme dependência dessas plataformas promove a morte da sociedade.

 

Para onde caminhamos?

Afinal, estamos evoluindo ou regredindo como sociedade e como indivíduos?

A despeito de momentos sombrios como esse, que sempre permearam nossa história, entendo que a humanidade, na média, caminha para frente. Às vezes, voltamos um passo para depois avançarmos dois. E, em cada recorte, sempre haverá pontos em que avançamos e os que retrocedemos.

Temos as evoluções científicas, que crescem de maneira exponencial. Apenas para pegar um exemplo claro, basta ver a diferença de tratamentos e cuidados entre duas devastadoras pandemias, a da Gripe Espanhola e a da Covid-19, separadas por um século. Sem a tecnologia desenvolvida nesse intervalo, o novo coronavírus teria matado muitíssimo mais!

Avançamos também –e muito– em aspectos sociais. Nesse caso, as principais ferramentas são o debate e a informação de qualidade. Apesar de imperfeições, a mídia desempenha um papel crucial nesse sentido, informando a população sobre o que acontece tanto no seu bairro, quanto no mundo, apresentando novidades, apontando problemas, indicando caminhos.  Podemos usar o mesmo exemplo anterior, a pandemia de Covid-19: se não fossem os esclarecimentos feitos pela mídia, o total de mortos teriam sido terrivelmente maior.

Esse caso ilustra, de maneira bastante didática, porque não se deve acreditar no que chega até nós pelas redes sociais. As infames fake news são apenas uma ferramenta de um processo maior de desinformação que vem carcomendo nossa sociedade por dentro há muitos anos. Ainda em 2016, o Dicionário de Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano, definindo-a como “relativa ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.”

Às vezes, estar certo é quase uma maldição. Os editores da obra anteciparam o cenário em que vivemos hoje, descrevendo o funcionamento dos algoritmos de relevância das redes sociais e sua usurpação por diferentes grupos de poder.

“Desde a era da pedra, mitos foram reforçados a serviço da união da coletividade humana.” A afirmação é do historiador israelense Yuval Noah Harari, em seu livro “21 Lições para o Século 21” (2018). Ele continua: “O Homo sapiens conquistou esse planeta graças, sobretudo à habilidade humana única de criar e disseminar ficções.”

Em outras palavras, somos os únicos com a capacidade de acreditar em desconhecidos para construir algo com eles. A isso, damos o nome de sociedade! Dessa forma, se perdermos a capacidade de acreditar no próximo, deixaremos de fazer algo juntos, colocando a própria sociedade em risco!

A tomada de assalto das plataformas digitais pela política as transformou nas ferramentas perfeitas para que esses grupos atinjam e se mantenham no poder. A mecânica é elevar irresponsavelmente a polarização, a intolerância, o ódio a patamares perigosíssimos. Não é à toa que brasileiros estão literalmente resolvendo até pequenas diferenças a bala, nas ruas, no trânsito, em shows, em igrejas e até em festas de aniversário! Nesse ano, isso aconteceu assustadoramente em todos esses lugares, em diferentes regiões do país.

Isso não é democracia, não é independência. Precisamos resgatar nossa capacidade de pensar com um cérebro livre e sentir com um coração leve, ou teremos o triunfo da morte. E não era essa a proposta do aclamado “Grito do Ipiranga”.

 

A péssima educação brasileira deixa vagas abertas em um país cheio de desempregados

By | Educação | 7 Comments

Foto: ONU/Creative Commons

Na semana passada, foi divulgado o relatório “Analfabetismo no Mundo do Trabalho”, que aponta que só 8% dos brasileiros dominam o português e a matemática. Essa vergonhosa porcentagem explica o aparente paradoxo que vivemos, com um desemprego explosivo assolando o país, enquanto as empresas não conseguem preencher suas melhores vagas.

Evidentemente nada disso é fotografia de uma situação construída de uma hora para outra. O nível rasteiro da educação brasileira tem origem na época do Brasil Colônia, onde ela era virtualmente inexistente por aqui. Mesmo após a Independência, educação era coisa para homens e para ricos. No caso de universidade, implicava em conclusão de estudos na Europa.


Vídeo relacionado:


Evidentemente, nos últimos 200 anos, a educação se democratizou no Brasil. Homens e mulheres estudam –na verdade, as mulheres estudam, na média, até mais que os homens (7,3 anos delas contra 6,3 anos deles). Também temos pessoas de todas as classes sociais na escola e até na universidade, que agora também pode ser feita por aqui mesmo.

A situação está melhor que na época de Dom Pedro? Claro que sim! Mas também não precisa de quase nada para isso. A questão é: a educação brasileira é boa?

Claro que não!

Essa democratização se refere muito mais ao acesso às salas de aula que à qualidade. Temos poucas ilhas de excelência pedagógica cercadas por um mar de escolas que explicam os números acima. Isso foi brilhantemente captado no documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo (88 minutos):

 

 

Essa situação vem evidentemente do nosso histórico de pouco apreço pela educação e pelos professores. Se, na Coreia do Sul, apenas os melhores podem exercer esse ofício, por aqui vivemos um cenário em que uns pouco iluminados abraçam o sacerdócio pelo chamado irresistível da vocação, enquanto a maioria acaba sendo composta por profissionais que “não deram certo” nos ofícios que tinham escolhido originalmente.

Como resolver isso?

 

Correção lenta, mas necessária

Sejamos sinceros: falar mal da educação no Brasil é como chutar cachorro morto. Ano após ano, estudo após estudo, relatório após relatório, confirmamos esse conhecido flagelo nacional. E muito pouco vem sendo feito para corrigi-lo. É como se acalentássemos o algoz do futuro do Brasil.

Não há mágica para solucionar o problema, e nada dará resultados positivos rapidamente. E talvez aí resida o maior desafio para a melhoria, pois as políticas educacionais por aqui não são consistentes e não têm continuidade. Governos vêm e vão, e adoram trocar como e o que nossos estudantes devem aprender.

Aliás, estamos justamente em um desses “momentos incríveis”, no meio do debate em torno da Base Nacional Comum Curricular, que acaba daqui a seis dias, no dia 15 de março. Ele está acontecendo a partir da proposta organizada por educadores contratados pelo MEC para criar as diretrizes para todo o Ensino Fundamental e Médio do país de agora em diante. Entretanto seu conteúdo é carregado com um pesado viés político com potencial para tornar a educação brasileira irrelevante. A proposta é tão ruim, que foi criticada pelo ex-ministro da Educação, o professor de ética e filosofia Renato Janine Ribeiro, que perdeu o posto na reforma ministerial feita pela presidente Dilma Rousseff no dia 2 de outubro passado.

Esse é um ótimo exemplo do que NÃO deve ser feito. Não nos enganemos: toda política educacional tem viés ideológico do grupo dominante. Mas isso não pode ser mais importante que os conteúdos relevantes para a formação do cidadão ou que a forma de se educar. E certamente não pode ser mais importante que a valorização da figura do professor, tão maltratado na sua formação, quanto no exercício da profissão.

Falei há pouco da Coreia. Em 1950, ela chegou a ser considerada o país mais pobre do mundo, bem abaixo do Brasil da época. Entretanto, vejam a situação da Coreia do Sul hoje. Qual foi o “truque”? Investimento sério e pesado em educação, e com continuidade. Demorou “apenas” uns 40 anos para passar da miséria para a posição de uma das economias mais pujantes do mundo.

Em algum momento, temos que parar de reclamar e de brincar, e começar a consertar a situação por aqui, pois o processo durará, no mínimo, uma geração. Caso contrário, corremos o risco de caminhar com confiança de volta ao Brasil Colônia, com empresas cheias de vagas abertas e uma multidão de analfabetos funcionais desempregados incapazes de preenchê-las.


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A Grécia está prestes a ser varrida da História

By | Educação | 6 Comments

Composição sobre imagem de VisualHunt.com/Creative Commons

Uma proposta que está sendo gestada em Brasília pode apagar a Grécia da História. Ironicamente ela não afetará nenhum cidadão grego, mas pode ser devastadora para os brasileiros.

Não, o Brasil não mandará tropas ao mar Egeu. A proposta se refere a mudanças no que as quase 200 mil escolas brasileiras deverão ensinar aos seus alunos em todas as disciplinas, a chamada Base Nacional Comum Curricular. Uma organização assim é bem-vinda. Entretanto, para ser benéfica, deve ser muito cuidadosa nos conteúdos propostos. E aí está o problema.

A íntegra da proposta está disponível para consulta pública no site do ministério até o dia 15 de março e o documento vem sendo bombardeado por especialistas. Qualquer brasileiro pode deixar lá sua opinião.

Neste artigo, vou me concentrar em História. É importante também deixar claro que este texto trata apenas de aspectos educacionais, fugindo de qualquer discussão política ou partidária. Mas é impossível não mencionar a característica fortemente ideológica e doutrinária do documento do MEC.

Evidentemente a educação é a mais poderosa ferramenta de controle de um povo. E a disciplina de História tem papel crucial nessa tarefa, pois apresenta elementos capazes de moldar a moral do cidadão. Não é de se espantar, portanto, que todos os regimes totalitários lancem mão desse recurso odioso.

No Brasil mesmo, temos o exemplo do currículo imposto pelo governo militar, que distorceu à vontade a história do país para criar uma geração dócil e pouco contestadora. O próprio currículo atual está longe de ser perfeito, sendo resultado de um arremedo do que sobrou do currículo militar com discussões mal-ajambradas da academia desde então, além da ideologia de cada autor.

No século passado, tivemos também outros excelentes exemplos de doutrinação pela escola, na Alemanha nazista, na União Soviética e na China. E atualmente temos o caso da Coreia do Norte, “o país sem cidadãos tristes”.

Claro que podemos afirmar que não há um currículo escolar sem viés político, pois a História nos mostra (pelo menos para aqueles que tiveram a oportunidade de ter uma visão mais ampla dela) que ela é contada sempre pelo vencedor. Seja o vencedor de uma guerra, seja o vencedor das últimas eleições. E nem precisa ser algo de grande monta: estamos cansados de ver prefeitinhos mequetrefes criando “conteúdos pedagógicos” para as escolas de seus municípios que desqualificam seus opositores e o que pensam.

Mas, afinal, o que o MEC está propondo para História?

 

Ameríndios e africanos versus europeus

A proposta do MEC parte de um pressuposto interessante é válido: como os fatos culminaram na atual sociedade brasileira. Mas a situação se deteriora rapidamente quando observamos os conteúdos propostos para se atingir esse objetivo pedagógico.

Pela proposta, o ensino de qualquer coisa anterior às Grandes Navegações foi eliminado, incluindo aí a formação dos povos mesopotâmicos, egípcios, hebreus, gregos, romanos, além de todos os Estados europeus, pedras fundamentais da cultura ocidental, inclusive da brasileira.

O currículo atual, bastante centrado na Europa, daria lugar a uma proposta fortemente focada em civilizações ameríndias e africanas. Todo o estudo da Antiguidade, Idade Média, Renascimento é eliminado, incluindo o surgimento e a disseminação do Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo. Em seu lugar, entram o contexto político dos povos indígenas brasileiros e da África subsaariana às vésperas da Conquista. E até temas para lá de questionáveis para a formação do cidadão brasileiro, como a independência do Haiti e a Revolução Boliviana ocupariam as aulas de história.

É inegável a influência dos índios e dos africanos em nossa cultura e elas merecem ser mais bem apresentadas do que são hoje. Mas de forma alguma isso pode acontecer em prejuízo de outros elementos definidores dela, a maioria mais importantes que os agora propostos. Pois, queiram ou não, nossa cultura e nossas organizações social, política, legal tem base europeia.

Pela nova proposta, eventos históricos europeus só são considerados naquilo que, de alguma forma, se relacionem com o Brasil. Mas como entender a independência do nosso país sem entender que a Corte portuguesa só veio ao país fugindo das Guerras Napoleônicas? É como entendê-las sem compreender a formação do Estado francês, que por sua vez está ligado, em suas raízes, ao fim do Império Romano. Esse, por sua vez, construído sobre a cultura de um país por eles dominado militarmente (mas não culturalmente) séculos antes: os mesmos gregos do início deste artigo.

A própria Revolução Francesa, que ajudou a moldar todo o Ocidente -e posteriormente parte do Oriente, por influência de nações como Inglaterra e EUA- fica reduzida a um estudo no 8º ano de como ela influenciou o nosso processo de independência e do pensamento liberal no país. E não há sequer menção à Revolução Industrial, que cristalizou os conceitos do Capitalismo e abriu espaço para a luta de classes e, portanto, do Socialismo. Que dizer então da Guerra Fria e sua influência decisiva na formação geopolítica global? Também não está lá. E estes são apenas alguns exemplos.

Essa proposta, que, a despeito da consulta pública, é completamente desconhecida da população, precisa ser, portanto, discutida e modificada dramaticamente! Entretanto, o pouco tempo disponível (cerca de seis meses) e a falta de divulgação e transparência nos processos me fazem sinceramente temer pelo resultado final.

A História, apresentada de maneira ampla e sem viés ideológico, é uma essencial para a formação, manutenção e evolução de qualquer sociedade. Estamos em um momento precioso para fazer isso direito, mas a proposta atual corre exatamente em sentido contrário.

Afinal, como nós estudamos na escola, conhecendo a história, compreendemos o presente e criamos um futuro melhor para todos. Mas, com a proposta em questão, temo que nossos filhos e netos não terão a mesma oportunidade de desenvolver essa visão crítica do mundo.

 

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